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● MULHER NEGRA COMO A MÃE DO BRASIL E O PRETOGUÊS

(UMA ANÁLISE METAFÓRICA ANTE O MUNDO CONCRETO)

Sabemos que o mundo todo é construido a partir de significados e construções


ideológicas. Pensando nessa máxima, vamos trabalhar com um elemento que também é
construtor desses significados, a metáfora.
No viés antropológico, a metáfora é entendida como uma forma de pensamento e
expressão simbólica que descreve e molda as experiências e entendimentos humanos. A
antropologia estuda as metáforas presentes nas culturas e nas práticas sociais para
compreender como elas constroem significados, categorias e relações. Nesse contexto, a
metáfora é considerada uma forma de tradução cultural. Ela permite que os indivíduos
e/ou seus grupos atribuam significados compartilhados a fenômenos complexos,
facilitando a comunicação e a transmissão de conhecimentos entre gerações.
No mundo concreto ela está presente em infindáveis contextos e pode ser
aplicada de diversas formas, tanto na linguagem verbal quanto em outras formas de
expressão como: na comunicação, na educação, nas artes visuais – para transmitir
significados simbólicos –, na publicidade ou no marketing – frequentemente utilizada
em campanhas publicitárias para criar associações positivas ou despertar emoções
específicas em relação a um produto ou serviço –, bem como na política – para
influenciar a opinião pública e transmitir ideias ou valores.
É preciso lembra que, no contexto educacional, sobretudo, a metáfora pode ser
empregada como uma ferramenta de ensino e, a depender do status quo de quem ensina,
filosofias racistas podem ser impregnadas no ceio da sociedade. Expressões bem
reconhecidas como "cabelo de bombril" ou "denegrir a imagem" são exemplos de
metáforas racistas geracionalizadas ao longo dos anos e que associam negativamente a
cor da pele negra a características indesejáveis ou negativas. Bem como a associação
com animais, a exemplo dos macacos (tudo isso são exemplos de metáforas utilizadas
para justificar a escravidão e promover a ideia de inferioridade racial).
Tendo em vista todas as suas funções, nós trazemos hoje para vocês, uma
manifestação da sua expressão na vertente da comunicação por meio de uma metáfora
recente citada por Lélia Gonzalez, no livro Pensamento Feminista Brasileiro, a metáfora
da “mãe-preta”. Usaremos essa expressão aqui para remeter como e porquê a mulher
preta é a construtora do Brasil. Todo mundo sabe qual o papel da mãe na sociedade, dito
isso, agora vocês compreenderão o papel dessa mãe simbolicamente construida,
originaria da antiga mucama.
Antes de abordar a metáfora da “mãe-preta”, Lélia critica a construção
ideológica por detrás das palavras “mulata” e “doméstica”. Ela questiona o sujeito que
as criou (e significou) e, também, como essas duas palavras são utilizadas sob uma
mesma mulher negra bastando depender do contexto no qual ela é vista.
A imagem da mulata construida no imaginário social tem cor e justificativa
misogena escravograta que data de 1500. Sendo sexualizada e exportada no carnaval,
essa mulher objetivada é massa de manobra do branco para tentar validar a (inexistente)
democracia racial. No período carnavalesco, a escrava de 1500, transformada na
domestica da atualidade se reestrutura na mulata “tipo exportação” que desfila como
rainha, como a “mulata deusa do meu samba”, “que passa com graça/fazendo
pirraça/fingindo inocente/tirando o sossego da gente”, diria a canção de Elza Soares. No
fundo, a ideologia branca de nunca permitir a desmistificação da mulher permanece
vigente. A negra é a que detém a “cor do pecado”, é a cinderela do asfalto: adorada e
devorada; ela é objeto de desejo, é exótica, nunca vista com normalidade. E porquê? Por
que lançar sobre ela um olhar normal, não sexualizado, não exótico, implica igualdade,
mas a igualdade é um processo decolonial no qual o sujeito branco se recusa a
vivenciar.
Assim, ele tenta validar seu falso discurso igualitário com um racismo socialmente
“aceitável” – promovendo a negra ao posto da mulata. Trata-se de uma violência
simbólica e imperceptivel para grande parte da sociedade que se recusa a enxergar o que
está por detrás das luzes e dos carros alegóricos. Aqui cabe ressaltar que a crítica está
sendo feita ao olhar que muito se atribui a mulher negra no carnaval, não ao Carnaval
em si.
Quanto à doméstica, ela nada mais é do que a mucama permitida/aceita; aquela da
prestação de bens e serviços), o burro de carga que carrega sua própria família e a dos
outros nas costas. Daí, ela ser o lado oposto da exaltação; porque está no cotidiano.

