Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ENSINO MÉDIO
TRAMAS das
LINGUAGENS
CAMINHOS PARA A PRÁTICA DOCENTE
Linguagens e suas Tecnologias
Livro de Formação Continuada
Dança
Dança
TRAMAS das
LINGUAGENS
CAMINHOS PARA A PRÁTICA DOCENTE
Linguagens e suas Tecnologias
DANÇA
VALESKA FIGUEIREDO
Bacharela em Psicologia e mestra em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Redatora da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) dos ensinos Fundamental e Médio,
componente Arte (3ª versão).
Foi coordenadora de Dança da Escola Municipal de Iniciação Artística (Emia), de São Paulo (SP),
onde atua como artista-educadora desde 2007.
1a EDIÇÃO
São Paulo - 2021
Presidência: Paulo Serino
Direção editorial: Lauri Cericato
Gestão de projeto editorial: Alice Ribeiro Silvestre
Coordenação editorial: Mirian Senra
Edição: Deborah Frohlich, Daniela Pinheiro, Tatiane Brugnerotto
e Kátia Scaff Marques
Planejamento e controle de produção: Vilma Rossi e Camila Cunha
Revisão: Lilian Semenichin (coord.), Aiko Cristina Mine Cavalcante,
Ana Cristina Garcia, Cárita Ferrari Negromonte, Daniela Gomes Uemura,
Evelize Pereira Alves Bernardes, Fernanda Guerriero Antunes,
Flávia Schiavo, Giovana Bomentre, Janaína Taís da Silva, Jeferson Paiva
dos Santos, Lívia Pavini Zeviani, Maiara Andréa Alves, Maíra de Freitas
Cammarano, Márcia Pessoa, Mirna Acras Abed Moraes Imperatore,
Pedro Paulo da Silva, Penelope Elena Alves Brito,
Sandra Garcia, Sergio Andrade Motta e Thaís Bressan Nacif
Arte: Claudio Faustino (ger.), Erika Tiemi Yamauchi (coord.),
Karen Midori Fukunaga de Carvalho (edição de arte), JS Design (diagramação)
Iconografia e tratamento de imagens: Roberto Silva (coord.),
campos de iconografia (pesquisa iconográfica),
Emerson de Lima (tratamento de imagens)
Licenciamento de conteúdos de terceiros: Fernanda Carvalho (coord.),
Erika Ramires e Márcio Henrique (analistas adm.)
Design: Flávia Dutra, Tatiane Porusselli e Noctua Art (proj. gráfico),
Noctua Art (capa)
Foto de capa: Flashpop/Digital Vision/Getty Images
Impressão e acabamento
2
SUMÁRIO
Apresentação ���������������������������������������������������������������5 CAPÍTULO 4 – HISTÓRIAS DE VIDA
E APROPRIAÇÃO DE SABERES ���������������������������� 59
Introdução ao volume de Dança ������������������������������6
CAPÍTULO 2 – PROCESSOS
CAPÍTULO 5 – ASPECTOS SÓCIO-HISTÓRICO-
DE PESQUISA E CRIAÇÃO ������������������������������������� 38
-CULTURAIS DA DANÇA NO BRASIL ������������������� 80
Os processos de pesquisa e criação em Dança
Breve histórico sobre o ensino
como experiência ����������������������������������������������������������������39
da Arte e da Dança no Brasil ������������������������������������������81
A experiência e o aprimoramento
Ensaios móveis – Histórias da Dança�������������������������������84
das capacidades técnicas ���������������������������������������������������� 40
3
Professor, pesquisador e artista ���������������������������������� 101 Ensaios móveis – Perguntas ���������������������������������������������� 143
Ensaios móveis – Diálogos com a Literatura �������������� 102 Diálogos com as competências da BNCC �������������144
Diálogos com as competências da BNCC �������������104
CAPÍTULO 10 – DANÇA NA INTERFACE COM
CAPÍTULO 7 – DANÇA E SUAS CONEXÕES OUTRAS ÁREAS DE CONHECIMENTO����������������145
NA ESCOLA ��������������������������������������������������������������105 Interdisciplinaridade �������������������������������������������������������� 146
Corpo a corpo ��������������������������������������������������������������������106 Videodança: interface entre a Dança e o vídeo ���������147
Ensaios móveis – Corpo docente dançante����������������� 110 O trabalho com videodança em sala de aula ����� 149
4
APRESENTAÇÃO
Olá, professor(a)!
Com este volume, fazemos um convite para que você revisite seus saberes, tanto
aqueles adquiridos durante a formação acadêmica como os assimilados no de-
correr da vida, considerando sua história e experiências pessoais e profissionais�
O intuito é ajudá-lo(a) a planejar de forma contínua as etapas de seu caminho
profissional e fortalecer seus sonhos e aspirações�
Escrito por duas artistas, professoras e pesquisadoras da Dança, este livro busca
iniciar um diálogo com você, professor(a), a respeito de formações e contextos
distintos, a fim de criar uma rede de aproximação e conexões entre os diversos
modos de atuar� Há seções com questionamentos que convidam a uma reflexão
pessoal sobre a prática docente, assim como proposições para colocar em prática
conceitos, ideias e pensamentos expostos em cada capítulo� Assim, espera-se
poder contribuir com o enriquecimento e fortalecimento do ensino-aprendiza-
gem em Dança no Brasil�
O volume compreende a Dança na perspectiva do Novo Ensino Médio e da
Base Nacional Comum Curricular (BNCC), isto é, como parte do componente
Arte, da área Linguagens e suas Tecnologias� Essa organização será vista como
um modo de ampliar as possibilidades de um ensino-aprendizagem ancorado
no conceito de interdisciplinaridade, sem deixar de reconhecer os desafios que
dizem respeito aos processos específicos da Dança como uma área do conhe-
cimento humano� Desse modo, pretende-se oferecer suporte e caminhos para
identificação de estratégias para lidar com as transformações que se apresentam
aos(às) professores(as)�
Entre as temáticas que o volume aborda, serão debatidas questões históricas e
culturais sobre o campo da dança e problematizado o reconhecimento conce-
dido a determinadas formas de manifestação da linguagem em detrimento de
outras� O objetivo é enfatizar a importância de que toda a diversidade artística
e cultural seja considerada nos processos de ensino-aprendizagem no contexto
escolar, de modo a desconstruir preconceitos e valorizar as práticas de diferentes
contextos e grupos sociais�
A importância de incluir os estudantes como participantes ativos dos próprios
processos de aprendizagem em Dança é outro ponto reforçado ao longo do livro�
Os conceitos de Merleau-Ponty e de John Dewey, que apontam para a experiên-
cia como um modo significativo de ampliar o sentir e o expressar por meio das
manifestações artísticas, ancoram metodologicamente as proposições� Desse
modo, reconhece-se que a construção de conhecimentos ocorre de forma mais
potente quando integra interesses e saberes de professores(as) e estudantes,
considerando o papel que cada um exerce no processo�
Desejamos uma boa leitura e que as proposições feitas neste livro possam auxiliá-
-lo(a) a enriquecer seus projetos de vida, contribuindo na potencialização de seu
modo de atuação em sala de aula como professor(a) de Dança do Ensino Médio�
As autoras�
5
INTRODUÇÃO AO VOLUME DE
DANÇA
Este volume de Dança foi organizado em três unidades, compostas de
quatro capítulos cada� São textos que trazem assuntos pertinentes ao
universo da Dança e dos processos educativos nessa linguagem, expli-
citam abordagens teórico-metodológicas, questões para fomentar a
reflexão sobre as abordagens utilizadas em sala de aula e a constante
reelaboração de projetos pessoais de vida, além de sugestões de expe-
riências práticas acompanhadas de reflexão�
A Unidade 1 – Construções de imagens de si e do mundo propõe discutir
e refletir sobre conceitos, bem como abordar elementos considerados
fundamentais para o ensino-aprendizagem da Dança, sugerindo possibi-
lidades e procedimentos que podem ser desenvolvidos em sala de aula
com os estudantes de maneira dialógica� A Unidade 2 – Dança no con-
texto escolar propõe contextualizar os processos educativos em Dança
no Brasil, abordando aspectos históricos, sociais, culturais, estéticos, entre
outros� Já a Unidade 3 – Integrações e complexidades visa a consolidar a
compreensão da Dança como área do conhecimento de modo a considerar
sua pluralidade, seus processos formativos e os aspectos particulares de
sua relação com o mundo do trabalho, bem como refletir sobre discursos
e práticas docentes nos processos educativos em Dança�
Cada um dos capítulos que integram as unidades, por sua vez, está orga-
nizado em seções distintas, com o intuito de estabelecer diálogos com os
professores� Na seção Ensaios móveis, são propostas atividades que su-
gerem a pesquisa e a experimentação de conceitos, ideias e pensamentos
expostos em cada capítulo� Essas proposições podem, caso os professores
considerem oportuno, ser trabalhadas em sala de aula com os estudantes,
desde que realizadas as modificações necessárias para esse fim� Em diversos
momentos, as atividades sugerem o trabalho em grupo com outros pro-
fessores, o que pode ser realizado, por exemplo, em reuniões pedagógicas,
contribuindo para a troca de saberes e percepções entre pares�
Além disso, as seções Tramas em campo e Para refletir trazem questionamen-
tos que estimulam a autorreflexão sobre a trajetória de vida, o modo de ver
o mundo e a atuação como docente� Ao final de cada unidade, a Bibliografia
comentada traz os referenciais que a embasaram, e há, ao longo dos capí-
tulos, na seção Para aprofundar, indicações de conteúdos complementares
diversos – livros, artigos, sites e vídeos – para dar continuidade à pesquisa�
Vale salientar que este volume se orienta pelo que preconiza a Base
Nacional Comum Curricular (BNCC)� Esse documento oficial, elaborado
por especialistas de diferentes áreas e publicado pelo Governo Federal
por meio do Ministério da Educação, orienta a elaboração de currícu-
los e propostas pedagógicas nas escolas de todo o país ao apontar os
6
conhecimentos e as aprendizagens essenciais que todo estudante deve
desenvolver em seu percurso na Educação Básica�
A BNCC representa um marco na promoção dos direitos educacionais e
da equidade nos sistemas de educação, e está em conformidade com o
Plano Nacional de Educação (PNE), a Lei de Diretrizes e Bases da Edu-
cação (LDB), de 1996, as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação
Básica, de 2013, bem como com a própria Constituição Federal de 1988�
Um dos pontos que o documento traz é a necessidade de que as or-
ganizações curriculares e os(as) professores(as) estejam atentos(as) e
considerem a singularidade das culturas juvenis e os interesses e saberes
dos estudantes, assim como seus contextos sociais, para que se estabe-
leçam processos de ensino-aprendizagem amplos que contemplem as
necessidades dos educandos�
O protagonismo e a participação dos estudantes em seus processos de
construção de conhecimentos são abordados pela BNCC como forma
de promover um ensino-aprendizagem capaz de potencializar a com-
preensão dos direitos e dos interesses dos jovens� O objetivo é que eles
possam ter uma participação social de modo a tomar decisões e elabo-
rar projetos de vida que dialoguem com o bem comum, com princípios
éticos e com a sustentabilidade�
A BNCC aponta também para a necessidade de os contextos escolares
oferecerem tempo e espaço para que os jovens conheçam seu corpo,
suas emoções, seus sentimentos e tomem consciência das formas de
se relacionar consigo e com os outros, compreendendo a importância
do respeito às diferenças e da resolução de conflitos de maneira ética e
respeitosa e a necessidade de combate às discriminações de qualquer
natureza e à violação dos direitos de pessoas e grupos sociais diversos�
Além disso, o Novo Ensino Médio, que tem sua carga horária aumentada
de 2 400 para 3 000 horas, prevê que pelo menos 1 200 horas possam ser
escolhidas pelos estudantes, com o intuito de gerar maior participação
deles em relação aos próprios processos de aprendizagem� Dessa forma,
além das aprendizagens comuns e obrigatórias, os estudantes poderão
escolher o que aprofundar, considerando seus interesses e projetos de vida,
por meio de itinerários formativos associados a áreas do conhecimento�
Portanto, quanto à estrutura do Ensino Médio, a BNCC está organizada
em quatro áreas do conhecimento, cada uma formada pelos seguintes
componentes curriculares:
• Linguagens e suas Tecnologias: Arte, Educação Física, Língua Inglesa e
Língua Portuguesa�
• Matemática e suas Tecnologias: Números, Álgebra, Geometria, Grande-
zas e Medidas, Probabilidade e Estatística�
• Ciências da Natureza e suas Tecnologias: Biologia, Física e Química�
• Ciências Humanas e Sociais Aplicadas: História, Geografia, Sociologia e
Filosofia�
7
Por meio do desenvolvimento de competências e habilidades, a BNCC
prevê que os aspectos socioemocionais sejam articulados aos conheci-
mentos de cada área e componente, que, por sua vez, devem estabele-
cer diálogo entre si� Assim, o ensino-aprendizagem ocorre de um modo
interdisciplinar, em que os saberes se conectam e se retroalimentam�
Quanto às competências, estas se dividem em competências gerais da
Educação Básica e competências específicas de cada área do conheci-
mento e etapa de ensino� Veja a seguir quais são as dez competências
gerais da Educação Básica�
8
Competências gerais da Educação Básica
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: MEC, 2018.
p. 9-10. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 20 nov. 2020.
9
Competências específicas de Linguagens e suas Tecnologias
para o Ensino Médio
6� Apreciar esteticamente as mais diversas produções artísticas e culturais,
considerando suas características locais, regionais e globais, e mobilizar
seus conhecimentos sobre as linguagens artísticas para dar significado e
(re)construir produções autorais individuais e coletivas, exercendo prota-
gonismo de maneira crítica e criativa, com respeito à diversidade de sabe-
res, identidades e culturas�
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: MEC, 2018.
p. 490. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 20 nov. 2020.
10
reflexivas, podendo intensificá-las, assim como os modos de interação
consigo e com o mundo, e ainda fortalecer seu papel na sociedade�
A BNCC sugere que os processos de aprendizagem devem se dar em
um ambiente que favoreça a pesquisa e o contato com referências
diversas (estéticas, poéticas, sociais, culturais e políticas) para a cria-
ção individual e coletiva, respeitando as diferenças e a pluralidade das
manifestações culturais�
Ainda, como a BNCC propõe que a experiência de ensino-aprendiza-
gem ocorra de modo interdisciplinar, é importante que, ao escolher os
assuntos e o modo como serão abordados em sala de aula, os(as) pro-
fessores(as) considerem todo o conjunto de competências e habilidades
da área de Linguagens e suas Tecnologias, e não apenas aqueles que
parecem se relacionar mais diretamente com seu campo de atuação�
Desse modo, podem fundamentar, ainda, o diálogo com os demais
professores da área, potencializando a retroalimentação entre saberes
de domínios distintos�
Nesse sentido, os conceitos, as propostas, as estratégias e as sugestões
de reflexões que compõem as unidades e os capítulos deste volume de
Dança visam a contribuir para que o professor desenvolva um trabalho em
sala de aula alinhado com o que a BNCC apresenta� Pretende-se, então,
colaborar com a formação continuada dos professores, intensificando
o domínio dos conhecimentos e estimulando reflexões acerca do modo
como propõem e desenvolvem processos de construção de conhecimento
em sua prática docente� O que se espera é poder oferecer caminhos para
que os(as) professores(as) possam refletir sobre o próprio fazer� Busca-se,
ainda, estimular a construção de processos dialógicos com interesses e
saberes dos jovens do Ensino Médio, considerando as culturas juvenis
e os saberes específicos da área de Dança em diálogo com os outros
componentes da área de Linguagens e suas Tecnologias e, também, das
outras áreas do conhecimento�
Como os capítulos trazem temáticas que podem ser propulsoras para se
trabalhar com as competências gerais e específicas da BNCC, ao final de
cada um apresenta-se a seção Diálogos com as competências da BNCC,
que aponta possibilidades de como as abordagens podem ser aborda-
das� Fica a critério de cada professor(a) avaliar como e quando essas
competências serão mobilizadas� De modo algum, as sugestões devem
ser seguidas de forma rígida, mas vistas como recursos para contribuir
com o entendimento da aplicabilidade dos temas do volume e da BNCC
em sala de aula�
Além disso, conforme já mencionado, diversas propostas da seção En-
saios móveis, por exemplo, podem ser adaptadas para um trabalho com
os estudantes em sala de aula, quando já não forem propostas com essa
finalidade, o que possibilita também o desenvolvimento da BNCC�
11
Por fim, espera-se que o volume possa ser um apoio para a prática dos
professores, seguindo a compreensão de que a formação profissional
ocorre de formas múltiplas, contínuas e conectadas com documentos
oficiais, projetos pessoais de vida e realidades diversas� E que esse traba-
lho reverbere nas escolas, por meio dos saberes da Dança, contribuindo
com a formação de jovens cientes de seu papel para a construção de
uma sociedade mais democrática, justa e igualitária�
Freepik Storyset/br.freepik.com
CONCEPÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS
Este livro está apoiado na abordagem da fenomenologia� Procura voltar-se
para o fenômeno em si, e não explicar determinada “realidade”, mesmo
porque a fenomenologia está interessada na experiência de perceber o
mundo� Nesse viés, a abordagem não se detém em uma “verdade” sobre
si mesmo, sobre os outros, sobre objetos ou acontecimentos com os
quais cada pessoa se relaciona; em vez disso, o foco está nas percepções
sobre esses eventos� Enfatiza-se a pessoa, porém esta é primordialmente
compreendida como corpo vivido, que se faz corpo no mundo ao mes-
mo tempo em que constrói o mundo no corpo� Sob essa ótica, sujeito e
objeto, corpo e mente, corpo e ambiente são partes indissociáveis, como
será possível notar em diferentes pontos nos capítulos�
12
Assim, as vivências e as reflexões propostas no volume conferem atenção
especial às narrativas de todos os agentes envolvidos nos processos edu-
cativos em Dança e nas conexões estabelecidas entre eles� Pela descrição
que esses relatos oferecem, podem-se experimentar e potencializar os
modos de perceber algo� Levando em conta as concepções de Merleau-
-Ponty (1989), pode-se depreender que a percepção é uma perspectiva
dentre outras tantas de uma totalidade que não se alcança em absoluto�
A consciência é sempre a consciência que alguém pode construir sobre
alguma coisa com/no/do/para o próprio corpo�
13
projetos para o futuro, dos planos profissionais, dos contextos escolares,
assim como aspectos históricos, sociais, culturais, étnico-raciais, etc� que
os permeiam� Nesse caminho, será possível se perceber vidente e visível
no processo perceptivo�
Com base nisso, destaca-se o papel do professor-pesquisador, como pro-
põe a Unidade 2, para que, no processo de construção de conhecimento
junto com os estudantes, o docente também possa se autoanalisar e se
autoconhecer� Isso compreende a educação conectada à subjetividade
e promove as trocas intersubjetivas entre professores e estudantes� O
comprometimento e o afeto podem atuar como intensificadores das
potências intersubjetivas�
Cabe salientar que o volume articula temáticas que perpassam quatro
dimensões� Ao longo da obra, mais especificamente no início de cada
unidade, será possível identificar como especificamente cada dimensão
foi ali abordada�
• Dimensão 1 – Conhecimento de si, do outro e do nós: estimula a co-
nhecer os próprios interesses, emoções e forças; a identificar estratégias
para superar desafios e realizar planos; e a valorizar as ações empáticas
e coletivas�
• Dimensão 2 – O saber disciplinar em xeque: volta-se para o aprofunda-
mento e a reflexão crítica sobre os conhecimentos específicos da Dança e
da Arte, observando diferentes modos de abordá-los�
• Dimensão 3 – Área de conhecimento em foco: trata do saber interdis-
ciplinar, estimulando o olhar para as possíveis relações que podem ser
estabelecidas entre os diferentes campos do conhecimento�
• Dimensão 4 – Repensando a avaliação: enfoca os objetivos, as estraté-
gias e os critérios de avaliação nos processos de ensino-aprendizagem
em Dança�
14
do emocional no momento, da mesma forma que uma alteração afetiva
modifica a postura, mesmo que de forma imperceptível� A observação
sensível das imagens corporais é fundamental para o ensino-aprendiza-
gem da Dança, que deve dar-se de maneira que o corpo esteja o mais
ativo possível em seu processo perceptivo para que a apreciação e a
fruição possam fluir de modo crítico�
Caminha (2012), ao discutir as contribuições da fenomenologia para a
educação, destaca o reconhecimento da centralidade do corpo que se
constitui em experiência de correlação com o mundo e de construção
de sentidos� Aqui, trata-se principalmente de subjetividade� Além disso,
o autor aponta para a relevância de tratar das relações que se estabele-
cem entre corpos contextualizando-as histórica, cultural e socialmente�
15
Esse modo de entender a educação se conecta à Dimensão 2 – O saber
disciplinar em xeque, pois estimula e facilita a ampliação do olhar e o
estabelecimento de inter-relações entre diferentes pessoas e âmbitos
do conhecimento, em um processo de retroalimentação constante e
ancorado na consideração de contextos distintos e complementares�
A correlação entre corpo e subjetividade, corpo e intersubjetividade
e corpo e imaginação, pensada na educação e no contexto escolar,
conecta-se sobremaneira ao ensino-aprendizagem da Dança� Por isso,
propõe-se uma educação plena que abranja aspectos sensíveis, afetivos,
intelectuais, estéticos, culturais, políticos, sociais, entre outros� E, além
disso, que mobilize a autonomia, a criatividade, a empatia, a alteridade,
a solidariedade, a responsabilidade e, sobretudo, a ética�
Pensar em uma educação plena, no sentido de não restringi-la ao saber
disciplinar, favorece ainda a Dimensão 3 – Área de conhecimento em
foco� Considerando a visão fenomenológica para a educação, pode-se
depreender que as experiências geradas e vividas na escola devem cons-
truir saberes� Mais do que a transmissão de conceitos consagrados, a
ideia para a educação é partir de vivências e contextos para conectar e
criar sentidos e conhecimentos, ponto esse que será discutido de forma
abrangente quando as integrações entre as áreas do conhecimento e os
saberes de estudantes e professores entrarem em pauta�
Vale ressaltar que, nessa proposta de educação, o estudante não é consi-
derado uma pessoa a ser formatada para se tornar eficiente e atender às
necessidades do mercado de trabalho� Pelo contrário, ele é visto de forma
integral e como protagonista do contínuo percurso de ensino-aprendiza-
gem, que não se encerra na escola, mas segue fora dela e ao longo da vida�
Também a avaliação, tema da Dimensão 4 – Repensando a avaliação, e
que será trabalhada na Unidade 2 e retomada na Unidade 3, é compreen-
dida neste volume como uma ação processual e que acontece no diálogo
entre professores e estudantes� Ela se inicia na definição de critérios que
contemplam tanto os elementos da dança (que são descritos na Unidade 1,
principalmente, sob a perspectiva da pesquisa de Rudolf Laban) como
os interesses e saberes de estudantes e professores�
Quando os discursos e as práticas pedagógicas são pautados na pers-
pectiva fenomenológica, eles se centram no estudante e nas tramas sub-
jetivas e intersubjetivas que constituem o ambiente escolar� O conteúdo
é um entre outros elementos que compõem os processos educativos;
não é o ponto central e tampouco a finalidade da educação�
Outro ponto relevante é o fato de a fenomenologia reforçar a ação, pois
o saber se dá no corpo e na experiência� Assim, o conhecimento está
sempre implicado na correlação do corpo e do mundo; há uma intencio-
nalidade� Como uma experiência de perceber o mundo, a abordagem da
fenomenologia requer questionamento e atitude crítica comprometida
com a transformação social�
16
Em síntese, quando se optou pela fenomenologia com concepção teó-
rico-metodológica para tratar dos processos de ensino-aprendizagem
em Dança neste volume, partiu-se justamente da ênfase dialógica que
essa abordagem oferece para compreender o corpo, a percepção, a
experiência, a narrativa e a reflexão�
Nesse sentido, a abordagem teórico-metodológica dialoga com o conceito
de experiência proposto por John Dewey no livro Arte como experiên-
cia, posteriormente atualizado por outros pesquisadores do campo das
Ciências Humanas, da Arte e da Educação� Os processos criativos e de
pesquisa desenvolvidos entre professores e estudantes geram, sob essa
perspectiva, possibilidades de as pessoas ampliarem seus modos de
interagir consigo, com os outros e com o mundo, potencializando suas
relações com a arte e para além dela�
Por isso, apresenta-se neste volume uma concepção de ensino-apren-
dizagem que considera e estimula que os processos de construção de
conhecimentos em dança se deem de forma dialógica, a fim de enri-
quecer os modos de ser e interagir no mundo daqueles que participam
do processo, professores e estudantes, por meio de investigações que
considerem os interesses de cada um, despertem sensações e permitam
ampliar a vitalidade e as maneiras de estabelecer relações interpessoais�
Cabe aqui uma reflexão sobre as confluências entre a abordagem feno-
menológica aplicada à educação e as metodologias ativas� Ambas com-
preendem que o ensino-aprendizagem é muito mais do que a transmissão
de conteúdos específicos das disciplinas� Além disso, o estudante é o
protagonista do próprio ensino-aprendizagem, participando ativamente
e de forma investigativa no processo� Para tal, é necessário cultivar a
autonomia, a responsabilidade, o trabalho em equipe, a curiosidade, a
imaginação e a criatividade, assim como a problematização e a reflexão
sobre os contextos�
Freepik/br.freepik.com
17
Segundo Oliveira (2018), as metodologias ativas são fluxos contínuos
entre prática e reflexão que, nos processos educativos, seguem ganhan-
do cada vez maior complexidade na construção do conhecimento� É um
caminho que compreende a inter-relação entre ensino e aprendizagem,
professor e estudante�
Além disso, o termo é cunhado no plural, pois diz respeito a variadas es-
tratégias, abordagens e técnicas que podem ser escolhidas pelo professor
de acordo com critérios pedagógicos que se adaptem às necessidades
do seu contexto� Entre outras, duas importantes referências para as me-
todologias ativas são Paulo Freire e John Dewey (este último, bastante
presente ao longo de toda a obra)�
De modo geral, as metodologias ativas estão ligadas ao entendimento do
protagonismo e papel ativo do estudante em seu processo de aprendi-
zagem� Aliás, não seria possível o processo de ensino-aprendizagem sem
que o estudante estivesse ativamente envolvido� Para isso, conceitos e
contextos, conteúdo e forma precisam estar conectados� As experiências
são construídas, relacionadas, atualizadas, refletidas e transformadas�
Nessa concepção, a possibilidade de integrar saberes se torna um im-
portante princípio para o sentir-pensar-fazer educativo�
Quanto à ênfase na Dança, o pensamento das metodologias ativas
desenvolvido neste volume se dá a partir da abordagem da correlação
entre corpo-movimento-espaço-tempo� Discute-se e experimenta-se o
processo educativo como um percurso colaborativo e dialógico entre
professor, estudante, escola e comunidade, compreendendo a conexão
entre educação e vida, passado e presente� As propostas sugeridas são
marcadas pela integração de experiências pessoais e sociais, aspecto
fundamental para que se possa espelhar esses saberes nas relações em
sala de aula� Isso pode contribuir no sentido de promover o protagonismo
do estudante, o desenvolvimento de projetos e a interdisciplinaridade�
Certamente, o volume, por si só, não garante que essas noções se con-
cretizem� O que se pretende é despertar a percepção para a experiência,
para as histórias de vida, para a diversidade de saberes entre pessoas,
grupos sociais, áreas do conhecimento, etc� – aspectos fundamentais
às metodologias ativas� Desse modo, uma mobilização como essa pode
representar um primeiro passo para que as metodologias ativas sejam
pesquisadas, compreendidas, escolhidas e desenvolvidas com os estu-
dantes� O que o livro traz a respeito das metodologias ativas não é uma
conceituação, tampouco uma descrição das diferentes possibilidades de
uso, mas, sim, uma ação sensibilizadora teórico-prática para as bases do
pensamento que pautam parte da compreensão delas�
18
BIBLIOGRAFIA COMENTADA
DEWEY, John� Arte como experiência� São Paulo: Martins Fontes, 2010�
No livro, Dewey apresenta o conceito de experiência e convida a
tecer relações deste com os processos criativos de investigação
artística�
19
20
CONSTRUÇÕES UNIDADE
DE IMAGENS DE SI
Apresentação de
E DO MUNDO
um grupo de dança.
1
Haste LeArt V./Pexels
PARA COMEÇAR...
Esta unidade apresenta os principais elementos da dança e suas possí-
veis combinações, assim como a potência de seu caráter estético, poé-
tico e educativo. A ideia é relembrar, expandir e/ou aprofundar aspec-
tos essenciais para os discursos e as práticas de linguagem da dança.
Propõe-se um diálogo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
do Ensino Médio, na medida em que são apresentados elementos da
dança de maneira correlacionada com outras áreas do conhecimento
e temas de interesse dos jovens, valorizando a participação ativa dos
estudantes em seu processo de construção de conhecimento e res-
saltando a sua capacidade de, junto com os professores, desenvolver
processos criativos e colaborativos que refletem no bem comum.
Dessa maneira, ao reconhecer e refletir sobre como a própria cultura e
o jeito de ser influenciam o fazer artístico e docente, os professores são
incentivados a estabelecer diálogos estreitos com as culturas juvenis,
incentivando os estudantes, por sua vez, a reconhecer e expandir seu
universo cultural e sua forma de vida ao participar de processos de
investigação artística.
O protagonismo e o papel ativo do estudante no percurso escolar
também podem ser compreendidos quando se traz para a conversa
a importância da subjetividade e da intersubjetividade na educação.
O corpo indissociável mente-ambiente é um corpo contextualizado e
em constante processo de construção de saber, de afeto e de relações.
Logo, não há como pensar no estudante sem considerar também as
histórias de vida e a trajetória de formação do próprio professor.
Desse modo, a unidade abrange a Dimensão 1 – Conhecimento de
si, do outro e do nós ao apresentar um embasamento que reflete
sobre a importância das relações, das experiências e da partilha de
saberes para a dança na escola. Entende-se, assim, que se faz neces-
sário conhecer e cuidar de si para que isso possa reverberar no outro,
e vice-versa. Nesse fluxo, a empatia, o respeito e a solidariedade se
fortalecem.
A Dimensão 2 – O saber disciplinar em xeque também é contemplada
ao longo da unidade, pois os capítulos promovem a compreensão do
conhecimento específico da dança em estreito diálogo com a BNCC.
A maneira com que a dança é abordada – pelo viés expressivo e comu-
nicativo – permite pensar em processos educativos em dança condi-
zentes com propostas que partem de relações que buscam a troca de
saberes e o respeito às diversidades socioculturais.
21
Alguns questionamentos serão propulsores para uma reflexão mais ampla
e aprofundada acerca dos “objetos-sujeitos” de estudo da dança, já que
esse tema pressupõe corpo-movimento-espaço-tempo. O campo de co-
nhecimento da dança se refere sempre a um sujeito-objeto. Uma série de
relações com outras áreas do conhecimento se estabelece, a fim de promo-
ver um olhar mais pleno e integral para o ensino-aprendizagem de dança.
OBJETIVOS
■
Estudar referências teórico-metodológicas da dança e em diálogo com
as demais linguagens da Arte e com outras áreas do conhecimento.
■
Discutir conceitos de corpo e movimento relevantes para uma prática do-
cente interdisciplinar, sensível e que promova o respeito às diversidades.
■
Compreender a correlação entre as dimensões sensoriais, motoras, emo-
cionais e cognitivas.
■
Reconhecer e desenvolver procedimentos diversos para trabalhar com
os principais elementos da dança (corpo-movimento-espaço-tempo)
e outros conhecimentos específicos da linguagem.
■
Experimentar práticas corporais e artísticas de dança, a fim de autoana-
lisar a formação e a prática docente e avaliar possíveis desdobramentos
em sala de aula.
■
Refletir e argumentar sobre o papel da dança na sociedade e no mundo.
■
Reconhecer fontes corporais e poéticas para contribuir para a avaliação
em dança em uma perspectiva qualitativa e colaborativa acessível aos
estudantes.
■
Refletir sobre a participação dos estudantes no próprio processo de
ensino-aprendizagem em dança.
22
JUSTIFICATIVA
Esta unidade contempla quatro aspectos fundamentais para o ensino-
-aprendizagem da dança:
23
EM CAMINHOS As músicas instrumentais, por exemplo, ten-
dem a proporcionar maior tranquilidade para
■
Objetivo: explorar o elemento tempo; possi- a execução de propostas dessa natureza. Se
bilitar uma experiência de auto-observação for feita sem música, a orientação é atentar às
e autoconhecimento; identificar formas de sonoridades do ambiente.
transformar a atividade para a prática docente.
■
Procedimentos: as etapas apoiam-se no estu-
■
Justificativa: a atividade possibilita recordar, do de movimentos do corpo a partir do abra-
vivenciar e criar modos de trabalhar os elemen- çar. Há etapas que podem ser feitas indivi-
tos de movimento corporal. Além disso, é um dualmente e outras em grupo. Em todo caso, é
propulsor para identificar, ampliar e reconfigu- possível adaptá-las e fracioná-las segundo as
rar as tendências de padrões de movimento. necessidades. Recomenda-se, de todo modo,
■
Duração: recomendação de 30 minutos, apro- que o encerramento, que corresponde ao mo-
ximadamente, mas pode variar. mento de reflexão, seja mantido. Durante a re-
flexão, acrescente questões que julgar oportu-
■
Material necessário: um espaço amplo, onde nas, além daquelas sugeridas nas orientações.
se possa caminhar livremente e descalço, de
preferência. ACONTECIMENTOS BIOGRÁFICOS
■
Procedimentos: as etapas focam na respira- ■
Objetivo: explorar a linguagem simbólica da
ção e no caminhar em variados tempos e dire- dança para refletir e recriar novos pontos de
ções, percebendo o próprio corpo e suas alte- vista sobre os acontecimentos da vida, tra-
rações, inclusive em relação ao espaço. Pode çando relações entre eles e o fazer artístico.
ser realizada individualmente ou em dupla,
■
Justificativa: a proposta pode ampliar re-
com um colega.
pertórios de movimentos e de processos de
ABRAÇO criação artística. Explorar o binômio arte-vida
pode resultar em um aprofundamento do co-
■
Objetivo: oferecer espaço para a pesquisa de nhecimento em dança, além de possibilitar a
movimentos e, consequentemente, a amplia- ampliação da consciência de si e dos próprios
ção de repertórios e o aprimoramento das ca- interesses. Caso opte por realizar a proposta
pacidades criativas, sensíveis, cognitivas. em grupos, será ainda possível reconhecer va-
■
Justificativa: a proposta promove o trabalho riados modos de lidar com as questões susci-
com elementos da dança, como alongamen- tadas pela atividade, compreendendo como
to, organização corporal, equilíbrio e força. uma mesma situação é traduzida de maneira
Auxilia, ainda, na compreensão da kinesfera, distinta por diferentes pessoas e, ainda, exer-
conceito cunhado pelo pesquisador Rudolf citar o respeito às diferenças.
Laban e abordado na unidade. ■
Duração: recomendação de 40 minutos, apro-
■
Duração: recomendação de 30 minutos, apro- ximadamente, mas pode variar.
ximadamente, mas pode variar. ■
Material necessário: papéis, canetas e um es-
■
Material necessário: um espaço amplo, onde paço amplo.
24
posta em grupo ou individualmente; caso opte por fazer a
stories/Freepik
proposta sozinho, deve suprimir a terceira e a quarta etapas.
COMPORTAR-SE IMAGINATIVAMENTE
■
Objetivo: oferecer um espaço para estudo pessoal do pró-
prio corpo, da capacidade de criar imagens e da construção
de sentidos simbólicos. Ainda, exercitar as possibilidades de
estabelecer relações com outras experiências e com a me-
mória pessoal e coletiva.
■
Justificativa: a experiência transita entre a auto-observação,
a pesquisa, o compartilhamento e a criação de possibilidades de de-
senvolver movimentos, sensações e imagens corporais. Para o ensino-
-aprendizagem da dança, torna-se relevante tanto para o processo de
formação pessoal como para pensar a prática docente.
■
Duração: recomendação de 30 minutos, aproximadamente, mas pode
variar.
