Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
cena contemporânea
diálogos entre culturas, práticas, pesquisas
e processos cênicos
Reitor
João Carlos Salles Pires da Silva
Vice-reitor
Paulo Cesar Miguez de Oliveira
Diretora
Susane Santos Barros
Conselho Editorial
Alberto Brum Novaes
Angelo Szaniecki Perret Serpa
Caiuby Alves da Costa
Charbel Niño El-Hani
Cleise Furtado Mendes
Evelina de Carvalho Sá Hoisel
Maria do Carmo Soares de Freitas
Maria Vidal de Negreiros Camargo
Matrizes estéticas na
cena contemporânea
diálogos entre culturas, práticas, pesquisas
e processos cênicos
Salvador
EDUFBA
2021
Editora afiliada à
Editora da UFBA
Rua Barão de Jeremoabo, s/n –
Campus de Ondina
40170-115 – Salvador – Bahia
Tel.: +55 71 3283-6164
www.edufba.ufba.br | edufba@ufba.br
Dos conceitos
Das experiências
Apresentação
Daniela Amoroso . Eliene Benício . Érico Oliveira1
Referências
KERSHAW, Baz. Theatre Ecology: Environments and Performance Events.
Cambridge: Cambridge University Press, 2009.
Perceber é conceber:
a etnocenologia e o olhar selecionado
“Blanco”
perceber é conceber
águas de pensamentos
sou a criatura
do que vejo
(BLANCO, 1996)1
194 páginas. A obra tem uma seção designada “Os autores”, nas páginas
7-9, na qual consta uma breve apresentação dos(as) estudiosos(as), sendo a
maioria dos trabalhos decorrentes de pesquisas desenvolvidas em seios uni-
versitários do Brasil e da França.
Pretendemos agora iniciar uma discussão à luz de alguns aspectos do
debate contemporâneo pautado nos pressupostos da decolonização do
conhecimento, tendo como recorte pontos anunciados na referida obra et-
nocenológica, a exemplo do “multiculturalismo”, do “combate ao eurocen-
trismo” e da “alteridade”. Uma questão orienta este debate: em que medida
uma disciplina que se insere no campo dos comportamentos espetaculares
humanos, tendo na sua fundação homens brancos, de formação acadêmica e/
ou artística de base europeia, ocidentalizada, consegue alcançar seus propó-
sitos anunciados, em alguns pontos até antagônicos em relação às formações
culturais de quem a propõe? Tendo a sua gênese assentada em privilégios
epistêmicos (BERNARDINO-COSTA; GROSFOGUEL, 2016), seria possível a et-
nocenologia, de fato, combater o eurocentrismo?
Para estudiosos ligados ao grupo Modernidade/Decolonialidade, a exemplo
de Enrique Dussel (2005, p. 27), o mundo europeu é uma “invenção ideológica
que ‘rapta’ a cultura grega como exclusivamente ‘européia’ e ‘ocidental’”.
Além disso, a Modernidade promove a centralidade dessa Europa “[…] e a
constituição de todas as outras culturas como sua ‘periferia’”. (DUSSEL, 2005,
p. 277) O pesquisador segue seu raciocínio afirmando que:
4 O livro Etnocenologia: textos selecionados tem uma seção intitulada “Os autores”, que traz
uma breve apresentação dos(as) criadores(as) dos artigos. Sobre Chérif Khaznadar
consta: “diretor des Cultures du Monde”.
5 Uso aplicado dos termos citados no texto “A dramaturgia histórica da dança do Quilombo”,
nas páginas 117-133, do livro Etnocenologia: textos selecionados.
6 “Como define seu principal teórico e fundador Eugenio Barba. A antropologia teatral é
uma ciência pragmática que estuda as bases técnicas do trabalho do ator a partir de
um processo comparativo com os vários estilos de interpretação do teatro oriental e
ocidental”. (ANTROPOLOGIA…, [2020])
7 O pesquisador Adailton Santos defendeu sua tese, intitulada A etnocenologia e seu mé-
todo: um olhar sobre a pesquisa contemporânea em Artes Cênicas no Brasil e na França,
no ano de 2009, no Programa De Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade
Federal da Bahia (PPGAC/UFBA), sob a orientação de Armindo Bião e Idelette Muzart.
Posteriormente, a tese foi publicada em livro, no ano de 2012, pela editora da UFBA
(Edufba). Para Santos (2012, p. 66), “A etnocenologia no Brasil é restrita à academia e
continua girando em torno da influência do professor Armindo Bião”. Armindo Jorge
de Carvalho Bião faleceu no ano de 2013, em Salvador, Bahia. Atualmente, a Universidade
Federal do Pará (UFPA), em Belém, se destaca como um local de produtividade con-
siderada na área da etnocenologia, seja na realização de eventos, na defesa de teses
e dissertações ou na oferta de componente curricular. Alguns dos pesquisadores que
atuam na UFPA realizaram suas pesquisas de mestrado e doutorado no PPGAC/UFBA
e tiveram contato com o professor Bião.
Referências
AGGIO, J. O papel do corpo na percepção segundo Aristóteles. Trilhas Filosóficas,
Caicó, RN, ano 2, v. 2, p. 62-71, dez. 2009. Disponível em: http://periodicos.uern.br/
index.php/trilhasfilosoficas/article/view/73/73. Acesso em: 29 abr. 2021.
ANTROPOLOGIA teatral. In: WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. [S. l.], [2020].
Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Antropologia_teatral. Acesso em:
1 abr. 2021.
BERNARDINO-COSTA, J.; GROSFOGUEL, R. Decolonialidade e perspectiva negra.
Sociedade e Estado, Brasília, DF, v. 31, n. 1, p. 15-24, jan./abr. 2016.
BIÃO, A. A presença do corpo em cena nos estudos da performance
e na etnocenologia. Revista Brasileira de Estudos da Presença, Porto Alegre, v. 1,
n. 2, p. 346-359, jul./dez. 2011.
BIÃO, A. Etnocenologia e a cena baiana: textos reunidos. Salvador: P&A, 2009.
BIÃO, A. Etnocenologia, uma introdução. In: BIÃO, A.; GREINER, C. (org.).
Etnocenologia: textos selecionados. São Paulo: Annablume, 1999. p. 15-21.
BIÃO, A.; GREINER, C. (org.). Etnocenologia: textos selecionados. São Paulo:
Annablume, 1999.
BLANCO. Interpretação: Marisa Monte. Composição: Octavio Paz. Tradução:
Haroldo de Campos. In: BARULHINHO bom. Interpretação: Marisa Monte. [S. l.]:
EMI, 1996. 1 CD, faixa 18.
COUTINHO, D. P. R.; SILVA, J. A. M.; MACIEL, J. C. Sobre o modelo decolonial:
a importância do outro e a urgência de seu olhar. Ciências Sociais Unisinos,
São Leopoldo, RS, v. 54, n. 3, p. 328-335, set./dez. 2018.
Christine Douxami
1 L’action de Mario de Andrade est comprise jusqu’à aujourd’hui comme le point de dé-
part de la réflexion brésilienne autour du Patrimoine culturel immatériel, qui a permis
au Brésil de mettre en place une législation favorable dès sa constitution de 1934, puis
le décret de 1937 protégeant une catégorie d’objets dit «ethnographiques, indigènes
et d’art populaire» aboutissant à une gestion proche de celle de l’UNESCO de 2003 dès
2000 et d’être également très actif dans nombre de conférences de l’UNESCO aboutis-
sant à la Convention du Patrimoine Culturel Immatériel de 2003.
ou “afro”. Les références de “ce qui fait Art” ne se veulent plus issues de l’Art
du colon, comme l’explique Carlos Célius (2015, p. 120-121):
L’enjeu soulevé ici par Carlo Célius est bien celui de la colonisation des
imaginaires et de la volonté des élites nationales des pays nouvellement in-
dépendants, de se pencher sur ce qui pourrait les distinguer des anciens
colons. Cependant, ces mêmes élites des nouvelles nations latino-américaines,
sont elles-mêmes issues du système colonial et demeurent en quête de
reconnaissance internationale tant diplomatique qu’économique. La reconnais-
sance de leur patrimoine national, de leur “folklore”, s’avère parfois straté-
gique mais non antithétique avec une fascination pour l’ancienne colonie et sa
culture exportée et transformée dans le Nouveau Monde. On a ainsi pu voir,
au Brésil, Getulio Vargas dans les années trente faire l’éloge de la démo-
cratie raciale brésilienne et de l’apport de la matrice africaine sous l’égide
Stefen Alexis (1956, p. 260) s’oppose aux partisans d’un Art pur, d’un Art
pour l’Art à la fois non emprunt de son utilité social et non réaliste (rappelons
qu’il revendique le réalisme merveilleux) ni de sa marque nationale puisque
marqué par les codes des Beaux-Arts occidentaux. Pour l’auteur, il ne s’agit
pas tant de revendiquer un engagement politique et révolutionnaire dans le
contenu de l’œuvre mais dans la forme adoptée qui puise dans un savoir po-
pulaire issu de traditions haïtiennes syncrétiques. Adopter une forme issue
de ce que l’on dénommerait aujourd’hui patrimoine immatériel est politique
en soi, indépendamment du discours adopté. Si l’artiste s’approprie un son,
un contour, une image, propre à ce savoir, il a un impact sur la perception de
l’identité nationale et de la nation, non plus vue comme une succursale de la
colonie mais comme une entité propre, globalement «dominée par l’élément
africain»(ALEXIS, 1956, p. 255) dans le cas d’Haïti.
Au Brésil, à cette même période, Solano Trindade, Haroldo Costa ou Abdias
Nascimento, chercheront également à voir dans les formes issues de cultures
africaines, la marque d’une nouvelle brésilianité. (DOUXAMI, 2001) Alors que
la politique nationale du pays à l’époque étaient au blanchiment, ces artistes
cherchaient à négrifier l’art, et par là même, l’imaginaire national. Il s’agissait,
pour Roger Bastide (1961, p. 11), «d’un mulatisme comme négrification et
non plus comme aryanisation»,2 c’est-à-dire le contraire des théories en
vogue dans le Brésil de cette période.
