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Editorial

Lutas de mulheres: pautas antigas e desafios constantes

Luciana Kind1 e Luana Souza2

A despeito da longa história de lutas de mulheres, cotidianamente se atualizam pautas


básicas: participação política, ocupação de cargos de destaque em organizações, desigualdades
salariais, violências, subalternidade e opressão. Consoante com essa observação, Michelle
Perrot nos lembra que os feminismos são, desde sempre, “a tomada de palavra e vontade de
representação das mulheres” (2005, p. 323).
No Brasil, desde o século XIX ouve-se vozes de mulheres. Pioneiras não nos faltam:
Nísia Floresta e sua tradução interpretativa do livro de Mary Wollstonecraft; Maria Firmina dos
Reis, escritora abolicionista; Bertha Lutz, abrindo as histórias de mulheres na política (BLAY;
AVELAR, 2019). No cenário recente, em agosto de 2019 testemunhamos a I Marcha das
Mulheres Indígenas em momentos de coalisão com a VI Marcha das Margaridas. As
articulações de ambos os movimentos de mulheres - as indígenas e as trabalhadoras rurais -
tiveram início nas últimas décadas do século passado. As lutas são distintas, mas articulam-se.
Cláudia Mayorga (2014) nos lembra que as articulações são frequentes na história dos
feminismos: abolicionistas e sufragistas sincronizavam-se, houve envolvimento de mulheres
latinoamericanas com movimentos de resistência às ditaduras que assolavam esse naco do
continente, vimos diversidade de lutas por direitos civis e assim por diante. A despeito disso,
como expõe a autora “em vários países, a inserção de mulheres brancas e das classes médias no
espaço público através do trabalho não resultou, necessariamente, numa reconfiguração das
relações na vida privada.” (p. 227). Ao contrário, o trabalho doméstico continuou sendo
protagonizado por mulheres, mas negras e de camadas populares, sem perder sua condição de

1
Professora da Faculdade de Psicologia da PUC Minas. Doutora em Saúde Coletiva (IMS/UERJ), com pós-
doutorado em Psicologia Social (UFMG). E-mail: lukind@gmail.com
2
Mestranda no Programa de Pós-graduação em Psicologia da PUC Minas. Psicóloga pela PUC Minas São
Gabriel. E-mail: lusouza93@gmail.com

Pista: Periódico Interdisciplinar. Belo Horizonte, v.1, n.2, p. 3-5, ago./nov. 2019 3
Luciana Kind; Luana Souza
Lutas de mulheres: pautas antigas e desafios constantes

trabalho de baixo valor (social e econômico) e “revelando que raça e classe são dimensões da
experiência de muitas mulheres não consideradas por perspectivas mais clássicas do gênero.”
(MAYORGA, 2017, p. 227)
Se a cena doméstica continua a mostrar as desigualdades de raça, classe e gênero que
estruturam sistemas de opressão e privilégios da nossa sociedade, a cena pública brasileira tem
nos deixado perplexas com a legitimação de discursos misóginos e o retrocesso no plano
político, com a extinção da Secretaria de Políticas para Mulheres, subsumida no Ministério da
Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do atual governo. Lançam-se, portanto, desafios
atuais de assimetrias que podiam ser imaginadas como superadas. Como ilustração, enquanto
as plataformas digitais foram invadidas por hashtags com um “basta” para situações de assédio
sexual, como a #MeToo e no Brasil a #MeuAmigoSecreto, vimos recentemente a hashtag
#DesculpaBrigitte ampliar o sentimento de vergonha nacional, para uns, e de orgulho, para uns
poucos, quando Brigitte Macron foi alvo de ataques misóginos por parte do alto escalão do
governo, cujos representantes entenderam ser apropriado comentar pejorativamente a aparência
da professora e primeira dama francesa. Ampliemos nosso olhar para a ocupação da cena
pública e para como temos acolhido, em nossos estudos, as lutas de mulheres.
A pesquisadora Vivian Santos (2018), por meio de suas investigações sobre mulheres
na ciência, feminismos negros e estudos decoloniais, nos convoca à coalização político-
epistêmica como forma de resistir aos saberes hegemônicos. O apelo da autora por uma
“desobediência epistêmica” é ilustrado por sua própria postura de questionar suas pesquisas, ao
indagar-se como classe, gênero, raça e sexualidade são aí contemplados. Também nós, como
leitoras e leitores da ciência que se faz sobre/com/de/para mulheres, podemos intensificar a
posição reflexiva ao mergulhar nos textos que se apresentam neste dossiê.
Se acompanhamos as/os autoras e autores que nos fazem companhia nesse editorial,
como vislumbramos na atualidade, como pesquisadoras/es, a posição de mulheres na vida
econômico-social, no trabalho e nas organizações? Esta é a questão que se deduz para o dossiê
proposto pelo Periódico Interdisciplinar: Sociedade, Tecnologia e Ambiente – PISTA. Com
essa pauta, o corpo editorial e as/os autoras e autores que colaboram no dossiê dedicam-se a
uma auspiciosa tarefa: ampliar a visibilidade de mulheres, lançar luz às formas como têm
ocupado a cena pública, problematizar as formas como são representadas, colocar em discussão
desigualdades e violação de direitos. O diálogo interdisciplinar com colaboradores/as em
diversos campos do conhecimento enriquece o olhar de leitoras e leitores, fazendo jus ao
subtítulo do dossiê que destaca a oferta de “múltiplas perspectivas de análise”.

Pista: Periódico Interdisciplinar. Belo Horizonte, v.1, n.2, p. 3-5, ago./nov. 2019 4
Luciana Kind; Luana Souza
Lutas de mulheres: pautas antigas e desafios constantes

REFERÊNCIAS

BLAY, Eva Alterman; AVELAR, Lúcia. (Org.). 50 anos de feminismo: Argentina, Brasil e
Chile. São Paulo: EdUSP, Fapesp, 2019. 2ª reimpressão.

MAYORGA, Cláudia. Algumas contribuições do feminismo à Psicologia Social Comunitária.


Athenea Digital, v. 14, n. 1, p. 221-236, 2014.

PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru, SP: EDUSC, 2005.

SANTOS, Vívian Matias dos. Notas desobedientes: decolonialidade e a contribuição para a


crítica feminista à ciência. Psicologia & Sociedade, v. 30, e200112, 2018.

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