■
Material necessário: um espaço amplo e adequado para a movimenta-
ção, de modo que se sinta à vontade para explorar posições corporais
variadas. Dessa forma, o ideal é que o chão seja apropriado para deitar,
se desejar. Sugere-se que tenha um aparelho de som à disposição para
colocar músicas que mobilizem o corpo para se mover.
■
Procedimentos: a atividade propõe uma investigação do próprio cor-
po, relações com o ambiente, sentimentos e memórias. É importante
destacar que o não julgamento é essencial para alcançar o objetivo. A
troca com outras pessoas é bem-vinda e pode intensificar a proposta,
caso seja feita em grupo.
COREOGRAFIA SOCIAL
■
Objetivo: analisar uma coreografia de um grupo de estudantes, iden-
tificar as imagens corporais que se criam e as possíveis construções
simbólicas que delas podem derivar.
■
Justificativa: o exercício de análise crítica sobre as criações dos estu-
dantes contribui para o reconhecimento de direções que o trabalho
aponta, de maneira a desenvolver estratégias teórico-metodológicas
para aprofundar e consumar processos de pesquisa junto com os pró-
prios estudantes.
■
Duração: recomendação de 30 minutos, aproximadamente, mas pode
variar.
■
Material necessário: papel e caneta ou outro dispositivo que permita
registrar as análises e as reflexões.
■
Procedimentos: recordar um trabalho dos estudantes, analisar, refletir
e anotar suas observações.
25
CORPO E MOVIMENTO NA
AMPLIAÇÃO DOS SENTIDOS
Joseph Phillips/Pexels
Apresentação de grupo de dança.
Leia as questões abaixo e reflita sobre elas. As conclusões podem ser re-
gistradas no caderno.
CAPÍTULO UM
1
vinculadas a ética, cidadania, respeito às diferenças e luta pelos di-
reitos humanos. Para isso, vale refletir sobre a dança como um saber
implicado com os modos de pensar e agir no mundo. Teoria e prática
estão sempre correlacionadas. O entendimento pessoal sobre o corpo
e suas relações com o ambiente deflagra uma visão de mundo.
26
CONFIGURAÇÕES tegram de variadas formas, criando imagens e
gerando sentidos.
27
e gera ação no mundo e na sociedade quando se ancora na ética.
Nesse caso, busca a potencialização de cada um e de todos, das singu-
laridades e das coletividades, por meio da subjetividade, da intersubjeti-
vidade, da reflexão e da contextualização sócio-histórico-cultural. É jus-
tamente essa capacidade criativa, imaginativa, ativa e questionadora da
realidade que se conecta à educação. Assim, abordar a dança apenas
como um espaço para a reprodução rígida de movimentos previamente
determinados ou para um livre fazer do movimento pelo movimento é um
entendimento aquém da capacidade estética e simbólica dessa lingua-
gem e de seu potencial no espaço escolar.
28
pensamento está sempre associado a algum nível emocional. Já o próprio
pensamento pode se estabelecer como uma afetação com/no/do/para o
organismo que provoca o mesmo ciclo na consciência.
Essa ideia pode ser relevante em uma reflexão sobre a dança no contexto
escolar. Em síntese, se a capacidade cognitiva e intelectual está ligada
aos movimentos, aos mecanismos sensório-motores e à emoção, o en-
sino-aprendizagem em dança precisa ser um processo que potencialize
aspectos corporais, sensíveis, emocionais, psíquicos e criativos. A dança
e a educação são essencialmente processos afetivos, isto é, atingem e
mobilizam mutuamente o sensível, o emocional e o intelectual.
PARA REFLETIR
SENSAÇÃO
RF._.studio/Pexels
Observe a imagem, percebendo elementos como a posi-
ção do corpo, a escolha do espaço e dos itens que o com-
põem, os tons, as formas e as texturas que se destacam,
entre outros detalhes que chamem sua atenção. Reflita so-
bre esses aspectos e então responda:
Configurações
do corpo e do
movimento na
dança.
29
OS ELEMENTOS DA DANÇA Trabalhar com os estudantes propondo a in-
vestigação dessas fontes é um meio potente
Diante dos tópicos abordados, pode-se dizer para estimular o processo de pesquisa, criação
que a pesquisa corporal, a sensibilização, o e construção de conhecimento em dança, que
desenvolvimento da consciência do corpo e a conecta teoria e prática. Ao mesmo tempo que
experimentação são elementos indispensáveis aprofunda aspectos da linguagem, amplia os
para o estudo em dança, que é um processo in- estudos para outras áreas do conhecimento.
vestigativo, dinâmico e contínuo, não um trei- Além disso, permite identificar as questões que
namento mecanicista voltado a alcançar resul- impulsionam a investigação. Aliás, esses podem
tados ou aptidões preestabelecidas. A dança é ser pontos a observar em uma avaliação qualita-
uma linguagem artística, por isso está ligada à tiva pessoal e de grupo acerca de um processo
expressão, à criação simbólica e à comunicação. educativo em dança. Enfim, há várias formas de
O trabalho em dança ocorre por associações de desenvolver os estudos, cabendo a cada grupo
fontes corporais e poéticas. Chama-se de fonte elaborar o próprio processo.
corporal a investigação de movimentos, sensa-
ções e imagens corporais. Aqui, incluem-se ges- TÉCNICA KLAUSS VIANNA
tos, posturas, expressões faciais, vozes, enfim, Um exemplo de integração entre teoria e prática
qualquer movimento, quer seja sutil, quer seja na compreensão do corpo e do movimento na
expansivo. As estruturas anatômicas e fisioló- dança é a Técnica Klauss Vianna, criada pelo co-
gicas, os mecanismos sensório-motores, as ex- reógrafo, bailarino e professor de dança mineiro
periências pessoais e coletivas são pesquisados Klauss Vianna (1928-1992) junto com sua compa-
no processo criativo. Já fonte poética refere-se nheira, Angel Vianna (1928-), e seu filho, Rainer
ao aspecto do estudo que se dedica a ampliar Vianna (1958-1995). Angel continua desenvol-
e aprofundar as possibilidades de gerar senti- vendo a Técnica Klauss Vianna até os dias atuais.
dos em certa dança. Abrange conhecimentos
Paulo Leite/Folhapress
de outras áreas, que se relacionam com com-
ponentes de determinada pesquisa em dança.
1 Abordagem somática é um termo que se refere às práticas psicossomáticas que integram saúde, educação e arte. Foca na potencialização
da força vital a partir da sensibilidade, da consciência e da percepção corporal, do autoconhecimento e do equilíbrio corpo-mente. Alguns
exemplos são: Técnica Alexander, Método Feldenkrais, Eutonia, Body-Mind Centering (BMC), Bartenieff Fundamentals, entre outras.
30
este último constituído por diversas e constantes redes de relação com o
ambiente. De acordo com essa abordagem, busca-se ampliar a percep-
ção dos mecanismos corporais sensório-motores. A ideia não é tornar
o corpo “eficiente”, mas, sim, mais expressivo e comunicativo. Para isso,
desenvolvem-se o autoconhecimento e a reflexão sobre si. Além disso,
parte-se da ideia de que os conteúdos inconscientes emergem do corpo
em movimento. Embora, muitas vezes, não sejam conscientes, há a inten-
ção de expandir a consciência ao observar meticulosamente cada movi-
mento dos músculos, dos espaços articulares, da transferência de peso,
dos apoios, das oposições ósseas, entre outros. Não se está em busca de
certezas para o movimento corporal. Em vez disso, a técnica propõe criar PARA
um estado de constante investigação. APROFUNDAR
■
MOVIMENTO
ESTUDOS EM LABAN expressivo: Klauss
A dança surge como início e fim de percepções do corpo e do movimento Viana. Direção:
que têm suas possibilidades ampliadas por meio de procedimentos de sen- Sergio Roizenblit
sibilização, experimentação, observação, análise, seleção e composição. e Inês Bogéa. [São
Paulo]: Miração
Para examinar mais a fundo essas relações, vale apresentar os elementos Filmes, 2005.
do movimento corporal propostos e desenvolvidos pelo húngaro Rudolf 1 vídeo (14 min).
Laban (1879-1958). Artista e pesquisador do movimento, Laban desen- Disponível em:
volveu um método que contribui para que os movimentos possam ser https://vimeo.
expressos, comunicados e analisados. Considerado um dos pioneiros da com/49398032.
dança moderna, seu trabalho integra dança e educação e é aplicado por Acesso em: 8. jan.
professores de todo o mundo, sendo também uma referência para tera- 2021.
peutas, atores e, é claro, artistas da dança. Se puder, assista ao
curta-documentário
Wikipedia/Wikimedia Commons
31
FLUÊNCIA
Caracteriza-se pela conexão constante de formas tridimensionais que
expandem e contraem. É contínua, embora possa ser mais ou menos livre
ou controlada. A fluência livre abrange movimentos continuados, expan-
didos, soltos, liberados; a controlada refere-se a movimentos contidos,
limitados, cindidos e fragmentados. Esse fator do movimento integra in-
terno-externo, as partes e o todo do corpo.
ESPAÇO
O espaço envolve tanto o corpo que se move como sua relação com o
entorno, tendo, portanto, como principais funções a comunicação e a
conexão com o outro e com o mundo. Demanda atenção. Possui quatro
dimensões: a interna, que tem a pele como limiar; a pessoal ou kinesfera
(ou cinesfera), que abrange o que se consegue alcançar com as partes
do corpo movendo-se sem se deslocar; a geral, determinada pelo local
em que se está (sala, parque, ônibus, etc.); e a social, que compreende a
inter-relação com outros corpos.
1 Alto (por exemplo: em pé, na meia ponta, sal- 3 Baixo (por exemplo: deitado, rolando, rastejando)
tando)
master1305/Freepik
cottonbro/Pexels
32
Plano Plano
Quando abarca as direções em que o corpo pode se mover, o desloca-
sagital coronal
mento classifica-se em direto ou indireto. O direto refere-se ao foco direto
Science Source/Fotoarena
do movimento, ou seja, que se dá de forma reta e linear. O indireto é fle-
xível e compreende movimentos ondulantes, arredondados, geralmente
torcidos, que ocupam todo o espaço tridimensional.
para cima ou para baixo, assim como uma força aplicada ativa ou passiva.
PARA
A combinação entre a força aplicada e a direção do peso define as pos-
sibilidades desse fator do movimento. Para exemplificar, o movimento
APROFUNDAR
forte tem uma força ativa para baixo; o movimento pesado tem uma força ■
RENGEL, Lenira.
passiva para baixo; o movimento fraco possui uma força ativa para cima; Dicionário Laban.
2001. Dissertação
e o movimento leve tem uma força passiva para cima.
(Mestrado
em Artes) –
TEMPO Universidade
O tempo pode ser sustentado ou súbito, respectivamente relacionado à ve- Estadual de
locidade lenta ou rápida. Além disso, comporta o ritmo com variadas pulsa- Campinas,
ções, que podem ser contínuas ou descontínuas, crescentes ou decrescen- Instituto de Artes,
tes. O ritmo pode ser induzido pela dinâmica do próprio corpo, ou seja, por Campinas, 2001.
um mover não métrico e singular. Um exemplo disso é o tempo médio de Disponível em:
http://repositorio.
uma caminhada, que difere de pessoa para pessoa, de contexto para contex-
unicamp.br/
to. Por outro lado, há ritmos conduzidos por ordenações vindas do ambien-
bitstream/
te, como contagens, tempos definidos e marcações de músicas e danças.
REPOSIP/
No trabalho em sala de aula, é interessante experimentar e explorar os fa- 284892/1/Rengel_
tores do movimento com os estudantes. Há diversas possibilidades para LeniraPeral_M.pdf.
isso, como criação de jogos que integrem esses elementos, bem como de Acesso em: 25 nov.
circuitos em que o estudante possa experimentar as variações de cada 2020.
Nesse trabalho,
um deles. São caminhos interessantes, pois essas dinâmicas tanto de-
a pesquisadora
senvolvem as especificidades da linguagem da dança como mobilizam
apresenta e
qualidades de movimento e questões a serem investigadas em possíveis
aprofunda
processos de pesquisa e criação individual e/ou coletiva. Pode-se, ainda, diferentes
partir desses conhecimentos para compreender aspectos psicomotores, conceitos
estudar como eles aparecem nas ações cotidianas, como podem trans- propostos por
formar movimentos e gestos de forma a gerar outras possibilidades etc. Rudolf Laban.
33
ENSAIOS MîVEIS
EM CAMINHOS
Nesta atividade, você vai explorar um pouco os elementos do movimento cor-
poral propostos por Laban. Isso será feito a partir de duas únicas ações: ficar em
pé e caminhar.
Sugere-se ler a proposta na íntegra primeiro e depois realizá-la em dupla. Assim,
um participante pode conduzir e observar a atividade enquanto o outro a execu-
ta, e vice-versa. Ao término, vocês podem trocar opiniões e impressões entre si.
Se não for possível fazer em parceria com um colega, leia as orientações pri-
meiro e depois procure segui-las de acordo com o que memorizou. Nesse caso,
será uma vivência de auto-observação e autoconhecimento, importante para
possíveis desdobramentos em sala de aula.
■
Inicie em pé e descalço, com os olhos fechados e Além de todas as observações já sugeridas, que
as pernas separadas na distância dos ísquios. aqui se mantêm, preste atenção em seus pés e em
■
Respire fundo, buscando soltar as tensões. detalhes dos seus apoios. Procure saborear o seu
■
Lembre-se dos planos espaciais e imagine uma li- próprio caminhar.
nha frontal que o ajuda a crescer com o topo da ■
Volte a caminhar em uma velocidade média e, des-
cabeça e sentir o peso do quadril e dos pés no sa vez, apenas explore os possíveis percursos pelo
chão, enquanto uma linha transversal o auxilia a espaço, isto é, desloque-se em círculos, espirais,
acessar a lateralidade do seu corpo e a abrir os linhas retas, etc.
ombros; por fim, perceba o plano sagital que dá o ■
Depois, caminhe rápido. Observe aspectos relacio-
volume da frente e de trás do seu corpo. nados a peso, fluidez e maneira como você ocupa
■
Com o corpo relaxado e preenchido de presença, o espaço. Preste atenção no calor do seu corpo e
comece a caminhar pelo espaço em um tempo na batida do seu coração. Ande rápido também de
que considere médio e confortável, como um pas- costas. Alterne as direções.
seio tranquilo em um local agradável. Você pode ■
Caminhe agora o mais rápido que puder, mas sem
andar para a frente e de costas alternadamente. correr. O que você consegue ver? Suas costas se
Observe a transferência de peso, o tamanho de projetam para a frente, ficam sobre os quadris ou
seus passos, a fluidez ou contenção do andar. ficam um pouco mais para trás? O que você sente?
■
Diminua a velocidade pensando em um caminhar ■
Desacelere, voltando a caminhar em um tempo
lento. Observe os mesmos aspectos, bem como médio e, quando quiser, pare.
tudo o mais que puder perceber do espaço geral ■
Feche os olhos. Respire profundamente algumas
em que se encontra e da forma como se relacionar vezes.
com ele. ■
Anote suas impressões e reflexões a partir da ex-
■
Em seguida, experimente o tempo muito lento, o periência. Registre também as ideias para os pos-
andar mais sustentado possível, mas sem pausar. síveis desdobramentos que pode realizar.
Vale observar que esta proposta pode ser feita como um estudo pessoal e/ou
em sala de aula com os estudantes. Em qualquer opção, pode ser alimentada
com diferentes ações e imagens, além do próprio caminhar e ficar de pé, como
deslizar dentro da água. Há ainda abertura para incluir outras etapas, que pro-
ponham alternar o nível alto, médio ou baixo no caminhar; acionar o movimento
por uma sensação ou emoção; ou, ainda, ter como referência uma sequência de
movimentos a ser reinventada. Enfim, as possibilidades são inúmeras.
34
PESQUISA CORPORAL ofereça outras perspectivas para se relacionar
com o corpo, o movimento e o espaço-tempo. A
O corpo em movimento está sempre em um
dança se completa no olhar de quem frui.
tempo-espaço, não apenas físico, mas cultural,
social e histórico. As danças diferenciam-se em Sala de aula, rua, teatro, escola, entre outros es-
épocas e lugares. Isso não ocorre de maneira paços, trazem informações que se correlacio-
neutra, pois há valores e visões de mundo que nam com corpo e movimento. O que se vê e o
integram os processos. E, como visto anterior- que se ouve também compõem cada ambiente
mente, nem todo movimento é dança, mas qual- em que a dança acontece. A complexidade que
quer movimento pode se tornar dança se criar institui tempo-espaço na relação com o corpo e
sentidos. Para que o movimento se torne dança, o movimento torna-se, ao mesmo tempo, causa
ele precisa expressar e comunicar. e efeito da dança. As condições do ambiente, a
Uma pesquisa corporal e de movimento, para se arquitetura, a temperatura, a umidade do ar, as
tornar dança, demanda uma configuração es- visualidades, as sonoridades, entre outros fato-
tética que aguce os sentidos, as emoções, mo- res, afetam o corpo e são construídas também
bilize imagens, ideias, memórias, pensamentos, por esse corpo em movimento que o ocupa.
PARA REFLETIR
Tempo-espaço
Thiago Miranda/Pexels
cottonbro/Pexels
1 Que relações podem-se criar entre essas danças e os locais em que acontecem?
Faça um registro dessa reflexão no caderno.
35
A pesquisadora, professora e crítica de dança mundo acontecem no/com/pelo/para o corpo a
Helena Katz (2005) propõe a dança como pen- todo momento, seja na vida cotidiana, seja na ex-
samento do corpo, ou seja, como uma fisicalida- tracotidiana. A dança intensifica isso.
de do pensamento ou uma lógica do corpo. Com Quando se implicam o pensamento crítico e a
um sistema semelhante ao que constrói o pensa- ética na dança, ela se compromete com a ação
mento, a dança parte de movimentos e imagens social e os direitos humanos. Segundo o filóso-
percebidos como afetações no/do/com/para o fo Baruch Espinosa (1997), a Ética é imanente
corpo que mobilizam mecanismos sensório-mo- e determina a diferença qualitativa do que é
tores e seguem um caminho intencional para a bom e mau, valores respectivamente ligados
criação de sentidos. A percepção atual sempre a aumento ou diminuição da potência de agir
negocia com a anterior para gerar significações. de cada um, mas, e principalmente, de todos. A
Conceber uma dança que gere sentido é expan- ética não está ligada à moral que define regras e
dir e aprofundar as possibilidades de conectar crenças do bem e do mal. A ideia de bom e mau
corpo-movimento-espaço-tempo a um con- é singular e coletiva, ou seja, refere-se a cada um
texto. É conectar imaginação, ações criativas e a todos. Tudo que diminui a potência de agir
e intencionalidades movidas por construir e/ diminui a força de viver. Desse modo, aumen-
ou destruir, dar forma e/ou deformar visões de tar a potência de agir é aumentar a potência de
corpo, de mundo e de sociedade. vida. Uma dança ética seria “boa”, ou seja, au-
O sentido na dança só se configura na trama que mentaria a potência de agir e de viver. Espinosa
liga os âmbitos social, político e cultural, isto é, também diz que é por meio do conhecimento
não é algo que acontece isoladamente, mas por que se pode agir de forma ética. Pode-se pen-
aproximações. Assim, volta-se aqui a pensar a sar que isso quer dizer que é pelo conhecimen-
relação entre dança e educação, no sentido de to que se aumenta a potência de agir e viver
empreender dinâmicas sociais comprometidas conforme as próprias necessidades e interesses
com princípios de solidariedade, autonomia, ci- pessoais, bem como de acordo com os direitos
dadania, respeito às diferenças e liberdade. É coletivos. É o conhecimento que permite re-
fundamental buscar transbordar os aspectos conhecer as afetações do corpo e as imagens
pessoais e atingir o coletivo. em forma de ideia, pensamento, emoção, senti-
mento, etc., que se cria a partir das percepções
Portanto, a dança é sempre um posicionamento
que se vivem. Para Espinosa, a ideia é sempre
social e político, tendo-se ou não consciência dis-
afetiva, porque o corpo pensa.
so. Uma vez que o corpo em movimento propõe
conceitos de corpo e de relações com o tempo- Mais uma vez, depara-se com as múltiplas in-
-espaço, cada dança é uma escolha dentre muitas terações possíveis entre a dança e a educação,
que constrói estética, poética e simbolicamente já que ambas estão ligadas a uma maior ampli-
uma forma de relação com o mundo. Não só na tude e consciência de emoções, sentimentos,
dança, já que a significação e a ressignificação do pensamentos, enfim, de saberes e sentidos.
TRAMAS EM
CAMPO
Com base em sua experiência e suas referências, incluindo as discutidas neste capítulo, quais são os pon-
tos de convergência e potencialização da dança e da educação? Por quê? E como se dão essas conver-
gências? Para você, qual o sentido da dança no contexto escolar? Reflita sobre as questões e, se possível,
registre as respostas no caderno.
36
D IÁ L OG OS CO M A S CO MPETÊ NC IAS DA BNCC
Competências gerais da Educação Básica 1, 2, 3, 4, 6, 7, 8, 9 e 10
37
PROCESSOS DE
PESQUISA E CRIAÇÃO
elkor/Getty Images
Apresentação de dança contemporânea.
CAPÍTULO DOIS
Antes de iniciar este capítulo, leia e reflita sobre as questões a seguir. Re-
gistre as respostas no caderno.
2
cessos de ensino-aprendizagem em diálogo com outras pessoas, no tem-
po-espaço que ocupam e nos contextos em que vivem?
O ensino-aprendizagem em Dança nas escolas é capaz de proporcio-
nar aos estudantes a ampliação do modo de cada um deles ser e agir
no mundo, mediante a busca por saberes cognitivos, sensíveis e criati-
vos relacionados ao corpo em movimento no tempo-espaço.
38
OS PROCESSOS DE PESQUISA E CRIAÇÃO
EM DANÇA COMO EXPERIÊNCIA
A construção de conhecimentos em Dança na escola é capaz de fomen-
tar nos estudantes diversas formas de saber relacionadas ao movimento
corporal, como a ampliação da consciência do próprio corpo, o aprimo-
ramento do alongamento, do alinhamento, da força e do equilíbrio, bem
como as possibilidades de expressão poética e criativa.
Sabe-se que é possível que os jovens aprimorem as respectivas possibili-
dades técnicas sem a necessidade de que se submetam à reprodução de
estruturas rígidas e repetições, mas, sim, sendo instigados a se tornar par-
ticipantes ativos do próprio processo de construção de conhecimentos.
Além disso, é possível adquirir um vasto repertório de movimentos e condi-
cionar um corpo flexível, forte e com boa capacidade de equilíbrio em um am-
biente que ofereça espaço para que os estudantes exponham o modo de ser
de cada um e as maneiras pessoais de lidar com a aprendizagem em Dança.
Esse jeito de abordar o ensino-aprendizagem em Dança dialoga com as com-
petências e as habilidades da área de linguagens da BNCC do Ensino Médio
e com o texto do documento que aborda especificamente o ensino da Arte.
Assim, por meio da abordagem aqui proposta, você poderá convidar os es-
tudantes a construir conhecimentos alicerçados na criação de danças que
dialoguem com os contextos em que vivem. Também é possível fomentar
o pensamento crítico e reflexivo, pois, na busca por condições físicas e
expressivas que viabilizem apresentar ideias por meio de movimentos do
corpo, os estudantes podem compartilhar pontos de vista e pensamentos.
Essa maneira de estabelecer conhecimentos em Dança não descarta a
possibilidade da repetição de códigos que compõem alguma prática ou
modalidade da Dança, se professores e estudantes entenderem a necessi-
dade do diálogo construído entre os saberes e interesses de ambos. Contu-
do, sob este ponto de vista, o processo deverá acontecer de maneira que se
reconheça e respeite os modos de ser e agir de todos os envolvidos. Dessa
forma, as progressões das aprendizagens seriam avaliadas de acordo com
o desenvolvimento de cada estudante em relação a si mesmo e suas possi-
bilidades, sem que haja uma forma única a ser alcançada por todos.
39
Portanto, quando a investigação das vastas possibilidades de expressão
é favorecida no ensino-aprendizagem, os estudantes podem descobrir
novos códigos de comunicação a cada instante, tornando a pesquisa e a
criação mais instigantes e desafiadoras.
40
O aprimoramento das capacidades técnicas tem um papel
Sam Hojati/Unsplash
a cumprir no processo de ensino-aprendizagem em Dan-
ça. Porém esse aspecto pode ser trabalhado não como
uma finalidade, mas como um meio facilitador para que
as possibilidades de comunicação sejam ampliadas. Pode-
-se desenvolver e potencializar as habilidades físicas dos
estudantes de diversas maneiras: pela pesquisa de novos
caminhos para o movimento, pela investigação do próprio
corpo em propostas de improvisação, pela conscientiza-
ção do espaço ocupado pelo corpo e pelo exercício da
escuta, sempre considerando as dimensões poéticas, sen-
síveis e criativas. Jovem em uma manobra de skate.
Reprodução/Freepik
corporais executados pelos jovens em momentos de des-
contração e que fazem parte do cotidiano deles, como sal-
tos, giros e quedas, são movimentações potentes para a
elaboração de danças. O desafio do professor é fazer com
que os estudantes se conscientizem destes fatos e explorem
tais repertórios sem perder a espontaneidade e o frescor ao
executá-los nas vivências em Dança, bem como estimular a
curiosidade deles para que estabeleçam novas transições
entre movimentos já conhecidos e inúmeras outras possibi-
lidades de movimentos e expressão.
41
Nessa maneira de lidar com a Dança, a técnica é nifestação artística contemporânea na qual o
entendida como um instrumento capaz de tor- processo e o produto se constroem em um úni-
nar a respiração parte intrínseca do movimento, co instante, sendo indissociáveis e acontecen-
a aquisição de um melhor alinhamento corpo- do de maneira concomitante. Este fato atribui à
ral e alongamento por meio da investigação do obra criada características específicas e possi-
próprio corpo, como consciência do peso do bilita ao espectador o sabor de apreciar a ma-
corpo e do controle de fluxo de energia dispen- nifestação estética no momento de sua criação.
sado no espaço, o que torna possível inventar
Gouvêa, em seu artigo “Uma janela para a expe-
movimentos nunca antes executados numa es-
rimentação criativa: a improvisação de dança
pécie de apropriação por parte do dançarino de
na sala de aula” (2010), define a improvisação
movimentos com pesos, formas, fluxos e veloci-
em Dança da seguinte maneira:
dades distintas.
Tal pensamento sobre Dança aqui proposto es- [...] um fenômeno de criação imediata da dança;
tabelece novamente um diálogo com Isabel Mar- uma dança não coreográfica (no sentido de não
ques, que, apoiando-se nos conceitos de Laban, pretender a codificação nem a notação), que se
entende a técnica como “[...] uma habilidade que dá a ver no momento em que é criada, uma vez
que dela pouco se sabe antecipadamente. Na
abre portas e diferencia as pessoas, pois permite
improvisação todos são protagonistas: artistas,
a expressão e a comunicação pessoal e intrans-
cena, música, plateia, etc.; a dança é efetivamen-
ferível de cada um” (MARQUES, 2002, p. 280). te co-criada na instantaneidade e duração da
Nesse sentido, cabe enxergar a técnica não apenas cena artística.
como um processo de aprimoramento de habili- GOUVÊA, Raquel Valente de. Uma janela
para a experimentação criativa: a impro-
dades físicas, mas também no que tange à imagi-
visação de dança na sala de aula. In: II
nação, à sensibilidade e à criatividade. Tais habili- ENGRUPEDANÇA, Rio de Janeiro, 2009.
dades podem fomentar nos jovens um estado de Anais. p. 343.
abertura para as investigações artísticas, muito
perto dos jogos, que se potencializa à medida que A improvisação é, portanto, uma composição
os estudantes se conscientizam das configurações instantânea e que não foi sistematizada an-
estéticas que produzem enquanto pesquisam. teriormente, o que não destitui dessa mani-
Assim, o ensino-aprendizagem em Dança, que festação características como organização e
intercorre por meio da abordagem aqui propos- sequencialidade. Os movimentos não são pre-
ta, pode ser visto como uma experiência que viamente determinados, e os dançarinos pro-
curam, em tempo real, propor combinações de
acontece no espaço entre todos os envolvidos
movimentos nunca antes executados por eles.
no processo e que afeta igualmente estudantes
e professores. A cada pesquisa, os movimentos encontrados
incorporam-se ao repertório dos dançarinos,
como uma coleção pessoal de movimentos
DISPOSITIVOS PARA O que pode ser acionada em momento oportuno
para se expressar por meio deles novamente.
ENSINO-APRENDIZAGEM Assim, estabelecem-se novos arranjos e com-
42
te do repertório pessoal, procuram sempre no-
A poética procura circunscrever o que, numa
vas combinações desses movimentos ao mes-
obra de arte, nos pode tocar, estimular a nossa
mo tempo que buscam descobrir movimentos
sensibilidade e ressoar nosso imaginário, ou seja,
ainda não executados. De acordo com Gouvêa, o conjunto de condutas criadoras que dão vida
e sentido à obra.
[...] o improvisador precisa des-formar seu olhar LOUPPE, Lawrence. Poética da dança
cotidiano, a maneira usual de estar no mundo, a contemporânea. [Lisboa]: Orpheu Negro,
fim de abrir-se à experimentação daquilo que lhe 2012. p. 27.
afeta no transcorrer do improviso.
GOUVÊA, Raquel Valente de. A improvisa- Sabe-se que a linguagem da dança não tem o in-
ção de dança na (trans)formação do artis- tuito de expressar um discurso explicativo, mas,
ta-aprendiz: uma reflexão nos entrelugares sim, que sua poética se faz na construção de pon-
das Artes Cênicas, Filosofia e Educação.
tes de diálogo entre as percepções, as ideias e os
Tese (Doutorado em Artes Cênicas) –
Unicamp, Campinas, 2012. pensamentos dos dançarinos e dos espectado-
res, abrindo espaço para possibilidades múltiplas
Nesse modo de praticar dança, a repetição é tão de interpretações que acolhem as experiências
importante quanto nas coreografias tradicio- pessoais de dançarinos e espectadores, conside-
nais – aquelas em que é necessário memorizar e rando ainda o contexto em que estão insertos.
aperfeiçoar a execução de movimentos sequen- Para Louppe, da mesma forma como ocorre
ciais. Isto se dá, pois é na repetição das pesqui- com a poesia na linguagem verbal, a dança é ca-
sas em improvisação que se adquire cada vez paz de conectar as pessoas, tanto aquelas que
mais habilidades neste tipo de procedimento. dançam quanto aquelas que fruem uma dança,
A repetição do ato de improvisar, devido ao seu explorando as mais aprofundadas sensações,
caráter investigativo, atribui aos dançarinos a sentimentos e percepções sobre si mesmos e o
ampliação dos respectivos repertórios de mo- modo de interação com o mundo.
vimentos, oferecendo-lhes a capacidade de se A combinação dos elementos que compõem
comunicar de formas diversas e a possibilidade o campo de conhecimento da Dança – como a
de organizar e reorganizar o próprio corpo rapi- organização dos movimentos no espaço e no
damente para produzir novos arranjos de acor- tempo, o modo como os dançarinos lidam com
do com os estímulos oferecidos pelos outros o peso dos respectivos corpos e a fluência de
dançarinos e pelo tempo-espaço ocupados. cada gesto que fazem – estrutura a dramaturgia
Assim, a repetição do ato de improvisar agrega de uma obra de Dança. A musicalidade também
qualidade a este modo de expressão. faz parte da dramaturgia, tanto aquela expressa
pelos sons que ressoam da plateia e dos cor-
POÉTICA E DRAMATURGIA pos dos dançarinos em movimento quanto uma
NA DANÇA possível trilha sonora composta ou selecionada
para determinada apresentação.
A poética da dança é constituída pela forma
como os dançarinos atuam no espaço e no A palavra dramaturgia, de origem grega, quer
tempo, interagindo entre si e com o mundo. Ela dizer composição de um drama, e a palavra
agrega o assunto tratado por uma obra, o modo drama, por sua vez, significa ação. Inicialmen-
como é abordado, como a corporalidade dos te, essa palavra foi utilizada pelo teatro e hoje
dançarinos se organiza no espaço e como eles é também comum empregá-la para definir a
se relacionam entre si, com os objetos cênicos e, composição geral do trabalho em dança, isto
também, com o público presente. Para a crítica é, as combinações e os arranjos entre as ações
de dança Lawrence Louppe (2012), que acontecem em uma dança.
43
Podemos dizer que olhar para um trabalho de Dança como uma com-
posição dramatúrgica auxilia na consideração da obra como um todo,
incluindo os elementos que a compõem sem exceção, desde os gestos
e os movimentos corporais, o modo como as pessoas ocupam o tempo-
-espaço, até os figurinos, os cenários, as trilhas sonoras e tantos outros
elementos que fizerem parte da composição. As formas de organizar
os movimentos no tempo-espaço em uma composição dramatúrgica
de dança são muitas. Apesentaremos aqui brevemente algumas delas.
COREOGRAFIA
A coreografia é constituída por uma combinação de movimentos precon-
cebidos, que dialogam com o tempo-espaço. É como desenhar o espaço
com os movimentos corporais. Uma coreografia pode ser interpretada
por um ou vários dançarinos. Quando envolve mais de um dançarino, eles
podem executar combinações de movimentos similares ou diversos que
dialoguem entre si para compor a obra.
JOGO CÊNICO
Os jogos cênicos podem ser utilizados como dispositivos tanto para
explorar possibilidades de movimento durante a aprendizagem quan-
to para estruturar uma apresentação de dança. Eles são constituídos
por regras e acordos que deixam espaço para que os participantes
manifestem suas escolhas estéticas por meio de movimentos no tem-
po-espaço. Muitas vezes, tais regras propõem desafios que permitem
aos participantes do jogo explorar caminhos de pesquisa diferentes
daqueles que estão habituados.
44
ENSAIOS MîVEIS
ABRAÇO Segunda etapa
Esta atividade propõe explorar a expansão de movi- ■
Selecione um espaço, de preferência amplo e reserva-
mentos do próprio corpo e o movimento do abraço do, para realizar a proposta. Tire os sapatos, para maior
como assunto de um processo criativo em dança. A segurança e conforto, e encontre um lugar nesse am-
primeira e a segunda etapas podem ser feitas por biente onde possa permanecer em posição confortá-
você individualmente; as demais estão previstas vel, de preferência deitado. Se quiser, selecione uma
para serem feitas em grupo. Por isso, reúna-se com música instrumental para acompanhar a atividade.
colegas que compartilhem o interesse em investigar ■
Após se acomodar, respire profundamente, buscan-
e ampliar repertórios em pesquisa e criação na práti- do um estado de concentração e conexão consigo
ca docente. Além disso, você poderá, posteriormen- e com o espaço.
te, avaliar a possibilidade de realizar esta atividade ■
Em seguida, pesquise maneiras de abraçar a si mes-
com os estudantes.
mo com todo o corpo e em diferentes níveis espa-
Durante esta proposta, serão explorados os concei- ciais e direções. Inicie a pesquisa abraçando-se de
tos apresentados neste capítulo: improvisação, co- maneira mais convencional, com os braços ao redor
reografia, composição e processo colaborativo. do tronco. Depois, encontre maneiras diferentes e
inusitadas de se abraçar, envolvendo o corpo todo.
Primeira etapa
Procure ocupar os níveis alto, médio e baixo.
■
Para começar, reflita: “O que o movimento do abra-
■
Na sequência, pesquise os movimentos de expan-
ço representa para você?”. Considere todas as in-
são: alterne um movimento de contração do cor-
formações, sentimentos e sensações que o ato do
po todo em um abraço, aproximando os membros
abraço gera em você. Cabe destacar que, por ser
(braços e pernas) de maneira cruzada e, então,
uma resposta pessoal e que está relacionada aos
entre um abraço e outro, expanda os membros no
contextos de vida de cada um, é possível que exis-
espaço, estendendo braços e pernas em várias dire-
tam diferenças no modo como essa ação é vista e
ções e níveis espaciais.
sentida por pessoas distintas.
