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30. Otávio Velho, Luiz Eduardo Soares, Rubem César Fernandes e José Jorge de Carvalho.
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estava em um dos salões, solitário, em cima de um piano e sem
nenhuma identificação.
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da Flórida, em Gainesville, reencontrei-me com o surpreen-
dente e ao mesmo tempo familiar quadro que havia visto na-
quela tarde e tive uma confirmação do meu primeiro palpite.
Tratava-se, segundo o prestigiado historiador Pedro Calmon,
de “d. Pedro II, com um ano e meio de idade, no colo da sua
ama”, retrato a óleo de Debret.32 Trinta e cinco anos depois,
em 1998, no livro de Lilia Moritz Schwarcz,33 aparece uma
reprodução do mesmo quadro, porém sem a identificação an-
teriormente prodigalizada por Pedro Calmon. A legenda in-
troduz uma dúvida e limita-se a dizer que as figuras pintadas
por Debret são atribuídas a d. Pedro e sua “babá”. Adotando
a incerteza, tanto do pintor quanto das figuras representa-
das, o Museu Imperial de Petrópolis a exibia, no momento
da primeira publicação deste artigo, como “Anônimo. Muca-
ma com criança nos braços. Óleo sobre tela sem assinatura”.
Hoje, a identificação oficial da pintura oculta-se ainda mais,
eludindo a raiz africana por criação do imperador do Brasil e,
no catálogo, a obra consta como “Mucama com criança nos
braços, óleo sobre tela, sem assinatura nem data” e esclare-
ce-se: “Trata-se de um retrato de Luís Pereira de Carvalho,
Nhozinho, no colo de sua mucama Catarina”34. Porém, duas
pistas fazem-nos suspeitar dessa descrição: todos os retratos
não religiosos do Museu Imperial são de d. Pedro ou de seus
parentes imediatos; e a marcante testa larga do bebê remete
ao conhecido rosto do imperador adulto, nas muitas imagens
que existem dele.
32. P. Calmon, História do Brasil. Século XIX – Conclusão. O Império e a ordem liberal,
p.1619.
33. L. M. Schwarcz, As barbas do imperador – Dom Pedro II, um monarca nos trópicos.
34. Atualmente, na ficha da obra no Museu Imperial consta: “Ama com criança ao colo –
Catarina e o menino Luís Pereira de Carvalho”. (N.E.)
35. E. H. Kantorowicz, Os dois corpos do rei: um estudo sobre teologia política medieval.
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tela pressentimos – um ocultando o outro – os dois corpos do
imperador: seu corpo privado e seu corpo público. Só que, no
quadro, o corpo privado e o corpo público aparecem em um
estado de confusão que estimula ao extremo a imaginação de
quem o interpreta. O bebê rosado e carnal agarrado em gesto
fusional ao peito negro de quem completa seu mundo projeta,
na pequena pintura, simultaneamente, uma cena pública e uma
privada, e, além disso, uma cena privadamente pública.
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lugar, outra cena que bloqueia indefinidamente a possibilida-
de de resgate. Maria Elizabeth Ribeiro Carneiro foi em busca
das amas na obra das historiadoras e dos historiadores consi-
derados clássicos e ainda amplamente lidos – Gilberto Freyre,
Caio Prado Jr., Emilia Viotti da Costa etc. – e encontrou a
utilização da imagem da mãe negra, da ama de leite, como
elemento narrativo instrumental na composição da ideologia
de suavização da escravidão no Brasil. Diz ela:
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literária em um painel de costumes festivo38 contrastam, por
exemplo, com a exaustiva inscrição dada pela sociedade me-
xicana, ao longo do tempo, ao tema equivalente do malin-
chismo e a repulsa à origem. É permanente na historiografia
mexicana, na antropologia e no vernáculo, a atenção dada
à tortuosa ambivalência do povo mexicano a respeito do
complexo decorrente da mãe Malinche: a mãe índia de toda
a nação mexicana, concubina ilegítima, escrava primeiro dos
astecas e, depois, dos espanhóis: a amante de Cortés. Mãe dos
“hijos de la chingada”, violada e fértil, Malinche foi tradu-
tora e traidora entre o espanhol e as várias línguas indígenas
do México pré-colombiano. O povo mexicano percebe-se e
inscreve-se na história, apesar da ambivalência e insegurança
que disso resulta, como filhas e filhos ilegítimos dessa união
e da cópula entre duas linhagens tão antagônicas, tanto antes
quanto agora.39 Inscrevem nas letras essa origem como maldi-
ção fundacional: a maldição de Malinche. Há, portanto, uma
simbolização sem mistificação e sem ocultamento dos aspectos
irreparáveis e indesejáveis desse berço da nação. O exercício
do poder e a submissão não são espetacularizados em cenas de
alegria, e o elemento de estupro originário continua acenando
desde o passado, odioso e indefensável. A derrota e o sofri-
mento do povo vencido não são festivamente escamoteados
nas narrativas e preservam seu dramatismo, mesmo em textos
e versões liberais. Correntes literárias, historiográficas e an-
tropológicas de máxima importância na nação representam a
colisão ancestral do público com o privado como uma história
em chave trágica e não como uma comédia italiana.40
38. Refiro-me ao trabalho de elaboração e digestão do indigesto que Gilberto Freyre reali-
zou para a nação brasileira.