2 Rappelons que le «mulatisme» est une théorie qui fut développée au début des an-
nées 1930, entre autres par Gilberto Freyre, dans le cadre de la construction de la dé-
mocratie raciale qui valorisait le métissage brésilien comme élément fondateur de la
nation, inscrivant ce dernier dans une perspective de blanchiment, puisqu’à terme,
il devait faire de la nation brésilienne une nation blanche, ou en tout cas plus claire,
donc «meilleure». Mais les militants noirs ont vu l’inverse : grâce au métissage, la nation
allait devenir plus noire.
3 Entretien avec Carlo Célius, 14 février 2017, 1 heure, à Paris dans un restaurant du 6e
arrondissement.
4 Neuf grands Terreiros (huit à Bahia et un dans le Maranhão) ont été reconnus en tant
que patrimoine matériel par l’IPHAN. Selon un article du 28 sept. 16 de l’IPHAN:
à Salvador (Bahia) Casa Branca do Engenho Velho, Axé Opô Afonjá , Ilê Iyá Omim Axé
Iyamassé (Gantois), Ilê Maroiá Láji (Alaketo), Bate-Folha, Ilê Axé Oxumaré Itaparica
(Bahia) Omo Ilê Agboulá Cachoeira (Bahia) Terreiro Zogbodo Male Bogun Seja Unde
(Roça do Ventura) São Luís (Maranhão) Casa das Minas Jeje . http://portal.iphan.gov.
br/pagina/detalhes/1312 (consulté le 4. nov. 2016). D’ailleurs, des ateliers sont orga-
nisés par l’IPHAN et l’Université Fédérale de Bahia (Juillet 2015) pour enseigner aux
membres du candomblé comment préserver les lieux de culte (menacés physiquement
par les pratiques des agents immobiliers et par les religions pantecôtistes) et leurs
patrimoines culturels. Selon l’IPHAN une religion ne peut bénéficier d’un statut de
patrimoine immatériel http://portal.iphan.gov.br/noticias/detalhes/2746/patrimo-
nio-cultural-de-terreiros-de-candomble-e-tema-de-curso-de-extensao-na-bahia,
consulté le 5 nov. 2015.
de Acupe (Reconvavo Bahiano), pour ne citer qu’eux, ce qui rentre d’une cer-
taine façon en opposition avec les principes de l’UNESCO quant à la Conven-
tion de 2003 sur le patrimoine immatériel qui prétendait, par le bais des plans
de sauvegarde, faire de ces manifestations des “biens communs”. Pourtant,
pour les brincantes issus de ces patrimoines immatériels, il est difficile de voir
d’autres individus se les approprier, fussent-ils des artistes.
Cependant, l’appropriation par les artistes des formes du patrimoine im-
matériel s’avère, à nos yeux, comme une possibilité de passation du savoir
issu de ces manifestations et ce jusqu’à aujourd’hui. Ce dernier est transmis
à d’autres publics, tant nationalement qu’internationalement, qui n’auraient pas,
en temps normal, accès à ces manifestations. Lorsque la compagnie de Danse
SeraQ, de Belo Horizonte (Minas Gerais, Brésil), menée par Rui Moreira, se pré-
sente à Dakar au Festival Mondial des Arts Nègres de 2010 avec son spec-
tacle Q eu isse, qui réinterprète une manifestation de patrimoine immatériel
du village d’Acupe (Bahia) le Nego Fugido, elle permet à un public non initié
de s’approcher de l’esthétique de cette manifestation. Rui Moreira reprend,
en effet, la jupe faite de feuilles de bananier séchées et tressées, le torse nu,
la langue rouge de colorant, propres au Nego Fugido, qu’il revisite sur une
musique de samba sur laquelle se meuvent ses danseurs dans un décor très
contemporain. Cette installation plastique faite d’un amoncellement labyrin-
thique de cartons en équilibre instables accueille la transe de Rui Moreira,
qu’il reprend également de la manifestation. Tel un Derviche Tourneur,
Rui tourne et “s’envole” au milieu des cartons et s’arrête enfin plaqué au sol.
Le Nego Fugido, a lieu chaque année à Acupe, en juillet, durant trois week-
ends et se joue dans les rues du village. La manifestation réinterprète l’escla-
vage et son abolition en 1888 par la Princesse Isabelle. Les anciens esclaves
ont le visage peint en noir, les gardiens d’esclave ont la jupe en feuilles de
bananier évoquée ci-dessus, dont les feuilles ont une force symbolique in-
déniable car issues des bananiers plantés sur les tombes de leurs ancêtres
esclaves, dans la fazenda à côté du village d’Acupe. Une fois la jupe vêtue,
les brincantes affirment tous entrer dans un état de conscience différent.
La musique jouée reprend les rythmes du candomblé, exceptionnellement
rendu profanes pour cette manifestation, ce qui favorise, néanmoins,
l’induction de la transe, que craigne certains membres de la population,
même ceux des terreiros qui ne reconnaissent pas dans ces manifestations
une transe «organisée» comme l’est celle de l’initié du culte.
Références
ALEXIS, J. S. Du réalisme merveilleux des Haïtiens. Présence Africaine, Paris, n. 8/10,
p. 245-271, juin/nov. 1956.
BASTIDE, R. Variation sur la négritude. Présence Africaine, Paris, n. 36, p. 7-77,
janv./mars 1961.
CÉLIUS, C. A. Quelques aspects de la nouvelle scène artistique d’Haïti. Gradhiva,
Paris, n. 21, p. 104-129, 2015.
CÉLIUS, C. A. Cheminement anthropologique en Haïti. Gradhiva, Paris, n. 1,
p. 47-55, 2005.
DOUXAMI, C. Abdias Nascimento et Solano Trindade: Deux conceptions pionnières
du théâtre noir brésilien. Cahiers du Brésil Contemporains, Paris, n. 49/50, p. 49-68,
2002.
DOUXAMI, C. Abdias Nascimento e Solano Trindade: dois conceitos pioneiros
do teatro negro brasileiro. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE PESQUISA E PÓS-
GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS, 3., 2003, Florianopolis. Anais [...]. Florianopolis:
ABRACE, 2003. p. 136-138. (Memória ABRACE VII).
DOUXAMI, C. Poder, política, manifestações populares e extensão turística
no litoral norte da Bahia. In: COLOQUIO INTERNACIONAL DE ETNOCENOLOGIA, 5.,
2007, Salvador. Anais [...]. Salvador: PPGAC, UFBA, 2007. p. 75-80.
DOUXAMI, C. Le théâtre noir brésilien, un processus militant d’affirmation de l’identité
afro-brésilienn. Paris: L’Harmattan, 2015. (Collection Sociologie de l’Art).
DOUXAMI, C. Le théâtre noir brésilien: un processus militant d’affirmation de
l’identité afro-brésilienne. 2001. Thèse (Doctorat en Ethnologie et anthropologie
sociale) − École des hautes études en sciences sociales, Paris, 2001.
DOUXAMI, C. La politique de Patrimoine Culturel Immatériel au Brésil: une volonté
politique de démocratisation et d’inclusion des “minorités”? In: CAPONE S.;
No jardim de Hortênsia,
o solo da criação desestabiliza o passo
No métier da dança, o passo é um modo de nomear o movimento
dançado. Existem sistemas de dança já bastante desenvolvidos que são
compostos por um vocabulário de passos, o domínio destes permitindo
a elaboração de sequências e a composição de coreografias. Os métodos
de dança clássica, por exemplo, se organizam pelos nomes de passos,
por exemplo: “pas de chat”, “pas de burré”, “plié”, “tendu” etc. Os passos de
dança compõem sistematicamente o léxico da dança clássica. Essa lógica
de organização em sistemas de passos pode ser encontrada em diver-
sos contextos, inclusive em danças urbanas, como no caso do Hip Hop,
por exemplo. Na cultura popular,1 o termo passo de dança é bastante
recorrente e assume outros nomes, como pisadas, golpes, movimentos,
2 Levanta mulher e corre a roda: dança, estética e diversidade no samba de roda de Ca-
choeira e São Félix. Tese de doutorado defendida em 2019 no Programa de Pós-Gra-
duação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia (UFBA), sob orientação da
professora Dra. Suzana Martins, disponível no repositório da UFBA.
3 Perspectiva disciplinar interessada no combate ao etnocentrismo nas artes. Tem como
objeto de estudo as práticas e comportamentos espetaculares organizados. Para apro-
fundamentos, consultar: Bião (1996) e Amoroso (2017).
4 O Brasil, no ano de 2005, em parceria com a Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), elegeu o samba de roda do Recôncavo
Baiano. Sob o processo de número 01450.010146/2004-60, abertura do processo de
inscrição de registro datada em 17 de agosto de 2004, aprovação em 30 de setembro
de 2004 e inscrição no Livro de Registro das Formas de Expressão do Iphan em 5 de
outubro de 2004, o samba de roda inaugurou a representação do patrimônio cultural
imaterial brasileiro no que tange às formas de expressão no contexto das políticas
culturais internacionais.
5 Sobre o samba de roda, consultar o livro: Levanta Mulher e corre a roda: dança, estética
e diversidade no samba de roda de Cachoeira e São Félix (2017).
6 Do grego “antiphona”, “som em resposta”. Termo que deu origem à palavra “anthem”
(na Inglaterra do século XVI), versículo cantado antes e depois do Salmo, com repostas
do coro, dividido em dois. (GILROY, 2001)
A investigação por meio da criação, nos moldes como Pablo Parga (2018,
p. 15, tradução nossa) nomeia a InvestiCréacion, nos direciona para um ca-
minho próprio das artes no contexto acadêmico:
vem tomando cada vez mais protagonismo nas atividades de musicistas, compositoras
e produtoras das rodas de samba. No entanto, ainda se enfrentam situações que en-
tendemos como machismo estrutural no sentido de existir “lugares” predetermina-
dos para as mulheres no samba. Soma-se a esse contexto contemporâneo, o lugar
sexualizado da mulher no samba e/ou o corpo feminino estigmatizado e passível de
interferências como as agressões por exemplo, evidentes na letra do samba de roda:
Se essa mulher fosse minha eu tirava do samba pra já/ dava uma surra nela que ela
gritava chega/, de domínio público.