Nesta etapa, a compreensão de conceitos propostos
Secretaria da Educação/www.arte.seed.pr.gov.br
Secretaria da Educação/www.arte.seed.pr.gov.br
Kinesfera.
45
Terceira etapa Quarta etapa
■
Nesta etapa, você e os colegas devem andar pelo ■
Individualmente ou em pequenos grupos, de acor-
espaço, olhando nos olhos de quem cruza com do com a quantidade de participantes nesta ati-
você durante o caminhar. A ideia é que a troca de vidade, criem uma sequência de movimentos que
olhares seja vista como um “abraço com os olhos”, tenha como referência o abraço.
ou seja, um olhar que pretende ser acolhedor, gentil ■
Combinem um momento para apresentar as se-
e tranquilo.
quências criadas uns aos outros. Cada apresentação
■
Se quiserem, selecionem uma música para acompa- pode ser acompanhada por uma música, se quise-
nhar esse momento de caminhar. rem, que pode ser escolhida por todos os partici-
■
Após um tempo caminhando, reúnam-se no centro pantes/grupos de acordo com suas necessidades.
do ambiente em que a atividade é realizada, for-
Encerramento
mando um pequeno círculo, de forma que os corpos
fiquem aproximados e abraçando uns aos outros. Reúna-se com os colegas que participaram des-
ta experiência para que façam juntos uma reflexão
■
Depois, com tranquilidade, afastem-se uns dos ou-
pautada nas seguintes questões:
tros expandindo o círculo e, quando chegar ao má-
ximo da expansão permitida pelo espaço, retornem
1 Como você se sentiu durante cada etapa da
ao abraço no pequeno círculo. Façam este procedi-
proposta?
mento três vezes.
O ideal é que o grupo combine, antes de iniciar esta 2 Experimentou novas formas de se movimentar
etapa, um sinal para indicar o momento de inter- individual e coletivamente?
romper o caminhar e direcionar-se para o centro do
3 Você acredita que as referências apresentadas
espaço. Uma sugestão é que alguém pare a música,
no capítulo contribuíram para o modo como
caso estejam usando esse recurso, ou apague e rea-
participou da atividade?
cenda as luzes do ambiente. Ainda antes de iniciar a
etapa, façam o acordo de agir com gentileza e res- Nesse momento, é importante que todos possam
peito uns para com os outros. se expressar livremente, e que se sintam seguros e
confortáveis para expor as sensações que experi-
mentaram, assim como também sejam acolhedores
com as impressões dos colegas. Tenha em vista que
as referências artísticas, culturais, sociais e históri-
Eommina/Pixabay
46
D IÁ L OG OS CO M A S CO MPETÊ NC IAS DA BNCC
Competências gerais da Educação Básica 1e6
Fauxels/Pexels
dos estudantes que o ensino-apren-
dizagem em Dança acontece e mo-
difica os modos de ser das pessoas,
ampliando as possibilidades de inte-
ração de cada pessoa com o mundo.
Ao desenvolver as temáticas deste
capítulo em sala de aula com os es-
tudantes, será possível reconhecer e
refletir com eles a respeito de alguns
modos de manifestação da Dança,
valorizando a diversidade de sabe-
res sobre os assuntos abordados em
consonância com a construção de
uma sociedade mais justa, democrá-
tica e inclusiva, assim como propõem as competências gerais da Educação Grupo integrado por um
Básica 1 e 6. Por meio do reconhecimento e da abordagem dos conceitos abraço coletivo.
de improvisação em dança, composição, dramaturgia e poética e na prática
docente, será possível refletir criticamente sobre os possíveis caminhos para
a participação dos jovens no respectivo processo de construção de conheci-
mentos relacionados à Dança.
Ainda, o contato com alguns conceitos abordados neste capítulo que desig-
nam procedimentos relacionados à Dança possibilita refletir com os estudan-
tes sobre esta linguagem como forma de participação social e interpretação
crítica e simbólica da realidade, como pontua a competência específica 1 da
área de Linguagens e suas Tecnologias.
Ao refletir sobre os conceitos abordados e desenvolver proposta de pesquisa
e prática como as presentes neste capítulo, os professores poderão mobilizar
nos estudantes os conhecimentos sugeridos na competência específica 5, que
pontua a vivência de formas de expressão de valores e identidades em uma
perspectiva democrática e de respeito às diversidades.
47
HISTÓRIAS DE VIDA:
MEMÓRIA E CRIAÇÃO
3
ções profundas e reflita sobre as questões a seguir. As conclusões podem
ser registradas no caderno.
48
EU NO MUNDO
Em determinado momento de sua vida, você, professor, fez uma escolha
por dedicar-se à prática docente. Assim como todas as outras escolhas
Gi
an de vida que você fez, essa também compõe sua maneira de ser e influen-
ni
s
Gr
ev
en
itis
cia seus modos de agir no mundo.
/Pe
49
Além de ampliar os modos de interação com o mundo, o aprofundamento
da relação com as poéticas próprias pode enriquecer as possibilidades
de aproximação entre arte e vida, desmistificando o pensamento de que
as práticas artísticas são algo inalcançável e que podem apenas ser reali-
zadas por pessoas que possuem uma “genialidade incomum”. Pelo con-
trário, as práticas artísticas podem ser vivenciadas por todas as pessoas,
e são favorecidas, na escola, pelo diálogo entre professores e estudantes,
de modo a acolher as diferenças de contato e o aprofundamento nas
linguagens da Arte.
CAMPO relaciona com eles podem fazer parte do diálogo estabelecido entre pro-
fessores e estudantes, compondo o feixe de possibilidades de interações
a aproximações entre vida e arte.
Considerando os con-
As propostas de investigação em Dança podem oferecer meios e desa-
ceitos apresentados,
fios para que as pessoas encontrem modos distintos de se movimentar
você reconhece a pró-
pria poética e a dos es-
e trabalhem elementos da linguagem como força, equilíbrio e alonga-
tudantes? Costuma es-
mento. Isso ampliará as possibilidades de expressão de si – as chamadas
tabelecer relações entre poéticas próprias – e de interação com os outros e o tempo-espaço.
essas poéticas durante o Logo, a experiência artística pode ampliar e potencializar as poéticas
processo de construção das pessoas, presentes em todos os gestos e modos de agir cotidianos.
do conhecimento em Por meio da investigação de movimentos, por exemplo, é possível reco-
Dança? nhecer quais são os movimentos que fazem parte do repertório pessoal
Anote suas ideias no ca- e como cada um repete e combina continuamente esses movimentos
derno. com outros.
50
ENSAIOS MîVEIS
ACONTECIMENTOS BIOGRÁFICOS
August de Richelieu/Pexels
Esta proposta aborda a memória e a pesquisa de possibilidades
para traduzir um acontecimento real em Dança com base nas
sensações causadas por esse episódio. Ela pode tanto ser feita
para análise em um grupo com outros colegas professores como
também adaptada para os estudantes em sala de aula. As etapas
apresentam orientações gerais. Portanto, alicerçado em suas ex-
periências e interesses, faça as alterações e acréscimos que con-
siderar oportunos.
Primeira etapa
■
Em um espaço amplo, caminhe focando a atenção em como apoia os
pés no chão, como transfere o peso do corpo de um pé para o outro e
como todo o resto do corpo responde a essas ações. É recomendável
estar descalço para a realização dessa proposta.
■
Ao mover-se pelo espaço, explore os níveis alto, médio e baixo en-
Abraço coletivo entre pessoas de
quanto busca outros apoios para se locomover, além dos pés. Faça
diferentes gerações.
isso percebendo seu corpo e
quais as sensações causadas pe-
iStockphoto/Getty Images
los movimentos.
■
Perceba se há movimentos que
se repetem e experimente con-
tinuamente novas combinações.
Nesta etapa, reconheça os mo-
dos como você desenvolve seus
movimentos, pois eles compõem
as poéticas próprias. O reconhe-
cimento delas é o primeiro passo
para que seja possível ampliá-las
e encontrar novas maneiras de ex-
pressar diferentes modos de ser,
agir, sentir e pensar.
51
Terceira etapa
■
Em grupo, dobrem os papéis com as memórias registradas na Segunda etapa
desta atividade. Façam um sorteio, de modo que todos peguem um aconteci-
mento da vida de outra pessoa.
Cada participante deve, então, ler o registro que pegou e, com base
Encerramento
Converse com o grupo sobre a experiência desenvolvida nesta atividade. Para
isso, seguem algumas sugestões de perguntas que podem nortear o diálogo.
CAMPO
por elas o instigaram a pesquisar movimentos distintos daqueles com os
quais você está habituado e novas combinações entre eles? Se sim, comen-
te com os outros participantes como isso se deu.
Durante os processos
3 Como foi assistir a um acontecimento de sua própria vida por meio da
de construção de co-
composição em dança de outra pessoa? Isso fez com que você olhasse
nhecimentos em Dança,
para o acontecimento de outro ponto de vista? Se sim, por quê?
como você pensa o pa-
pel das relações entre as 4 Como foi realizar uma composição a partir do acontecimento pessoal que você
pessoas e suas composi- viveu? Quais foram suas estratégias para comunicar esse fato em uma dança?
ções estéticas? 5 Como foi assistir ao modo como a outra pessoa desenvolveu uma poética
Faça um relato de sua própria com base em sua história de vida, que, reciprocamente, compõe essa
experiência no caderno. poética?
52
A CHAVE RELACIONAL
O processo de construção de conhecimentos na chave relacional pode
decorrer dos saberes e dos interesses das pessoas envolvidas, conside-
rando o direito de participação de todos. Os processos de ensino-apren-
dizagem são relacionais, pois ocorrem no convívio entre as pessoas, mas
eles podem apresentar graduações de participação dos envolvidos e mo-
dos distintos de se cumprir.
A forma de uma obra de arte nasce de uma negociação com o inteligível e o que nos coube. Através dela,
o artista inicia um diálogo. A essência da prática artística residiria, assim, na invenção das relações entre
sujeitos; cada obra de arte particular seria a proposta de habitar um mundo em comum, enquanto o tra-
balho de cada artista comporia um feixe de relações com o mundo, que geraria outras relações, e assim
por diante até o infinito.
BOURRIAUD, Nicolas. Estética relacional. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 30-31.
53
Veja a seguir algumas perguntas que poderiam nortear uma experiência
de aprendizagem nesta chave.
■
Respeitando as características de cada corpo, quais foram os avanços em relação à utilização
do peso do próprio corpo no espaço?
■
Quanto às possibilidades de relação com o tempo-espaço, o que cada um percebeu que pôde
ampliar?
■
O desenvolvimento da força, do equilíbrio e do alinhamento do corpo foi ampliado a ponto de
refletir na saúde do organismo e também em suas possibilidades de movimento?
■
Como as pessoas se dispuseram a dialogar com os outros e com o espaço?
■
As possibilidades de interação com os outros e com o espaço foram ampliadas?
■
Como as pessoas aproveitaram o espaço disponível para exercer sua participação nesta ati-
vidade?
PARA REFLETIR
Corpos diversos
Para pensar sobre os padrões que povoam o imaginário das pessoas no que se refere ao universo da dança e
que, muitas vezes, reverberam nos ambientes de ensino-aprendizagem, observe as imagens do espetáculo
Amplexos, do Projeto Pés – Teatro-dança com pessoas com deficiência, dirigido por Rafael Tursi.
Jéssica Laranja/Projeto Pés
Cenas do espetáculo Amplexos, do Projeto Pés – Teatro e Dança para Pessoas com Deficiência, dirigido por Rafael Tursi.
54
1 Quais são as questões sociais, históricas e culturais que afetam a maneira como compreendemos o
universo da dança?
3 Em diferentes contextos, é comum deparar-se com a ideia de que apenas determinados corpos são
aptos a dançar. Em sua opinião, o que contribui para a difusão desse tipo de estereótipo?
4 Como promover uma discussão com os estudantes acerca das pessoas que têm a dança como ativi-
dade profissional?
As questões aqui propostas pretendem aguçar a percepção sobre o próprio corpo e os sentimentos que po-
dem surgir por meio dele. Também buscam estimular a compreensão de que a dança pode ser um instrumento
de autoconhecimento e expressão de modos de ser e ver o mundo, e que os padrões considerados como
hegemônicos podem e devem ser questionados e confrontados.
Hoje, nota-se uma diversidade maior de padrões corporais na dança, inclusive no âmbito profissional, com
a presença de pessoas muito diferentes entre si. Apreciar repertórios que mostrem tal diversidade pode ser
uma maneira de problematizar e dissolver estereótipos e preconceitos com os estudantes, construindo um
pensamento ético, democrático e empático que acolha as diferenças em todas as esferas sociais.
PARA
RAFAEL TURSI iniciou as atividades do Projeto Pés – Teatro e Dança
para Pessoas com Deficiência no ano de 2011, projeto idealizado por APROFUNDAR
ele em 2009, quando era um recém-formado em Artes Cênicas pela ■
POR QUE você
Universidade de Brasília (UnB). Com base nos estudos de Rudolf Laban, dança? Direção:
que sistematizam o movimento humano, Tursi passou a desenvolver Rafael Tursi.
um trabalho com a companhia cujo intuito era promover um espaço Realização: Projeto
e condições para que pessoas com deficiências de naturezas diversas PÉS. [Brasília, DF]:
pudessem se expressar por meio da dança e do teatro.
Casa de Produções,
2013. 1 vídeo
(15 min). Disponível
em: https://www.
FORMA-CONTEÚDO projetopes.com/
copia-cursos-e-
Colocar-se em diálogo e compartilhar proposições com os estudantes é palestras. Acesso
um modo de desenvolver conhecimentos. Uma proposta pode ser feita em: 20 nov. 2020.
de diferentes formas e as escolhas quanto à maneira como os diálogos se Assista ao curta-
dão refletem as concepções sobre arte e educação do professor. Assim, -documentário
forma e conteúdo compõem uma unidade, designando uma única coisa dirigido por
quando os termos se unem pelo hífen: “forma-conteúdo” (MACHADO, Rafael Tursi para
conhecer mais
2015, p. 62).
sobre o trabalho
Portanto, a maneira como o educador age com os estudantes e propõe a da companhia e
eles pesquisas revela muitos sobre os pensamentos, as histórias de vida a linguagem da
e a investigação artística do próprio professor. Entretanto, isso não quer dança.
dizer que se está em um estado constante de atuação artística, como um
artista cujas obras serão apreciadas pela plateia.
55
A ideia é que os professores se permitam afetar por modos diversos de
expressão sensível e criativa enquanto partilham uma proposta com os
estudantes, enxergando-os como pessoas que podem se nutrir da ma-
neira como recebem a proposta para, de forma recíproca, responder a ela
com base na própria criatividade e sensibilidade.
Em outros termos, não é preciso sempre dançar para sugerir uma com-
posição em dança, mesmo que esta seja uma possibilidade interessan-
te. Mas é possível propor uma investigação em Dança por meio de uma
poesia, uma música, uma cena de teatro ou filme, ao compartilhar um
acontecimento da vida, ou mesmo falando sobre a proposta de maneira
que se evoque um estado de presença atento e receptivo. As poéticas
dos professores, as histórias de vida e os interesses pessoais possuem o
potencial de despertar nos estudantes o desejo de descobrir os próprios
interesses e maneiras de propor diálogos por meio da Arte.
56
para que se interpenetrem, se misturem, se fundam. Tal maneira de
experienciar a Arte, composta de códigos imutáveis, é viva, mutante
e dialógica.
Portanto, esta forma de trabalho não exclui nem anula o saber do profes-
sor, apenas aceita que os estudantes podem ser protagonistas do pró-
prio processo de ensino-aprendizagem, não precisando ser ensinados e
treinados, mas, sim, orientados pelo adulto. Precisam, ainda, ser ouvidos
e respeitados em sua forma particular de ver o mundo, e considerando
as culturas juvenis, o que possibilita a capacidade de transitar o tempo
TRAMAS EM
todo entre realidade e fantasia. CAMPO
No desenvolvimento de um modelo de ensino como este, a avaliação dos
estudantes é feita de maneira que sejam positivadas as experiências de Como você lida com a
cada um deles. Não há notas nem conceitos que rotulem o desenvolvi- diversidade entre os es-
tudantes, seja ela de na-
mento pessoal dos estudantes. Deve haver, sim, um olhar atencioso do
tureza física, social ou
professor que, ao fim de um processo ou período, estabelece um diálogo
cultural, durante os pro-
com os educandos com o objetivo de identificar qualidades, transforma-
cessos de construção
ções e dificuldades vivenciadas, levando-os a compreender as relações
de conhecimentos em
estabelecidas consigo mesmos, com o grupo e com as linguagens artís-
Dança? Quais são as es-
ticas trabalhadas.
tratégias que utiliza para
Dessa maneira, os estudantes são vistos sem comparações uns com os que todos se sintam con-
outros, e a avaliação do desenvolvimento do saber que têm é medida fortáveis e confiantes em
conforme seus próprios ganhos e limitações. Entende-se que cada es- participar dos próprios
tudante tem seu próprio processo de construção do conhecimento, sem processos de aprendiza-
que haja padrões para seguir. gem, respeitando e va-
Estes estudantes, além de atender por nomes próprios, têm corpos, difi- lorizando a si mesmos e
culdades, sonhos, desejos e limitações diversas. Por qual razão, então, o aos outros?
trabalho docente deveria tratá-los de modo que os iguale, padronizando- No caderno, faça um re-
-os, tornando uniformes as conquistas deles? Como e para que fazer isso gistro por escrito desta
se cada estudante tem uma forma própria de aprender e se expressar? reflexão.
57
D IÁ L OG OS CO M A S CO MPETÊ NC IAS DA BNCC
Competências gerais da Educação Básica 4, 8 e 10
Este capítulo buscou possibilitar aos professores que refletissem sobre manei-
ras de mobilizar as competências gerais da Educação Básica 4, 8 e 10 com os
estudantes. À medida que o docente é convidado a reconhecer seus modos
de ser e poéticas próprias, a fim de conhecer-se e apreciar-se, valorizando a si
mesmo, reconhecendo suas emoções, sentimentos e ideias e expressando-as
por meio das linguagens artísticas, poderão colocar-se em diálogo com os es-
tudantes para que eles, por sua vez, possam também reconhecer as poéticas
próprias e ampliá-las em interações consigo, com os outros e o mundo. Desse
modo, os estudantes podem, com o uso das diferentes linguagens, reconhecer
a si mesmos, colaborar com o entendimento mútuo e princípios éticos, demo-
cráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.
A proposta Ensaios móveis: acontecimentos biográficos buscou estimular
os professores na escolha de um acontecimento específico da vida deles e
transformá-lo em uma pequena composição em dança, relacionando-a com
os respectivos contextos de vivência. E ainda propôs a apreciação das com-
posições dos outros e a reflexão sobre essas composições e seus processos
de criação, valorizando o bem comum e respeitando as diferenças, ou seja,
as diversidades. Quando uma atividade como esta é desenvolvida em sala
de aula, há a possibilidade de mobilizar tais questões durante os processos
de ensino-aprendizagem com os estudantes, de modo que se mobilizem as
competências específicas 3, 5 e 6 da área de Linguagens e suas Tecnologias.
O que se espera é que o estudante, assim, possa utilizar diferentes linguagens,
compreendendo os processos de produção e negociação de sentido; além de
fruir as produções considerando seus contextos e características de criação.
Stories/Freepik
58
HISTÓRIAS DE VIDA
E APROPRIAÇÃO DE SABERES
Feche os olhos e busque recor-
Rojan Maharjan/Unsplash
dar algumas experiências mar-
cantes de dança em sua vida,
buscando visualizar o seu cor-
po em movimento. Depois, res-
ponda às questões a seguir e,
se possível, faça um registro no
caderno.
2 Você acha que essas experiências ainda se fazem presentes em sua atua-
ção docente? De que maneira?
4
vem desenvolvendo é a de buscar compreendê-los de forma contextua-
lizada, percebê-los em suas relações de aproximação ou distanciamento
frente à vida e à realidade.
59
Desta maneira, o ensino-aprendizagem em Dança busca associar pensar-
O suíço CARL GUSTAV -sentir-agir. A subjetividade e a intersubjetividade são fundamentais por
JUNG (1875-1961) esta ótica. As histórias de vida dos estudantes e dos professores entram
foi psiquiatra e
em diálogo para a construção do conhecimento, o que consolida a edu-
psicoterapeuta.
cação também como um processo de autoconhecimento.
Trabalhou
como professor Os corpos trazem marcas da história, do modo de viver, de padrões fami-
universitário e, liares, de aspectos da ancestralidade, grupos sociais, etnias, etc., de cada
principalmente, pessoa. É importante, como professor, olhar para o próprio corpo. O que
com atendimento
ele traz de informações e de conhecimentos anteriores? E como se dão
clínico em hospitais
as relações dessa memória com o que acontece no momento presente?
psiquiátricos. Foi
um estudioso de O corpo nunca está vazio, ele é pleno de experiências. Tampouco está fe-
diversas áreas do chado de maneira “ensimesmada” em uma bolha hermética. Em forma de
conhecimento, rede, o corpo é permeável ao presente, atuando no ambiente e sendo afe-
o que fez de
tado por ele. O olhar para as histórias de vida não deve cair na armadilha
sua abordagem
do julgamento, mas sim escolher o caminho do reconhecimento de que
algo profundo e
uma história de vida é composta por muitas experiências agregadoras.
interdisciplinar.
Dentre os campos Do mesmo modo que se olha de forma atenta para o estudante e para o
de pesquisa em que ele diz em silêncio, é preciso olhar para si mesmo enquanto docente.
que atuou estão:
história, mitologia,
religião, arte, filosofia, A CONSTRUÇÃO DE SI MESMO
antropologia,
Cabe iniciar este capítulo colocando em pauta as ideias de Carl Jung,
psicopatologia,
fundador da psicologia analítica. Embora a educação não tenha fins tera-
alquimia, literatura,
pêuticos, a psicologia e a educação encontram-se através da atenção que
biologia, entre outros.
ambas dedicam à formação das subjetividades e das intersubjetividades
construídas nos corpos. Esses dois campos do saber mobilizam o ser hu-
mano para a transformação em um sentido ético, ou seja, em conformidade
com suas próprias necessidades e interesses e em diálogo com os direitos
humanos e globais. Mais do que “o que” e “por que” se aprende, a psicologia
nos ajuda a refletir “como” e “para que” educamos e somos educados.
Reflita sobre o como e Neste sentido, a psicologia analítica junguiana (Jung, 2008) traz uma impor-
para que você educa e tante contribuição ao distinguir quatro funções da consciência, sendo elas:
anote no caderno de re- pensamento, sentimento, sensação e intuição. O pensamento destina-se a
gistros suas percepções, explicar e catalogar o mundo. O sentimento distingue o que é bom ou ruim,
ideias, sentimentos, de- do que se gosta ou não, etc. A sensação descreve o mundo sem dar juízos
safios que enfrenta e as- de valor; é minuciosa, detalhista e prática. A intuição é idealista, observa o
pirações para o futuro. todo, situa de onde se vem e para onde se quer ir, dá sentidos e faz projeções.
60
Portanto, a abordagem compreende o pensamento e o sentimento como
funções racionais, isto é, ligadas a juízos de valor; e a intuição e a sensação
como funções irracionais, pois não se dedicam a explicar ou valorar.
ENCONTROS E PARTILHAS NO
ENSINO‑APRENDIZAGEM EM DANÇA TRAMAS EM
A troca é um caminho potente para o ensino-aprendizagem da dança.
O que aqui se propõe são processos educativos em dança baseados em
CAMPO
compartilhamentos e afetações mútuas, que se nutrem pelo respeito às
Como professor, você
diversidades, a fim de mobilizar as funções da consciência e, assim tam-
considera que consegue
bém, as dimensões cognitivas, emocionais, sociais e culturais, cumprindo
propor e acolher dife-
seu papel na educação.
rentes maneiras de vi-
Desse modo, uma vez que que corpo-movimento-espaço-tempo es- venciar a dança? O que
tão correlacionados, o contexto escolar e o da comunidade são parte pensa que pode fazer
constituinte da sala de aula (e do pensar-sentir-fazer em dança). Reci- para tornar o proces-
procamente, estes também são constantemente transpassados pelas so educativo em dan-
singularidades de cada um que se encontra nestes lugares. O corpo é ça mais amplo? Reflita
impregnado de experiências pessoais e das atualizações delas perante sobre estas questões e
cada nova vivência. Por isso, há tantos atravessamentos e tramas de re- procure respondê-las
lações na construção de uma dança. por escrito.
61
Estudos em abordagem somática e em psicologia analítica junguiana ex-
plicam que conteúdos inconscientes emergem do corpo em movimento
e que parte deles pode vir a se tornar consciente. A observação atenta
aos detalhes do corpo em movimento, incluindo a estrutura anatômica,
os mecanismos sensório-motores, as imagens emocionais e simbólicas,
contribuem neste processo. Não se pretende buscar respostas no/com/
do/para o movimento corporal, ou seja, não se trata de uma interpretação
do movimento, mas, sim, da possibilidade de criar sensações e imagens
corporais, bem como consumá-las em experiências perceptivas, poéti-
cas, estéticas, culturais e sociais.
Este ponto cabe tanto para a pesquisa e criação como para os processos
de apreciação, fruição e análise de dança. Todo o corpo é impregnado
pela dança, seja pelo próprio ato de dançar ou ao se relacionar com a
dança de outrem. Quem dança é sujeito e objeto de sua dança, já que ao
dançar, também se percebe dançando. E quem aprecia uma dança, frui
o corpo do outro em movimento ao mesmo tempo que dá forma a essa
dança não apenas pelo olhar, mas no próprio corpo, que se mobiliza para
essa relação.
A IMAGINAÇÃO E A CRIAÇÃO
DE SENTIDOS
O aguçar da imaginação de estudantes e professores permite que o
movimento ganhe um caráter simbólico e, desta forma, crie sentidos. Se
padrões corporais não são mobilizados e as possibilidades de movimen-
tação corporal em cada tempo-espaço ocupado não são expandidas, isto
é, em cada contexto, não se tem meios para identificar as estruturas de
opressão e gerar transformações sociais e culturais. Qualquer mudança
começa no corpo, sendo este sempre um corpo-mente-ambiente.
A dança é uma configuração possível que gera sentidos. Mas esses senti-
dos precisam ser imaginados e construídos.
Como dito no primeiro capítulo desta unidade, o que distingue uma dan-
ça de mero movimento corporal é o caráter expressivo e comunicativo;
a dança assim se constitui na construção simbólica com/no/do/para o
corpo. Isto se liga a um fazer da imaginação, já que a dança faz do corpo
em movimento uma imagem em ação repleta de sentidos.
Há uma intenção que impulsiona uma dança. Isso não quer dizer que a
dança ilustra uma ideia, ela própria é a construção de um pensar-sen-
tir-fazer. Ela reforça ou se opõe a concepções e visões de mundo que
de alguma maneira estão presentes, mesmo que como latências. Neste
processo, algumas vezes a dança possibilita que se observe e atue no
mundo e na sociedade de formas diferentes das usuais.
62
PARA REFLETIR
Dan•as urbanas
Wallace Chuck/Pexels
Observe a imagem, que mostra uma apresen-
tação de danças urbanas em um local aberto.
Considere a história das danças urbanas no
Brasil, fazendo uma pesquisa sobre o tema, se
julgar necessário. A partir desse aspecto, refli-
ta sobre as questões propostas a seguir.
63
O ato intencional que precede a ação criativa é o mobilizador para a
construção de outras possíveis imagens. Através de fluxos de imagem,
o corpo se prepara para a ação criativa gerando movimentos repletos
de meios para serem significados simbolicamente.
Por conta disso, uma criação pode expandir os modos de ver e agir no
mundo de cada um, pois traz simultaneamente a contextualização e a
amplitude sobre a própria vida. Criam-se a partir de conceitos e contextos
da cultura vigente e os transbordam na imaginação.
O CONSCIENTE E O INCONSCIENTE
NA DANÇA
Algumas escolhas conscientes são feitas na composição de uma dança,
TRAMAS EM mas é o inconsciente, as memórias pessoais e coletivas, que transbor-
CAMPO dam do corpo em movimento. Na perspectiva da psicologia analítica
junguiana, o inconsciente não diz respeito apenas ao que é reprimido,
Reflita sobre a diversi- mas também às percepções e impressões subliminares, os esqueci-
dade de possibilidades mentos, os complexos, as lembranças penosas ou pouco fortalecidas
de efetivação de um para se manterem na consciência. Além disso, há o inconsciente co-
mesmo ato intencional. letivo que abrange os fatores herdados, os potenciais, os padrões de
Como você percebe a percepções psíquicas, as estruturas mentais, o que é inato e comum a
relação entre a imagina- todos enquanto seres humanos.
ção e a ação? Deste modo, a dança expressa e comunica também percepções sublimi-
O que torna mais poten- nares, esquecimentos, potências e fragilidades que compõem o corpo e
tes e plurais os sentidos as muitas possibilidades de relação com o entorno e com os outros. O
a serem criados em um olhar docente contribui para que as diferenças se tornem potencializa-
ato? Anote suas ideias doras de um conhecimento integral, isto é, que abrange dimensões da
no caderno. constituição humana diversas e correlacionadas.
64
A psicologia analítica junguiana diz que o pro- A imaginação pode ser evocada e estimulada.
cesso de imaginação acontece no fluxo entre Ela pode se dar sobre qualquer imagem corpo-
inconsciente e consciente. A fenomenologia ral e transformar a compreensão que fazemos
de Maurice Merleau-Ponty (1999) contribui delas. Quando o processo de imaginação se
com este diálogo, pois afirma que o que está amplifica e se aprofunda, a potência psíquica é
sendo vivido a cada momento é atravessado expandida. Isto possibilita uma maior conexão
por experiências anteriores que, por sua vez, consigo próprio e, consequentemente, com o
atualizam-se no presente e apontam possibili- todo. Desta forma, o ensino-aprendizagem em
dades futuras. Logo, passado e futuro coabitam Dança não tem nada a ver com pressupostos
o presente. delimitadores e restritivos, tampouco com um
fazer descomprometido com a construção de
Ainda conforme Jung, as memórias não são
sentidos. É um processo que precisa criar a si
apenas pessoais, mas trazem marcas da memória
mesmo. Não há fórmulas, mas há compartilha-
e do inconsciente coletivo, enquanto espécie,
mentos de experiências e intencionalidades
cultura e sociedade, que são acionados por meio
para a criação de imagens corporais que ge-
de imagens e símbolos. Qualquer símbolo é, an-
rem sentidos.
tes, uma imagem criada e recriada, preenchida
de conteúdos marcados pela complexidade Vale lembrar que o pós-junguiano James Hill-
psicossomática que integra físico-mental-espiri- man (1984) afirma que antes do Iluminismo o
tual, e que contém o consciente, o inconsciente ser humano não concebia o termo “criativo”.
pessoal e o coletivo. O criador era Deus e o ser humano era a cria-
tura. A concepção do criativo foi, portanto,
A psique é apresentada por Jung como imagem,
uma mudança importante de paradigma. Além
e toda pessoa lida e se relaciona constantemente
disso, o autor destaca que Jung identificou
com essas imagens nas mais variadas conexões
cinco instintos humanos básicos: a fome, a
com as outras pessoas e com os elementos do
sexualidade, o impulso para a atividade, a
mundo. O pesquisador ainda afirma que qualquer
reflexão e o criativo. Nesse sentido, segundo
imagem pode se tornar um símbolo. Quando se
Hillman, o criativo não se limita à arte, mas é
pensa em imagem corporal, pode-se dizer que
o que a impulsiona.
imaginar em dança é fazer da imagem corporal
um símbolo, ou seja, abrir possibilidades para Para potencializar a criatividade, é fundamental
significações. superar os juízos de valor, para assim, imaginar
um processo de acolhimento da imagem, de
Cabe explicar o que se está chamando de sím-
fricção, de aprofundamento e de expansão. A
bolo: em grego significa “coloco com”; é o que
ideia é que os processos educativos em dança
busca trazer algo diferente à consciência. Fazer
se deixem construir e desconstruir, formar e
da imagem um símbolo é pôr a imagem em
deformar. Não se deve fixar caminhos. A ima-
ação para transpor campos conhecidos. O sím-
gem corporal é paradoxo e complexidade. É
bolo rompe, descontinua, introduz uma outra
importante observá-la, consumá-la, relacioná-la
possibilidade. Segundo Jung, todo fenômeno
e torná-la presente. Saber que ela é constituída
psicológico é um símbolo quando manifesta algo
de histórias de vida e de apropriações imediatas
diferente do usual e escapa ao que se conhece.
de saberes, já que a cada instante e mais uma
Isso só é possível quando a consciência busca
vez, se está criando imagens e imaginando.
outras possibilidades de significar as coisas. E
aqui pode-se notar mais um ponto de encontro De modo sintético, pode-se destacar algumas
entre a educação, a dança e a psicologia na fases no Método da Imaginação Ativa proposto
construção do conhecimento. por Jung (2008), sendo elas:
65
1 Liberar-se de julgamentos. Sensação
ENSAIOS MîVEIS
COMPORTAR-SE IMAGINATIVAMENTE
Se possível, faça esta proposta em dupla, assim uma pessoa pode condu-
zir enquanto a outra realiza a atividade. Depois invertam os papéis e ao
término troquem experiências. Se puder fazer em grupos maiores, mais
interessantes serão as possibilidades de troca. Caso contrário, se fizer so-
zinho, não se preocupe em seguir todos os passos exatamente como estão
propostos; faça da maneira como recordá-los. A atividade pode ser rea-
lizada inúmeras vezes, e a cada experiência você poderá acrescentar ou
modificar algo se quiser.
66
■
Depois, abra os olhos e coloque uma música para tocar. Atente-se novamente
para a posição de seu corpo e espreguice-o lentamente. Deixe a ação tornar-se
um movimento contínuo em um fluxo de expansão e relaxamento.
■
De vez em quando, pare no meio de um movimento e perceba como está seu
corpo naquele momento. Nas pausas, comece a se perguntar: que imagem te-
nho do meu corpo? Remete a alguma outra imagem, memória ou experiência?
Que sensação me provoca?
■
Continue com o movimento que a própria imagem corporal solicitar. Até parar
novamente.
■
Procure se deixar surpreender por você mesmo. Mobilize partes esquecidas.
Lembre-se de suas costas e de outras áreas do corpo menos observadas no
cotidiano. Pare em momentos diferentes, inusitados.
■
Repita esta experiência quantas vezes achar pertinente.
■
No final, termine como começou: pare, feche os olhos e concentre-se na respi-
ração, mantendo plena atenção em si.
Faço um registro por escrito da experiência e, se tiver interesse, reflita sobre
suas imagens corporais e sua história de vida.
Uma dança expressa e comunica para além das intenções de quem dança. Ela
é expressão porque se constitui da experiência perceptiva, isto é, de como o
corpo em movimento se relaciona com o aqui e o agora. A expressão em Dança
dá forma atualizada à subjetividade, e a comunicação é sua face intersubjetiva.
Pela perspectiva fenomenológica, parte-se da indissociabilidade entre sujeito
e objeto. Como dito antes, isso se dá tanto para quem dança como para quem
assiste, pois quem dança se percebe dançando e quem frui o faz com o corpo
como um todo.
DANÇA EM CONTEXTO
Uma criação em Dança é uma organização estabelecida dentro de um
campo de possibilidades latentes do corpo, sendo sempre permeada por
valores sociais e contextos históricos e culturais. Porém, como o corpo
que dança está continuamente se relacionando com o que acontece no
momento presente, na Dança, experiências anteriores correlacionam-se
com a experiência atual.
A Dança revela onde, como e o que fazemos. O corpo é marcado por seu
passado pessoal e coletivo, por suas singularidades e ancestralidades; cada
experiência vivida é carregada de memória e reconfigurada em um tem-
po-espaço atual, que transfigura o encontro do passado com o presente.
67
Por vezes, as combinações entre os elementos da ordem social não é apenas exposta numa dança,
dança também remetem a algumas referências. ela pode ser inclusive subvertida, transformada,
Mas tudo isso só pode acontecer se há uma aproxi- fragmentada, justaposta, etc. A Dança não é
mação com o mundo daquela dança. É necessário um complemento para o mundo, em vez disso,
o interesse pelo contexto e alguma familiaridade é um fazer do mundo. Ela dá forma, delineia e
para que se possa adentrar camadas mais pro- ilumina o campo sócio-político. É neste aspecto
fundas das imagens corporais que a dança traz. que a Dança é estética e política.