39. S. Messinger Cypess, La Malinche in Mexican Literature. From History to Myth.
40. O. Paz, “Los hijos de la Malinche”; R. Bartra, La jaula de la melancolía: identidad y
metamorfósis del mexicano; C. Fuentes, El espejo enterrado etc.
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que não se pode ver, senão de fora, deixando sugerido um para-
lelismo entre três olhares estrangeiros convergentes, a começar
por Debret. Trata-se do relato de Nelson Rodrigues sobre a
visita de Sartre ao Brasil, em companhia de Simone de Beauvoir,
em 1960. O Sartre que Rodrigues retrata já estava comprome-
tido com a luta pela descolonização da Argélia e, mais tarde,
faria o prefácio de Os condenados da Terra, de Franz Fanon.41
Certamente os setores da elite carioca que foram seus anfitriões
evocaram nele o Fanon antes do lampejo de consciência, aquele
Fanon que, na Martinica, ainda se pensava francês:
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O “onde estão os negros?” da exclamação sartriana equivale
à minha pergunta estupefata: “Onde está a babá?” Procuro-a,
por exemplo, na excelente antologia A história das mulheres
no Brasil43 e não a encontro. Nesse belo e importante livro,
a palavra “babá” não aparece sequer uma vez, apesar de ser
parte do léxico convencional da língua portuguesa. A babá não
é tratada nem para abordar aspectos de sua subjetividade, nem
de sua inserção social. Muito menos investiga-se a respeito de
sua presença a partir da perspectiva das crianças que ela viu
crescer, ou das mães “legítimas” que a ela delegaram o exercí-
cio de uma parte importante da tarefa materna. Não encontro
nem um rastro desse feixe de relações. No máximo, encontro
a categoria “amas de leite” como parte de duas listas de ocu-
pações e serviços prestados por mulheres. Uma, na página 250:
“As escravas trabalharam principalmente na roça, mas também
foram usadas por seus senhores como tecelãs, fiadeiras, rendei-
ras, carpinteiras, azeiteiras, amas de leite, pajens, cozinheiras,
costureiras, engomadeiras e mão de obra para todo e qualquer
serviço doméstico”.44 Outra, na página 517: “As estatísticas so-
bre o Rio Grande do Sul em 1900 mostram que cerca de 42%
da população economicamente ativa era feminina […] não fal-
tam exemplos de trabalho feminino: lavadeira, engomadeira,
ama de leite, cartomante”.45 Encontro, nessa obra, o registro
do grande tema da circulação de crianças e da importância do
parentesco não consanguíneo nas classes populares, que men-
cionei anteriormente, vinculado ao comentário mitológico do
Xangô do Recife e que tratei amplamente em outro lugar:46
“Para fazermos considerações sobre a maternidade em grupos
populares, temos portanto de levar em consideração também
avós, criadeiras e mães de criação”.47 Mas sempre sem nenhu-
ma análise específica e apenas como parte de enumerações.
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Já no século XX, parece-me que a função crucial da babá é
tragada no ponto cego do vazio intermediário deixado pelo
desdobramento das três mulheres que entram, essas sim, no
registro das autoras: a mãe privada-pública que Margareth
Rago chama de “mãe cívica”,48 a mulher fatal e a mulher tra-
balhadora que passa a formar as classes populares produtivas,
das quais as pessoas negras e, em especial, as mulheres negras
são excluídas. O que se forclui na babá é, ao mesmo tempo,
o trabalho de reprodução e a negritude. Trata-se de uma for-
clusão, de um desconhecimento simultâneo do materno e do
racial, da negritude e da mãe.