14 De acordo com Paul Gilroy (autor de O Atlantico negro), é no corpo que a sobrevivência
e ressignificação dos elementos estéticos africanos se deram no contexto da Diáspora
africana.
dos estudos da etnocenologia do Brasil. Dedicou-se nos últimos três anos de sua vida
a pesquisar a figura emblemática da Maria Padilha, inclusive com criação cênica de
um musical de teatro de cordel chamado A gente canta Padilha no ano de 2011.
16 Filipe Dias defendeu a dissertação: Reza de Brejões, em março de 2015, sob minha
orientação e atualmente é doutorando em etnocenologia no PPGAC/UFBA, sob orien-
tação da professora doutora Eliene Benício.
pesquisadores, que por esse motivo parece uma “atitude natural”. A atitude de sele-
cionar informações por critérios supostamente objetivos ou subjetivos situa-se nesse
contexto. Por sua vez, adotando uma política construtivista, a atenção do cartógrafo
acessa elementos processuais provenientes do território – matérias fluidas, forças
tendenciais, linhas em movimento – bem como fragmentos dispersos nos circuitos
folheados da memória. (KASTRUP, 2009, p. 49)
22 A percepção háptica abrange o tato e os outros sentidos de percepção para além da
percepção ótica/objetiva. Para aprofundamentos ver Kastrup (2009).
das trocas com os artistas Marilza Oliveira e Denny Neves, ambos professo-
res da Escola de Dança da UFBA, que trabalham com a poética das danças
dos orixás e com as danças populares afro-indígenas, as estudantes pude-
ram exercitar a prática do feedback em artes, ou seja, quando os pares são
convocados a colaborar com o trabalho no sentido de uma apreciação foca-
da e construtiva. Assim, podemos concordar com o que nos traz Haseman
(2015, p. 46):
Referências
AMOROSO, D. Levanta mulher e corre a roda: dança, estética e diversidade
no samba de roda de Cachoeira e São Félix. Salvador: Edufba, 2017. E-book.
BIÃO, A. Matrizes estéticas: o espetáculo da modernidade. In: BIÃO, A. et al. (org.).
Temas em contemporaneidade, imaginário e teatralidade. Salvador: GIPE-CIT;
São Paulo: Annablume: 2000. p. 15-30.
BIÃO, A. Estética performática e cotidiano. In: TEIXEIRA, J. (org.). Performance
e sociedade. Brasília, DF: TRANSE: UNB, 1996. p. 12-20.
BIÃO, A. Etnocenologia e a cena baiana: textos reunidos. Salvador: P&A, 2009.
BIÃO, A. Etnocenologia, uma introdução. In: GREINER, C.; BIAO, A. (org).
Etnocenologia: textos selecionados. São Paulo: Annablume, 1999. p. 15-21.
GILROY, P. O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência. Tradução
Cid Knipel. São Paulo: Editora 34; Rio de Janeiro: UCAM, Centro de Estudos
Afro-Asiáticos, 2001. p. 9-30.
HALL, S. Pensando a diáspora. In: HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações
culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. p. 25-48.
HASEMAN, B. Manifesto pela pesquisa performativa. In: SEMINÁRIO DE PESQUISAS
EM ANDAMENTO, 2015, São Paulo. Resumos […]. São Paulo: PPGAC-ECA/USP, 2015.
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (Brasil).
Samba de roda do Recôncavo Baiano. Brasília, DF: Iphan, 2006. Dossiê.
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (Brasil). CD Samba
de roda patrimônio imaterial da humanidade. Brasília, DF, 2005.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lrQ4h6UzgL8. Acesso em:
nov. 2021.
KASTRUP, V. Pisa 2: O funcionamento da atenção no trabalho do cartógrafo. In:
PASSOS, E.; KASTRUP, V.; ESCÓSSIA, L. da (org.). Pistas do método da cartografia:
pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2009.
LAPLANTINE, F. Aprender antropologia. Tradução Marie Agnès Chauvel. São Paulo:
Brasiliense, 2003.
LEGERET, K. Transdiplinarité en question: le champs du spectacle vivant,
programme d’excellence européenne erasmus mundus ‘études en spectacle
vivant’. Bruxelles: AISS-IASPA, 2016.
LORDELO, L. Relatório final de pesquisa Fapesb/PIBIC. Salvador: [s. n.], 2018.
LOUPPE, L. Poética da dança contemporânea. Lisboa: Orfeu Negro, 2004.
Corpo-máscara:
nenhuma origem é possível1
3 Cavalo Marinho é uma festa do ciclo natalino, realizada na Zona da Mata Norte de Per-
nambuco e sul da Paraíba. Para saber mais, ver Oliveira (2006).
4 O pensamento pós-abissal, segundo Santos (2007), é a libertação epistemológica, política
e sociocultural da dependência do Norte global, é pensar o Sul global com suas epis-
temologias próprias.
5 Lembrando que a noção Corpo-Máscara não é utilizada pelos brincadores do Cavalo
Marinho, mas uma adequação conceitual minha a partir das conceituações deles.
6 Entrevista de Fábio Soares concedida a mim, em 19 de fevereiro de 2005, na cidade do
Condado, Pernambuco.
7 Entrevista do Mestre Biu Alexandre concedida a mim, em 17 de fevereiro de 2005,
na cidade do Condado, Pernambuco.
8 “Quem diz ‘Tradição’, diz, por este fato, transmissão de elementos vivos anteriormente
recebido e secularmente elaborados no interior de um meio étnico. A Tradição, em si,
é coisa viva pois se elabora da mesma forma que a própria vida”. (JOUSSE, 2008, p. 95,
tradução nossa) Original:“Qui dit ‘Tradition’ dit, par le fait même, transmission d’élé-
ments vivants préalablement reçus et séculairement élaborés à l’intérieur d’un milieu
ethnique. La Tradition, en soi, est chose vivante puisqu’elle s’élabore à même la vie”.
9 “Corpo mascarado: do poder das vestimentas e dos objetos” é o subtítulo do capítulo
III, publicado em Oliveira (2006, p. 563).
10 Para Boaventura de Sousa Santos (2007), o pensamento moderno ocidental é um pen-
samento abissal e se configura como um aparato colonial/capitalista excludente que
tão simples como alguns pensam; não é chegar a um significado único e último do termo,
concebido justamente por sua capacidade dinâmica de reajuste e ressignificação […]”.
14 Tradução: “Es un proceso en el cual ambas partes de la ecuación resultan modificadas.
Un proceso en el cual emerge una nueva realidad, compuesta y compleja; una realidad
que no es una aglomeración mecánica de caracteres, ni siquiera un mosaico, sino un
fenómeno nuevo, original e independiente”.
Referências
AZEVEDO, S. M. de. O papel do corpo no corpo do ator. São Paulo: Perspectiva, 2004.
CAMPOS, H. de. Transcriação. Organização Marcelo Tápia; Thelma Médici Nóbrega.
São Paulo: Perspectiva, 2015.
FREIXE, G. La Filiation Copeau, Lecoq, Mnouchkine: une lignée théâtrale du jeu de
lacteur. Paris: L’Entretemps, 2014.
GÓMEZ ARREDONDO, D. La transculturación y el método en el contrapunteo
cubano del tabaco y el azúcar. Cuadernos Americanos, Ciudad de México, v. 4,
n. 158, p. 15-26, 2016.
JOUSSE, M. L’Anthropologie du geste. Paris: Gallimard, 2008.
KIFFER, A. O rascunho é a obra: o caso dos cadernos. Estudos de Literatura
Contemporânea, Brasília, DF, n. 55, p. 95-118, set./dez. 2018.
KILOMBA, G. A máscara. Tradução Jéssica Oliveira de Jesus. Cadernos de Literatura
em Tradução, São Paulo, n. 16, p. 171-180, 2016. Disponível em: http://www.
revistas.usp.br/clt/article/view/115286. Acesso em: 22 dez. 2018.
Mamas épicas:
revendo noções de matrizes estéticas
para a cena contemporânea
Graça Veloso
também minhas práticas artísticas como ator, diretor e dramaturgo. Esses diá-
logos se sustentam ainda em pesquisas em etnocenologia, ao longo dos anos,
desde os primeiros dias do século atual, quando passaram a fazer parte de
meu universo acadêmico as discussões sobre matrizes estéticas na cena
contemporânea.
As noções primeiras sobre este campo, das quais me aproximei, foram
as apresentadas por Armindo Bião, principalmente em seus estudos sobre a
baianidade. São discussões presentes em toda sua trajetória, como um dos
fundadores e pesquisador da etnocenologia, etnociência das artes presen-
ciais, do corpo e do espetáculo. Vale sempre lembrar que o saudoso artis-
ta-professor-pesquisador baiano foi um dos que pensaram essa disciplina
como uma nova abordagem para a cena contemporânea.
Apresentando as definições de matrizes como sendo “identificadas por
suas características sensoriais e artísticas, portanto estéticas”, Bião (2009,
p. 251) se refere à “ideia de que é possível definir-se uma origem social comum,
que se constituiria, ao longo da história, numa família de formas culturais
aparentadas, como se fossem ‘filhas de uma mesma mãe’”. Seriam, assim,
concepções que viriam das noções de estética transcendental e ciência do belo,
desde Emmanuel Kant e Alexander Baumgarten. Bião parte da ideia de que
nossa matriz estética maior é a humana e, mais amplamente, do reino animal.
Ora, é muito recorrente uma compreensão de que os processos de
transculturação que formaram nosso espectro cultural, seriam sustentados
por alguns conjuntos de práticas e comportamentos gerais, de alguns gru-
pos que em terras brasileiras aportaram. Ainda Bião (2009, p. 254), tratando
das questões do que se definiria como baianidade, afirma:
Estaria então aqui o que o mesmo autor redimensiona como três distintas
espetacularidades: substantiva, que se localiza em todos os espetáculos pro-
priamente ditos, onde existe um pacto consensual de consciência mútua
sobre os estados alterados de corpo e comportamento de atuantes e seus
espectadores; adjetiva, presente no que nominamos de “ritos espetaculares”.
São aqueles onde os atuantes podem prescindir de outras presenças para
espetacularizar seus estados de corpos. Bons exemplos são os rituais re-
ligiosos ou os desfiles militares que independentemente de espectadores
podem acontecer. Por fim o terceiro grupo, das espetacularidades adverbiais,
que ocorrem nas ações cotidianas. Aqui estão “os fenômenos da rotina social
que […] a depender do ponto de vista de um espectador, [podem ser vistos]
como espetaculares”. (BIÃO, 2007, p. 28) Assim pensando, tudo aquilo que
seria estudado como cena, estaria ligado aos aspectos matriciais para a con-
temporaneidade.