Há um conceito proposto pelo teórico literário Qualquer dança traz visões de mundo. Hewitt
Andrew Hewitt (2005) que é a “coreografia chama de “ideologia estética” a capacidade da
social” (em inglês, social choreography). Con- Dança de se articular ou se integrar às ordenações
forme essa noção, há uma dinâmica espacial sociais da vida cotidiana. Analisar a coreografia
dos corpos na esfera social que se correlaciona social seria estabelecer um olhar crítico que busca
com as criações artísticas em dança em cada não o significado das coisas, mas como elas se
momento histórico. Isto se dá posto que o corpo encontram em diferentes contextos sociais.
em dança é o mesmo que segue na vida cotidia- Vale destacar que cada momento histórico é
na. O autor destaca dois aspectos que devem constituído por variadas ordenações sociais e
ser observados na Dança: um que se refere às culturais. Além disso, a dança não revela apenas
ordenações sociais do corpo em seus contextos visibilidades, mas também aspectos que es-
e que de alguma forma são abordados em uma tão latentes como possibilidades de dinâmicas
dança; o outro, diz respeito à capacidade da corporais e espaciais em certo tempo-espaço
Arte, inclusive a Dança, de extrapolar o âmbito (Hewitt, 2005), o que diz respeito justamente
ordinário e compor com o extraordinário. à capacidade da dança de transformar imagem
Há uma coreografia das relações sociais que corporal em construção simbólica, ampliando
atravessa a Dança. Porém, cabe ressaltar que os sentidos das coisas.
a Dança não apenas se restringe a refletir uma A Dança, na educação, propicia a construção
ordem social. Ela reconstrói o olhar sobre esta de corpos capazes de compreender, analisar e
ordem, criando e expandindo as possibilidades atuar criticamente no mundo e na sociedade.
de compreender e agir no mundo e na sociedade. Por isso, a prática docente em Dança é sempre
Por meio da “coreografia social”, o autor ex- uma ação social e política sobre a dinâmica das
plica a imbricação entre estética e política na relações humanas e globais. Afeta cada um e a
Dança. A arte é imanentemente política. Essas todos em um efeito em rede. Este olhar para o
instâncias correlacionadas podem se alterar, que se escolhe fortalecer implica modos de ver
divergir, sobrepor, interromper, refletir, integrar, e agir no mundo. Lembrando que os estudantes
desordenar e criar reciprocamente. Ou seja, uma também propõem imagens corporais. O que se
GoodStudio/Shutterstock
68
tem é sempre uma realidade em relação a ou- que analisar o que o corpo faz, refletir como
tra, o que quer dizer que não existe uma única este corpo cria um campo sociocultural. Para
realidade, mas maneiras diversas de perceber tal, é fundamental contemplar as histórias de
os fenômenos. vida pessoais e coletivas, os contextos, as sub-
O trabalho embasado na ideia de “coreografia jetividades e intersubjetividades que integram
social” contribui para que se possa, mais do cada dança.
ENSAIOS MîVEIS
COREOGRAFIA SOCIAL
Escolha algum trabalho de dança, preferencialmente de uma de suas turmas,
para observar e analisar. Observe como os corpos se relacionam entre si,
buscando não julgar. Então responda às seguintes questões.
3 Quais formas espaciais aparecem (círculos, filas, linhas, diagonais, entre outras)?
4 Você considera que se destacam as diferenças de cada um ou que há uma
busca por igualar os corpos?
69
D IÁ L OG OS CO M A S CO MPETÊ NC IAS DA BNCC
Competências gerais da Educação Básica 1, 2, 4, 6, 8, 9 e 10
70
PARA RECOMEÇAR...
Nesta unidade, foram abordadas questões relacionadas ao ensino-apren-
dizagem da Dança na chave relacional: um modo ancorado na crença de
que os estudantes têm condições de assumir responsabilidades e exercer
o direito de participação durante os próprios processos de construção
de conhecimento.
stories/Freepik
71
BIBLIOGRAFIA COMENTADA
BOURRIAUD, Nicolas. Estética relacional. Trad. Denise GOUVÊA, Raquel. Uma janela para a experimentação
Bottmann. São Paulo: Martins Fontes, 2009. criativa: a improvisação de dança na sala de aula. In: II
Neste livro o autor explora aspectos da chamada ENGRUPEDANÇA, 2009, Rio de Janeiro. Anais.
arte contemporânea e seus contextos, com foco na Neste artigo, Gouvêa apresenta uma análise sobre
característica relacional desta manifestação. metodologias de pesquisas em dança realizadas por
meio de práticas de improvisação.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum
Curricular. Brasília, DF: MEC, 2018. Disponível em: http:// HEWITT, Andrew. Social Choreography: ideology as
basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 20 nov. 2020. performance in dance and everyday movement. Durhan/
Documento oficial do Ministério da Educação que London: Duke University Press, 2005.
define as aprendizagens essenciais para os estudantes Livro que disserta sobre o conceito de coreografia social,
da Educação Básica. explicando como a dança expressa e constrói ideologia
no/do/com/para as dinâmicas e ordenações sociais.
DAMÁSIO, António R. Em busca de Espinosa: prazer e dor
na ciência dos sentimentos. São Paulo: Companhia das HILLMAN, James. O mito da análise: três ensaios de
Letras, 2004. psicologia arquetípica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
Livro baseado em estudos da neurobiologia, que analisa O autor analisa alguns conceitos de Jung, propondo
como a emoção e o sentimento são fundamentais para uma psicologia voltada ao encontro com a alma que
compreender a relação corpo e mente, assim como rompe com paradigmas da psicopatologia, e se dedica
para a regulação da vida de cada um e da espécie à imaginação, à criatividade psicológica e à potência
humana. dos arquétipos.
DAMÁSIO, António R. O erro de Descartes: emoção, razão JOSSO, Marie-Christine. Histórias de vida e formação: suas
e cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. funcionalidades em pesquisa, formação e práticas sociais.
O livro trata do funcionamento do cérebro e de Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica, Salvador,
como a emoção e o sentimento são essenciais para v. 5, n. 13, p. 40-54, jan./abr. 2020. Disponível em: https://
a racionalidade. Questiona dualidades entre corpo e www.revistas.uneb.br/index.php/rbpab/article/view/8423.
mente, razão e emoção, biologia e cultura. Acesso em: 20 nov. 2020.
O artigo discute como o trabalho com histórias de
DAMÁSIO, António R. O mistério da consciência. São vida pode ser potente para a formação e pesquisa em
Paulo: Companhia das Letras, 2000. diferentes áreas das Ciências Humanas ao possibilitar o
Livro que analisa como se dá o processo de fluxo entre singularidades e alteridades.
consciência, incluindo os mecanismos que integram
emoção, sentimento, pensamento, entre outros. JUNG, Carl G. O homem e seus símbolos. Trad. Maria Lúcia
Pinho. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
DEWEY, John. Arte como experiência. Trad. Vera Ribeiro. Livro que apresenta os principais conceitos da psicologia
São Paulo. Martins Fontes, 2010. analítica junguiana em uma linguagem acessível.
Neste livro, Dewey apresenta o conceito de experiência
e convida a tecer relações com os processos criativos KATZ, Helena. Um, dois, três: a dança é o pensamento do
de investigação artística. corpo. Belo Horizonte: Helena Katz, 2005.
Livro em que a autora aborda a dança, estabelecendo
ESPINOSA, Baruch de. Ética: demonstrada à maneira dos relações com outras áreas do conhecimento e
geômetras. Trad. Joaquim de Carvalho, Joaquim Ferreira propondo que o processo de construção da dança no
Gomes e Antônio Simões. São Paulo: Nova Cultural, 1997. corpo-mente-ambiente é semelhante ao mecanismo do
(Os Pensadores). pensamento no corpo.
Obra clássica da filosofia ocidental na qual Espinosa
desenvolve os conceitos de Ética, Natureza, Razão, LABAN, Rudolf. Domínio do movimento. São Paulo:
Intuição, Liberdade, entre outros. Apresenta uma Summus, 1978.
perspectiva que se contrapõe ao pensamento Obra que aborda minuciosamente o movimento corporal,
cartesiano e propõe outros caminhos para o seus elementos e suas particularidades, de modo a
pensamento e o conhecimento. favorecer a expressão, a criação e a comunicação.
GASPARELLO, Vania Medeiros. Subjetividade e formação LAKOFF, George; JOHNSON, Mark. Philosophy in the
de professores: algumas reflexões a partir da psicologia flesh: the embodied mind and its challenge to western
analítica. Revista e-Curriculum, São Paulo, v. 2, n. 3, dez. thought. New York: Basic Books, 1999.
2006. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/curriculum/ Livro que propõe o conceito de embodied. Por meio de
article/view/3160. Acesso em: 20 nov. 2020. uma abordagem das ciências cognitivistas e filosóficas,
Artigo que discute alguns conceitos da abordagem os autores defendem que o corpo é indissociável da
analítica junguiana aplicados à educação, mais mente e do ambiente. Ambos se correlacionam e se
especificamente à formação de professores. transformam mutuamente.
72
LOUPPE, Lawrence. Poética da dança contemporânea. MÜLLER, Jussara Correa. Qual é o corpo que dança?
Lisboa: Orfeu Negro, 2012. Dança e Educação Somática para a construção de um
Neste livro, Louppe discorre sobre o conceito da dança corpo cênico. 2010. 144 f. Tese (doutorado) – Instituto de
contemporânea, apresentando alguns nomes que Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas,
contribuíram para a difusão dessa manifestação. 2010. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/jspui/
handle/REPOSIP/283999. Acesso em: 20 nov. 2020.
MACHADO, Marina M. Merleau-Ponty & a Educação. Belo Apresenta a Técnica Klauss Vianna como uma prática
Horizonte: Editora Autêntica, 2010. corporal que possibilita a construção do corpo cênico.
Neste livro, Machado discorre sobre o ensino- A autora parte da sua própria experiência para o
-aprendizagem da arte sob o ponto de vista do filósofo desenvolvimento desta pesquisa, que correlaciona
francês Merleau-Ponty. dança e educação somática.
MACHADO, Marina M. Só Rodapés: Um glossário de MÜLLER, Jussara Correa. Técnica Klauss Vianna –
trinta termos definidos na espiral de minha poética consciência em movimento. Revista do Lume, [Campinas],
própria. Revista Rascunhos – Caminhos da Pesquisa em n. 3, set. 2013. Disponível em: https://www.cocen.unicamp.
Artes Cênicas, Uberlândia, v. 2, n. 1, p. 53-67, jan./jun. 2015. br/revistadigital/index.php/lume/article/view/258. Acesso
DOI: https://doi.org/10.14393/RR-v2n1a2015-05. Disponível em: 20 nov. 2020.
em: http://www.seer.ufu.br/index.php/rascunhos/article/ Artigo que aborda a Técnica Klauss Vianna discutindo
view/28813/17060. Acesso em: 19 nov. 2020. o corpo e o movimento na dança, destacando a
Nesse artigo a autora descreve e reflete sobre os importância da escuta e da presença nos processos
termos elaborados por ela ao longo de seu caminho de perceptivos para a construção do corpo cênico.
pesquisa, ou ainda aqueles já existentes, mas abordados
a partir de seu ponto de vista. OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação.
Petrópolis: Vozes, 1983.
MACHADO, Marina M. Fazer surgir antiestruturas: Livro em que a autora das artes visuais se dedica a
abordagem em espiral para pensar um currículo em discutir a ideia da imaginação criativa e dos processos
arte. Revista e-Curriculum, São Paulo, v. 8, n.1, abr. 2012. de criação em arte.
Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/
curriculum/article/view/9048. Acesso em: 20 nov. 2020. RENGEL, Lenira. Corponectividade: comunicação por
O artigo trata de um pensamento para o ensino da arte procedimento metafórico nas mídias e na educação. 2007.
169 f. Tese (Doutoramento em Comunicação e Semiótica).
em espiral, dialogando com a abordagem triangular de
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,
Ana Mae Barbosa e com pensadores como Merleau-
2007. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/
-Ponty e Victor Turner.
handle/4933. Acesso em: 16 nov. 2020.
MARQUES, Isabel A. Dançando na escola. 4. ed. São Tese que propõe o conceito de Corponectividade,
Paulo: Cortez, 2007. baseado no conceito de embodied e a teoria
Obra em que a autora reflete sobre a dança no contexto corpomídia. Analisa as metáforas que constituem o
escolar. Abrange aspectos históricos, teóricos e corpo nas mídias e na educação.
práticos.
RENGEL, Lenira. O corpo e possíveis formas
MARQUES, Isabel A. Linguagem da dança: arte e ensino. de manifestação em movimento. Cultura é
São Paulo: Digitexto, 2010. Currículo, FDE: São Paulo. Disponível em: http://
A autora discute sobre a dança enquanto linguagem. culturacurriculo.fde.sp.gov.br/administracao/Anexos/
Fala sobre os principais signos da dança e as múltiplas Documentos/420100823120040O%20corpo%20e%20
combinações possíveis. Propõe uma metodologia poss%C3%ADveis%20formas%20de%20manifestação%20
intitulada “Dança no Contexto” que compõe uma tríade em%20movimento.pdf. Acesso em: 20 nov. 2020.
dividida em Arte, Ensino e Sociedade. Artigo escrito para o professor em sala de aula,
oferecendo princípios fundamentais e norteadores para
MARQUES, Isabel A. Revisitando a dança educativa pensar-sentir-fazer dança na escola.
moderna de Rudolf Laban. Revista Sala Preta. São Paulo,
v. 2, n. 1, 2002. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2238-3867. VIANNA, Klauss. A Dança. São Paulo: Summus, 2005.
v2i0p276-281. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/ Livro-depoimento de Klauss Vianna que conta a
salapreta/article/view/57104. Acesso em: 17 nov. 2020. correlação da sua vida e da sua arte. Apresenta suas
Neste artigo, Marques traz contribuições sobre a experiências e reflexões sobre a construção da sua
aplicação da pesquisa de Laban durante os processos técnica.
de construção de conhecimentos em dança.
73
2
UNIDADE
DANÇA NO CONTEXTO
ESCOLAR
A dança potencializa
novos modos de ser e
estar no mundo.
74
Maike und Björn Bröskamp/Pexels
PARA COMEÇAR...
Esta unidade apresenta reflexões sobre o contexto do ensino-aprendiza-
gem em Dança no Brasil, a partir de aspectos históricos, sociais e cultu-
rais. Serão abordados os caminhos percorridos até que o ensino da Arte,
sobretudo a Dança, fosse reconhecido dentro da escola como campo de
conhecimento que contribui para a formação dos estudantes. Os desa-
fios enfrentados na atualidade por professores e aprendizes serão deba-
tidos, para que a experiência de ensino-aprendizado em Dança aconteça
de maneira ampla, abrangente e que potencialize novos modos de ser e
estar no mundo, recriando sentidos e reconstruindo significações.
Ao apresentar a premissa do artista-professor, visto como performer,
a unidade encoraja o docente a refletir sobre os próprios modos de
atuação profissional, e como esses modos podem estimular a porosi-
dade e a permeabilidade dos estudantes em relação uns aos outros e
ao meio que ocupam.
Diferentes pesquisadores que contribuíram para os modos como se
estabeleceu o ensino-aprendizagem da Dança no Brasil serão apre-
sentados. São eles, em sua maioria, estrangeiros de origem europeia,
elemento que possibilita ponderar criticamente sobre a necessidade
de pesquisas nacionais em dança existentes, que consideram os con-
textos das escolas brasileiras, possam ocupar espaços de maior visibi-
lidade na aprendizagem em Dança no país.
A unidade vai estabelecer aproximações entre o conceito de experiência,
da perspectiva de Jorge Larrosa, e o trabalho do professor como pesqui-
sador. Nesse sentido, o olhar sobre como os saberes são construídos a
partir do diálogo entre professores e estudantes será debatido, destacan-
do a importância de se considerar os contextos históricos, sociais e cultu-
rais dos envolvidos e de se buscar construir uma aprendizagem densa e
significativa, em que todos se sentem parte do processo de maneira ativa.
A reflexão se expande ao capítulo que aborda a avaliação em Dança, que
aqui é vista como uma etapa da escolarização dialógica, processual e que
conta com a participação ativa dos estudantes para acontecer.
Desse modo, a unidade abrange a Dimensão 1 — Conhecimento de si,
do outro e do nós, conforme convida, estimula e oferece elementos
para os(as) professores(as) avaliarem como se deu o desenvolvimen-
to dos próprios projetos de vida até o momento, tendo em conta fato-
res de sua biografia e de suas escolhas profissionais, e incentivando-os
a pensar em caminhos a percorrer, considerando sua realidade e seus
interesses para o futuro. Ainda, a sugestão de um miniprojeto a ser fei-
to com os estudantes, proposto ao fim da unidade, é um interessante
caminho para mobilizar essa dimensão.
75
Ao se observar aspectos históricos, sociais e culturais e suas implicações
nos diversos modos de desenvolver o ensino-aprendizagem em Dança
no Brasil, a Dimensão 2 — O saber disciplinar em xeque é abordada.
Com isso, pode-se identificar estratégias e atividades que sejam coeren-
tes com as visões de mundo, de educação e de dança como pautado na
BNCC. Isso acontece ao se questionar os processos sociais, históricos
e culturais do ensino-aprendizagem da Dança no contexto escolar, que
reforçam certos discursos e práticas em detrimento de outros. A ideia
é problematizar algumas concepções mecanicistas, utilitárias, tecnicis-
tas ou mesmo insipientes, na mesma medida em que se reflete sobre as
dificuldades e estratégias de lidar com estes desafios. Soma-se a isso a
reflexão proposta sobre a avaliação, a valorização das experiências e das
conexões que caracterizam o ambiente escolar, e como elas contribuem
para compreender que a Dança não é uma área do conhecimento isolada
de outros saberes ou dos contextos que integra. Tais aspectos fortalecem
a perspectiva da interdisciplinaridade e a convicção de que as metodo-
logias ativas são caminhos importantes no processo de construção de
uma educação plena. Além disso, com base na ideia de que a educação
é sempre também uma contextualização, ao longo da unidade é possível
perceber que os conhecimentos partilhados podem ser trabalhados em
procedimentos e sucessões processuais diversas, sendo estas condizen-
tes com a realidade local e dos estudantes.
A Dimensão 3 — Área de conhecimento em foco é abordada quando há
incentivo ao estabelecimento de diálogos entre a Dança e outros campos
do saber humano durante os processos de ensino-aprendizagem, como
com a educação somática, a Literatura, as Ciências Humanas, etc. Além
disso, ao longo da unidade são propostas atividades e vivências diversas
que podem contribuir para o desenvolvimento de discursos e práticas de
ensino-aprendizagem em Dança na sala de aula. Utilizando-se da relação
teoria-prática, caso seja pertinente, pode-se aplicar estes saberes e ex-
periências adaptando a cada contexto escolar e recorrendo a diferentes
recursos, inclusive tecnológicos, seja da linguagem corporal, verbal, artís-
tica, etc. É possível observar que a unidade apresenta diferentes possibi-
lidades de práticas corporais, de investigações sobre histórias de vida, de
reflexões, de produção multimodal. Estes aspectos podem auxiliar para
que se trabalhe com a Dança de uma forma mais ampla. A compreensão
da potência da experiência, das possíveis trocas com outros professores,
assim como, com outras áreas do conhecimento contribui para que os
conhecimentos do campo da Dança sejam desenvolvidos junto com os
estudantes de uma forma mais envolvente.
A Dimensão 4 — Repensando a avaliação é foco do Capítulo 8, que trata
de estratégias de acompanhamento, sistematização e compartilhamento
dos processos de aprendizagem dos estudantes. Ao tratar desses pon-
tos, espera-se poder contribuir para que o professor possa reorganizar
ações de ensino e avaliação que sejam dialógicas e coerentes com os
objetivos de aprendizagem em dança estabelecidos.
76
OBJETIVOS
■
Examinar aspectos da história do ensino-aprendizagem da Arte e da
Dança no Brasil e compreender suas implicações no discurso e prática
docente atuais.
■
Analisar conceitos e procedimentos da Dança em perspectivas históri-
cas, sociais e culturais.
■
Identificar, problematizar e analisar alguns desafios do ensino-aprendi-
zagem em Dança no contexto escolar.
■
Compreender as interações entre a Dança e outras áreas do conheci-
mento, como: Arte, Filosofia, Psicologia, Neurociência, Educação, So-
ciologia, entre outras.
■
Valorizar o conceito de experiência nas relações, discursos e práticas
docentes.
■
Perceber a prática docente em Dança como um processo de pesqui-
sa, identificando referências e questionamentos que contribuam para
aprofundar os conhecimentos da área.
■
Refletir sobre as conexões entre professores, estudantes e escola para a
potencialização do ensino-aprendizagem dialógico em Dança.
■
Buscar estratégias de desenvolvimento de processos educativos em
Dança que sejam criativos, imaginativos, dialógicos e democráticos.
■
Observar a própria história de vida, de modo a valorizá-la, e identificar
caminhos para o desenvolvimento de projetos profissionais.
■
Experimentar práticas corporais e artísticas de dança e avaliar possíveis
desdobramentos em sala de aula.
■
Refletir sobre a participação dos estudantes nos próprios processos
avaliativos.
■
Observar como são definidos os critérios de avaliação em Dança no
contexto escolar.
JUSTIFICATIVA
Esta unidade promove um debate sobre aspectos históricos, sociais e cul-
turais do ensino-aprendizagem da Dança no Brasil, o que contribui para
que esse processo seja tratado de modo consistente e contextualizado no
tempo-espaço, destacando sua relevância como área de conhecimento
humano que pode contribuir na construção de uma sociedade apoiada
em valores e princípios justos e igualitários. Os desafios que permeiam
o ensino-aprendizagem em Dança no espaço escolar serão abordados,
instigando uma análise crítica e estimulando a identificar caminhos para
lidar com as contingências.
A aproximação entre o conceito de experiência e o trabalho do(a) profes-
sor(a)-pesquisador(a) sustenta um modelo de ensino-aprendizagem em
que docentes e estudantes sejam participantes ativos, e sintam que seus
77
saberes e modos de ser, pensar e agir no mundo ■
Duração: recomendação de 1 hora, aproxima-
são abarcados e respeitados. Nessa perspecti- damente, mas pode variar e ser feita em eta-
va, o saber é construído pelo diálogo. pas/dias, se quiser expandi-la.
78
O resultado será a composição de uma dança. Além da relação com a
Literatura, podem ser exploradas as abordagens somáticas menciona-
das no capítulo, se houver interesse.
79
ASPECTOS SÓCIO‑HISTÓRICO‑
‑CULTURAIS DA DANÇA
NO BRASIL
5
ou estado?
4 Que relações você faz das suas experiências pessoais com a história do
ensino-aprendizagem da Dança no Brasil?
Falar de contextos históricos da Dança no Brasil, dentro ou fora do am-
biente escolar, é trazer perspectivas e reflexões a partir de fatos, con-
cepções e circunstâncias diversas. A dimensão continental do Brasil, a
escassez de políticas culturais amplas, as manifestações culturais de cada
localidade e a relação em maior ou menor escala com movimentos cultu-
rais locais, nacionais e/ou internacionais resultam em condições absolu-
tamente diferentes para a Dança nas inúmeras regiões do país.
80
Logo, não se pode pensar em Dança como uma que visa colaborar com a prática docente, repre-
unidade e, tampouco, os contextos históricos senta um grande avanço cultural e educacional.
como um bloco homogêneo. Para se tecer a tra- Para chegar ao ponto atual, entretanto, é preciso
ma histórica da Dança no Brasil, é fundamental considerar que houve um percurso de mobiliza-
estreitar o diálogo e o compartilhamento entre ções e que, ainda assim, há muito a se alcançar.
as danças experimentadas no território nacional.
Segundo Marcílio Souza de Vieira (2019), a Arte
E, dessa maneira, pode-se aprofundar a com- integra os processos de educação desde o sé-
preensão de como a Dança tem sido trabalhada culo XVI. Neste período, a educação significava
no contexto escolar. Há uma linha tênue que se- um aculturamento e se dava por meio de um
para o dentro e o fora da escola; as experiências projeto colonizador e civilizatório. Um exemplo
atravessam-se, permeiam-se. É preciso olhar é o processo feito pelos jesuítas com a cateque-
para dentro para entender o fora, e ao olhar para se, que impôs a cultura cristã ocidental para os
fora percebe-se o dentro. povos originários do país. Isso constituiu uma
Assim, o capítulo vai tratar um pouco sobre das etapas do processo de dominação que se
como foi a inserção da Dança na escola, para deu desde o Brasil Co-
depois analisar o contexto atual e refletir sobre lonial, e que incluiu o Aculturamento: refere-
Teatro, a Dança, a Mú- -se ao processo de
como formular propostas criativas e condizen-
modificar a cultura de
tes com os ideais e projetos profissionais de sica e as Artes Visuais
uma pessoa ou grupo
cada professor. como elementos de social, a fim de fazer
uma construção cul- com que a cultura de
tural apoiada na pers- quem domina seja
mentos dessa história, os saberes, conceitos, tos seriam abordados e desenvolvidos, em de-
trimento de outros.
contextos e procedimentos que envolviam a
Dança no Brasil não correspondiam aos interes- Durante o século XIX, sob influência francesa e
ses políticos vigentes para a educação e, assim, de uma concepção burguesa, o ensino-apren-
houve períodos em que a Dança ficou de fora dizagem da Arte adentrou na escola pelas aulas
da escola. Portanto, poder hoje tratar dos pro- de desenho, que tinha por objetivo preparar as
cessos de ensino-aprendizagem em Dança na camadas populares para se capacitarem como
escola, e ainda com o suporte de um material mão de obra especializada.
81
Já a Dança não encontrou o seu lugar na escola. Para a elite da época, a
escola devia abrigar atividades de caráter estritamente intelectual. Como
a Dança não era vista como tal, limitava-se ao espaço do teatro. Ligado
ainda à realidade dessa elite, cabe destacar que a primeira apresentação
de balé clássico no Brasil deu-se no século XIX. Em 1927, foi fundada a
Escola Estadual de Dança Maria Olenewa, vinculada à Fundação Teatro
Municipal do Rio de Janeiro (RJ).
82
Além disso, entre as décadas de 1920 e 1970, conforme os Parâmetros
Curriculares Nacionais de Arte (PCN Arte, 1997), o ensino-aprendizagem
da Arte recebeu uma forte influência da Semana de Arte Moderna de
1922, opondo-se a uma visão que era baseada em modelos imitativos e re-
petitivos. Os processos de expressão e liberdade criativa começam a ser
explorados, um pensamento muito influenciado pelo movimento Escola
Nova. Mas esse posicionamento crítico e de vanguarda no ensino-apren-
dizagem da Arte ficou restrito especialmente a alguns centros culturais
do país, não atingindo o Brasil em sua grande dimensão.
DA DANÇA.
Projeto Dança/
Arte do Movimento
– 1984. Disponível
em: http://acervo
museudadanca.
com.br/projeto-
dancaarte-do-
movimento-1984/.
Acesso em: 30 nov.
2020.
Consulte o site para
saber um pouco
mais do Projeto
Dança/Arte do
Movimento, que foi
desenvolvido em
bibliotecas públicas
Registro de atividade em comemoração do Dia das Crianças com estudantes, em
piloto do Projeto Dança/Arte do Movimento, coordenado por Maria Duschenes e
da cidade de São
promovido pelo Departamento de Bibliotecas Infantojuvenis da Secretaria Municipal de Paulo (SP) a partir
Cultura de São Paulo. São Paulo (SP), 1983. dos anos 1980.
83
PARA Mais uma vez, as muitas danças que integram as manifestações da cultura
APROFUNDAR que constituem a diversidade brasileira viviam uma outra situação: acon-
teciam especialmente nas ruas, em ritos religiosos e nas festividades,
■
CHIOZZINI, Daniel
sendo construídas por processos de troca e de resistência de distintos
F.; MARQUES,
Sandra M. L. O grupos étnicos e em todas as regiões. Em geral, eram transmitidas e re-
Movimento da construídas de geração para geração. Muitas vezes, foram extremamente
Escola Nova, Classes perseguidas.
Experimentais
Entre 1948 e 1958, ocorreu uma supervalorização da livre expressão nas
e Ginásios
Vocacionais (1958- escolas, e a Arte passou a ser uma atividade extracurricular. Baseada no
-1970). Cadernos Neoexpressionismo, buscava-se construir na escola uma experiência de
de História da liberdade e de expressividade, sem sujeição às demais disciplinas esco-
Educação, [S. l.], lares. Vale ressaltar, entretanto, que esse processo não aconteceu com a
v. 15, n. 2, p. 582-
Dança, que continuava fora da esfera escolar.
598, maio/ago.
2016. Disponível em: Depois, as classes experimentais são sancionadas com currículos des-
http://www.seer.ufu. centralizados entre 1958 e 1963, sob uma forte influência das concepções
br/index.php/che/ de Educação de Paulo Freire, John Dewey e de uma abertura política,
article/view/35545.
social e econômica que ocorria no país durante esse período. Embora
Acesso em: 12 dez.
as contribuições desses pensamentos sejam vivenciadas até os dias de
2020.
Consulte este artigo hoje e tenham atravessado fronteiras, essas classes experimentais foram
para saber mais pontuais, dando-se apenas em algumas cidades do Brasil. Cabe lembrar
sobre o Movimento que existem histórias sobre ensino-aprendizagem da Arte bastante dis-
da Escola Nova, tintas no país. Embora muitas delas se concentrassem nas Artes Visuais,
as Classes alguns projetos compreendiam a experiência do corpo como princípio
Experimentais
para desenvolver qualquer linguagem, mas, neste caso, não se desenvol-
e os Ginásios
Vocacionais.
via a linguagem da Dança.
ENSAIOS MÓVEIS
HISTÓRIAS DA DAN‚A
Realize uma pesquisa sobre a história da Dança na cidade e região em que
você vive. Pesquise na internet, consulte livros da área e troque informações
com seus colegas de profissão. O objetivo é estabelecer uma relação entre o
contexto histórico e a situação atual da Dança na localidade. Reflita sobre o
tema e, depois, busque responder às seguintes questões:
84
-culturais que permeiam os diferentes componentes. Conhecer mais dos as-
PARA
pectos relevantes de cada área possibilita trabalhar em uma chave de mútua
potencialização e encontrar diferentes formas de integração.
APROFUNDAR
■
PEREIRA, R.; MEYER,
Além disso, se houver interesse, você pode apresentar aos estudantes os re-
S.; NORA, S. (org.).
sultados dessa pesquisa. Converse com a turma sobre o que você verificou e
História em
promova um debate para que eles possam trazer suas próprias experiências
movimento:
e perspectivas para discutir os processos de ensino-aprendizagem em Dança.
biografias e
Algumas questões podem contribuir para esta conversa em sala de aula, caso
registros em Dança.
queira fazê-la:
Seminários de
Dança. Joinville:
1 O que os estudantes sabem sobre a história da Dança na cidade e região
Instituto Festival
em que vivem?
da Dança, 2008.
2 Conhecem locais onde há aulas de Dança para além da própria escola? Disponível em:
http://www.ifdj.com.
3 Onde, como, por que e para que essas aulas de Dança acontecem? br/site/wp-content/
uploads/2015/11/I-
4 Os estudantes já frequentaram ou participam atualmente de algum curso Seminarios-de-
de Dança extraescolar? Danca-Historia-
em-movimento_
5 E como as danças acontecem, na localidade em que vivem, em contextos biografias-e-
de festas e outras manifestações culturais? registros-em-danca.
pdf. Acesso em:
As histórias de vida dos estudantes, junto à sua e ao que você investigou, podem 30 nov. 2020.
ampliar o repertório sobre a história da Dança, instigar a reflexão e impulsionar
O material
desdobramentos, como o desenvolvimento de uma pesquisa colaborativa com reúne pesquisas
a turma. Pesquisa, essa, que pode ser bastante ampla e aprofundada sobre a apresentadas nos
Dança em sua cidade e região, posto o caráter de construção coletiva e que re- Seminários de
conheça as especificidades locais. Para além disso, pode-se tecer relações com Dança, do Festival
a Dança em outras regiões do Brasil e do mundo. Isso possibilitará expandir o de Dança de
olhar sobre a Dança a partir da valorização da própria produção local. Joinville (SC), que
Diversos métodos de pesquisa podem ser desenvolvidos com os estudantes, trazem aspectos
registrados e
como a pesquisa de campo, a realização de entrevistas, a coleta de dados e
reflexões sobre a
informações relevantes, entre outros que possam compor o estudo. A partir da
história da Dança
pesquisa, pode-se promover a análise das descobertas, pautada na argumen-
no Brasil.
tação, no debate e na reflexão crítica. O conhecimento se faz por meio dessa
capacidade de transformar informação em saberes.
85
duas vertentes diferentes: por modelos de reprodução de movimentos
por meio da ginástica; ou inspirados na livre expressão, porém com pou-
ca experiência teórico-prática na área da Dança. Esta última vertente se
deu quando a dança moderna surgiu no Brasil, sobretudo pela perspec-
tiva do trabalho de Rudolf Laban. De todo modo, o caminho de entrada
da Dança na escola se deu sob muitos percalços.
Dragos Gontariu/Unsplash
Com o pensamento modernista e a Escola Nova, difunde-se no país a ideia de arte
como livre expressão.
86
regado de sentidos, mas a dança é mais do que um movimento ou um
conjunto de movimentos corporais.
87
A proposta da LDB 5692/71 multiplicou-se pelo país de forma não plane-
jada e diluiu as experiências anteriores. Os cursos de licenciatura em Edu-
cação Artística passaram a formar, de maneira insipiente, professores sem
capacitação para o ensino-aprendizagem da Arte. A polivalência desses
cursos foi depois considerada uma versão superficial e errônea da interdis-
ciplinaridade. Criados a partir de 1973, os programas dessas graduações
passavam muito rapidamente e de maneira absolutamente superficial pelas
linguagens artísticas, concentrando-se mais nas Artes Visuais.
Entre os anos 1970 e 1980, a Dança na escola ficou meio que à deriva, cons-
tituindo-se como um “deixar fazer”. Muitas vezes, tinha-se apenas o movi-
mento pelo movimento, vazio de sentido. Toda essa situação do ensino da
Arte acabou por mobilizar o movimento da Arte-Educação. Este visou de-
senvolver metodologias para o ensino-aprendizagem da Arte, bem como
corroborou para a valorização do professor de Arte no contexto escolar.
na sociedade.
88
Não à toa, neste contexto, em 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN) abrem novas perspectivas para a Dança ao citá-la, assim como
a Música, o Teatro e as Artes Plásticas, atualmente chamada de Artes
Visuais. De acordo com o PCN Arte (1997), o ensino-aprendizagem da
Arte deve ser triangular, abordagem que foi sistematizada por Ana Mae
Barbosa, integrando o fazer, o saber pensar sobre o que se faz e a con-
textualização histórica. Mesmo assim, o PCN Arte não conseguiu garantir
que as linguagens de Dança, Teatro, Música e Artes Visuais fossem satis-
fatoriamente oferecidas nas escolas.
89
■
preparar estudantes para o Ensino Superior;
■
preparar mão de obra para a indústria e outros serviços especializados.
90
Infelizmente, não é raro ver a Dança na escola ainda voltada a festivida-
des, recreação, distração, datas comemorativas, relaxamento e condicio-
namento físico. Na formação dos professores que abordam esta área na
escola, geralmente pedagogos ou profissionais de Educação Física, faltam
conhecimentos específicos e aprofundados em Dança. Isto é evidente, pos-
to que na grande maioria não são profissionais da área. E é este um ponto
fundamental para observar e desenvolver de forma continuada nas capaci-
tações. Para trabalhar com a Dança é fundamental pesquisar, conhecer, ex-
perimentar e refletir a Dança de forma ampla, constante e diversa. Em sín-
tese, é necessário buscar essa formação e capacitação permanentemente.