Transformando esse fato em poesia:


Trata-se da dura realidade que Thaís Araujo nos lembrou
ao citar uma coisa que Nancy White outrora falou
Que a mulher negra é a mula do homem branco, a mula da sociedade.
Ela nunca será uma cachorrinha dócil.
Pois a cachorra pode ser levada pra casa e cuidada
Ela não. É apenas espancada, maltratada e anulada.
É burro de carga, cuidadora não renumerada, empregada doméstica do mundo e
figurante dos filmes hollywoodianos.

E é nesse cotidiano que se vivencia a matáfora da “solidão da mulher negra”, é nele que
podemos constatar que somos vistas como domésticas (independente da classe social
ocupada ou do nível de escolaridade). Não adianta sermos “educadas” ou estarmos
“bem vestidas” (porque a “boa aparência”, como vemos nos anúncios de emprego, é
uma categoria “branca”, unicamente atribuível a “brancas” ou “clarinhas”; não sem
motivo muitas empresas recusam mulheres com cabelos black ou encrespados).
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E o engendramento da mulata e da doméstica se deu a partir da figura da antiga


mucama (e atual mãe-preta).
A mucama que é:
Mucama. (Do quimbumdo mu’kama ‘amásia escrava’) S. f. Bras. A escrava
negra moça e de estimação que era escolhida para auxiliar nos serviços caseiros
ou acompanhar pessoas da família e que, por vezes, era ama de leite. (Grifos do
autor).
Ou, nas palavras de June E. Hahner:
(…) a escrava de cor que criou para a mulher branca condições de vida amena,
fácil e na maior parte das vezes ociosa. Cozinhava, lavava, passava a ferro,
esfregava de joelhos o chão das salas e dos quartos, cuidava dos filhos da
senhora e satisfazia as exigências do senhor.

Na literatura aqui revista há apenas um momento onde a mulher negra vira gente de
verdade, tendo, inclusive, um olhar positivado, que é quando ela se torna essa mãe
preta.
A “figura boa da ama negra” de Gilberto Freyre, da “mãe preta”, da “bá” que “cerca o
berço da criança brasileira com uma atmosfera de bondade e ternura”. É exatamente
essa figura, para a qual a branquitude dá uma “colher de chá”, quem vai dar a rasteira na
raça dominante por instituir o “pretoguês”, mesmo numa cultura estruturadamente
racista.
E um bom exemplo desse pretoguês é o objeto parcial por excelência da cultura
brasileira: a bunda (esse termo provém do quimbundo que, por sua vez, e juntamente
com o ambundo, provém do tronco linguístico bantu que “casualmente” se chama
bunda).
De repente bunda é língua, é linguagem, é sentido, é coisa. De repente é desbundante
perceber que o discurso do poder dominante quer fazer a gente acreditar que a gente é
tudo brasileiro, e de ascendência europeia, muito civilizado etc. e tal.
“É interessante constatar como, por meio da figura da “mãe-preta”, a verdade surge da
equivocação (...). O que a gente quer dizer é que ela não é esse exemplo extraordinário
de amor e dedicação totais como querem os brancos e nem tampouco (...) essa traidora
da raça como querem alguns negros (...). Ela, simplesmente, é a mãe. (...). A gente
pergunta: quem é que amamenta, que dá banho, que limpa cocô, que põe pra dormir,
que acorda de noite pra cuidar, que ensina a falar, que conta história e por aí afora? É a
mãe, não é? Pois então. Ela é a mãe nesse barato doido da cultura brasileira. Como
mucama, é a mulher; então a “bá” é a mãe. A branca, a chamada legítima esposa, é
justamente a outra que, por impossível que pareça, só serve para parir os filhos do
senhor. Não exerce a função materna. Essa é efetuada pela negra. Por isso, a “mãe
preta” é a mãe.”
“E, quando a gente fala em função materna, a gente está dizendo que a mãe preta,
ao exercê-la, passou todos os valores que lhe diziam respeito para a criança
brasileira, como diz Caio Prado Júnior. Essa criança (...) é a dita cultura brasileira, cuja
língua é o pretoguês. A função materna diz respeito à internalização de valores, ao
ensino da língua materna e a uma série de outras coisas mais que vão fazer parte do
imaginário da gente. Ela passa pra gente esse mundo de coisas que a gente vai chamar
de linguagem. E graças a ela, ao que ela passa, a gente entra na ordem da cultura,
exatamente porque é ela quem nomeia o pai.”
“E quando se fala de pai está se falando de função simbólica por excelência. (...) Ela não
é outra coisa senão a função de ausentificação que promove a castração (...). Como o
zero, ela se caracteriza como a escrita de uma ausência.”