Ocorre que a partir de algumas reflexões surgidas nas últimas décadas
do século XX, nossas matrizes estéticas adquiriram diversas novas tonalidades,
abarcando um sem-número de outras possibilidades. Isso começa a se con-
solidar com o aparecimento dos estudos culturais, em proposições de pen-
sadores como Raymond Williams, Edward Palmer Thompson e Richard
Hoggart. Eles nos apresentam reflexões sobre este campo, na Inglaterra dos
anos 1960, como sendo estudo de fenômenos culturais nas diversas socie-
dades, o que vem, alguns anos mais tarde, a coincidir com as proposições da
etnocenologia, para as artes do espetáculo. Incorporando o multiculturalis-
mo nos Estados Unidos da América, os estudos culturais determinam como
campos prioritários questões étnico-raciais, feminismo e gênero, lutas de
classe, movimento LGBTQIA+, e muitos outros, dentre um vasto conjunto de
abordagens a grupos historicamente subalternizados.
Vistos como estudos, por isso mesmo como transitoriedade, sobre os
agenciamentos das relações simbólicas dos espaços de poder históricos, os
estudos culturais trazem para o centro das discussões também a produção
estética dos grupos de relações sociais. E com isso inauguram abordagens
artísticas que se instauram, de maneira muito poderosa, como referenciais
para abordagens do que seria uma ética de cada um daqueles campos de
poder. Torna-se então imperativo o reconhecimento de que ao lado de uma
ética, por exemplo, caminha de forma indissociável uma estética interna a
cada grupo estudado.
E da mesma maneira se dá em todos os campos de poder que se conso-
lidam a partir da produção de narrativas de resistência. Neste lugar se locali-
zam, por exemplo, movimentos feministas, negros, LGBTQIA+, feminismos
negros, dos povos originários, de Romani ou Roma,1 e muitos outros.
2 Sobre isso, ver Douxami (2001). Vale ainda citar a importante reflexão sobre o teatro
negro baiano em Freitas (2017).
Referências
BESKOW, D. A. O discurso das mulheres na cena paulistana de 2015-2016:
uma proposta feminista de análise de espetáculos. 2017. Dissertação
(Mestrado em Artes Cênicas) − Instituto de Artes, Universidade Estadual Paulista
“Julio de Mesquita Filho”, São Paulo, 2017. Disponível em: https://repositorio.
unesp.br/handle/11449/152099. Acesso em: 10 abr. 2020.
BIÃO, A. Estética performática e cotidiano. In: TEIXEIRA, J. (org.). Performance
& sociedade. Brasília, DF: TRANSE/UNB, 1996._ p. 12-20.
BIÃO, A. Matrizes estéticas: o espetáculo da baianidade. In: BIÃO, A.
Etnocenologia e a cena baiana: textos reunidos. Salvador: P&A, 2009. p. 251-272.
BIÃO, A. Um trajeto, muitos projetos. In: BIÃO, A. (org.). Artes do corpo
e do espetáculo: questões de etnocenologia. Salvador: P&A, 2007. p. 25-27.
BIÃO, A. A vida ainda breve da etnocenologia: uma nova perspectiva
transdiciplinar para as artes do espetáculo. Cátedra de Artes, Santiago, n. 10/11,
p. 106-123, 2011. Disponível em: https://vdocument.in/a-vida-ainda-breve-da-
etnocenologia.html?msclkid=52423dd4abd511ecb87fd2a984267efa&page=16.
Acesso em: 14 abr. 2021.
CALEIRO, J. P. Os dados que mostram a desigualdade entre brancos e negros no
Brasil. Exame, São Paulo, 20 nov. 2018. Disponível em: https://exame.abril.com.br/
brasil/os-dados-que-mostram-a-desigualdade-entre-brancos-e-negros-no-brasil/.
Acesso em: 30 mar. 2021.
CARVALHO, M. A. 75% das vítimas de homicídio no país são negras, aponta Atlas
da violência. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 5 jun. 2019. Disponível em: https://
brasil.estadao.com.br/noticias/geral,75-das-vitimas-de-homicidio-no-pais-sao-
negras-aponta-atlas-da-violencia,70002856665. Acesso em: 30 mar. 2021.
DOUXAMI, C. Teatro negro: a realidade de um sonho sem sono. Afro-Ásia,
Salvador, n. 25/ 26, p. 313-363, 2001.
ETNOCENOLOGIA, Manifesto. In: TEIXEIRA, J. (org.). Performance e sociedade.
Brasília, DF: TRANSE/UNB, 1996.
FREITAS, R. M. A história do teatro negro na Bahia: a força do discurso político-
ideológico da negritude em cena. Repertório, Salvador, ano 20, n. 29, p. 86-104, 2017.
HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva;
Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&EA, 2001.
KILOMBA, G. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano.
Tradução Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.
Introduction
Infatigable voyageur, bâtisseur de ponts entre la France et le Brésil,
optant pour une transdisciplinarité totale dans son approche des arts de
la scène, Armindo Biao fut un des pionniers de l’ethnoscénologie. Grâce
à son insatiable curiosité, il inspira de nouveaux axes de recherches en
ethnoscénologie autour des circulations transnationales des pratiques
carnavalesques. En prenant exemple sur le parcours de l’écrivain, poète,
adepte de la floriculture et à l’origine de la première bataille de fleurs du
carnaval de Nice, Alphonse Karr au XIXe siècle, Armindo Biao illustra ainsi les
circulations entre Nice1 et Maragogipe à Bahia au Brésil, dans une perspective
3 Le comté de Nice est un ancien état de Savoie (1388-1793). En 1793, il est rattaché à la
République Française au sein du département des Alpes-Maritimes. Il devient Sarde
entre 1814 et 1818, rattaché au Royaume de Piémont-Sardaigne puis annexé à la France
lors du plébiscite de 1860.
Ceci étant dit, il est néanmoins essentiel de souligner que ce sont des arti-
sans niçois et leur famille qui ont conceptualisé ce carnaval et lui ont don-
né son esthétique. Il s’inscrit, de surcroît, dans une tradition populaire de
mise en scène de figures grotesques ou burlesques. Ces figures sont l’œuvre
d’Alexis Mossa (1844-1926) et de son fils Gustave-Adolf Mossa (1883-1971).4
Le carnaval consiste en un défilé de chars, des corsos, sur lesquels trônent
des personnages récurrents : le roi, la reine, le carnavalon. Selon Annie Sidro,
petite-fille de carnavaliers niçois et mémoire du carnaval de Nice « les attri-
buts niçois entouraient fréquemment le monarque » et Gustave-Adolf, grand
connaisseur de l’histoire et du folklore ne manquait jamais de faire des pi-
qûres de rappel de ce patrimoine local quitte à s’attirer les foudres du Co-
mité des Fêtes qui craignait que le public extérieur ne se retrouve pas dans
cette débauche de folklore régional.
Une autre des spécificités du carnaval de Nice est son défilé de chars
fleuris et son emblématique bataille des fleurs sur la promenade des Anglais.
Ce défilé, aux multiples senteurs fleuries, a été créé en 1876 par Andriot
Saëtone fondateur du Comité des Fêtes sous l’impulsion de l’écrivain et flori-
culteur Alphonse Karr. Des fleurs fraîches et coupées ornent des chars, elles
sont ensuite lancées à la foule par des jeunes femmes (accompagnées de-
puis peu par quelques jeunes hommes) qui se « bat » pour les attraper. La
grande majorité des fleurs provient de la production locale, en particulier
mimosas, lys, marguerites et gerbera. Un atelier de costume dédié aux lan-
ceurs/euses de fleurs est spécialement consacré aux chars fleuris. Il est à
rappeler que la ville de Nice doit également sa réputation internationale à la
culture des fleurs sur ses collines depuis le XVIIIe siècle. Le célèbre écrivain
et journaliste Alphonse Karr y développa au XIXe siècle le commerce de la
fleur hors serre et sa commercialisation à travers l’Europe et le monde.
Il est également un des premiers à avoir ouvert un commerce de fleurs en
centre-ville pour le plus grand plaisir des hivernants. La floriculture niçoise
connaît son apogée avec l’arrivée du chemin de fer en 1863 et un système
d’irrigation innovant via la Vésubie en 1885. Nice était alors au premier rang
de la production mondiale. À ce titre, le marché aux fleurs de la ville de Nice
créé en 1897 a été le premier marché de fleurs en gros à l’échelle de la planète.
Le costume traditionnel niçois avec tablier et capeline pour les femmes re-
présente l’habit la bouquetière de l’époque.
5 Je reprends ici en partie le titre de son chapitre: «Le parcours des fleurs d’Alphonse
Karr, de Nice, France (XIXe siècle) à Maragogipe, Bahia, Brésil (XXIe siècle)» in Fêtes,
mascarades, carnavals: circulations, transformations et contemporanéité (2014, p. 198-206).
6 Entre 1826 et 1854, Le Figaro est alors un journal satirique.
7 Il publie régulièrement dans L’Évènement un quotidien. Il est créé par Victor Hugo en
1848 d’abord en soutien à Louis-Napoléon Bonaparte puis en journal d’opposition à la
majorité présidentielle.
8 Elle participe à l’abolition de l’esclavage en 1888 en signant la Loi d’or (Loi impériale
n° 3353). Elle est l’épouse de Gaston d’Orléans (1842-1922), petit-fils de Louis-Philippe
1er (1773-1850).
9 Lire à ce sujet, Nathalie Gauthard (2014b, p. 15-26).
11 Entretien avec Jean-Marie Pradier dans Les périphériques vous parlent, n° 12, été 1999,
pp. 26-35. Consultable sur http://www.lesperipheriques.org/ancien-site/journal/12/
fr1226.html.