Como vem sendo apontado neste volume, o ensino-aprendizagem da Atuar em cena pode
Dança na escola cumpre um papel marcado pela integração entre a Dança se tornar uma escolha
profissional futura do
e a educação. O estudante não sairá da escola, necessariamente, formado
estudante.
como um artista de cena. Isso pode acontecer, pois há inclusive opções de
cursos técnicos em Dança integrados ao Ensino Médio no país.
91
Entretanto, de forma geral, o que se visa com sociais e culturais. Evidentemente, também,
o ensino-aprendizagem da Dança na escola é proporciona uma base para o estudante seguir
viabilizar ao estudante a possibilidade de uma seus interesses acadêmicos e/ou profissionais
compreensão mais ampla e crítica sobre o mun- ao se oferecer acesso a processos e produtos
do, a sociedade e a cultura. O estudo sobre o culturais de forma substancial e crítica.
corpo-movimento-espaço-tempo está impli- Em síntese, a Dança no contexto escolar viabili-
cado em questões históricas, étnicas, estéticas, za entre outras coisas:
■
o conhecimento de si e dos outros, por meio da exploração de infinitas possibilidades de cor-
relação do corpo-movimento-espaço-tempo;
■
relações com outros campos do saber;
■
a realização da pesquisa e criação em Dança permeada por necessidades, interesses e direitos
de cada um e de todos os integrantes do grupo;
■
a possibilidade de se expressar, comunicar, apreciar, fruir, analisar, conhecer, contextualizar,
pensar criticamente, entre outros;
■
a construção de um saber estético e sensível;
■
a compreensão de como a Dança reflete e atua no mundo e na sociedade.
Esses pontos são importantes tanto ao conside- Dançante ou espectador, o corpo está sempre
rar as possibilidades futuras de atuação profis- em movimento em seus mais diferentes contex-
sional na área, como também à formação de um tos. Observar isso e entender que há implica-
cidadão brasileiro que reconhece, valoriza e com- ções no modo como o corpo ocupa seu espaço
preende a cultura que lhe permeia, integra e/ou e se desloca no mundo e na sociedade, criando
envolve. E, além disso, é preciso destacar que é a e recriando sentidos, é fundamental para uma
nossa relação com a cultura que a constrói. formação mais plena e crítica.
PARA REFLETIR
O que o processo educativo em Dança move?
Pense a respeito da abordagem teórico-metodológica que você aplica em sala de aula e retome experiên-
cias que teve com discursos e práticas da linguagem da Dança. Considere os seguintes itens como ponto
de partida da reflexão:
■
compreensão do corpo e do movimento;
■
intenções com o ensino-aprendizagem da Dança na escola;
■
entendimento do papel docente e discente;
■
relação entre professor e estudante;
■
integração com outras áreas do conhecimento.
Depois, reflita sobre o que de fato caracteriza o que você almeja enquanto educador: quais os princípios
que baseiam seus ideais e projetos profissionais? O que vale manter e/ou transformar?
92
D IÁL O GO S CO M AS COM PE TÊ NC IAS DA BNCC
Competências gerais da Educação Básica 1, 2, 3, 6, 7, 9 e 10
93
O PROFESSOR-PESQUISADOR
E O ENSINO-APRENDIZAGEM
EM DANÇA
6
modo de dedicar-se à própria formação continuada.
Para começar a pensar nos temas deste capítulo, reflita acerca das seguin-
tes questões:
94
O PROFESSOR DE DANÇA, A PESQUISA
E O CONCEITO DE EXPERIÊNCIA
Constrói infinitas espirais de metal, que sejam muito maleáveis, que apenas
com teu sopro se faça movimento, e há de ver que o de cima vai para baixo
e o de baixo volta à superfície, e entenderá tudo se entender isso. Ando ten-
tando. Entender nunca. Ando tentando fazê-las muito bonitas, e quando a
Me
sq
ui t
aF
M
lua está limpa, os cordeiros da nuvem no outro extremo, entro nas casas para
S/
E+
/G
et
roubar o ouro, depois derreto tudo no meu forno, mais de cem espirais tão
ty
Im
delicadas que até o meu passo de fada faz vibrar, entro na casa o pé acol-
ag
es
interlocutores.
95
Educação, promovido pela Fundação Bienal de dantes um estado de experiência que expande
São Paulo em 20101, Larrosa disse algo que auxi- a maneira de eles se relacionarem com si mes-
lia a refletir sobre as relações entre o conceito de mos e com a própria expressividade, aumentan-
experiência e do professor-pesquisador: o sujei- do a capacidade de olhar para si, para o outro e
to da experiência é um ser “exposto”, com tudo para o espaço habitado. Trata-se de uma manei-
que isso tem de vulnerabilidade e risco. Desse ra que torna positiva a experiência dos estudan-
modo, o artista-pesquisador também flerta com tes, que acolhe seus desejos, que valoriza suas
o risco, na medida em que o estado de pesquisa conquistas. Isso acontece de modo a estabele-
não presume a previsibilidade, já que os resulta- cer um ambiente de acolhimento entre todos,
dos não são conhecidos de antemão. com respeito aos direitos humanos e com obje-
tivo de alcançar o bem comum.
Para os professores-pesquisadores de Dança, os
processos de construção de conhecimentos em Sob a ótica da experiência, como aqui se propõe,
sala de aula se dão como fruto do diálogo entre um processo de ensino-aprendizagem em Dança
as proposições de pesquisa e o modo como os não é algo alheio ao corpo do estudante, mas
estudantes se relacionam com elas. Não há um inerente a esse corpo, escrito e encarnado nele;
sistema de códigos que vislumbra que todos os é algo que acontece com o ser humano, que o
estudantes chegarão às mesmas aprendizagens, toca e, com isso, pode mobilizar nele novas ma-
da mesma forma. Promover o ensino-aprendiza- neiras de se relacionar consigo, com os outros,
gem na chave da pesquisa permite espaço para com as situações da vida. De acordo com John
que cada educando desenvolva seus saberes de Dewey, no livro Arte como experiência:
maneira condizente com o modo pessoal de ser
e os contextos em que vivem. A experiência na medida em que é experiência,
consiste na acentuação da vitalidade. Em vez
Há saberes da Dança que possibilitam a am- de significar um encerrar-se em sentimentos e
pliação das capacidades cognitivas, outros que sensações privados, significa uma troca ativa e
atuam na saúde dos corpos e ainda aqueles alerta com o mundo; em seu auge, significa uma
que são mobilizados para que os estudantes interpenetração completa entre o eu e o mundo
dos objetos e acontecimentos.
desenvolvam a habilidade de compartilhar o
que pensam e sentem. Tais aprendizagens es- DEWEY, John. Arte como experiência. São
Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 83.
tão relacionadas a uma compressão das formas
de ocupação do espaço e do tempo, ao apri-
Assim, ao passo que os professores-pesquisa-
moramento de capacidades como equilíbrio,
dores de dança instigam a observação, a escuta
força e alongamento, além da investigação de
e o desejo de criação nos estudantes, surge a
formas de materialização de pensamentos, sen-
possibilidade de promover a ampliação de re-
timentos, críticas e reflexões por meio da dança.
pertórios de movimentos dos jovens, bem como
Desse modo, o professor-pesquisador, ancora-
chamar a atenção deles para a permeabilidade
do na pesquisa e atento ao tempo, ao espaço e
de seus corpos em relação ao mundo, aos ou-
a todos os sujeitos envolvidos no percurso de
tros e às sensações que os atravessam. Assim,
ensino-aprendizagem em Arte, pode fomentar
os professores podem mostrar aos estudantes
processos que respeitem os saberes e interes-
que a dança pode ser uma maneira sensível de
ses de todos os estudantes.
habitar o mundo e uma forma de comunicação
Desse modo, compreende-se que os professo- incomum, que é capaz de materializar senti-
res-pesquisadores podem provocar nos estu- mentos, pensamentos e reflexões.
1 SEMINÁRIO Internacional Educação, Arte e Política: Experiência e Educação. Fórum Permanente [São Paulo, 2010]. Disponível em: http://
www.forumpermanente.org/event_pres/simp_sem/educacao-arte-politica/videos/seminario-internacional-educacao-arte-e-politica-
experiencia-e-educacao. Acesso em: 13 dez. 2020.
96
AS ABORDAGENS SOMÁTICAS E A DANÇA
Em meados do século XX, surgiu
Oksana Shufrych/Shutterstock
uma área do conhecimento hu-
mano que se tornou amplamen-
te estudada por pesquisadores
e professores de dança, a fim
de fomentar um conhecimen-
to aprofundado sobre o corpo:
a Educação Somática. De cer-
to modo, pode-se dizer que as
abordagens somáticas contri-
buem para o alcance do estado
de atenção proposto pelo con-
ceito de experiência. Os proce-
dimentos de pesquisa que dia-
logam com esse campo visam As abordagens somáticas podem ser trabalhadas nos processos
encontrar conexões entre os educativos em dança tanto para ampliar a pesquisa de movimentos
quanto para o autoconhecimento.
aspectos cognitivos e sensoriais
das pessoas durante os processos de investigação. Assim, novos padrões PARA
de movimentos podem ser examinados a todo momento e novas formas APROFUNDAR
de relação das pessoas consigo, com os outros e com o tempo-espaço
BODY MIND ■
97
Inicialmente, as abordagens somáticas eram experienciadas por dança-
rinos para o tratamento de lesões e, aos poucos, foram ganhando espa-
ço durante o desenvolvimento dos saberes em Dança, inclusive aqueles
relacionados à ampliação das chamadas habilidades técnicas e para a
elaboração de composições cênicas.
98
DIÁLOGOS COM A LITERATURA E COM AS
LINGUAGENS DA ARTE
Um exemplo da relação da dança com outras linguagens na produção
cênica é o trabalho da E² Cia de Teatro e Dança. Fundada em 1997 e com
a direção de Eliana de Santana, a companhia investiga a relação da dança
com outras linguagens, como as obras de artistas que atuam nos campos
da Música, das Artes Visuais e da Literatura, como base dos processos
de criação artística. Destaca-se a abordagem de obras fundamentais da
literatura brasileira, de escritores como Clarice Lispector (1920-1977), Hil-
da Hilst (1930-2004) e Graciliano Ramos (1892-1953), este último autor
do romance Vidas Secas, publicado em 1938 e que foi referência para a
criação do espetáculo Baleia.
Rodrigo Eloi Le‹o/eaoquadradocia
PARA
APROFUNDAR
■
E² CIA. Disponível
em: https://
eaoquadradocia.
webnode.com.
Acesso em: 2 nov.
2020.
Cena do espetáculo Baleia, da E² Cia de Teatro e Dança, em Sertãozinho (SP).
Acesse o site
Tendo como referência a narrativa de Graciliano Ramos, Baleia trata da oficial da E² Cia
de Teatro e Dança
história de uma família que vive no sertão brasileiro, castigado pela seca.
para consultar
A composição da dança é feita a partir da perspectiva da cachorra, cha-
mais informações,
mada Baleia, e que, no livro de Ramos, se mostra sensível, enquanto os
imagens e vídeos
seres humanos, afetados pelas condições miseráveis em que vivem, de- dos espetáculos
monstram características que são vistas apenas nos animais. da companhia.
Caso considere
Durante o processo de elaboração do trabalho, os artistas da companhia
pertinente e se
pesquisaram maneiras de incorporar as sensações provenientes da leitu-
relacione com
ra do texto e compartilhá-las em movimentos de dança. Assim, a com- assuntos tratados
posição se mostra como um interessante exemplar das possibilidades de em sala de aula,
interação entre duas formas de composição artística: uma delas se co- apresente-os aos
munica por meio do corpo, enquanto a outra se comunica com palavras. estudantes.
99
Há outros trabalhos da companhia E² Cia de Tea-
Reprodução/eaoquadradocia
Cena do espetáculo
BLUE, da E² Cia de
Teatro e Dança.
PARA REFLETIR
Dan•a em di‡logo
Leia o depoimento de Eliana de Santana, diretora da E² Cia de Teatro e Dança, e, depois, faça uma reflexão
pautada nas questões propostas.
Obras da literatura, da música ou das artes visuais servem como ponto de referência na concepção da
poética da coreografia. Buscamos traduzir com o corpo essas referências, que nos dão pistas cênicas
importantes.
FÉLIX, Harlen. Grupo dança Graciliano Ramos no palco. Diário da Região, São José do Rio Preto, 2 mar.
2016. Disponível em: https://www.diariodaregiao.com.br/_conteudo/cultura/teatro/grupo-dan%C3%A7a-
graciliano-ramos-no-palco-1.404761.html. Acesso em: 2 dez. 2020.
1 Como professor, pesquisador e artista, há obras literárias ou de outras linguagens artísticas que você
gostaria de aproveitar como referência para uma pesquisa pessoal em dança?
2 Caso você já tenha feito uma pesquisa assim, quais metodologias usou? E, caso não tenha passado
por uma experiência como essa, quais metodologias imagina que poderia usar para essa finalidade?
3 Você costuma utilizar referências de outras linguagens artísticas ou áreas do conhecimento durante
os processos de ensino-aprendizagem em dança com os estudantes? De que maneira?
100
PROFESSOR, PESQUISADOR E ARTISTA
Os professores de Dança são, em essência, pro- Nessa maneira de ensinar Arte, há uma propo-
fessores-artistas. O que não implica, necessa- sição, geralmente feita pelo professor, que age
riamente, compartilhar os processos e as cria- como um disparo para que as ações estéticas
ções artísticas pessoais com um público, mas dos estudantes possam emergir. Tal proposição
sim manter um olhar atento, interessado e en- pode se dar tanto de maneira discursiva quan-
gajado para os saberes relacionados à área de to de maneira performativa: pode ser um gesto,
conhecimento em que atuam. uma fotografia, a contação de uma história, a
leitura de um poema, a demonstração de um
É preciso considerar que as condições para de-
objeto cotidiano ou até mesmo a preparação
senvolver produções artísticas e apresentá-las
inusitada da sala de aula, modificando o am-
ao público no país são, por vezes, exíguas, o
biente com novos objetos, tecidos e cores, para
que faz com que muitos artistas não persigam
que este possa ser transformado pelos próprios
esse propósito. Mesmo assim, cabe manter um
estudantes.
estado constante de investigação em dança,
tanto considerando as experiências acadêmi- Desse modo, o professor deve procurar atingir
cas e de sala de aula como as que acontecem um estado de presença em que seus sentidos
na vida cotidiana. estejam perfeitamente aguçados e sua intuição,
alerta. Estado este que lhe permite agir durante
Um professor-artista que é também pesquisa-
a aula de maneira que todas as interpretações
dor atua na própria vida e pode fazer dos acon-
em relação ao disparo dado por ele possam ser
tecimentos cotidianos um campo de pesquisa.
contempladas e ampliadas, mesmo que sejam
O modo como acorda, se espreguiça, caminha, diferentes entre si. A função do professor é via-
observa a rotina, se alimenta, respira são fon- bilizar que cada estudante possa encontrar seu
tes de sua pesquisa e podem contribuir para próprio caminho de investigação, mantendo
a forma como estabelece os caminhos do en- certo distanciamento, de modo que nenhum
sino-aprendizagem na prática docente. Assim, jovem se sinta cerceado em sua criação. O que
da mesma maneira, esse interesse pode ser se espera é poder promover um espaço para a
despertado nos estudantes, de forma que eles subjetividade e a abstração se constituírem.
também busquem olhar, com curiosidade e in-
Para que um professor-artista trabalhe nessa
teresse investigativo, para os modos como se
chave de pensamento, é fundamental olhar para
movimentam e vivem as situações cotidianas
os estudantes compreendendo os contextos de
e, ainda, para o desenvolvimento de pesquisas
cada um e os modos como interagem com as
em Dança relacionadas com seus próprios inte-
proposições. Faz-se necessário compreender
resses, contextos e vidas.
as crenças, os valores e as concepções de arte
O professor-artista revela seus saberes, sonhos, individuais e coletivas. Somente com a troca de
desejos, noções de estética, enfim, os sentimen- saberes e com uma abertura para reconhecer
tos, sensações e pensamentos nele impressos, esses saberes já construídos pelos estudantes
enquanto compartilha as noções da linguagem o professor poderá instaurar na sala de aula um
que domina. Assim, convida todos os envol- ambiente de pesquisa, de diálogo e de expe-
vidos no processo de ensino-aprendizagem à riência em arte em sua plenitude.
troca constante de experiências e nutre-se das
dúvidas, características e interesses dos estu-
dantes, possibilitando um estado de retroali-
mentação coletiva.
101
ENSAIOS MîVEIS
DIÁLOGOS COM A LITERATURA
Esta proposta tem como objetivo o exercício do diálogo entre a Dança e a Li-
teratura por meio de uma pesquisa de movimentos e sensações que parta de
textos literários. A atividade pode ser feita de forma individual ou, se preferir,
em reuniões pedagógicas com os pares, inclusive professores que atuam em
outras áreas do conhecimento.
Esse pode ser um modo de promover a vivência plena de si e dos modos
como se relaciona com o espaço. Então, procure encontrar um tempo e um
espaço adequados para que você possa fazer a proposta e desenvolver ainda
mais sua poética própria por meio da dança.
Caso conheça os procedimentos de alguma das abordagens somáticas cita-
das neste capítulo, ou outras ainda, será interessante integrá-las na proposta,
ampliando ainda mais a pesquisa sobre como viver experiências que aproxi-
mem diferentes áreas do saber em diálogo com a Dança.
Primeira etapa
■
Pense nos textos literários de que você gosta e que lhe tocam. Podem ser roman-
ces, contos, crônicas, poemas, entre outros.
■
Escolha uma dentre essas obras literárias, que pode ser um trecho ou a íntegra,
a depender do tipo de produção selecionada, para ser usada como referência
durante esta proposta.
■
Depois de fazer a seleção, transcreva o texto em uma folha de papel.
Segunda etapa
■
Escolha um lugar confortável onde possa se deitar. En-
tregue todo o peso do corpo em direção ao chão, fazen-
do o mínimo de esforço possível. Preste atenção em sua
respiração, buscando, aos poucos, respirar de maneira
cada vez mais profunda.
■
Depois, encontre maneiras de fazer com que os mem-
bros fiquem o mais próximo possível do seu tronco, en-
colhendo-se.
■
Após encolher o corpo o máximo que puder, comece a
Stories/Freepik
102
Terceira etapa guagens e suas Tecnologias, a Arte e a Língua
■
Retome o texto que selecionou e leia-o algumas ve- Portuguesa. A seu ver, como a organização dos
zes, com bastante atenção. Faça essa leitura em voz conhecimentos em área pode contribuir para
alta, investigando diferentes entonações: você pode o enriquecimento dos processos de ensino-
experimentar falar baixo ou alto, com voz mais gra- -aprendizagem com os estudantes?
ve ou aguda, com mais ou menos pausas entre as
3 Como você desenvolveria um projeto que inte-
palavras, etc.
grasse diferentes componentes da área de Lin-
■
Aos poucos, enquanto lê o texto repetidas vezes,
guagens? Quais seriam os temas abordados?
perceba as sensações que ele desperta e transfor-
E como trabalharia de forma conjunta com os
me-as em movimentos no espaço.
outros professores?
■
Com base nessa pesquisa, crie então uma compo-
sição de dança. Podem ser usadas apenas algumas Vale lembrar que, se quiser, esta atividade pode
palavras ou o texto como um todo. Há ainda a possi- ser proposta aos estudantes. Nesse caso, incen-
bilidade de suprimir as palavras, deixando que ape- tive-os a pensar nas obras que apreciam, tanto
nas os movimentos do corpo reverberem as sensa- aquelas ligadas às culturas juvenis quanto aquelas
ções provenientes das ideias do texto. com as quais tenham entrado em contato duran-
te a trajetória escolar. Para isso, uma sugestão é
Encerramento
acompanhá-los a uma biblioteca ou disponibilizar
Faça uma reflexão e registre por escrito a experiên-
recursos digitais para que façam as pesquisas. Po-
cia. Algumas perguntas podem orientar esse pro-
rém, caso esse tipo de ação seja difícil de realizar,
cesso, tais como:
por questões de naturezas diversas, disponibili-
1 Você acredita que a relação da Literatura com a ze uma seleção de textos feita previamente por
você para que os estudantes possam fazer suas
Dança é um campo fértil de pesquisa artística?
escolhas. Podem ser, inclusive, textos que tenham
Por quê?
sido ou que estejam sendo trabalhados em outros
2 A proposta aborda a interação entre dois cam- componentes curriculares, especialmente os da
pos do saber que constituem a área de Lin- área de Linguagens.
PARA REFLETIR
ESPIRAIS DO PENSAMENTO E DA AÇÃO
Ao longo do capítulo, verificou-se como o conceito de experiência pode abrir
caminhos para a interação da Dança com outras áreas do saber e como o profes-
sor-pesquisador pode oferecer espaço para que os estudantes participem dos
próprios processos de ensino-aprendizagem em Dança. Assim, eles podem ser,
como os professores, protagonistas do processo.
Para concluir, levante as ideias que a leitura do capítulo despertou em você,
fazendo relações com os modos como atua como professor. Espera-se que, du-
rante a reflexão e ao registrar essas impressões por escrito, seja possível abrir
espaço para contemplar novas formas das espirais dos próprios pensamentos,
sentimentos e emoções. Assim, você poderá depois compartilhá-las com os es-
tudantes, provocando modificações nas espirais deles e gerando novos pontos
de vista, ancorados na contemplação dos contextos vividos por todos.
103
D IÁ L OG OS CO M A S CO MPETÊ NC IAS DA BNCC
Competências gerais da Educação Básica 1, 2, 3 e 8
104
DANÇA E SUAS Wa
lla ce
Ch
uc
k/P
ex
el
s
CONEXÕES NA
ESCOLA
Como os capítulos
abordaram, o pro-
cesso de ensino-
-aprendizagem em
dança acontece nos
encontros que inte-
gram simultaneamente
os professores, os estudan-
tes, o ambiente escolar, o con-
texto histórico, social e cultural, o
Apresentação de
passado e o presente. dança urbana.
Além disso, é interessante quando se compreende a docência pela pers-
pectiva de atuação de um professor-pesquisador que, no caso da Dança,
é também a de um professor-artista, um performer, o que permite ao
docente ser concomitantemente criador e espectador em sua prática.
CAPÍTULO SETE
7
dante-estudante, estudante-história de vida, professor-escola, estudan-
te-escola, entre outras. Este capítulo estará concentrado em discutir e
propor reflexões sobre estas relações com ênfase em dança. Ainda, ao
final, serão apresentados alguns desafios vividos pelos professores da
área de Dança no contexto escolar, com o intuito de pensar sobre eles,
questioná-los e mobilizar ações e formas criativas de superá-los.
2 Como você as percebe em sua prática docente? O que pensa sobre isso?
105
CORPO A CORPO
A Dança expressa e comunica subjetividades e intersubjetividades, ao mes-
mo tempo que as constrói. Por isso, não se pode falar em dança, mas em
dan•as. Há tantas danças quanto subjetividades. Daí a importância dada
à subjetividade e à intersubjetividade nos processos educativos. Como a
Unidade 1 abordou, em Dança isso toma uma grande proporção pelo en-
foque primordial no corpo. A subjetividade é concebida como uma forma
de construção do saber, caracterizada especialmente pelas experiências,
pelas maneiras de expressá-las e ressignificá-las no corpo. Já a intersubjeti-
vidade diz respeito ao compartilhamento e à comunicação desses saberes.
A correlação entre o “eu” e o outro, assim como entre o “eu” e o mundo, é o
que possibilita a não acomodação e a ampliação dos sentidos.
106
Quando alguém executa uma ou mais ações, o outro percebe os movimen-
tos do corpo e os significa antes mesmo de tomar consciência da ação.
Isso se dá de forma imediata, sem o domínio da nossa vontade. A esse
mecanismo, os autores chamam de “espaço de ação compartilhado”, e ele
é anterior à reflexão. Assim, os neurônios-espelhos atuam por simulação.
Não se tem ciência de tudo o que se percebe. Há percepções que são “en-
corpadas”1 por um indivíduo sem que ele se dê conta dela. Por exemplo:
uma pessoa pode se sentir irritada, sem compreender a razão, até que
identifica um ruído contínuo que não foi notado antes, mas que está há
horas lhe causando um grande desconforto.
Zac Ong/Unsplash
Todos esses pontos são relevantes para pensar tanto o ensino-
-aprendizagem em Dança como o estabelecimento de relações
empáticas. O que se observa torna-se experiência direta do ob-
servador. É essencial estar atento às particularidades de cada
tempo-espaço de um encontro. As histórias de vida, os estados
corporais, as visões de mundo, entre outras singularidades de
cada um, serão informadas de alguma maneira pelos gestos, ex-
pressões e movimentos que faz. E, por outro lado, o(a) profes-
sor(a) também os processa a partir dos corpos dos estudantes.
Há um diálogo silencioso, na maior parte das vezes, inclusive in-
consciente, que se estabelece. Vale desenvolver a sensibilidade
para isso. A auto-observação, o olhar atento aos estudantes, a
identificação de particularidades do lugar e do momento, contri-
buem bastante para isso. Muitas vezes, trazer à tona alguns desses
aspectos pode auxiliar na fruição do encontro, da dança, da aula.
Há que se perceber o que precisa ser dito e o que é comunicado
por outras formas de imagens que já mobilizam diretamente o
sentido simbólico, inclusive a própria dança.
Com base na perspectiva fenomenológica do filósofo francês Maurice Quem dança é sujeito e
Merleau-Ponty (2005), parte-se da indissociabilidade entre sujeito e ob- objeto da dança.
jeto. Como apontado na Unidade 1, quem dança se percebe dançando;
quem frui a dança a percebe também no próprio corpo. O olhar e a escuta
preenchem de sentido o que se observa. E esses sentidos dados estão re-
lacionados às imagens perceptivas e aos conceitos criados na negociação
que ocorre entre a experiência presente e o que se viveu anteriormente.
107
Assim, quando se percebe o outro, notamos de forma consciente apenas
uma parcela do que a nossa percepção consegue depreender. Não temos
sequer a totalidade do outro, tampouco a integralidade da nossa percep-
ção. Não se tem acesso direto à coisa em si mesma. Lidamos com fenô-
menos, com os quais significamos o outro, o mundo e nós mesmos a partir
de mecanismos de criação de imagem e construção de sentido simbólico.
Compreende-se então por que, ao mesmo tempo, vemos as próprias coisas no lugar em que estão, segundo
o ser delas, que é bem mais do que o ser-percebido, e estamos afastados delas por toda a espessura do olhar
e do corpo: é que essa distância não é o contrário dessa proximidade, mas está profundamente de acordo
com ela, é sinônimo dela. [...] Em vez de rivalizar com a espessura do mundo, a de meu corpo é, ao contrário,
o único meio que possuo para chegar ao âmago das coisas, fazendo-me mundo e fazendo-as carne.
MERLEAU-PONTY, Maurice. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 2005. p. 131-132.
Por tudo isso, é importante que o olhar para o estudante e para si próprio
não seja determinista, ou seja, não coloque uma insígnia que restrinja a
possibilidade da constante transformação. Deve ser mais uma narrativa
de si, do outro e do ambiente; uma percepção concebida no momento
presente e, ao mesmo tempo, a busca por criar relações com as memórias
e experiências vividas anteriormente com e pelo grupo de estudantes.
Nesse processo, consideram-se aspectos pessoais e sociais, presente e
passado. Mas estes não estão fechados; ao contrário, estão abertos à
curiosidade, à imaginação e à criação que cada encontro suscita.
CORPO-DANÇA
No caso da Dança, a correlação entre corpo e mente tem ainda outras
camadas por conta do foco primordial na percepção do corpo em movi-
mento. A dança que se dança, o conceito de corpo que é empregado, a
forma como os corpos se dispõem e se relacionam no tempo-espaço, por
si só, já promovem acontecimentos que mobilizam certas imaginações,
sentimentos e pensamentos. E quanto mais diversas as experiências em
Dança, maiores as possibilidades de criar imagens corporais e de cons-
truir sentidos para elas.
Entende-se aqui que a Dança amplia e recria os sentidos dos gestos, das
ações corporais, das interações com objetos e das formas como os cor-
pos se relacionam com o ambiente, podendo desestabilizar e/ou recons-
truir significações que alteram o modo de cada um estar e agir no mundo.
108
Se a Dança não é mera transmissão, reprodução truído em meio a uma série de relações de cada
e/ou execução de movimentos, mas um cami- pessoa com outras pessoas, com outros seres
nho de reconhecimento, valorização, ampliação vivos, com materiais, objetos e suas diversas
e potencialização de diferentes expressões de funções, com a arquitetura, com o ambiente e
formas de vida, professor e estudante se im- tudo que envolve onde, como, quando, por que
buem do processo, ainda que em diferentes fun- e para que cada experiência é mobilizada.
ções. Romper com padrões prévios contribui
Essa reflexão leva a considerar que o proces-
para que se ultrapasse qualquer homogeneiza-
so de ensino-aprendizagem é sobretudo uma
ção e dominação do corpo, viabilizando que a
construção de sentidos culturais e sociais que
diversidade possa se revelar e se fortalecer.
se dá na ação corporal e nas relações que nela
É desejável que a Dança no contexto escolar abor- se constituem. Por isso, o trabalho em área com
de as experiências das ações cotidianas e seus diferentes campos do saber mobiliza dimen-
transbordamentos em planos extracotidianos, e sões do desenvolvimento humano muito mais
vice-versa. O que ocorre em conjunto com repe- amplas e profundas. Uma experiência quando
tições e apropriações dessas diferentes ações. pode ser desdobrada em discursos e práticas
Além disso, cabe compreender as lacunas entre diversas, ou seja, corporais, cênicas, visuais,
a intenção, a ação e a comunicação que marcam sonoras e verbais, tende a atingir um grau de
os impactos e afetos da relação com a dança. complexidade muito maior. Nesse sentido, o
É importante sempre se lembrar de que corpo trabalho em área e a utilização de recursos mul-
não é apenas um aparato biológico, fisiológico timodais podem ser importantes propulsores
e anatômico. Corpo é cultura. O corpo é cons- para uma educação mais plena.
PARA REFLETIR
Di‡logos
Considerando suas experiências em sala de aula, busque recordar detalhes das suas relações com os estu-
dantes. Depois, responda às seguintes questões:
4 A seu ver, de que maneira as diversidades étnico-raciais, culturais, sociais, de gênero, entre outras,
expandem as formas de experimentar a dança em sua prática docente?
5 De que modo você busca estabelecer integrações com outros componentes da área de Linguagens,
ou com outros campos do saber?
Se possível, faça anotações sobre suas análises e reflexões no caderno.
GoodStudio/Shutterstock
109
ENSAIOS MîVEIS
CORPO DOCENTE DANÇANTE
A formação do professor deve ser um espaço de desenvolvimento da pró-
pria pesquisa. Dessa forma, pode-se analisar as experiências pessoais e his-
tórias de vida, identificar conhecimentos construídos e projetos profissionais,
e analisar as escolhas e os contextos que as integram. Assim, olha-se para o
passado de maneira a atualizá-lo no presente para fazer escolhas a fim de
pensar o futuro.
O objetivo desta proposta é que você possa se apropriar de sua história,
narrando para si mesmo em primeira pessoa, de maneira a auxiliar em seu
processo formativo e a fazer escolhas para seu futuro profissional.
■
Para iniciar, escolha um ambiente silencioso onde possa ficar sozinho.
■
Faça uma retrospectiva de toda sua formação e trajetória profissional, desde
os tempos de estudante na Educação Básica. Busque recordar aspectos como:
quem eram seus colegas e professores, quais as disciplinas de que gostava mais
e as de que menos gostava, como eram seus comportamentos e modos de se
relacionar naquele ambiente e com os outros, como eram os momentos de es-
tudo fora da escola, entre outros pontos.
■
Em seguida, reflita sobre sua formação em nível superior: quais eram seus so-
nhos e aspirações para o futuro? E quais as principais dúvidas e incertezas? Pen-
se nas escolhas profissionais que fez, os vínculos que se estabeleceram, como
eram as relações interpessoais, etc.
■
Depois, pense em como se deu sua inserção no mercado de trabalho: como
foram os primeiros dias na escola, as primeiras turmas e os colegas de trabalho?
Reflita acerca dos aprendizados que teve com as experiências cotidianas. O que
a prática vem lhe ensinando? Rememore o que considera as principais conquis-
tas de sua trajetória.
A gravação de um vídeo
■
Após evocar o passado, dedique-se a refletir sobre o presente e o futuro: quais seus
contando sua trajetória
desejos no campo profissional? O que o move na prática docente? Destaque algu- pode ser um meio de
mas possibilidades vindouras, como quais os projetos profissionais que desenvolve autoconhecimento.
ou quer realizar. O importante nesse mo-
mento é imaginar possibilidades condi-
Matilda Wormwood/Pexels
110
bre si, sua história e seus projetos profissionais. Que A pesquisa e criação em Dança é movida pela expe-
imagens, pensamentos e sentimentos surgiram com riência, sendo, desse modo, plural e não linear. A in-
essa experiência? Se possível, escreva um relato de tegração com outros professores e áreas do conhe-
como se sentiu ao assistir ao vídeo, ao ouvir-se e ver- cimento torna esse caminho mais complexo, intenso
-se contar a própria história. e significativo.
Na prática docente, é importante buscar constan- Para tal, é importante conhecer a fundo o projeto
temente uma compreensão das relações estabele- político-pedagógico da escola, traçar relações dialó-
cidas com os próprios saberes e histórias de vida, gicas e interdisciplinares com seus colegas e desen-
bem como com outros professores, áreas do conhe- volver possibilidades de prática docente baseadas
cimento e com o ambiente escolar. em temas contemporâneos transversais. A associa-
Quando se atua na chave que integra pesquisa e cria- ção desses saberes com os conhecimentos da área
ção nos processos educativos em dança, as questões, de Dança, a sua história de vida e as experiências
inquietações e temas que mobilizam um estudo ga- pessoais e coletivas que ligam você e seus estudan-
nham sentido nas muitas possibilidades de conexões tes é um caldo substancial para o desenvolvimen-
no contexto escolar. Para que o processo se consti- to de processos de pesquisa e criação baseados no
tua de modo significativo, não deve ser imposto, mas entendimento de educação integral e democrática.
construído conjuntamente, considerando o grupo, a Pela complexidade de elementos que constituem
comunidade, a escola, enfim, a condição histórica, esses processos não há um modelo para isso, é pre-
cultural e social de cada contexto. ciso construir cada caminho.
PARA
APROFUNDAR
■
JOSSO, Marie-Christine. História de vida e projeto: a história de vida
como projeto e as “histórias de vida” a serviço de projetos. Educação
e Pesquisa, São Paulo, v. 25, n. 2, p. 11-23, jul./dez. 1999. DOI: https://doi.
org/10.1590/S1517-97021999000200002. Disponível em: https://www.
scielo.br/pdf/ep/v25n2/v25n2a02.pdf. Acesso em: 3 dez. 2020.
O artigo traz um panorama de autores que pesquisaram temas
relacionados às histórias de vida e perspectivas biográficas na construção
de projetos diversos.
CORPO-ESCOLA
Uma proposição criativa perante as conexões da dança no contexto escolar
– e não uma fórmula – é pensar um corpo performativo. Performance é um
termo antropológico que se refere tanto às condições de expressão quanto
de percepção (ZUMTHOR, 2002). Nesse sentido, o corpo é atuante e recep-
tivo ao espaço, sendo ele mesmo uma experiência intensa de pesquisa em
uma condição de porosidade ao ambiente. Um corpo performativo é um
corpo em um ato de presença no mundo. Dessa forma, o espaço e o tempo
disponível se tornam material a ser problematizado no processo criativo.
Qualquer lugar pode ser espaço para questionar, para gerar discussões
que se ampliam para muitas esferas da vida, para promover certas qua-
lidades de movimento específicas, para propor poéticas. Para isso, é im-
portante renunciar a modelos fixados, superar dicotomias entre corpo e
espaço, entre fazer e pensar e entre teoria e prática.
