Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Raça Na Construção Do Projeto Nacional - Trabalho Giovanna Canzi
Raça Na Construção Do Projeto Nacional - Trabalho Giovanna Canzi
29 de janeiro de 2020
Resumo
Este trabalho procura discutir raça como um assunto central da construção do projeto
nacional, e de “brasilidade”; passando pela construção do mito da democracia racial -
ideologia que já foi contestada e superada pelos estudos raciais brasileiros - mas mantém-se
viva e fazendo parte do conhecimento do senso comum à respeito das relações entre as
diferentes raças na sociedade. Partindo das primeiras discussões sobre relações raciais no
Brasil até alguns elementos de perpetuação da ideia de paraíso racial passando pelos
discursos de coesão nacional, o texto é uma tentativa de mostrar como o discurso da
branquitude se constituiu como coluna da ideia de boa convivência entre as raças, ao passo
que se colocava no lugar da não-raça, colocando o negro como um “problema” da sociedade
brasileira, construindo uma noção de brasilidade de antagonismos atenuados.
Joaquim Nabuco, também defensor da Abolição, olhava para a razão nacional como a
possibilidade de construção da nação. A abolição era necessária para evitar a dispersão social,
e iniciar uma sociedade liberal. O ponto chave de entendimento dos abolicionistas era de que
o sistema escravocrata impedia a formação da nação e da identidade nacional. (NABUCO,
1883). Desde a Independência, a discussão sobre as relações raciais no Brasil se dava pela via
da conciliação e coesão, a fim de criar um novo tipo de projeto nacional – onde as raças se
relacionariam com harmonia, e que a figura do mestiço pudesse transitar pelas camadas
sociais – esse era um ponto importante do pensamento social, principalmente quando
comparando-se à realidade social dos Estados Unidos (Jim Crow). Esse discurso da coesão
era orquestrado e interessava à classe política da específica, mais voltada aos princípios
liberais e inspiradas pelo Iluminismo.
O brasileiro, não é visto nem como branco, negro ou indígena, mas a mistura dos três.
E enquanto mecanismo de coesão, o mito da democracia gerou a caracterização do
"brasileiro" que faz parte de uma massa homogênea, e o que foge disso não é ideal. A
mestiçagem aparece como a maneira de "redimir" o negro, tornando-o "mestiço",
"misturado". Nesse momento, o branqueamento toma forma e se torna uma ideia aceitável
por todo o país - se apresentando como a desvalorização da estética negra e como meio de
"salvar"/"melhorar" a raça através de casamentos interaciais.
Hofbauer aponta uma ligação entre "status social" elevado com "cor branca/raça
branca" e incorporando também a possibilidade de "metamorfose da raça" por meio do
branqueamento. Essa interpretação do mundo, do status e das relações sociais a partir das
relações raciais foi marcante para a construção da ordem social brasileira.
O mito da democracia racial, muito atribuído à Gilberto Freyre, mesmo que ele nunca
tenha usado esse termo específico para expressar as relações entre as raças, não se constituiu
a partir do autor, mas remonta uma ideia que se arrasta desde o pré-abolicionismo.
O que Gilberto Freyre apresentou em sua obra Casa Grande & Senzala, apesar de ser
uma ruptura com o racismo científico presente nas ciências sociais até o momento, foi um
destaque à constituição de nação opressiva, que agrupava antagonismos e conflitos, mas que
possibilitaria a construção de um espaço social favorável à ascensão do mulato – figura ou
tipo racial que caracterizaria o brasileiro. Gilberto Freyre apontava o regime brasileiro como
um dos mais “democráticos, flexíveis e plásticos” (Freyre, 1992:52).
Entretanto, as elites, sabem e tem muito bem estabelecido no seu ethos, quem é negro
e quem não é, quais os lugares sociais pré-estabelecidos e qual a hierarquia social. A negação
de raça, é na verdade a negação de que branco não é raça; e se um país se constitui a partir de
um projeto de embranquecimento, ratificar esse discurso faz total sentido para a proteção do
grupo social das elites. O Brasil se constitui com a pretensão de ser uma nação onde não há
raça, mas a todo momento vive uma sociedade com relações racializadas.
Ao falar sobre a história (sincera) dos estudos sobre o negro no Brasil, Guerreiro
Ramos, explicita uma segunda corrente - pós Euclides da Cunha, Alberto Torres e Oliveira
Viana - onde "o elemento negro se torna assunto" para se estudar a partir da diferenciação de
outros grupos étnicos. O negro, para autores como Gilberto Freyre, segundo Guerreiro
Ramos, é visto como "algo estranho, exótico, problemático, como não-Brasil, ainda que
alguns protestem o contrário". Um grupo social, uma identidade é colocada como problema
quando há outra para ser referencial, ou quando essa outra aponta a primeira como
problemática.
Enquanto o Brasil se colocava e era visto como não-racista pelo fato de incentivar a
miscigenação e a "boa relação" entre as raças, o motivo pelo qual isso se dava como política
só foi melhor analisado como racista posteriormente. O branqueamento, não serviu somente
para aquele momento, e por mais que tenha sido desconstruído tanto pela academia (Projeto
Unesco dos anos 50), quanto pela militância (Movimento Negro dos anos 70), ainda se faz
presente no dia-a-dia, no discursos, e se evidencia fortemente, como explicita Hofbauer, "pela
quantidade de termos de cor", e pela "pequena porcentagem de pretos nas estatísticas
oficiais". Embora nos últimos anos a adesão da categoria de autodeclaração “preta” tenha
aumentado.
O mito do paraíso racial não se verifica como verdade na realidade da vida social,
mas se mantém como discurso agregador e que se vê no dia-a-dia sendo utilizado como
mecanismo de negação de desigualdade racial pelas elites - servindo como perpetuador das
hierarquias.
Bibliografia
FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos. 2. ed. São Paulo: Global,
2007.