12 Gérard Lenclud (1994, p. 25): «Il y a des mots-outils et des mots-problèmes? Un mo-
t-outil est un mot que l’on utilise sans trop penser à son sens. Il est une procédure
grossière d’identification. L’important, c’est à quoi ce mot permet de vite référer. […]
Un mot-problème signale un concept plus qu’il n’identifie un objet ou même qu’il n’ex-
prime un sens; et un concept se caractérise par le fait qu’il est nécessairement équivo-
que et qu’il échappe par conséquent à la définition. On peut définir un mot, c’est-à-dire
décréter une signification, mais pas un concept puisqu’il réunit en lui une pluralité de
significations. Du même coup, le mot-problème oblige à penser. Tout mot-outil est
susceptible de devenir mot-problème; et tous les mots, dont on sait pourtant qu’ils
ont le statut de mot-problème, continuent d’être utilisés comme des mots-outils. Il est
en effet bien difficile de parler du monde et de communiquer avec autrui par l’intermé-
diaire de mots-problèmes!».
Pétri par tous ces éléments, Armindo Biao souhaitait avoir une approche
sensible des arts vivants, il était lui-même comédien et metteur en scène.
Dans la conclusion de sa recherche sur les circulations entre Nice et Bahia il
rapportait une anedocte personnelle:
Références
AKINOBU, K. Le geste dans le théâtre nô: approche philosophique – réflexion
phénoménologique sur la forme vivante, mise en scène dans le théâtre nô. In:
LA FLEUR caché du Nô. Textes réunis et présentés par Catherine Mayaux. Paris:
Honoré Champion Editeur, 2015. p. 23-34.
ANDRIEU, S.; OLIVIER, E. (dir.). Création artistique et imaginaires de la globalisation.
Paris: Hermann, 2018.
AUBERT, L. La représentation de l’autre ou le paradoxe du spectacle. Internationale
de l’Imaginaire, Paris, n. 15, 2001.
AUGÉ, M. L’impossible voyage: le tourisme et ses images. Paris: Payot & Rivages, ,
1997. (Rivages poches/Petite Bibliothèque).
AUGIER, P. Quand les grands ducs valsaient à Nice. Paris: Fayard, 1981.
BERGER, L. Les Nouvelles Ethnologies. Enjeux et perspectives. Paris: Armand Colin,
2005. (Sociologie ).
BIAO, A. Le parcours des fleurs d’Alphonse Karr, de Nice, France (XIXe siècle) à
Maragogipe, Bahia, Brésil (XXIe siècle). In: GAUTHARD, N. (dir.). Fêtes, mascarades,
carnavals: circulations, transformations et contemporanéité. Lavérune : Édition
L’Entretemps, 2014. p. 198-206.
BIAO, A. Questions posées à la théorie: une approche bahianaise de
l’ethnoscénologie. Internationale de l’imaginaire, Paris, n. 5, p.145-152, 1996.
BOYER, M. L’invention de la Côte d’Azur: L’hiver dans le midi. La Tour-d’Aigues:
Éditions de l’Aube, 2002.
CUTURELLO, P.; RINAUDO, C. Mise en image et mise en critique de la Côte d’Azur.
Faire-Savoirs: Sciences de l’Homme et de la Société en Provence-Alpes-Côte d’Azur,
Association A.M.A.R.E.S éditions, [s. l.], p.77-83, 2005.
FABRE, D. Introduction: comprendre la création, entendre la fiction, Gradhiva,
Paris, n. 20, p. 4-21, 2014.
2 O projeto FOZ AFORA ocupou o Espaço Municipal de Cultura Sérgio Porto (Rio de
Janeiro) durante três semanas, em setembro 2018, com exposição, mesas de conversa
sobre o crime ambiental no Rio Doce, experiência cênica, apresentação dos artistas da
Vila de Regência Augusta e lançamento do livro Foz afora: residência artística no Rio
Doce com textos e imagens de Jérôme Souty, Inês Linke, Eloisa Brantes, Ana Emerich,
Thaís Chilinque, Evee Ávila, Mauricio Lima e Lara Siqueira, todos pesquisadores e artistas
participantes do projeto. O livro está disponível no site www.coletivoliquidacao.com
e também existe em versão impressa.
3 II Congresso Nacional de Artes/CONARTES realizado na UNIFASV. A residência artística
de quatro dias em junho/julho 2019 na Ilha de Massangano, contou com a participação
de professores e estudantes de Artes da UNIFASV.
4 O centro de arte, pesquisa e memória de Atafona: Casa Duna é um espaço aberto a
residências artísticas concebido e coordenado por Julia Nadin e Fernando Codeço.
Para saber mais, ver: https://www.casaduna.org/.
Este texto que escrevo 15 anos após ter participado dos giros do Rei-
sado do Mulungu, é uma tentativa de articulação com minha atual prática
artística. As limitações do meu próprio corpo de mulher branca, “estudada”6
e urbanizada foi a primeira lição que tive quando, em 2001, cheguei na co-
munidade negra rural Mulungu, com cerca de 600 habitantes, todos parentes
da mesma família.7
6 “pessoa estudada” era a forma como os moradores do Mulungu se referiam a mim antes
da nossa relação se tornar mais pessoal e eles me chamarem pelos nomes de Lu, Luiza,
Eloisa ou Elói. É comum no Mulungu as pessoas serem chamadas por muitos nomes.
7 O livro Lembranceiras, imaginários e realidade: Chapada Diamantina – Bahia (2012) de
Iêda Marques sobre a cultura sertaneja na Chapada Diamantina são referências da
perspectiva socioambiental traçada aqui. Moradora da cidade de Boninal, artista mi-
litante na defesa das culturas tradicionais e da biodiversidade da região da Chapada
Diamantina, Iêda Marques me levou até o Mulungu pela primeira vez em 2001.
8 Giro é o termo usado para nomear a passagem do Reisado em uma comunidade rural.
Em cada giro do Reisado todas as casas são visitadas, exceto aquelas dos evangélicos
que fecham suas portas. A presença crescente dos evangélico em algumas localida-
des enfraquece o giro do Reisado.
9 Esta lógica da troca é constituinte dos Reisados em várias regiões do país na zona rural.
As Lapinhas são os presépios construídos pelos donos das casas que re-
cebem o Reisado. Diante das Lapinhas acontece o canto de altar: uma oração
Referências
ACOSTA, A. O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos.
Tradução Tadeu Breda. São Paulo: Autonomia Literária: Elefante, 2016.
ARDENNE, P. Un Art contextuel: création artistique em milieu urbain, em situation,
d´intervention, de participation. Paris: Flammarion, 2004.
ÁVILA, E.; SOUTY, J. (org.). Foz afora: residência artística no Rio Doce. Rio de Janeiro:
Coletivo Líquida Ação, 2017.
LEFF, H. Complexidade, racionalidade ambiental e diálogo dos saberes.
Revista Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 34, n. 3, p. 17-24, set./dez. 2009.
MARQUES, I. Lembranceiras, imaginários e realidade: Chapada Diamantina – Bahia.
Lauro de Freitas: Solisluna, 2012.
MENDES, E. B. Do canto do corpo aos cantos da casa: performance e espetacularidade
através do Reisado do Mulungu (Chapada Diamantina/Bahia). 2005. Tese
(Doutorado em Artes Cênicas) − Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2005.
Introduction
L’helléniste Jean-Pierre Vernant (1986, p. 26), essayant de décrire et
d’inviter à imaginer le corps des dieux tel que le concevaient les Grecs
anciens a forgé le mot sur-corps, à la façon de la sur-nature du monde
sur-naturel. Le sur-corps n’est pas un accessoire ajouté au corps à la façon
d’un sur-vêtement, mais l’inimaginable beauté organique de la divinité.
Pour rassembler en un mot l’œuvre réalisée par Barba que sont l’Odin
Nordisk teaterlaboratorium, l’International School of Theatre Anthropology,
les séminaires et les publications, les films et la toile tissée entre les
membres du ‘peuple secret de l’Odin’ je propose sur-vie, en intégrant ses
deux sens: celui qui vient du mot survivre, comme après un terrible acci-
dent; et cette vie, le bios, exaltante, mystérieuse, inconnue. La résilience
et la nature vivante. Après la première session de l’ISTA, à Bonn en 1980,
Franco Ruffini (1981, p. 145) nous avait demandé d’écrire un témoignage.
J’ai retrouvé le mien qui se terminait par cette phrase: “Certamente il
punto comune a tutti è il gusto della vita. Vita intesa nel senso più immediato,
più concreto. Ma anche più segreto e più assoluto”.1
1 «Le point commun est certainement le goût de la vie. La vie comprise dans le sens le
plus immédiat, le plus concret. Mais aussi plus secret et plus absolu». (RUFFINI, 1981,
p. 145)
2 Depuis 2018, le E.C.C.D. organise des hommages solennels aux artistes et créateurs
majeurs du théâtre qui ont été associés au Centre. Le premier, intitulé «le retour de
Dionysos» a été rendu en l’honneur du metteur en scène Theodoros Terzopoulos res-
ponsable depuis 1985 des rencontres internationales consacrées au théâtre grec de
l’antiquité.
«cultures»: ce ne sont pas les cultures qui voyagent, mais des individus avec
leurs caractéristiques propres: genre, âge, langue, imaginaire, statut social,
intérêts, techniques du corps, émotions, logiques etc.
Tout en notant que ‘l’interculturalité’ ou l’imbrication culturelle est loin
de s’être réalisée au sein des universités et des programmes d’enseigne-
ment sous la forme de la pluridisciplinarité, je remarque que le souci du bios
chez Barba a fécondé une pensée et une pratique de la relation entre les
personnes engagées dans une discipline, une tradition ou un mode de vie.
Ce n’est pas la danse Odissi qu’il a fréquentée, mais la danseuse Sanjukta
Panigrahi (1944-1997) qui fut pour lui, l’Odin et l’ISTA le bios d’excellence. Il ne
s’est pas réclamé de la physique quantique, mais l’esprit et la personne de
Niels Bohr ont été inspirants pour lui. L’originalité de la pensée d’Eugenio
Barba tient au fait qu’elle est interrogative, adogmatique, associant scep-
ticisme et engagement en un constant exercice énantiodromique, de re-
cherche de la complémentarité des contraires. Héraclite, plutôt qu’Aristote!
Niels Bohr – dont le blason figure sur les en-tête de l’Odin Teatret – plutôt
que Descartes. Cette tournure mentale s’incarne dans son esthétique de la
scène, les ateliers de formation, les interventions orales et les publications.