111
Pensar que a dança pode acontecer em inúmeros locais não significa
que não haja conjunturas mais propícias do que outras. Há que sempre
se buscar conquistar melhores condições, que possam contribuir para
uma maior diversidade e intensidade das experiências. A ideia é ter uma
postura de resistência e persistência porque, diante de dificuldades, é
importante encontrar maneiras criativas para fortalecer os processos
educativos em dança. A dança pode acontecer em diversos espaços,
como em teatros, nas ruas, nas escolas, em consultórios, em rituais, em
festas, etc. Porém, cada ambiente será constituinte e, ao mesmo tempo,
construído por essa dança.
O sociólogo e historiador norte-americano Richard Sennett explica que os
espaços urbanos se organizam a partir de experiências corporais de cada
sociedade e cultura. Seu livro Carne e pedra (2003) faz um percurso que se
inicia na Grécia antiga, passa por Roma, Paris e segue até a cidade de Nova
York no século XX. Ao longo dessa trajetória, o autor mostra como o corpo
e a cidade confluem. É uma narrativa histórica, social e cultural sobre o cor-
po e a cidade, onde se pode encontrar na compreensão da conexão entre o
espaço e o corpo as correlações entre arquitetura, urbanismo, ciências bio-
lógicas, filosofia, política, economia, arte, entre outros. Para citar um exem-
plo, no começo da era moderna, a imagem sobre o movimento do corpo
baseava-se na atividade biológica. A medicina e as descobertas sobre a
circulação sanguínea, a respiração e os impulsos nervosos geravam uma
imagem de corpo que era considerado saudável quando em movimento
fluido, contínuo e ininterrupto. Buscava-se intensificar a mobilidade em
espaços amplos e sem obstáculos. A partir do século XIX, já com o ideário
mais voltado ao desenvolvimento econômico influenciado pela Revolução
Industrial, destacam-se a busca pelo conforto e a diminuição do esforço.
A ideia era produzir mais com menor emprego de força. Subdividiram-se Torre central de uma
as funções e especialidades profissionais, o trabalho foi radicalmente sis- prisão panóptica no
México. Atualmente o
tematizado e sequenciado. A noção de individualismo cresceu, diminuiu o espaço abriga o Centro
contato entre as pessoas, aumentaram a velocidade e a passividade nas re- de Arte de San Luis
Potosí.
lações sociais. No século XX, o alto nível de segregação impôs a necessida-
de do fortalecimento das identidades sociais
Wikipedia/Wikimedia Commons
112
Na obra Vigiar e punir (1987), publicada originalmente em 1975, Fou-
cault analisa as prisões e destaca as estratégias de controle, inclusive
na arquitetura. Isso acontece, por exemplo, quando trata do conceito
de panóptico2, um modelo de prisão idealizado por Jeremy Bentham e
discutido neste livro.
Logo, a Dança não precisa estar restrita à sala de aula ou ao ginásio. Ela
pode acontecer em corredores, pátios, salas com finalidades diversas, na
Pense na estrutura da
entrada e saída da escola, em vídeos, etc. Subverter a lógica conhecida e
sua escola e em como
deixar o corpo experimentar possibilidades variadas de ocupar e viven-
a dança é vivenciada lá.
ciar cada espaço pode fazer esse corpo-escola mais pulsante, criativo,
Quais os espaços que o
imaginativo e simbólico. Porém, isso não significa que a escola não precisa
corpo dos estudantes
oferecer espaços e condições auspiciosas para o ensino-aprendizagem
ocupa nos processos
da Dança; o que se espera é poder sempre buscar as circunstâncias mais
educativos em Dança?
potentes. A exceção não deve ser a regra. Cabe destacar que há muito o
Como se pode expandir
que reivindicar nesse sentido.
as possibilidades de ex-
2 Trata-se de um projeto arquitetônico prisional que conta com uma torre central e celas ao redor dela. perimentar a Dança no
Cada cela conta com uma janela direcionada para a torre e outra para o lado oposto, para a entrada de
luz; a torre, por sua vez, tem amplas janelas para visualização de todas as celas. Dessa forma, a luz que espaço escolar? Regis-
entra na cela permite que quem está na torre veja as silhuetas de quem está no interior das celas, mas tre as reflexões no ca-
é impossível que quem está na cela visualize o interior da torre. Assim, quem está nas celas nunca sabe
quando há alguém vigiando da torre. A constante dúvida faz com que o prisioneiro se torne então o seu derno, se possível.
próprio vigia.
113
DESAFIOS DA DOCÊNCIA
114
eles: o balé clássico e as danças brasileiras. Ambos são colocados quase
que em oposição um ao outro dentro de um ideário geral. No caso do balé
clássico, este é entendido como um privilégio, ficando restrito ao âmbito
privado e destinado às elites. Sendo assim, o balé clássico é tido como
desnecessário e supérfluo à grande população. Já as danças brasileiras
são concebidas como algo banal e não recebem o merecido reconheci-
mento pela pesquisa, criação e construção de saberes históricos, culturais
e sociais específicos e dinâmicos que lhes constituem. Assim, são também
vistas como desnecessárias no contexto escolar. Quando são abordadas,
isso se dá como algo estático e referente a um passado. Em nenhuma
das duas visões compreende-se a dança pela potência de seu caráter
educativo, crítico, cultural e social. É importante ampliar a compreensão
da dança para além de “estilos” ou “modalidades”, pois ela diz respeito à
diversidade de maneiras de viver e agir no mundo e na sociedade;
■
quando a dança é compreendida como um trabalho de corpo de caráter
investigativo, experimental, criativo, questionador, analítico e atuante,
cuja expressão e comunicação têm potência para se opor à docilização
do corpo, da qual Foucault tratou, ela acaba sendo vista pelas forças
dominantes como um risco. Processos educativos em dança que promo-
vem o pensamento crítico fazem oposição à formatação do corpo para
a mera execução, produção e consumo. Dessa maneira, torna-se um pro-
blema para a manutenção do status quo baseado na desigualdade social.
Ana Mae Barbosa (2015) explica que a criação de significações que a arte
provoca abre possibilidades para a construção de sentidos para as expe-
riências, enquanto o conhecimento organiza e cria conceitos que são ge-
neralizações metafóricas das experiências. Ao pensar em educação, são
ambos os caminhos que se deseja cruzar e potencializar. Assim, é possível
GoodStudio/Shutterstock
transitar da criação ao conhecimento, e do conhecimento à criação.
115
DI ÁLO G OS COM A S CO MPETÊ NC IA S DA BNCC
Competências gerais da Educação Básica 1, 2, 4 e 5
116
PROCESSOS DE
AVALIAÇÃO EM DANÇA
Apresentação de um
grupo de dança.
Lucas Law/Unsplash
CAPÍTULO OITO
2 Você procura estabelecer critérios para a avaliação? Se sim, quais são eles?
8
3 Como se dá a participação do estudante nas avaliações?
A avaliação em Arte é um assunto que precisa ser tratado com atenção e
cuidado, por ser um momento do percurso escolar que requer uma inte-
ração dialógica entre professores e estudantes, que considere o contexto
dos envolvidos e os saberes da própria linguagem.
Neste capítulo, portanto, ela será abordada como um processo que está
presente em todas as etapas da escolarização e que abrange o modo
como os estudantes, em conjunto com os professores, se envolvem na
construção dos próprios conhecimentos. Essa forma de compreender
a avaliação se conecta diretamente com o que se vem tratando ao lon-
go dos capítulos quanto ao entendimento do ensino-aprendizagem em
Dança como um espaço de pesquisa e investigação.
117
O PROCESSO DE AVALIAÇÃO EM DANÇA
A avaliação na chave processual é vista como uma ação continuada que
está presente em todas as etapas do ensino-aprendizagem em Arte.
Logo, nessa maneira de compreender o processo, a avaliação não deve
ser considerada uma etapa final apenas, pois sua validação depende de
um olhar amplo sobre o percurso de cada um dos estudantes ao longo do
seu caminho de construção dos saberes em dança.
FUNÇÕES DA AVALIAÇÃO
Há inúmeras funções da avaliação dentro do ensino-aprendizagem. Uma
delas é evidenciar a possibilidade e orientar a escolha de novos caminhos
durante o percurso que é desenvolvido. Mais uma vez, destaca-se o papel
relevante da contribuição do coletivo, pois reconhecer o modo como o
ensino-aprendizagem está ocorrendo envolve todos os sujeitos da expe-
riência e considera os contextos nos quais eles estão inseridos. Para tanto,
é necessário também que todos estejam atentos ao modo como indivi-
dualmente se relacionam com as experiências de construção de conhe-
cimentos em dança, avaliando constantemente seus próprios interesses,
seus modos de participação e de relação com o grupo como um todo.
118
Stories/Freepik
O que se espera é que com isso pos-
sam perceber que a relação estabele-
cida com uma obra não envolve ape-
nas questões de “gosto pessoal” e de
afetos, mas inclui informações con-
textualizadas sobre ela: como foi rea-
lizada, em que tempo e espaço, qual
era a realidade de quem a concebeu,
quais as condições em que a obra foi
criada, etc.
119
CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO EM DANÇA
Para a definição dos critérios avaliativos em Dança no Ensino Médio, os
objetivos de aprendizagem estabelecidos pelo professor devem ser ob-
servados, assim como as competências gerais previstas na BNCC e as
competências e habilidades específicas da área de Linguagens, podendo
ser um ponto de partida para a elaboração desses objetivos. Em relação
às competências específicas, faz-se importante a consideração de todas
elas, já que a BNCC apresenta a Dança inserida no componente Arte,
que, por sua vez, é parte da área de Linguagens. No entanto, podemos
observar que a competência 6 e suas habilidades se referem claramente
ao componente Arte e, portanto, é interessante que seja explorada com
afinco para a elaboração dos critérios de avaliação.
Dito isso, para que a avaliação ocorra de maneira a respeitar os envolvidos
no processo, é importante elaborar e apresentar a todos critérios claros
da forma como ela vai ocorrer, para que ambas as partes, professores(as)
e estudantes, estejam plenamente cientes da estrutura a ser aplicada.
Sabe-se que o tempo destinado às aulas de Arte na escola é restrito.
Contudo, é importante não descuidar dessa etapa, que pode, inclusive,
ser feita em parceria com os estudantes. Possibilitar que eles sejam parte
responsável de todo o processo contribui para o desenvolvimento do
protagonismo juvenil e a formação de um cidadão com olhar crítico. A
consciência dos critérios da avaliação, de modo que tanto estudantes
quanto professores(as) sejam capazes de organizar suas reflexões, pen-
samentos, críticas e autocríticas, pode potencializar as aprendizagens.
Sob essa perspectiva, a participação e o envolvimento na avaliação e na
construção dela pode ser também um critério para avaliar os estudantes.
A participação prevê colocar-se disponível para olhar atentamente para A definição da forma e
si e para os outros, estudantes e professores, sempre buscando o diálogo dos critérios de avaliação
deve contar com a
e o respeito aos direitos humanos e ao bem comum. Ela presume os direi- participação de todos os
tos e as responsabilidades de cada estudante nos próprios processos, na envolvidos, professores e
relação com os outros e com o meio. estudantes.
120
Um processo avaliativo acontece entre sujeitos e envolve os modos de ser
de cada um – histórias, gênero, estrutura social, etnia, cultura, local onde
vive. E ainda a Arte, como um modo de expressão, atravessa sentimentos,
sensações e emoções, pois são características inerentes a ela.
121
Em relação à Dança, cabe ao professor, que se dedi-
cou a aprofundar os estudos na linguagem, oferecer
aos estudantes estímulos e acesso a informações
e conhecimentos relacionados aos elementos que
compõem a linguagem e às diversas manifestações
de dança situadas no tempo e no espaço. Tais refe-
rências devem ser apresentadas de maneira diver-
sificada, de modo a problematizar a hegemonia de
algumas delas em detrimento de outras, oferecen- carballo/Shutterstock
do, portanto, espaço para estudar e valorizar inclusive as danças que têm Adolescente praticando
origem nas matrizes africanas, afro-brasileiras e indígenas. parkour.
AS PROPOSIÇÕES E INFORMAÇÕES
Neste volume, propõe-se que os processos de ensino-aprendizagem em
Dança aconteçam de modo que considere a participação dos estudantes
nas escolhas sobre o que será abordado em sala de aula, reconhecendo
que eles têm saberes e interesses diferentes daqueles adquiridos pelos
professores nas universidades e também em suas vidas.
Desse modo, a avaliação também seria uma parte do processo de ensi-
no-aprendizagem que tem a possibilidade de acolher a participação dos
estudantes nos processos de elaboração e decisão.
Tal processo, que deve acontecer de maneira dialógica, deve considerar
as ações de estudantes e professores, sendo que quem ocupa cada um
dos papéis pode se sentir responsável também pelas avaliações de si
mesmo, ou seja, pelas autoavaliações.
Dessa forma, os modos como os(as) professores(as) compartilham as pro-
postas e instigam os estudantes a participar do diálogo durante os proces-
sos de construção de conhecimento em Dança devem ser observados e são
um ponto importante no processo de avaliação. É importante refletir sobre
o modo como um diálogo é iniciado, e, neste caso, um diálogo que tem por
objetivo a construção de conhecimentos em Dança pode instigar o interes-
se dos estudantes em exercer seu direito de participação.
Assim, o modo como os professores compartilham as propostas de cons-
trução de conhecimentos em Dança por meio da pesquisa deve ser consi-
derado, pois ele é o início de uma conversa e pode abrir espaço para que
os estudantes participem do próprio processo de ensino-aprendizagem,
expondo seus pontos de vista, suas considerações, suas reflexões, suas
sensações e seus sentimentos.
122
Essa participação dos estudantes pode se dar por meio de palavras, mas
TRAMAS EM
também por meio de gestos, olhares e movimentos expressivos. O diálo-
go acontece apenas quando há espaço de expressão e escuta para todos CAMPO
os envolvidos no processo.
Como você inicia o diá-
Durante o processo de ensino-aprendizagem, é papel dos professores
logo com os estudan-
oferecer devolutivas aos estudantes para que estes possam aprimorar
tes para apresentar um
sua aprendizagem e exercer o direito de participação. Faz-se importante
novo tema? Você costu-
também que o professor se coloque aberto e atento às devolutivas dos
ma contextualizar esse
estudantes sobre sua maneira de transmitir saberes, desde que essa ação
novo saber no tempo e
seja feita com base nos princípios éticos do respeito e da busca pelo bem
no espaço? Há espaço
comum.
para que os estudantes
Assim, a avaliação se inicia desde as proposições dos professores que participem com seus
são fundamentais para o processo, pois são elas que vão iniciar o diá- próprios repertórios?
logo e provocar o interesse dos estudantes em exercer seus direitos de
participação em seus próprios processos de ensino-aprendizagem e de
avaliá-los.
ENSAIOS MÓVEIS
CONVERSAS SOBRE AVALIAÇÃO
Esta é uma proposta para o exercício de discussão sobre estratégias de ava-
liação. A sugestão é que você convide outros professores da área de Lingua-
gens e suas Tecnologias para que a realizem em conjunto. A proposta oferece
um espaço para que os professores troquem ideias sobre seus pensamentos,
encontrando ressonâncias e, talvez, distanciamentos de modo a enriquecer
suas maneiras de pensar e seus conhecimentos em relação às bases teóricas
e aos processos metodológicos distintos.
■
Convide professores com quem você deseje desenvolver esta proposta e agen-
de um encontro com eles.
■
Para iniciar, cada um dos professores escreve em um papel em branco cinco
palavras que julgue indispensáveis em um processo avaliativo e que considere
a participação dos estudantes nos processos. Cada palavra deve ser escrita em
um pedaço de papel diferente. As palavras podem contemplar tanto as apren-
dizagens gerais dos estudantes quanto as aprendizagens específicas de cada
umas das áreas do conhecimento representadas pelos professores em questão.
■
Em uma mesa grande, ou mesmo no chão, um professor começa organizan-
do suas palavras espacialmente de maneira que haja espaço entre os papéis
para que os outros professores em seguida possam distribuir também as suas
palavras.
■
Um segundo professor observa as palavras colocadas pelo primeiro e coloca en-
tão seus papéis, organizando-os espacialmente de modo a demonstrar a cone-
xão entre as ideias. O processo se repete até que todos os participantes tenham
colocado suas palavras na disposição.
123
■
Em silêncio, todos observam como ficou a disposi- Ao término, recomenda-se que o grupo escreva
ção das palavras, buscando perceber individualmen- um texto colaborativo com o registro da discussão,
te quais foram os pensamentos que se aproximaram mostrando o diálogo entre os modos como cada
e quais deles se distanciaram ou complementaram. um desenvolve o próprio pensamento sobre o pro-
■
Depois, conversem sobre a disposição das palavras, cesso avaliativo e compartilhando estratégias que
refletindo sobre as possíveis aproximações de pensa- possam fomentar o desenvolvimento de processos
mentos e os possíveis distanciamentos que notaram. avaliativos em cada componente abordado. O tex-
■
Na sequência, apresentem uns para os outros as to pode contemplar as estratégias que todos con-
bases teórico-metodológicas que fundamentam a sideram gerais e aquelas que consideram específi-
escolha das palavras de cada um. cas para cada componente. Se acharem oportuno,
■
Compartilhem também as estratégias de avaliação disponibilizem o texto que elaboraram para outros
que utilizaram para contemplar as palavras escolhidas. professores da escola.
Tirachardz/Freepik
As diferentes
estratégias
avaliativas podem
ser o mote de uma
discussão entre os
professores da área
de Linguagens e
suas Tecnologias.
TRAMAS EM
CAMPO
Considerando os temas abordados no capítulo e as reflexões que fez ao longo
da leitura, como você percebe agora o modo que avalia os estudantes? Acre-
dita que contempla os contextos dos estudantes e estimula o espaço de parti-
cipação ativa deles no ensino-aprendizagem em dança? Como este espaço de
participação pode ser ampliado a fim de favorecer a aquisição de conhecimen-
tos em dança e de modo a estabelecer um diálogo com as culturas juvenis?
Faça um registro dessa reflexão no caderno.
124
D IÁ L OG OS CO M A S CO MPETÊ NC IAS DA BNCC
Competências gerais da Educação Básica 6e9
Storyset/Freepik
125
PARA RECOMEÇAR...
Esta unidade propôs um percurso teórico-prático por aspectos históricos,
sociais e culturais do ensino-aprendizagem da Dança, compreendendo o
discurso e a prática docente como um processo de pesquisa e formação
continuada. Nesse sentido, tratou-se da importância da experiência para
uma educação pautada na subjetividade e na intersubjetividade e refletiu
sobre o ensino-aprendizagem da Dança no contexto escolar atual. Além
disso, foram analisadas possibilidades para procedimentos de avaliação
qualitativos e baseados nas propostas da BNCC.
2 Como as experiências
de cada um permeou
o projeto? Os conhe-
cimentos em dança e
os saberes pessoais e
sociais, passado e pre-
sente, se integraram
no projeto? De que
maneira?
126
BIBLIOGRAFIA COMENTADA
127
FORTIN, Sylvie. Educação somática: novo ingrediente da formação
prática em dança. Cadernos do GIPE-CIT, Salvador, n. 2, p. 42-57, fev.
1999. Disponível em: https://singularidadesomatica.files.wordpress.
com/2017/05/sylvie-fortin-educac3a7c3a3o-somc3a1tica-novo
-ingrediente-da-formac3a7c3a3o-prc3a1tica-em-danc3a7a.pdf. Acesso
em: 28 dez. 2020.
No artigo, Fortin apresenta algumas características da Educação
somática e o crescente uso dessas abordagens na dança para fins de
estudo e pesquisa.
MARQUES, Isabel; BRAZIL, Fabio. Arte se avalia? Carta Maior, [S. l.],
18 abr. 2006. Disponível em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/
Midia/Arte-se-avalia-/12/9975. Acesso em: 6 dez. 2020.
O texto traz uma reflexão sobre a avaliação e como a adoção de
critérios objetivos pode auxiliar nos processos avaliativos em Arte no
contexto escolar.
128
MERLEAU-PONTY, Maurice. O visível e o invisível. São Paulo:
Perspectiva, 2005.
O livro trata de conceitos fundamentais da filosofia, questionando
dualidades e analisando correlações existentes entre sujeito e objeto,
fenômeno e essência, ser e mundo, entre outros.
129
3
INTEGRAÇÕES E UNIDADE
COMPLEXIDADES
Apresentação de
carimbó, da Cia. Trupé
de Artes. Arraial Arte
na Rua, Pirapora do
Bom Jesus (SP), 2019.
130
Cesar Diniz/Pulsar Imagens
PARA COMEÇAR...
Esta unidade dedica-se a refletir sobre a Dança como área do co-
nhecimento. Para analisar os aspectos que constituem esse campo,
serão retomados o conceito de experiência e a discussão sobre a
potência dos processos de compartilhamento do poético, do sen-
sível e do artístico, temas abordados nas unidades anteriores e que
serão trabalhados de forma integrada à educação, dando ênfase ao
caráter ético, social e político que marca o encontro entre a Dança
e a Educação.
131
Desse modo, a unidade abrange a Dimensão 1 – Conhecimento de si, do
outro e do nós ao estimular o conhecimento de si, da própria história de
vida e de formação profissional, assim como de escolhas e planos que
pretende seguir, sonhos, desafios, estratégias e capacidades como do-
cente da área de Dança no contexto escolar brasileiro. Isso quer dizer que
se busca reconhecer cada subjetividade em relação à complexidade de
suas experiências e trajetórias.
OBJETIVOS
■
Depreender a Dança como área do conhecimento com saberes especí-
ficos e de múltiplas possibilidades de integrações.
■
Abordar a Dança de forma integrada a um processo de trabalho em
área.
■
Discutir a interdisciplinaridade e analisar maneiras de construir saberes
de forma mais ampla e profunda.
■
Compreender a potência educativa e social da pluralidade da Dança, de
modo a valorizar diferentes concepções estéticas de dança.
■
Refletir sobre aspectos étnico-raciais e culturais que constituem as cor-
relações entre as manifestações artísticas em dança e os seus contextos
sociais.
■
Pensar sobre a responsabilidade estética e social que os processos edu-
cativos em Dança assumem no mundo e na sociedade.
132
■
Analisar conceitos, contextos e complexida- balho na Dança. Assim, pode-se ter uma visão
des que permeiam discursos e práticas do- mais geral sobre os caminhos, os contextos e
centes, apresentando inclusive a importância as projeções que compõem os discursos e as
de um planejamento de modo processual. práticas docentes.
■
Refletir sobre formação e o mundo do traba-
lho em Dança atualmente. DESENVOLVIMENTO DAS
JUSTIFICATIVA ATIVIDADES: ENSAIOS
Esta unidade dedica-se a compreender a Dan- MÓVEIS
ça como área do conhecimento, debatendo os
Ao longo dos capítulos, há proposições de ati-
contextos e as complexidades desse campo.
vidades que visam promover experimentações
O conceito de experiência, trabalhado ante-
e vivências de forma concatenada às temáticas
riormente, mais uma vez será essencial para a
da unidade. Consulte, a seguir, uma síntese dos
conversa. Além disso, ao entender a dança em
objetivos, as justificativas e informações gerais
conexão com aspectos estéticos, sociais, polí-
sobre elas.
ticos, culturais, étnico-raciais, entre outros, po-
de-se ter a dimensão da participação dela nos
PERGUNTAS
modos de pensar-sentir-fazer no mundo e na
■
Objetivo: desenvolver um processo criativo
sociedade, como um caminho de mão dupla.
Esse ponto, entre outros, sinaliza inúmeras pos- com base em perguntas sobre os sentimen-
133
VIDEODANÇA ■
Procedimentos: as etapas orientam para fazer
as definições sobre o projeto com os estudan-
■
Objetivo: investigar elementos da linguagem
tes, seguidas da pesquisa em si e finalizando
audiovisual e formas de composição a partir
com uma conversa com a turma.
do diálogo entre a Dança e a tecnologia.
■
Justificativa: a proposta contribui para o de- DANÇA EM PROCESSO E
senvolvimento de processos de criação e de
ensino-aprendizagem que integram campos PRODUÇÃO
de conhecimento distintos (a Dança e o au- ■
Objetivo: planejar uma proposta de ensino-
diovisual), ampliando suas formas de expres- -aprendizagem que possibilite ao estudante
são por meio da dança. experimentar diferentes funções na dança.
Oferecer uma possibilidade para que possa
■
Duração: recomendação de 1 hora e 30 minu-
desenvolver essa proposta de maneira dialó-
tos, mas pode variar.
gica com os estudantes e integrada a outros
■
Material necessário: cartolina e fita adesiva professores e outras áreas do conhecimento.
ou rolo cilíndrico de papel; equipamento para
■
Justificativa: a atividade sugere que o profes-
gravação de vídeo e programa ou aplicativo
sor planeje, acompanhe o desenvolvimento,
de edição de vídeo.
avalie e elabore estratégias que potenciali-
■
Procedimentos: a proposta visa à produção zem cada estudante e o grupo. A temática
de uma videodança e está organizada em eta- sugerida para a proposta visa contribuir para
pas. Em um primeiro momento, propõe-se um que o estudante perceba a Dança e outros sa-
exercício do olhar e o aquecimento do corpo. beres como parte do mundo do trabalho, de
Na sequência, há orientações para a filmagem, maneira a identificar e analisar experiências,
edição e compartilhamento da videodança. interesses, necessidades, sonhos e projetos
para o futuro.
DIVERSIFICANDO ■
Duração: recomendação de 1 hora para o pla-
■
Objetivo: preparar uma proposta de pesquisa nejamento inicial. A atividade como um todo
interdisciplinar sobre manifestações culturais deve durar cerca de 4 horas, mas pode variar.
brasileiras para ser desenvolvida com os es- Sugere-se organizá-la em mais de uma aula.
tudantes.
■
Material necessário: computador com acesso
■
Justificativa: a atividade contribui para a in- à internet e caderno ou papéis para registro.
tegração de campos do conhecimento, que
compreende a complexidade das manifesta-
■
Procedimentos: elencar ocupações profissio-
ções artísticas brasileiras. Dessa forma, pro- nais em dança para a realização de uma pes-
põe-se relacionar saberes, compreendendo quisa e experimentação sobre elas em sala de
os contextos, os conceitos e os procedimen- aula. Orienta-se que a proposta seja planeja-
tos que os constituem. A perspectiva inter- da e desenvolvida com os estudantes e outros
disciplinar contribui para o trabalho de forma professores.
mais plena, integrada, colaborativa e coletiva.
■
Duração: recomendação de 3 horas, que po-
dem ser organizadas em etapas. Porém, devi-
do ao caráter interdisciplinar, pode variar.
■
Material necessário: computador com acesso
à internet e caderno ou papéis para registro.
134
A DANÇA COMO CAMPO DO
CONHECIMENTO HUMANO
Ahmad Odeh/Unsplash
Grupo de pessoas dançando.
9
Para começar a refletir sobre a temática deste capítulo, responda às se-
guintes questões.
2 Você costuma perguntar aos estudantes quais são as danças que fazem
parte do cotidiano deles?
135
A DANÇA COMO FORMA DE EXISTIR
NO MUNDO
A dança é um modo de existir. Não apenas jogo, mas celebração, participa-
ção, a dança está presa à magia e à religião, ao trabalho e à festa, ao amor e à
morte. Os homens dançaram todos os momentos solenes de sua existência:
a guerra, a paz, o casamento e os funerais, a semeadura e colheita. A própria
palavra dança, em todas as línguas europeias – danza, dance, tanz –, deriva
da raiz tan que, em sânscrito significa “tensão”. Dançar é vivenciar e exprimir
com o máximo de intensidade, a relação do homem com a natureza, com a
sociedade, com o futuro e com os seus deuses.
GARAUDY, R. Dançar a vida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1973. p. 13-14.
Jeremy Bishop/Stocksnap
Com base nos dizeres de Garaudy, pode-se re-
conhecer a presença da dança nas sociedades
ao longo do tempo com a função de comunicar
os modos de cada pessoa ou grupo ser e agir
no mundo. E percebê-la assim, como forma po-
tente de existência no mundo, construção de
pontes nos relacionamentos interpessoais e na
expressão de ideias e pensamentos, é, portanto,
também uma maneira de reconhecê-la e valori-
zá-la como campo do saber, inclusive, no âmbi-
to escolar.
136
As danças ligadas às culturas das sociedades de diferentes tempos, es-
paços e contextos ampliam as formas de perceber a vida e o mundo. Isso A bailarina e
porque elas se conectam aos modos de viver, às histórias pessoais e à coreógrafa alemã
realidade do entorno social em que se vive. Assim, conhecer as diferentes PINA BAUSCH iniciou os
estudos em dança
danças é uma maneira de reconhecer a si mesmo e o modo de se relacio-
aos 14 anos de idade
nar com os outros e com o mundo.
com Kurt Jooss
A possibilidade de acessar o universo simbólico que habita cada um e e, depois, passou
de dialogar com os outros e com o ambiente por meio de movimentos por um período de
corporais de caráter simbólico é a razão pela qual a dança se manifesta estudos nos Estados
como linguagem desde o início da humanidade. Esses símbolos que são Unidos. Em 1973,
constituídos por fatores culturais, sociais e históricos compõem as poé- tornou-se diretora
do Teatro Municipal
ticas das danças.
de Wuppertal, na
De acordo com Laurence Louppe, no livro Poética da dança contempo- Alemanha, onde
rânea (2012): iniciou a companhia
hoje chamada
Compreende-se assim que uma arte como a dança, que, à semelhança da poe- Tanztheather
sia na língua, tende a desenvolver a atividade dos fatores condutores de emo- Wuppertal Pina
tividade no gesto, está ligada ainda mais que o verbal, a todas as raízes mais Bausch, que conta
profundas do sujeito que possam colorir um enunciado gestual. A dança, que com dançarinos de
podemos considerar a poesia do corpo, intensifica e exemplifica essa relação. países e gerações
distintos que dão
LOUPPE, Laurence. Poética da dança contemporânea.
continuidade ao
Lisboa: Orfeu Negro, 2012. p. 28-29.
legado da artista.
137
Corbis/Getty Images
Cena do espetáculo No processo de criação da Tanztheater Wuppertal Pina Bausch, a coreó-
Sweet Mambo, da grafa fazia perguntas aos dançarinos do grupo e elaborava as danças
Tanztheater Wuppertal
Pina Bauch. Festival
com base nesse diálogo. Desse modo, os dançarinos participavam das
Internacional de criações e pesquisavam movimentos corporais inspirados em questões
Edimburgo, Escócia, que envolviam sua própria vida, permeadas por fatores históricos, cultu-
2014.
rais e sociais. Cabe destacar que a companhia de Pina Bausch, que per-
manece ativa mesmo após o falecimento da fundadora, sempre contou
com artistas de diferentes localidades do mundo, incluindo brasileiros, e
por isso as criações refletem uma diversidade de contextos.
TRAMAS EM Para explicar o caráter “indizível” da dança, Roger Garaudy elabora uma
CAMPO
comparação com a mímica:
138
DANÇA COMO ÁREA DO
CONHECIMENTO HUMANO
A BNCC fundamenta um modo de ensino-aprendizagem dialógico entre
áreas distintas do saber, incentivando a interdisciplinaridade e os saberes
híbridos. Nesse documento, a Dança está inserida no componente Arte, que,
por sua vez, faz parte da área Linguagens e suas Tecnologias. Ao mesmo tem-
po, reconhece-se que cada uma das linguagens da Arte, incluindo a Dança, é
um campo do conhecimento humano que tem seus conteúdos próprios. De-
senvolver um trabalho que integre as especificidades de cada componente
com os contextos dos estudantes e com outras áreas do conhecimento pos-
sibilita contemplar o convite à interdisciplinaridade e, ainda assim, assegurar
que os elementos próprios de cada linguagem sejam resguardados.
Fatores como o espaço, o tempo, o peso e a fluência, abordados na Unida-
de 1, são exemplos de elementos que constituem a linguagem da Dança e
que podem ser observados em suas expressões. Esses elementos do mo-
vimento corporal, entre outros, foram classificados por Rudolf Laban, um
bailarino e coreógrafo que contribuiu para o processo de reconhecimento
da dança como área do conhecimento ao desenvolver uma organização
dos elementos que compõem o movimento humano em relação a tempo-
-espaço. Reunindo características fisiológicas e psíquicas do movimento,
a teoria de Laban tornou-se uma base para o aprofundamento de diferen-
tes pesquisas sobre o corpo e uma importante contribuição, reconhecida
até hoje, para que as experiências de pesquisa, criação e ensino-aprendi-
zagem em Dança adquirissem consistência, como vimos antes.
O pensamento desse pesquisador começou a ser elaborado em seu pri-
meiro livro publicado, Dança educativa moderna, de 1948, e foi aprofun-
dado em Domínio do movimento, de 1950, que apresenta os resultados
de um processo de extensa observação do movimento do corpo humano.
Em sua pesquisa, Laban observou os movimentos corporais, refletindo
sobre eles e sistematizando-os de uma maneira que facilitou a compreen-
são dos mecanismos que envolvem o ato de se movimentar. A classifi-
cação e nomeação desses elementos do movimento possibilitam que as
pessoas tenham uma compreensão e uma consciência mais amplas sobre
os próprios movimentos. Assim, sabendo, por exemplo, que o espaço
pode ser dividido em três alturas distintas (que são os níveis baixo, médio
e alto), para fins de estudo, uma pessoa pode criar maneiras de investigar
essa característica de modo consciente, o que enriquece as possibilida-
des de ocupação do tempo-espaço. Isso também ocorre na exploração
de outras qualidades e fatores de movimento do corpo.
Isabel Marques (2002), pesquisadora da área de Dança na interface com
a educação e que conhece os estudos de Laban, propõe que os processos
de ensino-aprendizagem em Dança na escola ocorram de modo a consi-
derar três vértices, vistos de maneira não hierárquica. Esse pensamento,
139
apoiado nos conceitos de Laban, tem como referência também a Abor-
PARA dagem Triangular, elaborada pela educadora Ana Mae Barbosa.
APROFUNDAR Em seus anos como professora e gestora de projetos e escolas, Ana Bar-
■
[COTIDIANO] O bosa desenvolveu a abordagem como um pensamento que situa a Arte
uso da abordagem no tempo e no espaço, considerando-a como prática cultural e social in-
triangular nas salas
serida em contextos diversos. Desse modo, Apreciar
de aula. [S. l.: s. n.],
a Arte tem um papel social que o seu ensi-
2016. 1 vídeo
no-aprendizagem deve considerar. A Abor-
(4 min). Publicado
dagem Triangular organiza a experiência de
pelo canal Folha
de Pernambuco.
aprendizagem artística em três esferas, que
Disponível em: se interconectam de maneira não hierarqui-
Fazer Contextualizar
https://www. zada. São elas o fazer, o apreciar e o contex-
youtube.com/watc tualizar.
h?v=DOiHDstHc_o
Já os três vértices que Marques propõe são os Arte
&feature=youtu.be.
da arte, do ensino e da sociedade. Em sínte-
Acesso em: 21 dez.
se, cada vértice trata das seguintes questões:
2020.
O vídeo traz ■
Arte: acolhe a investigação do repertório
depoimentos de de movimentos, a articulação dos sabe-
Ana Mae Barbosa, res relacionados à pesquisa de Laban e a
professores e Ensino Sociedade
apreciação de composições de dança de
estudantes sobre o
diversos tempos e espaços, assim como a
uso da Abordagem
Triangular em sala
contextualização histórica e social destas.
de aula. ■
Ensino: trata da investigação de uma pessoa sobre si mesma e de suas
formas de se relacionar com os outros e com o ambiente e da possi-
bilidade de os estudantes se reconhecerem em suas potencialidades,
limitações, interesses, entre outros aspectos.