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paradoxal mas admitida. Uma união fundada no amor
presente e na violência pregressa. Na violência que fendeu
a alma da escrava, abrindo o espaço afetivo que está sen-
do invadido pelo filho de seu senhor. Quase todo o Brasil
cabe nessa foto.50
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império cinco mães de classe alta, dez de classe média, nem
vinte de classe baixa que amamentavam, sendo substituídas
por mulheres escravizadas ou livres alugadas para essa fina-
lidade. A situação muda um pouco a partir de 1850, quando
a imigração portuguesa da época permite alugar amas bran-
cas.51 Essa substituição vai ocorrendo no contexto, já men-
cionado anteriormente, das pressões higienistas para evitar o
poder contaminante, em especial das mães de leite de origem
africana. No Brasil, essas pressões não conseguem erradicar,
como acontecerá na Europa e nos Estados Unidos, as práticas
de maternidade transferida. Apenas introduzem-se algumas
transformações e limites. Entre elas, nos casos em que há po-
der aquisitivo suficiente, o de alugar amas brancas: e se uma
mucama escrava era “posta a alugar-se pelo seu proprietário,
a senhora livre se aluga ela própria”.52
A busca por amas de leite brancas por parte das famílias abas-
tadas acaba revelando, ainda, outra sobreposição: a da heran-
ça do leite com a herança de sangue.
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na puberdade qual outros habitantes da África central,
sua linguagem toda viciada, e uma terminologia a mais
esquisita, servindo de linguagem.53
O que a fonte aqui refere faz muito sentido: uma criança ama-
mentada ou simplesmente cuidada desde cedo por uma ama
de pele mais escura, uma ama com raízes na escravidão, terá
incorporada essa imagem como própria. Uma criança branca,
portanto, mesmo no caso pouco frequente de que não tivesse
rastros de uma mestiçagem ocorrida nas três últimas gerações
em sua genealogia, será também negra, por impregnação da
origem fusional com um corpo materno percebido como parte
do próprio território. Na linguagem biológica, sua “imprin-
ting” será negra. Portanto, nas diatribes que opunham um “lei-
te mercenário” e contaminador ao “leite gratuito” e benigno
da mãe biológica, não somente se encontrava presente a voz
do discurso higienista: a modernização sobrepõe aqui a “ojeri-
za racial voltada contra os negros”.54 Discurso modernizador e
racismo entrelaçam-se, assim, em enunciado único contra um
inimigo que impregnava, de dentro e a partir de sua própria
interioridade, a ontologia do indivíduo branco no Brasil.55
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interdições no plano sexual, a relação entre o esperma e
o leite está na origem de interdições sexuais em muitas
sociedades.56
56. G. Sandre-Pereira, op. cit., p. 471-472. É surpreendente que neste artigo a autora acate,
com absoluta tranquilidade, o uso da expressão desacreditadora “mães de leite merce-
nárias”, vocabulário dos higienistas misóginos, e a reproduza várias vezes em seu texto
sem nenhum comentário ou crítica (Cf. Idem).
57. S. Freud, Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, p. 60.
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Olhando a cena a partir do pensamento crítico da colonialida-
de, percebe-se que a introdução do discurso higienista no Bra-
sil sobrepõe e replica esse gesto psíquico. Com a transferência
desse discurso para o Brasil por profissionais da medicina e
da pedagogia, aproveitou-se da exterioridade da postura hi-
gienista, moderna e ocidental, para produzir uma situação de
exterioridade com relação a um quadro que percebiam como
de contaminação afetiva e cultural por parte da África. Assim,
o higienismo oferece a possibilidade de um olhar de fora para
uma elite que está precisamente buscando essa saída. A for-
clusão da raça encarnada na mãe é fundamentalmente isto: o
acatamento da modernidade colonial como sintoma.
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necessariamente, continua segurando o bebê em seus braços
para que se possa fotografá-lo:
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identidade: “A ideologia da cor é, na verdade, a superfície de
uma ideologia mais daninha, a ideologia do corpo”; “o sujei-
to negro, ao repudiar a cor, repudia radicalmente o corpo”;
“A relação persecutória com o corpo expõe o sujeito a uma
tensão mental cujo desfecho, como seria previsível, é a tenta-
tiva de eliminar o epicentro do conflito”; “O sujeito negro,
possuído pelo ideal de embranquecimento, é forçado a querer
destruir os sinais de cor do seu corpo e da sua prole”.60
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seja, de um desejo antecipado e preventivamente expulso an-
tes da experiência desse apego.62 O mecanismo da forclusão é,
portanto, para ela, o que garante a antecipação e a prevenção
com relação a determinados envolvimentos afetivos. A nega-
ção efetuada pelo mecanismo de forclusão é mais radical que a
efetuada pelo mecanismo de repressão. Se esta última consiste
em rasurar algo dito, aquela é a própria ausência de inscrição.
Uma ausência que, contudo, determina uma entrada defeituo
sa no simbólico ou, dito em outras palavras, determina a leal-
dade a um simbólico inadequado que levará certamente a um
colapso quando ocorrer a irrupção do real, ou seja, de tudo
aquilo que não é capaz de conter e organizar.
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