Si souvent invoqué par les artistes du spectacle vivant, les chorégraphes
en particulier, le mot énergie – «mot fuyant» – se précise et se concrétise
avec Barba qui souvent lui a préféré celui de bios (BARBA, 1994),3 le βιος
grec à partir duquel le médecin et naturaliste allemand Gottfried Reinhold
Treviranus (1776-1837) a forgé le terme biologie. Le champ lexical du βιος
bios était vaste pour les Grecs anciens qui appelaient biologos βιολογος,
le comédien, celui qui , la vie. Treviranus estimait quant à lui que cette science
nouvelle avait ses matériaux épars dans les sciences les plus diverses, et il
la définissait comme «philosophie de la nature vivante».4 Dans le monde oc-
cidental la science du vivant – la biologie – a été après la Renaissance dé-
tachée des arts, de la philosophie, puis des sciences humaines et réservée
3 Par exemple dans Barba (1994, p. 23-25, 30, 45, 56, 64, 70, 83, 90, 97, 100, 107, 111, 116,
135, 154, 213, 231, 238)
4 Titre de son ouvrage: Biologie; oder die Philosophie der lebenden Natur für Naturforscher
und Aerzte, (1802-1822). Biologie; ou la philosophie de la nature vivante pour les natu-
ralistes et les médecins. A la même époque, Le naturaliste Lamarck introduit le mot
dans la langue française.
aux savants matérialistes. (PRADIER, 1997) C’est ainsi qu’après les Lumières
les études théâtrales l’ont considérée comme sans intérêt avant d’y revenir
récemment par le détour des sciences cognitives. (PRADIER, 2001, 2019)
Le lyrisme des poètes romantiques exaltait l’expression vive de la subjectivité
devant la nature et les affects. En 2019 en Grèce, Barba (2019, p. 2) affirme
l’organicité de la relation, de vie à vie, de corps à corps en une communication
écosystémique: «C’est un message d’énergies qui échappe à toute verbalisation,
mais nous sentons que c’est à nous qu’il est destiné. Ce message est un texte
que nous déchiffrons avec la totalité de notre organisme et ses différentes
mémoires».
L’adage «Nihil est in intellectu quod non fuerit primum in sensu». − Il n’y
a rien dans l’entendement qui n’ait été d’abord dans les sens − n’a jamais
cessé d’être discuté et disputé. Son rabâchage depuis les temps médiévaux,
n’a guère mis un terme aux questions sensorielles et perceptives, leur or-
ganisation et leurs fonctions. Aux temps médiévaux, on l’enseignait à la
Sorbonne, en répétant que la vue était l’organe privilégié de la connaissance.
Descartes avait douté: est-ce par les sens, que je reçois la connaissance ou
des sens? Les sens sont-ils simple canal d’informations, maître d’école ou
source d’erreurs? Les théoriciens contemporains de l’écologie corporelle
(ANDRIEU, 2014), des arts immersifs (BERNARD; ANDRIEU, 2014) évoquent
le retour haptique du corps, la connaissance par le toucher. Les anthropologues
ouvrent le débat en interrogeant des logiques jadis considérées primitives
parce que non conformes aux théories de l’idéation, et reconnaissent leur
légitimité. Barba (2019, p.2)les rejoint:
Deux ans plus tard, dans l’édition française, la définition mentionne ex-
plicitement la biologie:
qui s’ajoutaient aux travers habituels du milieu. Il avait mis en garde ses lec-
teurs et ses commentateurs:
...
9 Le prestigieux Prix biennal Sonning (2000). Prix Thallia (2014) International Associa-
tion of Theatre Critics (IATC); Pirandello International Prize; 1995 «Reconnaissance de
mérite scientifique» de l’Université de Montréal, (1995); Prix des critiques de théâtre
du Mexique.
10 Docteur Honoris causa des universités de: Aarhus, 1988 (Danemark); Huamanga, Aya-
cucho, 1998 (Perou); Bologna, 1998 (Italie) ; La Havane, 2002 (Cuba) Varsovie, 2003
(Pologne), Plymouth, 2005 (Grande Bretagne); Hong Kong, 2006 (région administrative
spéciale (RAS) de la République populaire de Chine); Buenos Aires, 2008 (Argentine)
Tallinn, 2009 (Estonie) Cluj-Napoca, 2012 (Roumanie); Edimbourg, 2014 (Ecosse);
Shanghai, 2014, (République Populaire de Chine); Brno, 2017(République Tchèque);
Nauplie, 2019 (Grèce)
C’est un pays qui a vaincu le temps. Une ville éternelle. Un lieu sacré
qui m’a fait découvrir les archétypes de la vie. L’archétype de la cru-
auté [...] L’archétype de la foi […] l’archétype de l’injustice […] Ce Gallipoli
n’existe que dans ma tête. C’est un pur mirage que je traverse pour
me retrouver dans le monde. C’est une superstition, elle est en moi
et au-dessus de moi en même temps. […] C’est le Gallipoli dont je n’ai
jamais été séparé depuis que je l’ai quitté en 1954 à l’âge de quatorze
ans. J’ai eu recours à cette ville quand j’ai voulu savoir qui j’étais et d’où
je venais. Dans ces rues, maisons et églises − que les vents enserrent
comme des serpents − je suis revenu pour deviner le chemin que je
voulais prendre ailleurs.12
11 le mot anglais «triune» est préférable au français «trinitaire», marqué par la théologie.
Le neuro-physiologiste Paul D. MacLean parlant du cerveau «triune», signifie qu’il est
à la fois un et composé de 3 entités.
12 26 septembre 2014. «È un paese che ha vinto il tempo. Una città eterna. Un luogo sacro
che mi ha fatto conoscere gli archetipi della vita. L’archetipo della crudeltà […]
L’archetipo della fede, […] L’archetipo dell’ingiustizia […] Questa Gallipoli esiste solo
nella mia testa. È puro miraggio dal quale sconfino per raccapezzarmi nel mondo.
È una superstizione, sta dentro di me e al tempo stesso sopra di me. […] Questa è
la Gallipoli dalla quale non mi sono mai separato da quando quattordicenne la lasciai
definitivamente nel distante 1954. A questa città sono ricorso quando volevo sapere
chi ero e da dove venivo. A queste strade, case e chiese − che i venti stringono come
serpenti - sono ritornato per indovinare il cammino che voglio mi porti altrove».
Sur le plan individuel, huit fois sur dix, les jeunes gens qui croient se
consacrer au théâtre se dérobent, en fait, à la vie; ils obéissent à un
réflexe d’impuissance; ils ne vont pas au théâtre par excès, ils vont au
théâtre par défaut. (BARRAULT, 1961, p. 5)
Pour Barba, nous l’avons vu, le choix du théâtre ne peut avoir pour fon-
dation qu’une exigence d’absolu. Hagested (1973, p. 156-157):
Eugenio Barba: […] Nous choisissons nos acteurs non pour leur talent,
mais pour leur force d’âme, leur générosité, leur persévérance. Nous
sommes conséquents dans le choix de notre répertoire et dans nos
buts artistiques, nous essayons d’édifier un théâtre où chaque mem-
bre de la communauté ne se sente pas comme un pion qui est dirigé
par un patron lointain comme dans une grande industrie culturelle
mais où chacun sent qu’il a sa place particulière dans cette petite
14 Pacifiste et spiritualiste Bent Hagested a choisi en 1975 de suivre les idées d’esprit
et de conscience développées par les mystiques islamiques soufis. De 1977 à 1983,
il s’est initié au Shattari −techniques rythmiques d’Adnan Sarhan. À partir de 1981, Bent
Hagested a enseigné à des groupes à New York, Washington D.C., Porto Rico, Londres,
Stockholm et Danemark.
L’apogée
Le troisième spectacle Ferai, créé en 1968 dans la claustration volontaire
à Holstebro, porta la renommée de l’Odin à son apogée, lorsqu’il fut invité en
1969 à la Biennale de Venise. Eugenio Barba est alors interrogé par le Pro-
fesseur Ferruccio Marotti (né en 1939). Celui-ci, historien du théâtre, anime
à l’université de Rome La Sapienza, un groupe de jeunes universitaires qui
ont constitué par la suite un noyau fidèle, attentif et actif de collaborateurs
de l’Odin: Ferdinando Taviani,16 Fabrizio Cruciani, Nicola Savarese et Franco
Ruffini. Marotti ne connaît pas encore Barba. Mais il a lu dans le programme la
retranscription de l’entretien de Bent Hagested qui l’avait interrogé également
17 Nel mondo del teatro si vuole sempre fare mostra della propria originalita, si yende
sempre a rinnegare il proprio padre, cioè la tradizione da cui deriviamo. È un atteggia-
mento che mi è del tutto estraneo. Se c’è un uomo che considero come moi maestro è
Grotowski. È stato lui a introdurmi nel mestiere, e io nutro un grandissimo rispetto per
tutto ciò che fa. Le sue idee fondamentali, il suo metodo di lavoro, la sua conscienza
professionale sono per me una sfida continua. Mi sento suo discepolo nel senso proprio
della parola : si è un ‘discepolo’ finché si riconosce che il maestro possa darci ancora
qualcosa, animarci allo sviluppo della propria personnalità verson una maggiore autonomia.
In questo senso io sono sempre il discepolo di Grotowski e lo sarò encora per molto.
19 Organisateurs: Hans Jürgen Nagel, Kulturamt der Stadt Bonn, Germany − Under the
auspicies of the ITI, International Theatre Institute.
Références
ANDRIEU, B.; SIROST, O. Introduction l’écologie corporelle. Sociétés, Paris, v. 125,
n. 3, p. 5-10 2014.
BARBA, E. A Canoa de papel: tratado de antropologia teatral. Tradução Patrícia
Alves. São Paulo: HUCITEC, 1994.
RUFFINI, F. La scuola degli attori: rapporti. Firenze Milano: La Casa Usher, 1981.
VERNANT, J-P. Corps obscur, corps éclatant. In: MALAMOUD, C., VERNANT, J.-P.