■
Sociedade: implica a compreensão de que o ensino-aprendizagem em
Dança está inserido em um contexto histórico e social e que seus pro-
cessos da linguagem estão relacionados com o contexto de vida de
estudantes e professores, com os acontecimentos do mundo, do país
TRAMAS EM
CAMPO
e de seu entorno social. Desse modo, segundo Marques, “indivíduos
aprendem o dançar ao mesmo tempo que aprendem sobre si mesmos
e dialogam criticamente com as transformações espaçotemporais da
Você costuma promover sociedade” (BARBOSA, 2010, p. 59).
processos de ensino- Entende-se, então, que o corpo e os movimentos em uma dimensão ex-
-aprendizagem em Dan- pressiva e poética são o ponto crucial do qual a dança trata. Além disso,
ça que, além de oferecer a Dança engloba o corpo em relação aos outros, ao ambiente e aos con-
espaços para as pesqui- textos culturais e sociais nos quais está inserido. Sob essa perspectiva, a
sas da própria lingua- Dança é um modo de habitar o mundo, gerando saberes que influenciam
gem, abarcam os con- os acontecimentos sociais e são influenciados por eles em um processo
textos sociais e culturais contínuo de retroalimentação. Os processos de ensino-aprendizagem na
dos estudantes? Se sim, escola podem fomentar nos estudantes o interesse de reconhecer-se em
quais são as estratégias seus modos de ser e estar no mundo em relação aos outros e ao tempo-
que usa? -espaço, inseridos nos contextos culturais e sociais.
140
OS JOVENS QUE DANÇAM NA ESCOLA E A
VALORIZAÇÃO DA DANÇA
É comum que os professores relatem algumas dificuldades para a par-
ticipação dos estudantes do Ensino Médio em processos de criação e
construção de conhecimentos em Dança. Quando se trata desse assunto,
a inibição tende a ser uma das principais dificuldades citadas, e é possível
que se relacione ao processo de aceitação do próprio corpo, às mudanças
físicas e hormonais ocorridas na adolescência, às questões culturais e aos
preconceitos construídos socialmente.
A inibição causada pela sensação de a dança ser, como afirma Kunz, “um
comportamento fora dos padrões” pode ser observada em jovens de
todos os gêneros. Contudo, é comum perceber a ocorrência entre os
meninos de forma mais frequente, já que, sabe-se, existe um histórico
social e cultural presente em muitos países, assim como no Brasil, que os
desencoraja de praticar a dança. Tal atitude está ancorada em estereóti-
pos de gênero.
Entretanto, essa relação ocorre de maneira inversa quando se trata do
ambiente das danças urbanas, no qual a presença masculina é majoritária
em relação à participação das mulheres. Essa realidade tem-se modifica-
do pouco a pouco com a participação cada vez maior de mulheres, porém
ainda revela estereótipos de gênero que, nesse caso, afetam a presença
feminina no universo das danças urbanas.
Sobre essas danças, elas são, comumente, constituídas de movimentos
rápidos e vigorosos e, embora tenham surgido e façam parte do imagi-
nário e realidade de jovens que residem em metrópoles, também estão
presentes fora dos grandes centros urbanos, devido à difusão de culturas
juvenis por veículos de comunicação, incluindo a internet.
141
Os estereótipos de gênero nas diversas danças são um tema relevante
para ser problematizado e debatido com os estudantes, a fim de des-
contruir preconceitos sobre as aprendizagens e práticas dessa lingua-
gem. Assim, avalie momentos oportunos para promover debates com os
jovens sobre essas questões, estimulando-os a elaborar e fundamentar
seus argumentos com base em princípios éticos e respeito à diversidade
e ao bem comum.
142
ENSAIOS MîVEIS
PERGUNTAS 3 Você já sentiu uma sensação de muita tranqui-
Esta atividade propõe a composição de uma lidade? Qual foi a razão? E essa sensação foi
dança com base em perguntas, tendo como refe- construída gradualmente ou foi gerada por um
rência o processo de criação da coreógrafa Pina acontecimento específico?
Bausch, citada no capítulo. Portanto, as pergun- 4 Como você se sente quando experimenta um
tas vão nortear o processo de criação. estado de prazer? O que é prazeroso para você?
A proposta pode ser feita individualmente ou, se pre- 5 Muitas vezes, a dor emocional parece física.
ferir, em um grupo de professores da escola que quei- Quando estamos muito tristes ou preocupados,
ram participar de um processo de pesquisa e criação podemos sentir uma pressão no peito ou dor no
em dança. Se coletivo, será possível acrescentar novos estômago, por exemplo. Você já experimentou
pontos de vista e proporcionar diálogos entre diferen- uma sensação como essa? Como foi?
tes histórias de vida e modos de transformar sensa-
6 Para você, como esses diferentes estados emo-
ções e sentimentos em dança. Trata-se também de
cionais podem se transformar em movimento
uma atividade que pode ser feita com os estudantes.
no tempo-espaço?
Primeira etapa Outra opção, se preferir, é fazer essa etapa de forma
■
Escolha um espaço onde possa realizar a atividade, integrada à etapa anterior. Para isso, primeiro cole
de preferência amplo e adequado para realização os papéis em branco pelo espaço e, enquanto faz o
de movimentos também no chão, se quiser. aquecimento, escreva as perguntas nos papéis as-
sim que lhe vierem à mente.
■
Sente-se em uma posição confortável, inspire pelo
nariz e solte o ar vagarosamente pela boca. Terceira etapa
■
Faça movimentos pelo espaço, como espreguiçar-se, ■
Leia as perguntas que formulou e distribuiu pelo
rolar no chão, expandir e recolher os membros. A espaço e, ao mesmo tempo, reflita a respeito delas
intenção, com isso, é que você possa preparar o enquanto investiga formas de transformá-las em
corpo para o estado de pesquisa e criação. Por- movimento.
tanto, caso desenvolva outro modo de aquecer ■
Faça uma composição de dança com esses movi-
o corpo que contemple suas necessidades, dê mentos, de forma que a criação contemple as res-
prioridade a ele. postas às perguntas que elaborou.
Segunda etapa
■
Se achar oportuno, apresente o resultado. Você
pode, por exemplo, filmar-se dançando e compar-
Formule algumas perguntas que digam respeito aos
tilhar o vídeo com seus pares ou em redes sociais.
sentimentos humanos. Pense naquelas que sejam
importantes para a sua história de vida e, também, Encerramento
em assuntos que você imagina que sejam de inte- Ao término, reflita sobre a experiência. Caso a tenha
resse coletivo, isto é, que perpassem a vida de mui- feito com um grupo de pessoas, reflitam juntos se o
tas pessoas. Escreva cada pergunta em um pedaço modo como lidaram com as situações, sentimentos e
grande de papel e cole-os pelo espaço. sensações e os transformaram em dança se relaciona
de alguma maneira com o contexto histórico, social e
Seguem algumas sugestões de perguntas, caso
cultural em que cada uma das pessoas está inserida.
você queira usá-las como referência:
Pense, ainda, a respeito dos saberes em Dança que
1 Você tem algum medo incontrolável? Se sim, de
você mobilizou para elaborar a composição e os sa-
quê?
beres que conquistou (já que a aprendizagem não
2 Você já se sentiu tão desconfortável em alguma cessa e que a cada processo de pesquisa novos sa-
situação que gostaria de sair correndo? beres são alcançados).
143
D IÁ L OG OS CO M A S CO MPETÊ NC IAS DA BNCC
Competências gerais da Educação Básica 1, 2, 6 e 8
Storyset/Freepik
área de conhecimento, os professores podem
mobilizar neles o olhar para a dança como
uma forma de ampliar a participação social e
a interpretação crítica da realidade para con-
tinuar aprendendo.
Compartilhando com os jovens as especifici-
dades e os elementos constitutivos da Dança,
será possível apresentá-la como uma forma
de negociar sentidos, reconhecendo-a como
maneira de compartilhar valores e identidades
e compreendendo possíveis conflitos de rela-
ções de poder que envolvem as práticas de
linguagem. Assim, espera-se que eles possam
atuar socialmente com base em valores assen-
tados na democracia e nos direitos humanos.
144
DANÇA NA INTERFACE
COM OUTRAS ÁREAS DE
CONHECIMENTO Filmagem de uma dança.
ShareGrid/Unsplash
Como vimos no capítulo anterior, a Dança é uma área do co-
nhecimento humano constituída por saberes específicos. Na
CAPêTULO DEZ
10
híbrida que se constitui na interface entre a dança e o vídeo.
145
INTERDISCIPLINARIDADE
Sabe-se que as artes, especialmente as artes cênicas, são constituídas de
materialidades diversas que se complementam e se fundem. A ocupa-
ção do espaço, o cenário, os figurinos, por exemplo, são elementos que
podem se relacionar tanto com a Dança e o Teatro como com as Artes
Visuais. Uma composição de dança pode se valer de sonoridades, sejam
elas feitas por trilhas reproduzidas mecanicamente, sejam por música ao
vivo, ou mesmo por sons do próprio corpo. Há criações em dança que
atentam para as teatralidades compartilhadas pelos artistas em cena.
Esses são apenas alguns exemplos da maneira como as linguagens artísti-
cas interferem continuamente no domínio das especificidades umas das
outras. Desse modo, muitos artistas e professores pesquisam a dança na
interface com as outras linguagens da arte, como a literatura, o vídeo, a
fotografia, a música, o teatro, as artes visuais, entre outras.
Ainda é possível que as composições e os processos de ensino-aprendi-
zagem em Dança dialoguem com as especificidades de outros campos
do conhecimento humano, como a Antropologia, a Física, a Geografia,
etc. Na BNCC, o fato de a Arte, e consequentemente a Dança, estar in-
serida na área de Linguagens pode, ainda, estimular o estreitamento da
aprendizagem dessa linguagem com as aprendizagens da Língua Portu-
guesa, das Línguas Estrangeiras e da Educação Física.
Embora cada área do conhecimento tenha elementos específicos, um
assunto pode ser abordado sob pontos de vista diversos, de modo a criar
uma aprendizagem ampla, construída por meio do diálogo entre saberes
diversos e múltiplas determinações.
Essa forma de buscar o rompimento com a fragmentação dos saberes,
gerando socialização do conhecimento no campo educativo, é a interdisci-
plinaridade. Inúmeros autores dedicam-se a refletir sobre o tema em busca
da formulação de novas maneiras de organização curricular e um sistema
menos fragmentado de difusão e compartilhamento de conhecimento.
De acordo com Edgar Morin, um dos pensadores que se dedicou à refle-
xão e à difusão desse pensamento:
146
Morin chama a atenção para a necessidade de a combinação entre planos e enquadramentos
considerar o contexto que cerca determinado explora possibilidades criativas. A elaboração
assunto e de todas as possíveis implicações e da dança é intrínseca à elaboração do vídeo;
relações que podem ser observadas para que a ambas as linguagens existem juntas e dialogam
aprendizagem ocorra de forma ampla, alargada entre si de maneira concomitante.
e não fragmentada, permitindo que o todo seja
Assim, os criadores de uma videodança não ape-
compreendido a partir de sua interação com as
nas elaboram os movimentos e o modo como
partes que o constituem.
vai acontecer a ocupação do espaço: o movi-
Desse modo, ao olhar para os processos de en- mento da câmera, as decisões em relação aos
sino-aprendizagem em Dança de maneira dia- planos e enquadramentos e o modo como as fil-
lógica com outros campos de conhecimento magens serão editadas são fatores a se conside-
inseridos na área de Linguagens, será possível rar na criação, pois fazem parte da composição.
desenvolver aprendizagens de maneira abran- O enquadramento da câmera tem a capacidade
gente, considerando contextos diversos e apro- de direcionar o olhar do espectador. Por meio
fundando as formas de saber. das filmagens, são feitas escolhas que atentam
ao que se quer focar em um ambiente. A tecno-
Nesse sentido, o capítulo vai abordar os saberes
logia, assim, pode recriar realidades a partir das
interdisciplinares ancorados nas especificida-
escolhas de quem a opera, pois quem filma es-
des da dança, da tecnologia e do cinema. A cha-
colhe o que e como mostrar determinada cena.
mada videodança, que será apresentada adian-
te, poderá, assim, ser vista ainda em relação com Inicialmente, as primeiras formas de utilização
os saberes pertinentes aos demais conhecimen- do vídeo no contexto dos processos de criação
tos da área de Linguagens e de outras áreas do em dança estavam relacionadas ao campo de
conhecimento humano. Trata-se de tema perti- pesquisa e utilitário. A filmagem de danças era
nente para considerar a interdisciplinaridade em feita para fins de registro, proporcionando que
sala de aula: a produção de uma videodança pe- os movimentos realizados pudessem ser revis-
los estudantes pode, por exemplo, compor um tos e aprimorados.
projeto que contemple esse aspecto.
Foi na década de 1970 que o vídeo começou
a ser utilizado como parte da composição em
VIDEODANÇA: INTERFACE dança. Uma das primeiras experiências é atri-
buída a Merce Cunningham (1919-2009)1 em
ENTRE A DANÇA E O VÍDEO Westbeth, uma videodança produzida em cola-
A videodança se estabelece na fronteira entre a boração com o videomaker Charles Atlas (1892-
dança e o vídeo, unindo saberes específicos de 1972) e lançada em 1975.
cada uma dessas linguagens em uma materialida-
Westbeth aborda o modo como as imagens vis-
de híbrida, apoiada na tecnologia. Ela se constitui
tas na televisão influenciam o olhar do especta-
como uma materialidade artística que está em
dor para uma situação determinada e alteram
contínuo aprofundamento em todo o mundo.
o modo como se sente a passagem do tempo.
A principal característica da videodança é que Para alguns pesquisadores, esse trabalho de
as danças elaboradas para esse formato serão Cunningham e Atlas marca o momento em que
filmadas e projetadas em uma tela. Não se tra- o vídeo deixou de ser uma forma de registro e
ta do registro de uma apresentação de dança passou a agregar valores estéticos e poéticos
apenas, mas sim de uma composição em que nas composições em Dança.
1 Merce Cunningham foi um coreógrafo e dançarino estadunidense, cujo caráter experimental dos trabalhos influenciou os rumos da dança
no Ocidente.
147
PARA Já no Brasil, segundo pesquisadores da área, a primeira artista a criar
APROFUNDAR uma videodança foi Analivia Cordeiro (1954-): Computer dance, realizada
entre 1973 e 1976, que aborda o binômio liberdade-planejamento. Desde
■
ANALIVIA Cordeiro.
então, a produção de videodanças no país vem se desenvolvendo.
Computer dance.
2019. Disponível em:
https://www.analivia.
ENQUADRAMENTOS, ROTEIRO E EDIÇÃO NO CINEMA
com.br/computer- Um conhecimento que pode auxiliar na elaboração de videodanças são
dance-portugues/. as noções sobre a linguagem do audiovisual, como o estudo dos enqua-
Acesso em: 21 dez. dramentos: planos (distância entre a câmera e o objeto filmado) e ângu-
2020. los (altura da câmera em relação ao que é filmado). A combinação das
Acesse o site oficial
variações desses elementos pode proporcionar soluções criativas e poé-
da artista para
ticas, fazendo com que as imagens adquiram vitalidade estética e deixem
conhecer a obra
de ser um mero registro.
Computer dance.
■
DANÇA EM Em linhas gerais, os enquadramentos podem ser caracterizados, entre
FOCO. Festival outros, como:
Internacional de
Forest Simon/Unsplash
Alonso Reyes/Unsplash
Vídeo & Dança.
2020. Disponível
em: http://
dancaemfoco.com.
br/. Acesso em: 13
dez. 2020.
Existem diversos
festivais específicos
para projetos de
videodança, como
é o caso do Dança
em Foco, que você
pode conhecer
acessando o site
oficial.
Nas imagens, exemplos de variação de ângulo plongée (à esquerda) e
■
ESCREVENDO O contra-plongeé (à direita).
FUTURO. Glossário.
■
Plano geral: mostra a extensão da imagem ou da situação captada de
2020. Disponível
em: https://www. forma ampla.
escrevendoofuturo. ■
Plano médio: ao filmar uma pessoa, enquadra-a da cintura para cima. É
org.br/caderno_
usado comumente para filmar diálogos.
virtual/caderno/
documentario/ ■
Plano fechado: foca em detalhes, como partes do corpo, objetos espe-
glossario/. Acesso cíficos, expressões faciais, etc.
em: 21 dez. 2020.
■
Plano sequência: registra uma cena inteira com a câmera em movimen-
O site traz um
glossário ilustrado
to acompanhando a ação, sem cortes.
e simples com ■
Plongée: refere-se ao ângulo da filmagem, nesse caso, feita de cima
alguns dos para baixo. Também conhecido como ângulo alto.
principais termos
da linguagem
■
Contra-plongée: ângulo contrário ao plongée, portanto, mostra a situa-
audiovisual. ção de baixo para cima. Também conhecido como ângulo baixo.
148
O modo como se estabelece a relação entre os reflexões e sentimentos de modo potente e
movimentos da câmera e das pessoas em cena inovador.
é outro fator importante na linguagem do au-
diovisual. Serão citadas aqui quatro possibilida- O TRABALHO COM VIDEODANÇA
des para isso: EM SALA DE AULA
1 Câmera e objeto imóveis;
149
Ao assistirem à videodança, peça também aos estudantes que atentem
PARA ao diálogo que se estabelece entre a Dança, a Música (com sua sonori-
APROFUNDAR dade e letra), os movimentos da câmera, os movimentos dos dançarinos,
■
CIA. ETC. além de outros elementos, como figurinos. Todos esses pontos, em con-
Videodanças. junto, constroem um universo simbólico que dialoga com o cenário em
2020. Disponível que a videodança foi ambientada e que podem gerar diferentes leituras
em: http://ciaetc. para os espectadores, a partir das experiências pessoais de cada um.
com.br/home/
videodancas/.
Outro exemplo interessante é uma iniciativa do Portal MUD, do Museu da
Acesso em: 14 nov. Dança, que promoveu uma ação para estimular artistas a produzirem em
2020. casa vídeos curtos, de até 1 minuto, e compartilharem nas redes sociais.
Assista à Os vídeos foram postados com a hashtag “#danceemcasa” nas páginas
videodança Dorival dos próprios autores. Essa ação ocorreu em 2020, no contexto do avan-
e outras da Cia. Etc. ço da pandemia de Covid-19, e teve como objetivo manter uma conexão
no site oficial do entre os artistas e a promoção de uma rede de afeto. Trata-se de uma
grupo.
referência que pode ser pesquisada e explorada com os estudantes no
desenvolvimento, por exemplo, de projetos similares com eles.
TRAMAS EM
ENSAIOS MÓVEIS
CAMPO
VIDEODANÇA
De que maneira você
Esta proposta visa a possibilitar o exercício da sensibilidade do olhar para a cria-
acha que os recursos
ção de uma videodança. Para realizá-la, você vai precisar de uma cartolina e fita
tecnológicos podem
adesiva para fazer um cone ou de um rolo cilíndrico de papel; uma câmera de ví-
contribuir na criação de
deo, que pode ser a do celular; e um programa ou aplicativo de edição de vídeo.
composições em dança
conectadas com a rea- A primeira etapa é uma forma de aquecimento para a etapa seguinte, pois o
lidade contemporânea? uso do cone ou rolo de papel pode oferecer mais liberdade de movimenta-
Para você, esses recur- ção e, possivelmente, estabelecer um estado de maior concentração e con-
150
Ao realizar esta etapa, considere tudo o que conhece sobre a linguagem do au-
diovisual, como as características dos planos, dos ângulos e dos movimentos de
câmera mencionadas no capítulo. A ideia é que você se movimente pelo trajeto
como se fizesse a filmagem de um vídeo. Depois, reflita:
1 Ao fazer o exercício, você observou algum detalhe para o qual não tinha
atentado antes em outros contatos com esse lugar e trajeto?
Segunda etapa
■
Elabore um roteiro para a realização da videodança. Considere o lugar no qual
quer gravar, as vestimentas que serão utilizadas, o assunto que será abordado e
os movimentos da dança que vai compor a obra. É importante que a videodança
dialogue com o ambiente escolhido, considerando seus contextos.
■
Agende um momento para fazer a gravação no lugar que escolheu, verificando
antecipadamente, se for o caso, a necessidade de pedir autorização ou fazer
reserva para o uso do espaço.
■
Ensaie previamente a dança, se quiser, e, no dia da gravação, faça um aqueci-
mento do corpo antes de começar.
■
A partir do roteiro, experimente os movimentos no espaço em que a videodança
será filmada.
■
Depois de experimentar, reveja o roteiro. É comum surgirem necessidades de
ajustes no planejamento inicial, pois a experiência do fazer pode despertar novas
ideias. Portanto, altere o que julgar necessário.
■
Faça as filmagens com base no roteiro elaborado. Você pode convidar um cole-
ga para ajudá-lo a realizar a filmagem ou usar um tripé para apoiar a câmera, se
estiver sozinho. Leve em conta, entretanto, que esse é um ponto a ser conside-
rado previamente no roteiro, pois interfere nas possibilidades de movimentação
da câmera durante as filmagens.
■
Após as filmagens, caso tenha à disposição os recursos necessários, realize a
edição do vídeo. Há diferentes opções de programas e aplicativos de edição gra-
tuitos, que podem ser utilizados no computador ou no celular. O uso de muitos
deles tende a ser bastante intuitivo e há também tutoriais na internet que podem
ajudar a compreender os mecanismos de cada opção.
■
Por fim, se quiser, compartilhe sua videodança nas redes sociais e busque esta-
belecer um diálogo com as pessoas que a assistirem.
Encerramento
Faça um registro por escrito das impressões e reflexões que essa proposta des-
pertou em você. Reflita sobre os modos como estabeleceu o diálogo entre a
dança e o vídeo e como foi explorado o contexto histórico, social e político do
espaço que ocupou. Avalie quais foram os aprendizados com essa experiência,
enfatizando as soluções encontradas para os desafios que tenha enfrentado.
Se você achar oportuno realizar esta proposta com os estudantes, a escola pode
ser um espaço muito potente a ser explorado.
151
D IÁ L OG OS CO M A S CO MPETÊ NC IAS DA BNCC
Competências gerais da Educação Básica 1, 2, 3, 4 e 5
GoodStudio/Shutterstock
o que proporciona ao estudante apropriar-se da linguagem e
desenvolver uma visão crítica e histórica sobre os modos de
produção, contribuindo para o processo de legitimação e difu-
são da linguagem na sociedade.
Essa competência também pode ser desenvolvida com pro-
cessos de criação, como o de produção de uma videodança.
Desse modo, os estudantes podem construir conhecimentos
com foco na exploração das possibilidades distintas de ob-
servação e de registro de situações e ações a partir das re-
ferências teóricas apresentadas. Ativa-se, com isso, um olhar
aguçado dos estudantes para os aspectos artísticos, históri-
cos, sociais e políticos que envolvem o ambiente da escola e
do lugar em que vivem.
Participando do processo de criação de uma videodança, os
estudantes podem desenvolver, ainda, a competência especí-
fica 7, já que vão explorar recursos digitais, compreendendo o
funcionamento deles e utilizando-os de maneira ética e com-
prometida com o bem comum e o respeito às diversidades.
152
A PLURALIDADE
DA DANÇA NO BRASIL
Apresentação de jongo,
do Grupo de Jongo
Núcleo de Arte e Cultura
de Campos. Campos dos
Goytacazes (RJ), 2019.
11
A Dança traz em si muitos rastros de memórias, saberes, conceitos,
contextos e formas de pensar, sentir e agir no mundo, na sociedade e
na vida. No decorrer dos capítulos deste volume, foi possível discutir
como isso se dá com base no entendimento de alguns conceitos,
tais como corpo, memória, imaginação, experiência, entre outros.
Somam-se a isso aspectos históricos e socioculturais do ensino-
-aprendizagem em Dança no contexto escolar que foram abordados
para contextualizar os processos educativos em Dança no Brasil.
Tudo isso contribui para depreender o cenário da Dança no país.
153
Para tal, o capítulo vai promover a discussão de suas partes”. A Dança toma potência na
sobre manifestações artísticas brasileiras em integração com outras áreas do conhecimen-
Dança, enfatizando o caráter híbrido, crítico e to. A ciência, a imaginação e a criação huma-
de resistência cultural delas perante as desi- na não estão subdivididas em especialidades
gualdades sociais que assolam o país. Parte-se absolutamente independentes. Estas existem
do entendimento de que cada dança expressa como áreas para que se possa aprofundar o
e constrói cultura, expondo, assim, visões de saber-pensar-sentir sobre si, o outro e o mun-
mundo e de sociedade. do. Porém, é na inter-relação entre essas par-
ticularidades que os conhecimentos transbor-
dam e se multiplicam, tornando mais amplas as
OS DIVERSOS SABERES compreensões, as explicações e as aplicações
deles na vida.
DA DANÇA A Dança não está apartada dos outros saberes,
Este volume abordou, até aqui, diversos con-
nem vice-versa, ou seja, outros conhecimentos
ceitos que podem agora contribuir com a com-
não estão alheios às proposições estéticas, ar-
preensão da pluralidade da Dança no Brasil:
tísticas e políticas que constituem uma dança.
existem tantas danças quanto subjetividades
e intersubjetividades entre seres humanos.
QUESTÕES ÉTNICO-RACIAIS
A dança está imbricada ao corpo, mesmo quan-
do ela se dá em outros corpos, sejam eles de NA DANÇA
pessoas, de outros seres animados ou até mes-
mo de corpos inanimados. Um exemplo disso
é a videodança, abordada no capítulo anterior,
na qual a Dança segue um fluxo de expressão e
comunicação de corpo para corpo, porém me-
diada, integrada e mobilizada por diferentes
dispositivos tecnológicos e em diálogo com a
linguagem do audiovisual.
154
outras, gerou conflitos, lutas e resistências. Os da responsabilidade sobre esta desigualdade,
povos oprimidos – africanos e indígenas – de- bem como a mantém como norma e padrão.
senvolveram diversas estratégias de resistên-
Por isso, é fundamental depreender melhor
cia, tendo na arte um espaço fundamental de
o conceito de branquitude. Os povos oprimi-
persistência e transformação ativa da sua cul-
dos vêm lutando há séculos por sua dignida-
tura para lidar com as forças dominantes. Vale
de, mas essa mudança depende também de
ressaltar que ainda se mantém um espaço de
uma compreensão e transformação dos gru-
luta, posto que o racismo e o preconceito con-
pos privilegiados, de modo que reconheçam
tra indígenas e negros ainda imperam no país,
e abram mão desses privilégios materiais e
e uma estrutura racista garante a manutenção
simbólicos.
das desigualdades sociais.
As desigualdades raciais constituem-se por
Em tensões e relações de poder, a cultura é
meio de posições e lugares sociais que cer-
uma das primeiras instâncias que se tenta ani-
tos grupos ocupam e conservam. Além disso,
quilar para que seja possível dominar um grupo
cabe a todo cidadão brasileiro reconhecer que
social, pois ela constitui os modos de um povo
o racismo afeta a todos, pois estrutura pensa-
criar sentido no/com o/do/para o mundo. Foi
mentos e ações de violência e de preconceito.
isso que os jesuítas fizeram com os povos origi-
A ética pressupõe um entendimento de que
nários do Brasil, por exemplo, como foi exposto
a potencialização de cada um está estreita-
no Capítulo 5. E as etnias indígenas brasileiras
mente ligada à potencialização de todos. Uma
continuam enfrentando essa questão. Algo si-
sociedade marcada por essas insígnias sub-
milar se deu e continua a ocorrer com a popula-
jetivas, intersubjetivas e estruturais racistas e
ção negra brasileira. Dessa forma, vive-se ain-
violentas não tem condições essenciais para
da sob premissas marcadas por diásporas que
o desenvolvimento pleno da democracia, da
mantêm e reforçam o racismo e a hegemonia
cidadania e da ética.
da branquitude.
Segundo Lia Vainer Schucman (2014), a bran-
Há diferentes maneiras de dominar. A Unida-
quitude não é estabelecida por aspectos ge-
de 2 tratou desse ponto ao abordar a obra de
néticos e biológicos, mas por uma posição so-
Foucault (1987) e o conceito de corpos dóceis,
cial construída historicamente de acordo com
assim como com Agamben (2009), ao tratar
interesses políticos e econômicos. No caso do
da noção de dispositivo. Ambos mostram que
Brasil, o colonialismo e o imperialismo consti-
não é apenas com o uso da força que as rela-
tuíram a base dos privilégios e das hierarquias
ções de poder imprimem uma marca opres-
do “ser branco” sobre outros grupos étnico-ra-
siva. Há maneiras sutis e perversas de domi-
ciais. Segundo a autora, no país, a ideia de raça
nação e de conservação das desigualdades
baseia-se no fenótipo e na aparência da pes-
sociais; a desvalorização do corpo e da cul-
soa, sendo por meio dessas características que
tura de um povo é uma delas. Discrimina-se
se designa qual grupo racial a pessoa integra.
o dominado, apontando-o como alguém fora
Em conjunto, relacionam-se aspectos sociais,
de um eixo “desejável”, e se enaltece o domi-
étnicos, de gênero, de nacionalidade, de orien-
nador ao considerá-lo como o padrão a ser
tação sexual, entre outros, tendo a discrimina-
alcançado. Os privilégios materiais e simbó-
ção muitas camadas.
licos mantêm-se e legitimam as desigualda-
des étnico-raciais e, de uma forma geral, é o
que caracteriza o racismo. Apenas concentrar
a discussão nos grupos étnico-raciais negros e
indígenas nesta luta exime a população branca
155
Embora o racismo esteja ligado às relações de poder, há um imaginário
TRAMAS EM
CAMPO
preconceituoso que define e se baseia em formas de vida que deveriam
reger a ordem social a partir da aparência física, determinando, assim, os
padrões sociais e culturais a serem seguidos. Há uma ideia de superiorida-
de moral e intelectual do branco que inferioriza e exclui corpos, saberes e De que maneira o enten-
modos de vida de grupos que se distinguem de seus padrões. São meca- dimento dos conceitos
nismos de manutenção do poder de brancos sobre não brancos. de racismo e de branqui-
tude se relacionam com
Vale pensar em como os traços da colonialidade permanecem nos pro-
o ensino-aprendizagem
cessos educativos em Dança. Se a sociedade brasileira é ainda marcada
em Dança? Se possível,
pelo racismo e pela branquitude, é preciso um olhar atento para que em
faça um registro escrito
sala de aula não se reproduzam certos modelos que vão na contramão
dessa reflexão.
dos compromissos da educação, do discurso e da prática docente.
Com base no que foi dito por Walter Mignolo, em entrevista a Luciano
Gallas (2013), pode-se entender o conceito de decolonialidade como um
modo de pensar-sentir-agir criticamente perante a herança da coloni-
zação, de maneira a se opor à lógica de dominação ainda presente na
colonialidade. Para tal, é fundamental se questionar sobre alguns pontos:
1 Quão diversas são as imagens de corpo e de Dança que são construídas em sala de aula?
2 Que subjetividades e relações intersubjetivas são valorizadas ou desprezadas por meio dessas es-
colhas estéticas?
156
Quando o ensino-aprendizagem em Dança não atenta às tensões ideológicas presentes na com-
preensão do corpo, de seus gestos e movimentos, bem como à valorização de certos conhecimen-
tos e formas de vida sobre outras, o processo corre o risco de reproduzir e fortalecer pensamentos,
sentimentos e ações opressivas e hegemônicas. Por essa razão, é importante exercitar com os
estudantes o questionamento e o pensamento crítico sobre as escolhas estéticas e, para isso, a
contextualização histórico-sociocultural nutrida por saberes de outras áreas se faz fundamental.
DANÇAS AFRO-BRASILEIRAS
Segundo Inaicyra Falcão dos Santos (2015), os estudos sobre a cultura brasileira geralmente dão
ênfase ao aspecto antropológico e à transmissão oral em detrimento da linguagem corporal. Para
fortalecer o processo artístico, a autora propõe uma conexão entre corpo, cultura e memória.
O estudo dessa memória e o diálogo com suas matrizes míticas nos fortalecem, enquanto nação, aju-
dando-nos a compreender melhor a nossa cultura, valorizando as nossas diversidades. Por outro lado, na
experiência pessoal, a arte da Dança, enquanto linguagem do sensível, tem me possibilitado uma vivência
rica em conteúdos que norteiam o processo criativo [...]
SANTOS, Inaicyra Falcão dos. Corpo e ancestralidade: uma configuração estética afro-brasileira.
Repertório, Salvador, n. 24, 2015. p. 80.
As danças brasileiras são caracterizadas pela resistência e, de acordo com Eloisa M. Rosa (2013),
isso se dá de três formas:
■
Persistência: garante a preservação dos elementos da estrutura original de uma manifestação
cultural. Relaciona-se à ancestralidade, à memória, à tradição, à religiosidade e aos símbolos.
■
Transformação: possibilita que a Dança se transforme de acordo com contexto em que está in-
serida, de maneira a se adaptar e se fortalecer.
■
Territorialidade: diz respeito ao pertencimento a um lugar e a um tempo, ou seja, a uma região,
a uma comunidade e suas histórias. São formas contextualizadas no tempo e no espaço, que se-
guem um fluxo de atualização do passado e perspectivas para o futuro, assim como de conexão
com o lugar. Há um processo de correlação da Dança com o contexto, em que ambos se trans-
formam mutuamente.
1 Afro-orientadas é um termo proposto por Luciane R. Silva (2017), autora indicada na Bibliografia comentada.
157
ENSAIOS MîVEIS
DIVERSIFICANDO
Wikipedia/Wikimedia Commons
Apresentação de
Maracatu Nação
ou Maracatu de
Baque Virado.
Wikipedia/Wikimedia Commons
Apresentação
de Maracatu
Rural ou
Maracatu de
Baque Solto.
158
Esta atividade objetiva o desenvolvimento de uma proposta que instigue os diá-
logos entre diferentes áreas do conhecimento, a ser realizada com os estudantes
sobre o maracatu (ou, se preferir, sobre outra manifestação cultural brasileira).
Pela breve descrição apresentada, pode-se notar que há conhecimentos his-
tóricos, geográficos, sociais, econômicos, artísticos, incluindo as linguagens da
Dança, da Música, das Artes Visuais e do Teatro, envolvidos no maracatu. Desse
modo, espera-se que a proposta promova a realização de uma pesquisa teórico-
-prática mais ampla desses aspectos. Para isso:
■
Apresente a proposta aos estudantes e defina com eles se a pesquisa será feita
sobre o maracatu ou outra manifestação cultural brasileira. Será importante es-
colher um tema com que eles se identifiquem de alguma forma. Pode ser uma
manifestação local ou de outras regiões do país, como preferirem. O importante
é que se possa expandir a compreensão da Dança, observar as muitas camadas
que envolvem a sua análise, de modo a diversificar a compreensão do repertório
e mobilizar uma postura crítica.
■
Estabeleça os objetivos da proposta e a forma como a turma vai se organizar
para a pesquisa.
■
Em um primeiro momento, é importante que a proposta contemple uma investi-
gação sobre as principais proposições estéticas, culturais e sociais do maracatu
ou da manifestação cultural que você e a turma escolherem.
■
Depois, oriente os estudantes a buscarem relacionar esses saberes, compreen-
dendo as conexões entre os contextos, os conceitos e os procedimentos que
constituem a manifestação cultural. PARA
Por fim, promova uma reflexão com os estudantes sobre as formas de resistên- APROFUNDAR
cia que se apresentam no maracatu. Nesse momento, estimule-os a argumentar
■
IPHAN –
com base nos dados da pesquisa. Algumas questões que podem orientar a con-
INSTITUTO DO
versa são sugeridas a seguir.
PATRIMÔNIO
159
DANÇAS URBANAS
Uma manifestação artística em Dança que dialoga sobremaneira com as
culturas juvenis são as danças urbanas e, mais uma vez, trata-se da com-
plexidade da Dança. Elas dizem respeito a danças que se correlacionam,
discutem, partem e reconstroem o espaço urbano, sem estarem restritas
às metrópoles, tendo em vista que estão em diferentes locais do Brasil
e do mundo, sejam zonas urbanas ou rurais, centrais ou periféricas. A
ampliação das mídias de comunicação contribuiu para essa ampliação
das danças urbanas para diferentes localidades junto às culturas juvenis.
160
O HIP-HOP NO BRASIL com outras manifestações culturais brasileiras
e afro-brasileiras, como o samba.