Assim:
“Se a batalha discursiva, no que se refere à cultura brasileira, foi ganha pelo negro, que
terá ocorrido com aquele que segundo os cálculos deles, ocuparia o lugar do senhor?
Estamos falando do europeu, do branco, do dominador. (...) “Por que será que um dos
instrumentos de tortura utilizados pela polícia da Baixada do Rio de Janeiro é chamado
de “mulata assanhada”? Por que será que tudo aquilo que o incomoda é chamado de
coisa de preto? (...) Por que vivem dizendo pra gente se por no lugar da gente? Que
lugar é esse? Por que será que acha-se natural que o lugar do negro seja nas favelas, nos
cortiços e alagados? Por que será que ao ler o Aurélio, no verbete negro, a gente
encontra uma polissemia marcada pelo pejorativo e pelo negativo? Polissemia essa que
está traduzida em algoritmos no mundo moderno?”

Transformando em poesia:
A verdade é que o discurso do opressor,
mesmo após séculos de descolonização,
ainda grita na alma,
no âmago da existência e na vivência
daquele que nunca será: o colonizador.
● MULATA: é objeto de desejo, é exótica, nunca vista com normalidade. Por que
lançar sobre ela um olhar normal, não sexualizado, não exótico, implica
igualdade, mas a igualdade é um processo decolonial no qual o sujeito branco se
recusa a vivenciar.

● DOMÉSTICA: É o lado oposto da exaltação; porque está no cotidiano. Nancy


White tem uma metáfora que diz…

● E é nesse cotidiano que se vivencia a matáfora da “solidão da mulher negra”, é


nele que podemos constatar que somos vistas como domésticas (independente da
classe social ocupada ou do nível de escolaridade).

● A partir da MUCAMA nesceu a mulata, a doméstica e a atual mãe-preta.

● Na literatura aqui revista só a mãe preta é vista como gente de verdade, tendo
uma conceituação positiva (e é ela quem dá uma rasteira na classe dominante
por instituir o pretoguês, a exemplo do termo "bunda"). De repente é
desbundante perceber que o discurso do poder dominante quer fazer a gente
acreditar que a gente é tudo brasileiro, e de ascendência europeia, muito
civilizado etc. e tal.

● Eu sintetizei a metáfora da mãe-preta nesse exposto.

“Se a batalha discursiva, no que se refere à cultura brasileira, foi ganha pelo negro,
sobretudo, pela mulher negra, mãe da nação, porque ao ler o Aurélio, no verbete negro,
a gente encontra uma polissemia marcada pelo pejorativo e pelo negativo? Ou porque o
Brasil é estruturalmente e historicamente tão racista assim?"
R: Tudo depende do status quo de quem ensina. Poder e linguagem andam de
mãos dadas. Quem tem poder pode usurpar a verdade e inventar uma nova.

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