(dir.). Corps des dieux. Paris: Gallimard: Folio histoire, 1986. p. 19-35.
his creative research. During this period, Grotowski still directed public-facing
theatrical performances with the actors of the Theatre of 13 Rows, in Opole −
renamed the Theatre Laboratory in 1962. (Schechner; Wolford, 2000) The aim
of Grotowski’s theatrical work was to revitalise the ritualistic aspects of the
theatre and establish a sense of communion between actors and spectators,
grounded in the belief that “[...] theatre cannot exist without the actor-spec-
tator relationship of perceptual, direct, ‘live’ communion”. (Grotowski, 1967,
p. 19) This was achieved in part by breaking the fourth wall and orchestrating
scenic space in such a way that spectators could become immersed in the
action taking place on stage. However, the kinaesthetic impact of this scenic
immersion was further heightened by the energetic presence of the Teatr
Laboratorium’s actors, fruit of the ground-breaking psychophysical training
that the company had developed under Grotowski’s guidance. Furthermore,
the actor’s work on the self was channeled into a ritualistic scenic montage
crafted by Grotowski in such a way that, on special occasions, the actor’s role
could operate as a ‘scalpel’, allowing the actor to reveal the most intimate
layers of his or herself to the spectator, triggering a potential epiphanic ex-
perience for actor and spectator alike. This was the so-called total act of the
holy actor.1
In many ways, Grotowski’s early work during the Theatre of Productions
began to establish a unique ecology of practices, characterised in this par-
ticular case by a complex, systemic understanding of theatrical craft as an
energetic, affective weft, transcending the materiality of environmental the-
atre alone. By honing the actor’s capacity to be fully present in a ritualistic
montage, privileging the affect-laden potential of vocal and physical actions,
Grotowski fashioned a unique ambience that immersed spectators in a
heightened experience of (scenic) reality. These environmental strategies were
taken in a different, more overtly ecological direction during the subsequent
phase of Grotowski’s research, Paratheatre (1969-1978), when Grotowski aban-
doned the theatre and began to organise large participatory activities, often
in rural settings, guided by his actors and open to non-specialists. The aim
of Paratheatre was to break down social masks through collective living.
In the ‘Special Project’, led by Grotowski actor Ryszard Cieślak, for example,
the focus of activities was:
[…] direct, sensual contact with the elements (brought about through
paddling in a river, dancing, jumping through fire, rolling about in
mud, digging earth, jumping into a net hung high above the ground
and also running through open spaces) […] The experience of encoun-
tering both other people and also nature was often the participants’
most striking memory and formed the essence of all the activities.
(SPECIAL, 2012)
Two key groups comprising Grotland that splintered off from Gardzienice,
and thus share certain similar praxical concerns, include Song of the Goat
−Teatr Pieśń Kozła, referred to henceforth as “Kozła” − and Teatr ZAR. Established
in 1996 in Wrocław, Poland, by Grzegorz Bral and Anna Zubrzycka, Kozła has
developed an ever-evolving training, rehearsal and performance processes
that are treated as laboratories that enable the company to research the
craft of the actor and to evolve new techniques, performance languages and
work. Teatr ZAR, led by Jarosław Fret, is a laboratory theatre based at the
Grotowski Institute in Wrocław which draws on song and music from numerous
traditions, seeking to demonstrate that theatre does only relate to thea
(seeing) but is above all something that should be heard. Importantly, both
groups directly inform the case study company who are the focus of this
chapter, Eden’s Cave.
The Eden’s Cave Company was founded in the UK in 2016 by Henry McGrath,
a former principal actor with Kozła, in order to bridge connections between
theatre, community and the natural world. Developing a strong community
philosophy, the company incorporates a European model of developing per-
formances over extended periods to create rich, layered, high-quality work.
Its projects contribute to the development of contemporary theatre culture
in the British Isles and to advance new perceptions of how we relate ecolo-
gically to the natural world. Furthermore, Eden’s Cave develops opportunities
for local communities and artists through organised encounters and cultural
exchange developed from its base in the Forest of Dean, an ancient British
woodland located in the South-West of England on the border with Wales.
Whilst there have been a total of twelve artists in original constellations,
the company currently comprises five core members − Henry McGrath and
Eleanor Buchan (co-artistic directors), Emma Bonnici3 Charles Sandford4 and
Adam Clifford5 − plus working associates. Importantly, all of the members
of Eden’s Cave are connected to Grotland, having been members of Polish
theatre groups or having studied with actors connected to this wider tradition
and its multifaceted ecology of practice. Thus, this young UK-based group
represents a new addition to this lineage of practitioners and, importantly,
are re-inflecting their inherited ecology of practices to foreground a world-
view inherently shaped by a meaningful encounter with the natural world.
3 Emma Bonnici is a performer, singer and teacher. Eight years working with Kozła and
Teatr ZAR gave her the foundation on which her performance and teaching practice
have developed. She specialises in voice and polyphonic singing as a means of ex-
ploring character, story and self, and has researched folk songs from across Europe
as well as adapting the work of Kristin Linklater into her praxis. Bonnici is a qualified
craniosacral therapist and uses it in teaching to aid students in unlocking tensions
restricting voice and body.
4 Charles Sandford is a London-born actor, physical performer and visual artist. He trained
at RADA on their MA Theatre Lab and has since become a specialist in embodied ex-
pressive practice. Sandford works closely with British theatre groups Animikii Theatre,
Theatre Re, and Tmesis Theatre, as well as making his own work combining perfor-
mance and sculpture.
5 Adam Clifford is an actor, theatre-maker, percussionist and composer. He studied at
the Royal Academy of Music in London and the Jacques Lecoq International School of
Theatre in Paris. As an actor and composer, he subsequently moved to Poland to work
with Kozła, Clifford plays the music of Steve Reich internationally with the Colin Currie
Group and is artistic director of son theatre., a theatre company focused on cross-dis-
cipline collaboration.
In 2016, McGrath returned to the UK from his work with Kozła in Poland
with a vision to curate a company comprising actors, singers, musicians,
physical theatre performers and visual artists. The etymology of “Eden” refers
to the Book of Genesis and the Book of Ezekiel in which the garden is a mytho-
logical place of paradise where the Tree of Knowledge and the Tree of Life
reside. For the company, “Eden” refers to the place in which they work −
in this case the Forest of Dean − and indicates the company’s devotion to the
living world, the reverence of, and belief in, interconnection, and the com-
pany itself as a practice of ecologically inspired systems and networks. To a
certain extent, the epithet ‘Eden’ also reflects an ethos, a utopian drive − the
desire to live in a community and establish a new generation of laboratory
theatre practice. In contrast to the Abrahamic roots of “Eden”, the symbol of
“the cave” is more polytheistic, pagan even. In all cultures and in almost all
epochs, the “cave” has been a symbol of gestation and creation, a symbol
of life but also of death. It is a sacred place that constitutes a break in the
homogeneity of space, an opening that is a passage from one cosmic region
to another.
Eden’s Cave has hailed, to some extent, from the laboratory theatre tra-
ditions of Poland and forms part of the assemblage of Grotland groups, with a
genealogy stretching back to Grotowski’s Theatre Laboratory. But other lineages
of work had importance within Eden’s Cave’s evolving group practice, as well.
McGrath, Bonnici and Clifford have all worked extensively in Poland with
Kozła, and Bonnici was a long-term collaborator in Teatr ZAR. McGrath and
Sandford both trained on the MA Theatre LAB at the Royal Academy of Dra-
matic Arts (RADA) in London, under the tutelage of Andrew Visnevski and Ian
Morgan, a principal actor at Kozła for over fifteen years, who had previously
worked with Grotowski at the Work Center of Jerzy Grotowski and Thomas
Richards in Pontedera, Italy. Sandford and McGrath have also worked close-
ly together with Animikii Theatre, a laboratory group based in North-West
England, which McGrath had co-founded alongside director Adam Davies
in 2013.
A further intrinsic branch of Eden’s Cave’s pedagogical lineage and,
specifically the group’s investigation of personal transformation within cre-
ative work, originated in the teachings of American dance and performance
artists Paul Oertel and Nancy Spanier, creative and life partners since 1972.
McGrath first met Oertel and Spanier at age seventeen and began working
closely with them two years later in 2009. His relationship with them is a
pivotal factor in the development of his work as a performer and director.
Buchan, who also trained with Philippe Gaulier and works substantially in the
field of storytelling, has been working with both Oertel, Spanier and as part of
the Authentic Artist Collective6 (AAC) since 2014 and is deeply influenced by
the specificity of their teaching on individual expression. Oertel was an acting
student of the ‘Experimental Theatre Wing’ at New York University’s (NYU)
Tisch School of the Arts in the 1970s, when Oertel was part of the cohort that
worked with Rzyard Cieslak, the celebrated actor of Grotwoski’s Laboratory
Theatre. Although Oertel went on to challenge his training at NYU, there are
interesting connections that link, to some degree, Oertel’s practice to the im-
provisational processes and corporeal considerations of Grotowski.
Thus, each member of Eden’s Cave offers distinct experience and peda-
gogical practices in voice, body, music and ritual, with an extensive combined
experience as professional performers, teachers and theatre makers. The pe-
dagogical roots of each member’s work were vital in shaping the company
identity. Like Kozła and ZAR, focus on embodied theatre training, vocal ex-
ploration and polyphonic singing traditions has been a leading praxical foun-
dation and interest for Eden’s Cave, but while these traditions served as a
valuable history for the theatre and its evolving culture and practice, it has
also proved to be the very thing the company has sought to wrestle with
in an effort to define its own unique aims, approaches and creative charac-
teristics.
6 For more information on the Authentic Artist Collective, please visit http://authenti-
cartist.co.uk and for Oertel’s and Spanier’s work, please visit http://www.performan-
ceinventions.org.
7 The early configuration of the company included actors and artists Elizabeth Crarer,
Vincent Manna, Sioned Jones and Emma Abel. Whilst Abel continues as a key associate,
all the artists made an important contribution to the founding of Eden’s Cave.
From the mid 1970s to the late 1980s, [Gardzienice’s] work was charac-
terised by expeditions to remote villages and ethnic Roma, Jewish,
Bielorussian and Ukrainian enclaves in the eastern regions of Poland.