O Movimento Hip-Hop surgiu nos Estados Uni-
dos mobilizado pelo funk e pelas danças sociais Há uma imensa diversidade ao se pensar em
existentes entre o final dos anos 1960 e o início danças urbanas no Brasil e, no decorrer de apro-
dos anos 1970. Como um movimento dos ne- ximadamente 50 anos desde a chegada no país,
gros estadunidenses em prol da paz, do amor, muitas simbioses aconteceram. São diversas
da união e da diversão, estruturou-se como uma qualidades corporais e de movimento mobilizadas
ação ideológica e política em oposição aos pre- por trocas com referências corporais e culturais.
conceitos e às desigualdades étnico-raciais e Esses movimentos podem ser coreografados ou
sociais que existiam e ainda se mostram pre- improvisados, acontecer em forma de rodas ou
sentes naquele país. O nome do movimento foi preparados para ter uma frente determinada.
difundido pelo músico estadunidense Afrika Há variados espaços onde ocorrem, como ruas,
Bambaataa (1957-), integrante da banda Zulu teatros, festivais, escolas, entre outros.
Nation, que usou o termo hip-hop para se referir
As danças urbanas são uma manifestação cultural
aos encontros entre grafiteiros, rappers, b-boys
estreitamente conectada com as culturas juvenis
e b-girls que aconteciam na periferia de Nova
de diferentes contextos e que, até mesmo por
York (EUA).
conta disso, está em contínua reinvenção. Aspec-
No Brasil, as danças urbanas chegaram por meio tos culturais diversos são apropriados, negados,
de referências da linguagem corporal vistas em transformados, recriados e ressignificados. En-
filmes e revistas, assim como pela transmissão fim, o compartilhamento de informações é uma
oral de jovem para jovem. Elas encontraram constante nesse processo de construção das
força junto aos bailes black que aconteciam no danças urbanas, o que resulta em uma grande
país desde a década de 1970 e se misturaram variedade delas no Brasil e no mundo.
PARA REFLETIR
DANÇAS URBANAS AQUI E AGORA Slim Emcee/Unsplash
161
AS DANÇAS URBANAS NA ESCOLA
Para trabalhar a temática das danças urbanas com os estudantes, uma
possibilidade é apresentar a eles um pouco sobre a história dessas danças
no Brasil e pedir que eles compartilhem o que sabem sobre o assunto.
Os estudantes podem mostrar movimentos que conhecem, caso algum
deles pratique danças urbanas, ou mesmo indicar textos, filmes e video-
clipes que já tenham lido ou assistido.
Um caminho interessante é debater com a turma as apropriações e trans-
formações das danças urbanas em diversos contextos. Por exemplo, o
K-pop, um gênero de música e dança de origem sul-coreana que surgiu
entre o fim da década de 1980 e o início dos anos 1990 e, atualmente, tem
sido fortemente difundido no contexto das culturas juvenis de todo o
mundo, principalmente nas metrópoles. Caracterizado como uma forte
produção da indústria cultural, o K-pop integra diferentes referências da
cultura pop ocidental (como a música eletrônica, o europop, o Hip-Hop e
o R&B) com a música tradicional coreana. É marcado por interesses cultu-
rais, políticos e econômicos que estabeleceram e continuam determinan-
do uma grande produção da indústria cultural do país, com investimentos
e treinamentos rigorosos dos artistas. Enfim, o tema pode ser pesquisa-
do, analisado e refletido criticamente com os estudantes e, inclusive, em
integração com professores de outras áreas do conhecimento.
Vale ressaltar que, por influência das mídias digitais, as culturas juvenis
vêm tecendo uma rede cada vez mais abrangente de conexão entre jo-
vens de diversas regiões. Isso se dá pois esses veículos de comunicação
e interação possibilitam uma troca de experiências e um compartilha-
mento de formas de vida que encontram consonâncias entre os jovens
não apenas de uma mesma região, mas, potencialmente, em diálogo com
residentes em outras partes do Brasil e do mundo. Há um elo que conecta
as diversas maneiras de os jovens observarem, compreenderem e agirem
no mundo em relação com suas vivências pessoais, familiares e comuni-
tárias, constituindo suas culturas e pluralidades. Portanto, pensar essa
cultura juvenil é reconhecer e valorizar a juventude como uma categoria
que expõe e constrói cultura, sociedade e mundo.
Conceitos, contextos e procedimentos relacionados às danças urbanas
e/ou os desdobramentos, deslocamentos e apropriações delas podem
ser, ainda, um interessante caminho para desenvolver metodologias
ativas em sala de aula. Desse modo, os estudantes podem construir
seus conhecimentos em Dança de forma colaborativa com os colegas
e os professores.
O que se espera, como se vem pontuando nos capítulos, é poder integrar
as experiências pessoais e os saberes dos estudantes, considerando o
contexto e o local em que vivem. Nesse processo, instigar a experimenta-
ção, a ampliação das referências, a análise e o pensamento crítico serão
contribuições valiosas.
162
DANÇAS de, que perceber esse escuro não é uma forma
de inércia ou de passividade, mas implica uma
163
Mara Guerrero (2008) destaca que a improvisação pode acontecer de
pelo menos duas maneiras:
■
Estrutura: relações simultâneas que compõem um jogo.
■
Processo: transformações geradas no transcorrer do jogo.
■
Experiência: afetações que o jogo provoca nos participantes e especta-
dores, incluindo os sentimentos, as emoções e as sensações.
■
Função: as intenções que constituem o jogo em termos pessoais e co-
letivos, assim como criativos, cognitivos, emocionais, socioemocionais
e outros.
164
■
Desenvolvimento evolutivo: abrange aspec- para o imaginar e agir prontamente e de forma
tos que dizem respeito à espécie e a cada pes- sagaz. A percepção precisa estar aguçada ao
soa. Dessa maneira, identifica particularida- ambiente e às relações. Deve-se estar interessa-
des e correlações entre os jogos de humanos do pelo inusitado e pelo risco, atento e disposto
e animais, de crianças e adultos, de subjetivi- a se relacionar com o que surge. A autocrítica e
dades e intersubjetividades. o julgamento precisam ser deixados de lado e,
■
Ideologia: compreende os valores que são no lugar deles, recorre-se à imaginação, à auto-
propostos, reforçados ou subvertidos. Abor- nomia e à generosidade.
da aspectos políticos, sociais e pessoais. Não se pode dizer que o jogo em Dança é a única
■
Enquadramento: limites que definem onde e forma de promover a espontaneidade criativa,
quando o jogo começa e termina. mesmo porque não se acredita em uma verdade
plena e absoluta. O que se pode afirmar é que
Para Márcia Pinho (2009), o que caracteriza um
o jogo exige que a imaginação e a ação criati-
jogo cênico é o fato de este possuir uma estru-
va ocorram quase que simultaneamente. Nesse
tura de composição com uma questão/confli-
caso, a espontaneidade é uma necessidade.
to/desafio mobilizador organizada em um certo
tempo-espaço específico. Há uma flexibilidade Para que o jogo em Dança se estabeleça como
para que os jogadores atuem dentro de uma uma criação artística, é preciso correlacionar
gama de possibilidades imprevisíveis de ação, expressão e comunicação. Além disso, seja sem
porém delimitadas por regras predefinidas. Não ou com acordos prévios, o jogo em Dança preci-
há um intuito competitivo, mas sim o objetivo sa não apenas expor maneiras de pensar-sentir-
de criar, expressar e comunicar. Os participan- -agir, mas sobretudo construí-las. E, assim, uma
tes de um jogo cênico precisam colocar-se dis- criação em Dança inevitavelmente poderá sus-
poníveis para a prática corporal, assim como tentar ou subverter estruturas e arranjos sociais.
PARA REFLETIR
JOGOS DE IMPROVISO NA ESCOLA
A partir dos sete conceitos de Schechner, pense sobre como desenvolver um jogo de improviso com os es-
tudantes. Algumas questões podem orientar a reflexão, como:
1 Qual será o espaço e os modos de entrar e sair dele? Quais os acionamentos para que se entre e saia
do tempo-espaço da cena?
3 Quais estratégias podem ser adotadas para lidar com o risco, o inusitado e o desconhecido que surge
durante o jogo de improviso cênico?
5 Há relações com outros jogos conhecidos? Como podem ser incluídos ou transformados?
165
D IÁ L OG OS CO M A S CO MPETÊ NC IAS DA BNCC
Competências gerais da Educação Básica 1, 2, 4, 6, 7, 9 e 10
166
CONSUMAÇÃO E PARTILHA
DE CONHECIMENTOS
Monk
ey Bus
Para começar, reflita a respeito das se- ine
ss
Im
ag
es
guintes questões. /S
hu
tte
r
st
oc
1 O que mais lhe interessa, po-
k
tencializa e realiza enquanto
professor?
com os estudantes?
12
artísticos e pedagógicos orientados por um senso crítico sobre aspectos
culturais, sociais, históricos e políticos. Além disso, como já foi apresen-
tado anteriormente, é preciso considerar as correlações entre corpo e
psique, corpo e ambiente, corpo e cultura. Destarte, para pensar
em dança, é fundamental compreender o corpo que dança. Não
à toa, ao longo de todo este livro, foram enfatizadas a subjetivi-
dade e a intersubjetividade nos processos educativos em Dança.
167
REFLEXÕES SOBRE DISCURSOS
E PRÁTICAS DOCENTES
Cabe começar este capítulo retomando a ideia de uma educação mais
plena. Mas o que isso significa na área de conhecimento da Dança?
168
disso, a emoção e o sentimento fazem parte dos mecanismos de cons-
trução de sentidos simbólicos e significações de si, do outro, do mundo
e da sociedade. Identificar como uma pessoa afeta o entorno e é afetada
por ele é fundamental nos processos educativos, sobretudo em Dança.
A ética precisa ser um conceito orientador, pois, como já foi exposto an-
teriormente, oferece a compreensão de que a potência de cada um está
conectada com a potência de todos, e vice-versa. Mesmo que isso seja ig-
norado, as relações tecem tramas que afetam todos em diferentes graus.
Trabalhar nessa chave permite pensar-sentir-agir de maneira contra-he-
gemônica, opondo-se às muitas formas de desigualdades étnico-raciais,
sociais e culturais que assolam a sociedade brasileira. Para a construção
da cidadania e da democracia, é fundamental que as pessoas conheçam PARA
sua própria força de ação no mundo, mas, principalmente, percebam que APROFUNDAR
é na correlação com o outro que essa força se intensifica. ■
PINHEIRO,
Diógenes; RIBEIRO,
É nesse fluxo de potência entre singularidades e coletividades que a ética
Eliane; VENTURI,
se constitui, aliada à empatia, que permite a aproximação com o outro ao
Gustavo; NOVAES,
colocar-se em sua perspectiva, e à alteridade, que contribui para o reco- Regina (org.).
nhecimento e a valorização das diferenças. O olhar para o outro não deve Agenda Juventude
ocorrer no sentido de homogeneizá-lo ou de tentar normatizá-lo em um Brasil: leituras
padrão específico, mas, sim, perceber a diversidade através do outro e sobre uma década
ampliar os próprios horizontes. de mudanças. Rio
de Janeiro: UNIRIO,
Por fim, a solidariedade favorece que cada um se implique e esteja com-
2016. Disponível
prometido com o outro. Sem o desenvolvimento da empatia, da alteri-
em: https://
dade e da solidariedade, não é possível construir uma sociedade mais bibliotecadigital.
respeitosa, justa e ética. Nessa perspectiva, pode-se perceber que o pro- mdh.gov.br/jspui/
cesso educativo transborda os muros da escola, constituindo-se como handle/192/133.
uma construção familiar, comunitária, nacional e internacional. Acesso em: 16 dez.
2020.
Soma-se a esse processo uma conexão com as culturas juvenis que busque
A leitura desse
promover maior amplitude nas trocas e na construção do conhecimento.
artigo possibilita
As juventudes expressam e constroem culturas, estéticas, mundos e socie- refletir mais sobre
dades. Logo, não é possível falar de uma educação plena sem considerar as juventudes
a multiplicidade da juventude como categoria histórica, social e cultural. brasileiras.
169
Outro aspecto é a educação digi-
Getty Images/iStockphoto
tal, que se relaciona estreitamente
com a realidade vivida por parte
dos jovens brasileiros e, dessa for-
ma, precisa ser incluída no proces-
so educativo. Ao considerarmos a
educação digital, é importante des-
tacar que a tecnologia pode ser uti-
lizada como um recurso que auxilia
a tecer outras relações, de manei-
ra a multiplicar espaços e tempos,
bem como a conectar o âmbito real
ao virtual, o passado ao presente, a
esfera pública à privada. Portanto,
ela precisa ser observada, analisa- A tecnologia se conecta à realidade de muitos jovens e pode ser uma
da e discutida de forma crítica. ferramenta eficaz nos processos de ensino-aprendizagem.
170
PONTES ENTRE SABERES
A Dança, quando abordada pelo caráter sociopolítico, encontra uma cor-
relação principal com a educação. No decorrer dos capítulos deste livro,
essa relação dialógica e mutuamente potente entre Dança e educação foi
abordada de diferentes modos. Com base nesse aspecto, pode-se pensar
em alguns princípios e saberes em Dança que podem ser mobilizados e
integrados nas diversas áreas do conhecimento.
171
dos. Movimento gera imagem, que gera sensa-
ção e, assim, segue em inúmeras combinações.
PLANEJAMENTO EM
Ao mesmo tempo, uma experiência torna-se
imagem, que se faz construção simbólica e,
CONTEXTO
assim, promove outras experiências de forma Como dito anteriormente, o ensino-aprendi-
consecutiva e indeterminada. zagem em Dança para o Ensino Básico, assim
como o planejamento, não deve apresentar es-
Desse modo, o que define e configura o cami-
truturas fixas e rígidas baseadas em códigos e
nho para a construção do conhecimento em
modelos estéticos. Mais do que transmitir os
Dança é uma correlação entre:
conhecimentos, a proposta é construí-los com
■
as necessidades e os interesses dos estudan- os estudantes; mais do que adotar uma postura
tes, dos professores e da escola; mecanicista, utilitarista, produtivista ou consu-
■
as histórias de vida e os percursos formativos mista da Arte e da Dança, a ideia é experimentá-
em Dança dos estudantes e dos professores; -las e consumá-las.
■
as integrações com outros profissionais do- Os planejamentos de processos de ensino-
centes e seus respectivos saberes; -aprendizagem em Dança não precisam apre-
sentar um ponto de chegada prefixado, mas,
■
as características e condições de cada am-
sim, um rumo a seguir, mesmo que incerto. No
biente escolar;
entanto, isso não quer dizer que o processo fi-
■
os contextos históricos e socioculturais que que à deriva, como um “deixar fazer”. Ele tam-
compõem cada realidade. bém não pode, de forma alguma, ser alienado
Com base nessas informações, é possível fazer ou vazio de sentido. Há uma direção, mas o ca-
um mapeamento para identificar os facilita- minho está aberto para reconhecer e ajustar-
dores e as dificuldades de cada acontecimen- -se às demandas, às necessidades e aos des-
to educativo em Dança. Algumas estratégias locamentos imprevisíveis que podem ocorrer,
podem contribuir para potencializar o ensino- bem como às especificidades dos encontros.
-aprendizagem, como perceber quais discursos Além disso, o planejamento é importante para
e práticas são mais ou menos mobilizadores de assegurar que não ocorram a acomodação e a
acordo com as características de cada grupo de reprodução de fórmulas fixas ou, ainda, ações
estudantes e de cada contexto escolar. desconectadas das pretensões do processo de
ensino-aprendizagem.
Cabe ressaltar que a Dança está
presente em diferentes tempos-es- RF._.studio/Pexels
172
Desse modo, o planejamento do processo pedagógico é um instrumento
teórico-metodológico de reflexão permanente sobre a relação entre o
contexto histórico-social do grupo e a elaboração e a prática das aulas.
Também é importante que ele esteja integrado às estratégias avaliativas,
bem como aos seus objetivos e critérios. Esses elementos caminham jun-
tos de maneira complementar, nutridos pelo pensamento crítico e alme-
jando a ação social.
Como um exercício da ação-reflexão-ação, o planejamento pauta-se no
questionamento e na reflexão sobre as seguintes perguntas em cada pro-
cesso educativo: por que, para que, para quem e como fazer? Logo, o
objetivo do planejamento é instigar e oferecer possibilidades para que o
estudante experimente e crie imagens corporais, poéticas e simbólicas,
repletas de sentido e mobilizadas pelas subjetividades e intersubjetivida-
des que compõem este corpo crítico.
Em suma, planejar é imaginar uma ação ou um conjunto de ações movido
por um propósito baseado nas necessidades e circunstâncias que com-
põem cada contexto histórico e sociocultural. É um processo contínuo e
dinâmico, constituído por tomadas de decisões (elaboração das aulas),
aplicações e experiências (prática das aulas) e acompanhamentos. A
ideia é que o planejamento contribua para que a teoria-prática das aulas
seja espontânea, criativa, significativa e transformadora.
O planejamento do processo pedagógico possibilita que as propostas e
suas aplicações tenham diretrizes, coerência e sentido. Entender o pro-
cesso e seu propósito permite a identificação, o desdobramento, a ex-
pansão e o aprofundamento do que mobiliza o grupo, potencializando a
construção do conhecimento em Dança; os detalhes ou as imprevisibili-
dades passam a ser importantes para a compreensão e o desenvolvimen-
to desse processo. O planejamento precisa estar sempre aberto para ser
revisto. Para tal, a intencionalidade educativa é fundamental, possibilitan-
do, assim, depreender como cada acontecimento pode ser vivenciado
em sua máxima intensidade e transformado em arte e conhecimento.
O planejamento orienta o trabalho para que este se mantenha fiel aos
propósitos e valores que compõem a intencionalidade de cada proces-
so educativo em Dança. Ele possibilita escolher recursos metodológicos
condizentes com os propósitos das aulas. Os propósitos são variados,
mas é importante que estejam pautados no pensamento crítico, vincula-
dos às questões dos contextos sociais do grupo e às suas necessidades,
bem como comprometidos com a ética, a autonomia, a solidariedade, a
diversidade, a liberdade e o respeito.
Por vezes, o planejamento pode se prender a um formulário, com “obje-
tivos gerais”, “objetivos específicos”, “conteúdos”, “estratégias” e “ava-
liação”. Essa estrutura tende a reforçar uma perspectiva “tarefeira”, que
entende a Dança na escola quase que exclusivamente como uma apre-
sentação de final de ano, um festival de dança, uma prova ou mesmo uma
173
experiência ensimesmada. Não se pode esquecer que processo e produto,
assim como o planejamento, a elaboração e a prática das aulas de Dança,
têm uma relação dialógica e crítica. Tudo está conectado. Os produtos e
os processos são definições provisórias de algumas escolhas que se ali-
mentam reciprocamente. Assim, o que demanda o produto é o processo,
e o que sugere direções para o processo é o produto. As relações entre
diferentes saberes e entre o mundo e a sociedade fazem com que pensa-
mentos e teorias sejam conectados à prática, e vice-versa.
174
delos fixados, mas, sim, buscar sempre outras Quanto aos espaços formais, estes são constituí-
possibilidades de diálogo, de troca e de amplia- dos pelo Ensino Básico e pelos diferentes níveis
ção dos próprios discursos e práticas. Propõe- de formação profissional. Na Educação Básica –
-se a ideia do professor-pesquisador, isto é, um composta da Educação Infantil, do Ensino Fun-
professor investigativo, curioso, imaginativo e damental e do Ensino Médio –, há uma série de
criativo, o que não deve ser encarado como uma questões históricas e socioculturais, já abordadas
obrigação, mas como uma forma de atuar de no decorrer dos capítulos, que apontam para ten-
forma autônoma e livre. sões, conquistas e demandas que a Dança, como
uma área do conhecimento artístico e da lingua-
Para dar continuidade a essa reflexão, cabe ob-
gem, ainda enfrenta.
servar como tem ocorrido hoje a formação do-
cente em Dança no Brasil. O primeiro ponto a se Ainda no âmbito dos espaços formais, há o Ensi-
abordar são os espaços de formação em Dança: no Técnico de Dança associado ao Ensino Médio,
informal, não formal e formal. podendo ocorrer de forma integrada, concomi-
tante ou subsequente a ele.1 Em geral, essa mo-
Os espaços informais são marcados pela assi-
dalidade de ensino destina-se a aprofundar os
milação e apropriação da Dança mediante um
estudos dos principais elementos da Dança, que
processo de comunicação das linguagens cor-
são abordados por diferentes perspectivas es-
poral e oral. Esses espaços são as ruas, os rituais,
téticas, considerando aspectos da constituição
as festas, entre outros. Esta unidade tratou das
subjetiva e intersubjetiva, da formação do cida-
danças urbanas e das manifestações culturais
dão e das relações com o mundo do trabalho.
brasileiras, como o maracatu, que são exemplos
de danças que transitam por diferentes espa- Quanto a esse ponto, vale destacar que novas
ços, inclusive os informais. propostas têm sido formuladas com o objetivo
de superar a formação técnica meramente vol-
Cabe ressaltar que algumas vezes os pensamen- tada à preparação para o mercado do trabalho.
tos hegemônicos que constituem a cultura brasi- Por isso, discute-se a necessidade da ampliação
leira restringem essas manifestações aos espaços do olhar para construir um ensino-aprendiza-
informais. Há anos têm surgido reivindicações gem em Dança mais criativo e propositivo. Mais
para que as diversidades das manifestações ar- do que preparar tecnicamente o cidadão apenas
tísticas brasileiras estejam presentes em diversos para os desafios do mercado de trabalho atual,
locais de formação em Dança. Isso fortalece uma reflete-se sobre uma formação mais ampla, que
postura democrática e contra-hegemônica. contemple as potências da Dança e a constru-
As danças que ocorrem em espaços não for- ção de outras formas de pensar-sentir-fazer
mais são aquelas praticadas em academias e Dança no mundo, na sociedade e no trabalho.
escolas de dança, em festivais e encontros artís- Como espaço formal, há também os cursos su-
ticos, cursos livres, projetos sociais, instituições periores de Dança, que podem ser de bachare-
culturais e outras associações de naturezas di- lado ou de licenciatura. O bacharelado forma
versas. Podem ter inúmeros intuitos, como de- artistas e criadores em Dança que atuam na
dicar-se a uma formação técnica e artística em pesquisa, na criação, na produção e/ou na di-
uma concepção estética de Dança específica, fusão. Já a licenciatura volta-se à formação de
em um processo de preparação de intérpretes, professores de dança, que são também pesqui-
coreógrafos, entre outros; ou ser mais dedicada sadores, apresentando uma ênfase na correla-
à integração e à ação social. ção com o campo educacional. As duas modali-
1 No Ensino Médio Integrado, o estudante frequenta o Ensino Médio e o Ensino Técnico ao mesmo tempo na mesma instituição. No Ensino
Técnico Concomitante, o estudante realiza o curso técnico em uma instituição diferente e paralelamente ao Ensino Médio, a partir do 2º ano.
Já o Ensino Técnico Subsequente pode ser feito após a conclusão do Ensino Médio.
175
dades compreendem a Dança como campo de pesquisa e de construção
de conhecimento. Dessa forma, são espaços em que se desenvolve o
pensamento crítico e de proposição e as responsabilidades estética, so-
cial e política.
Eugene Titov/Shutterstock
referências artísticas, teó-
rico-práticas e estéticas,
mas todas são permeadas
pela pesquisa e pela imagi-
nação criativa.
A área de criação e
interpretação é uma
das possibilidades
profissionais da Dança
no mundo do trabalho.
176
Nagaets/Freepik
Kokulina/Shutterstock
São inúmeros os profissionais, técnicos e especialistas de diferentes áreas envolvidos nos campos de atuação do setor
artístico. As imagens mostram o trabalho de um técnico de iluminação e o de uma maquiadora.
■
Criação e interpretação: dedica-se ao campo ■
Assistente de direção: auxilia o diretor em
da pesquisa, criação, composição, interpreta- suas funções.
ção e apresentação cênica. Algumas possibi- ■
Ensaiador: concentra-se em criar estraté-
lidades de ação profissional em Dança nessa
gias que auxiliem os bailarinos a se apro-
dimensão são:
priar das qualidades de movimento de uma
■
Bailarino/dançarino/intérprete: pode atuar criação, assim como das relações com os
como intérprete na criação de outro profis- elementos da cena.
sional; como intérprete-criador, colaboran-
■
Formação: abrange a atuação docente em
do com a criação do outro; ou como criador-
Dança em diferentes espaços (formais, não
-intérprete, exercendo o papel de criador da
formais e/ou informais).
sua própria composição em Dança.
■
Coreógrafo: cria a escrita do corpo e do mo-
■
Difusão: compreende as assessorias de co-
vimento no tempo-espaço, concebendo a municação que divulgam os processos e as
composição coreográfica em Dança. Pode produções artísticas; assim como os críticos
atuar também em cena ou optar por coreo- de Dança, que fazem um exercício de discus-
grafar outras pessoas. são dos sentidos de uma dança ao publicarem
suas análises, suas conexões com outros sabe-
■
Dramaturgista: investiga e relaciona os con-
ceitos que compõem a coreografia para res e suas reflexões.
refletir criticamente, compreender as pro- ■
Produção: constitui as diferentes funções
posições estéticas e aproximar as intencio- desempenhadas pelo produtor e pelo assis-
nalidades e ações das criações em Dança. tente de produção, que estruturam e geren-
■
Diretor artístico: organiza os componentes ciam os materiais, os recursos, as etapas da
cênicos e as conexões entre todos os profis- produção, o cronograma e o orçamento, bem
sionais envolvidos no processo de pesquisa como articulam outros profissionais e suas
e criação cênica. atividades.
177
ENSAIOS MîVEIS
DANÇA EM PROCESSO E PRODUÇÃO
Esta atividade sugere o planejamento de uma proposta que será desenvol-
vida com os estudantes, com o objetivo de promover um espaço de expe-
rimentação dos diferentes campos de atuação em Dança apresentados no
capítulo, além de outros que você identificar e considerar pertinentes. A ideia
é que eles possam reconhecer as ocupações que mais lhes despertam inte-
resse e vivenciá-las, ou seja, que possam interpretar ou criar uma coreografia,
ou ainda dirigir uma pesquisa e criação, produzir um trabalho cênico, divulgar
ou comunicá-lo, escrever uma análise crítica sobre uma dança a que assistiu,
entre outras possibilidades.
Nesta proposta, considera-se a importância do processo que envolve o pla-
nejamento e a avaliação, no sentido de fluir nas correlações entre as práti-
cas e reflexões. A seguir estão alguns pontos importantes que devem ser
considerados para organizar procedimentos e promover a construção do
conhecimento. O intuito é favorecer a criação de estratégias para estabe-
lecer diálogos com os estudantes, potencializar suas experiências e ampliar
as possibilidades de integração de saberes entre pessoas, grupos e áreas do
conhecimento. O ideal é que esta proposta seja desenvolvida colaborativa-
mente com outros professores de diferentes áreas.
1 Converse com os estudantes sobre algumas ocupações em Dança. Quais eles conhecem e quais desper-
tam o interesse deles? Procure inter-relacionar todas essas ideias e integrá-las em uma única proposta
de atividade. Ela pode levar algumas aulas para se completar. O planejamento vai se modificando ao
longo dessas conversas; por isso, anote as transformações que ocorrerem. É interessante que cada estu-
dante possa descobrir suas potencialidades e que o planejamento possa ser permeável ao processo que
está sendo vivenciado. Assim, planejamento e avaliação acontecem de forma integrada e processual.
2 Com base nas trocas com os estudantes, prepare uma proposta de atividade que potencialize cada
um e todos através dessas conexões. Os estudantes podem se organizar em grupos ou assumir indi-
vidualmente uma função. As decisões e os modos de organização vão depender do formato que for
definido para a proposta e do interesse que os estudantes demonstrarem. Procure fazer dessa ativi-
dade uma experiência de pesquisa tanto para os estudantes quanto para você. Surpreenda-se na sua
própria proposta, de maneira que possa encontrar caminhos distintos do que está habituado a realizar
em sala de aula.
3 Converse com os estudantes e com os outros professores, se for o caso, que participaram da criação
e da aplicação da proposta. Discutam e analisem a experiência como um todo, fazendo anotações dos
principais pontos desse diálogo.
4 Retome suas anotações dos planejamentos e das avaliações que permearam toda a proposta. Leia
em voz alta seus materiais de anotação e identifique o que surgiu de diferente no procedimento, na
estratégia, nos conhecimentos gerados, entre outros aspectos.
5 Observe e valorize o que sua experiência anterior proporcionou de base para esta proposta. Faça uma
autoanálise relacionando esta atividade com suas histórias pessoais e profissionais.
178
D IÁ L OG OS CO M A S CO MPETÊ NC IAS DA BNCC
Competências gerais da Educação Básica 4, 9 e 10
179
PARA RECOMEÇAR...
Esta unidade promoveu uma discussão a respeito da Dança como campo de co-
nhecimento humano capaz de tecer conexões estreitas dos sujeitos consigo mes-
mos, com os outros e com o mundo em que vivem. Além disso, problematizou
questões acerca dos direitos humanos e da manutenção das diferentes culturas.
Nesse sentido, a Dança foi vista como uma forma de questionar os mecanismos
de dominação e violência que existem entre diferentes grupos sociais, e gerar
diálogos multiculturais que nutram a construção de sociedades mais justas e
igualitárias. As danças afro-brasileiras foram apresentadas de modo a enfatizar
as características de resistência, persistência e determinação de territorialida-
des, em um fluxo contínuo entre passado, presente e futuro, acolhendo as mu-
danças e as retroalimentações entre as tradições e os saberes contemporâneos.
Outro tema importante debatido na unidade foi a formação artística e docente
em Dança, com base no reconhecimento da Dança como campo de atuação
profissional e na discussão sobre a presença de professores-artistas de Dança
na escola. A discussão sobre as relações entre a Dança e o mundo do trabalho
contemplou, ainda, os desafios enfrentados por essa linguagem tanto na prática
docente quanto no reconhecimento de forma mais ampla.
As conexões com as culturas juvenis também foram trabalhadas, enfatizando a ne-
cessidade de promover processos de ensino-aprendizagem que considerem os in-
teresses dos jovens em interação com os saberes compartilhados pelos professores.
E, além disso, o conceito de interdisciplinaridade foi apresentado como forma de
contemplar o ensino-aprendizagem por área, conforme sugerido pela BNCC, e como
uma forma de pensamento não fragmentada sobre a educação escolar. Nessa pers-
pectiva, a linguagem da videodança foi apresentada como forma de conexão entre
áreas de conhecimento distintas que geram uma materialidade específica e híbrida.
Freepik/
Freepik
180
BIBLIOGRAFIA COMENTADA
181
MIGNOLO, Walter; GALLAS, Luciano. Danca-Graduacoes-em-Danca-no-Brasil_Varios-
Decolonialidade como o caminho para a Autores.pdf. Acesso em: 17 dez. 2020.
cooperação. IHU: Revista do Instituto Humanitas A obra trata dos cursos e percursos das
Unisinos (on-line), n. 431, nov. 2013. Disponível graduações em Dança no Brasil por meio da análise
em: http://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/5253- de diversos pesquisadores da área de Dança.
walter-mignolo. Acesso em: 17 dez. 2020.
Entrevista com o professor Walter Mignolo em ROSA, Eloisa Marques. Perspectivas das danças
que ele aborda, entre outros temas, o conceito de populares brasileiras na atualidade: tradição e
decolonialidade. retradicionalização. In: VII Reunião Científica da
Abrace, 2013, Belo Horizonte. Anais ABRACE
MORIN, Edgar. Educação e complexidade: os sete (on-line). Belo Horizonte: Universidade Federal
saberes e outros ensaios. São Paulo: Cortez, de Minas Gerais, 2013. Disponível em http://www.
2005. portalabrace.org/viireuniao/estperformance/ROSA_
A obra trata da complexidade do mundo Eloisa_Marques.pdf. Acesso em: 17 dez. 2020.
contemporâneo e apresenta formas de propor e No artigo, a autora discute os processos de
desenvolver processos de ensino-aprendizagem resistência, perpetuação e transformação das
condizentes com um pensamento amplo e não danças brasileiras.
fragmentado.
SANTOS, Inaycira Falcão dos. Corpo e ancestralidade:
NUNES, Ana Paula. Cinema, dança, videodança uma configuração estética afro-brasileira. Repertório,
(entre-linguagens). 2009. Dissertação (Mestrado Salvador, v. 1, n. 24, p. 79-85, 2015. Disponível em:
em Comunicação) – Instituto de Artes e https://portalseer.ufba.br/index.php/revteatro/article/
Comunicação Social, Universidade Federal download/14831/10176. Acesso em: 17 dez. 2020.
Fluminense, Niterói, 2009.
O artigo apresenta um processo estético
A dissertação aborda um breve histórico da dedicado à Dança, à Arte e à Educação, marcado
videodança, aspectos da formação nos campos pela relação entre a pesquisa, os mitos da
da Dança e do Cinema e trata das possibilidades ancestralidade afro-brasileira, as histórias de vida,
de interação estabelecidas entre as duas os gestos e as ações cotidianas.
linguagens.
SCHUCMAN, Lia Vainer. Sim, nós somos
PINHO, Márcia Duarte. Quando a dança é jogo e
racistas: estudo psicossocial da branquitude
o intérprete é jogador: do corpo ao jogo, do jogo
paulistana. Psicologia & Sociedade (on-line), Belo
à cena. 237 f. 2009. Tese (Doutorado em Artes
Horizonte, v. 26, n. 1, p. 83-94, 2014. Disponível em:
Cênicas) – Universidade Federal da Bahia, Salvador,
https://doi.org/10.1590/S0102-71822014000100010.
2009. Disponível em https://repositorio.ufba.br/ri/
Acesso em: 17 nov. 2020.
handle/ri/9622. Acesso em: 17 dez. 2020.
Artigo que apresenta um estudo interdisciplinar
A pesquisa aborda o jogo como recurso e
sobre branquitude relacionando as categorias
possibilidade de criação cênica por meio de
raça, racismo e psicologia.
elementos de improvisação e de composição
coreográfica.
SILVA, Luciane da. Corpo em diáspora: colonialidade,
pedagogia de Dança e técnica Germaine Acogny.
PRIMO, Rosa. Artista docente: incursões e
2017. Tese (Doutorado em Artes) – Universidade
mutações nos modos de existência. OuvirOUver:
Estadual de Campinas, Instituto de Artes, Campinas,
revista do Programa de Pós-Graduação em
2017. Disponível em: http://www.repositorio.unicamp.
Artes da UFU, Uberlândia, Universidade Federal
br/handle/REPOSIP/331753. Acesso em: 17 dez. 2020.
de Uberlândia, v. 10, n. 2, p. 196-204, 2014.
Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/ Pesquisa que discute corpo, cultura e colonialidade
ouvirouver/article/view/27850. Acesso em: 17 na Dança, adotando uma perspectiva crítica sobre
dez. 2020. a diáspora africana, a hegemonia de pensamentos
Artigo que discute a subjetividade nos processos eurocêntricos e as proposições estéticas no
de docência em Dança, com base na ótica da campo da Arte e da Educação.
formação em Dança nas universidades.
STRAZZACAPPA, Marcia; MORANDI, Carla. Entre a
ROCHA, Thereza; INSTITUTO FESTIVAL DE DANÇA arte e a docência: a formação do artista em dança.
DE JOINVILLE (org.) Graduações em Dança no Campinas: Papirus, 2006.
Brasil: o que será que será? Joinville: Nova Letra, No livro, as autoras discutem aspectos históricos,
2016. Disponível em: http://www.ifdj.com.br/site/ culturais e sociais da relação entre Dança e
wp-content/uploads/2016/07/IX-Seminarios-de- docência.
182
PARA ENCERRAR O VOLUME DE DANÇA
Neste volume, a formação docente em Dança foi compreendida como um
processo continuado de autoconhecimento, de alteridade, de percepção
de si, do outro e do mundo. Buscou-se mobilizar um olhar atento e afetivo
nas/com/das/para as experiências. O corpo foi abordado em sua capa-
cidade de afetar e ser afetado pelo entorno, o que se dá por meio de um
fluxo que integra passado, presente e futuro.
183
Para finalizar, relembre como foi a experiência que teve com este volume.
Releia as anotações que fez, sobretudo aquelas geradas pelos questio-
namentos propostos nas seções Ensaios móveis, Para refletir e Tramas
em campo. Busque relembrar as percepções e memórias aguçadas com
a leitura, as práticas e as análises propostas, assim como o que imaginou,
criou, sentiu e construiu a partir delas. As perguntas a seguir podem aju-
dar você nessa reflexão:
184