Here Gardzienice sought to access the ‘native’ culture that lay beneath
the official culture promoted by the Communist authorities, which
Excursions to bathe in the dead of night, walks across the hilltops, singing,
ritual (and, more than once or twice, naked runs in the forest fuelled by
port) and other creative expressions often arrived spontaneously. Hand in
hand with our vast but tailored processes of improvisation, these activities
suffused the group with its mysteries and the deeply communal nature of
living so close to the earth forged an inspirational and revealing working pe-
riod. In the words of Kubiak (2012, p. 59), the members of Eden’s Cave began:
text work, choreography and outdoor expeditions. The creative focus could
thus be both flexible and variable in what Clifford proposes as the “manifes-
tation of undermining inner and outer expressions of domination, working at a
micro-level”.
By way of example, vocal work is an integral part of the company’s prac-
tice and both Bonnici and Clifford brought significant expertise in this field.
In Poland, McGrath, Bonnici and Clifford experienced rigorous physical and
vocal training with Kozła and the desire to discover the training of Eden’s
Cave was a strong motivation for group practice, exploring resonance and
beginning the important process of finding a commonality in the company’s
approach to collective sounding and a cappella choral song. As extensive and
varied vocal training and exploration led by Bonnici moved towards Clifford’s
musical composition during a lengthy process of improvisation, McGrath se-
lected texts and offered ideas, guiding an interplay between freedom and
the framing of material:
While Buchan was a critical eye on the community organism and ritual
practice that holds the work, McGrath was a central organiser of material
and ideas, but his role was facilitative; a leadership that sought to guide
the group and channel the materials through a centralised initial vision.
This evolved over time as the material took on its own life, with each member
of the group taking ownership of their imaginative work and developing a
more malleable and horizontal collaborative environment.
Conclusion
In Forests (2020) an author sits at her desk, conjuring up characters out
of her imagination. Heavily pregnant, she pens a love triangle between a
neurotic young couple and a spectral force, a two-headed daemon haunting
their every move. Caught between reality and the mythic, the author is swal-
lowed up by the spirit world, finding herself guest of honour at a party at the
end-of-days, as humankind is extinguished, and the charred remains of the
natural world take centre-stage at last.
We could not, of course, get beyond our human limitations. What developed,
as the group fought and tugged and bumped up against one another, was an
honest desire to understand ourselves as part of an ecology, to come closer
to answers that might pave the way for new understandings of connectivity,
underpinned by the realisation that as humans (while very much a part of
said web) we cannot give voice to the living planet, we can only give voice
to the humans struggling to find ourselves.
References
Chauduri, U. Staging Place: The Geography Of Modern Drama. Ann Arbor:
University of Michigan Press, 1995.
Cioffi, K. Introduction: Grotowski’s Evolving Influence in Poland. Mime Journal,
v. 25, p. 1-16, 2014.
Suzana Martins
2 Coolness. Expressão inglesa que infelizmente não tem uma tradução perfeita para
a língua portuguesa, mas pode-se dizer que está relacionada com comportamento
humano ou compostura diante da vida, sem constrangimentos ou estresse.
Matrizes estéticas
Especificamente, as matrizes estéticas inseridas nas danças sagradas do
candomblé são visíveis na corporalidade do(a) filho(a) de santo, que se estru-
tura a partir de elementos simbólicos para um determinado fim (LE BRETON,
1995), e que são valorizados através dos sentidos da visão, da audição, do olfato
e da degustação, como aponta Welsh (1985). Através da observação visual
e intensiva durante as atividades cotidianas e religiosas da casa, o corpo
assimila, internaliza e registra os movimentos, ritmos e arquétipo de cada
Orixá. No ritual do xirê ou na dança da roda, o corpo exercita na prática esses
conhecimentos da dança e música que são transmitidos através da tradi-
ção oral pelos(as) mais velhos(as) da casa, de geração a geração. O cheiro
de alfazema, o conhecimento sobre as plantas e ervas tornam-se estímu-
los para o desenvolvimento dos conhecimentos através do olfato. E por fim,
a preparação e cozimento das comidas para os Orixás estimulam o sentido
da degustação. Em síntese, as matrizes estéticas que compõem essa cor-
poralidade reúnem aspectos, tanto tradicionais (ancestralidade, filosofia
holística) quanto contemporâneos (repetição, improvisação, recriação de
padrões de movimentos e ritmos). Além disso, a união dinâmica da dança
com a música promove meios de articular o corpo humano de forma com-
plexa do que seria uma expressão ordinária comum. Enfim, um corporalidade
que se distingue de outras por estar inserida na cultura e religiosidade do
candomblé, na qual os padrões são recriados a partir das matrizes negro-
-africanas de várias etnias, o que nos proporciona a espetacularidade de
um fenômeno a ser observado e apreciado.
Palavras finais
Aspirando um futuro melhor, esta corporalidade se constrói através das
práticas espetaculares desse corpo em movimento, que respeita os ante-
passados e seus valores étnicos e tradicionais. A prática criativa em uma
casa de candomblé é exercitada de forma integral, holística, naturalmente
despojada de estresse e conflitos. A integração dos sentidos é vital para o
desenvolvimento desse fenômeno de corporificação com o Orixá. São ca-
racterísticas singulares que se distinguem de outras religiões, uma vez que a
dinâmica é plural, herdada dos diversos povos negros africanos, foi assimi-
lada à nossa cultura afro-baiana, ao nosso cotidiano e às nossas manifes-
tações populares, de forma expressiva, destacando-se das demais formas
de arte e cultura. Dançar o Orixá é expressão de alegria, prazer e respeito à
ancestralidade, referenciando aos antepassados, por meio da comunicação
divina e espiritual através do corpo e dos ritmos.
Referências
BIÃO, A. J. de C. Etnocenologia e a cena baiana: textos reunidos. Salvador: P&A, 2009.
BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática
“História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 10 jan. 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm. Acesso em: 13 abr. 2022.
HANNA, L. J. Ethnic Dance Research Guide: relevant data categories. University of
Cambridge Press, 2014.
LABAN, R.; LAWRENCE, F. C. Effort: Economy in Body Movement. Boston: Plays, 1974.
LE BRETON, D. Antropología del cuerpo y modernidad. Buenos Aires: Nueva Visión, 1995.
LIMA, F. Corpo e ancestralidade. Repertório: Teatro & Dança, Salvador, ano 18,
n. 24, p. 19-32, 2015.
LIMA, F. Os candomblés da Bahia: tradições e novas tradições. Salvador:
Universidade do Estado da Bahia: Arcadia, 2005.
MARTINS, L. Performances do tempo espiralar. In: RAVETTI, G.; ARBEX, M. (org.).
Performance, exílio, fronteiras: errâncias territoriais e textuais. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2002. p. 89-120.
MARTINS, S. A dança de Yemanjá Ogunté sob a perspectiva estética do corpo.
Salvador: EGBA, 2008.
THOMPSON, R. F. African Art and Motion: icon and act. Los Angeles: University
of California Press, 1974.
WELSH, K. Commonalities in African Dance: An Aesthetic Foundation. In: ASANTE, M.
K.; ASANTE, K. W. (ed.). African Cultures: Rhythms of Unity. Trenton, NJ: Africa World
Press, 1985. p. 25-35.
Sobre os autores
Christine Douxami
Pesquisadora em Antropologia da Arte no Instituto dos Mundos Africanos
(IMAF) e professora na Universidade de Franche-Comté em Artes Cênicas.
Seu trabalho, na junção entre teatro e antropologia, pesquisa questões
da negritude e do pan-africanismo. Faz o seu trabalho de campo parti-
cularmente na África (Burkina Faso-Senegal) e no Brasil. Defendeu em 2001
sua tese sobre Teatro Negro. Desde 2006, tem coorganizado um semi-
nário na Ecole des hautes etudes em sciences sociales (EHESS). Trabalha
também sobre as questões políticas e artísticas relacionadas ao patrimônio
imaterial no Brasil.
Graça Veloso
Docente na Pós-Graduação em Artes Cênicas (PPGCEN), no Instituto de Artes
(Prof-Artes) e na graduação do Departamento de Artes Cênicas (IdA) da Uni-
versidade de Brasília (UnB). Professor associado I. Ator, diretor, dramaturgo.
Nathalie Gauthard
Nathalie Gauthard é etnocenóloga, professora universitária de Artes Cênicas
da Universidade de Artois e presidente da Sociedade Francesa de Etnoceno-
logia (SOFETH) – organização não governamental aprovada para o Patrimônio
Cultural Imaterial (PCI) pela Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura (Unesco). Além de sua especialização em práticas cê-
nicas e performáticas asiáticas, ela estuda estética e práticas carnavalescas.
Autora de vários artigos e publicações científicas, foi eleita recentemente edi-
tora da Revue L’Ethnographie. Criação, práticas, públicos (MSH-PN-USR3258).
Jean-Marie Pradier
Professor emérito da Universidade Paris-8, onde codirigiu o Departamento
de Teatro e coordenou o componente Etnocenologia do EA 1573. Depois de
pesquisar no Curdistão iraquiano, ele trabalhou em Istambul, Montevidéu,
Rabat. Pesquisador do laboratório de Etnocenologia da Maison des Sciences
de l’Homme em Paris-Nord. Membro fundador da Escola Internacional de
Antropologia Teatral, criada por Eugenio Barba.
Eleanor Buchan
Performer focada em tradições de contar histórias e práticas rituais. Treinada
com Philippe Gaulier e na Escola Central de Fala e Drama. Ela é codiretora
artística da Eden’s Cave Company.
Henry McGrath
Praticante de performance, diretor e ator. Ele fundou a Eden’s Cave Company
em 2017, após seu trabalho com a aclamada companhia de teatro polonesa
Song of the Goat (2014-2018).
Patrick Campbell
Professor sênior de Drama e Performance Contemporânea na Universidade
Metropolitana de Manchester, Reino Unido. Ele é especialista em treinamento
psicofísico com foco na expressividade física e vocal do intérprete.
Suzana Martins
Professora titular da Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Fez mestrado e doutorado em Dança na Educação pela Universidade de
Temple, Estados Unidos. Realizou dois estágios de pós-doutoramento: no Codarts,
Amsterdã, Holanda e na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade
Técnica de Lisboa, Portugal. Suzana possui experiência profissional na área
de Artes, com ênfase em corpo e criatividade, atuando principalmente nos
seguintes temas: dança, cultura afro-brasileira, metodologias, etnografias
e outros.