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EXPERIÊNCIA, TRABALHO
E ARTESANATO: as rendeiras de Lagoa
do Sobradinho (Luís Correia-PI) e a
produção de renda de bilro.
Samires Lima Souza1
Amanda Maria dos Santos Silva2
Resumo
O artigo trata-se de um estudo de campo realizado com as rendeiras de bilro da
comunidade de Lagoa do Sobradinho em Luís Correia-PI, com o objetivo de identi-
ficar as experiências das rendeiras no local. Foram entrevistadas três rendeiras que
possuem grande conhecimento na prática do rendar. A partir da utilização da histó-
ria oral foi possível obter relatos, informações sobre o desenvolvimento do ofício no
local e as perspectivas das artesãs sobre a manutenção do conhecimento tradicional
na comunidade. Obteve-se como resultado questões de gênero, trabalho e identida-
de cultural que interferem na prática e na manutenção do saber tradicional na co-
munidade. 53
Palavras-chave: Renda de bilro. Lagoa do Sobradinho. Rendeiras.
Abstract
The article is a field study carried out with the billet lace makers from the commu-
nity of Lagoa do Sobradinho in Luís Correia-PI, and its objective is to identify ex-
periences of the lace makers in the place. Three of them, who have great knowledge
and experience in making laces, were interviewed. By using oral speech, it was pos-
sible to obtain their reports and information about the development of the craft in
the place and their perspectives on the maintenance of the traditional knowledge in
the community. As a result, questions of gender, work and cultural identity have
interfered with the practice and maintenance of traditional knowledge in the com-
munity.
Keywords: Billet lace. Lagoa do Sobradinho. Lace makers.
1
Graduanda em Turismo pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), Campus Ministro Reis Velloso, Par-
naíba. E-mail: samiresjm@hotmail.com
2
Mestre em Educação Brasileira. Bacharel em Turismo. Graduada em História. Professora auxiliar do
curso Bacharelado em Turismo da UFPI. E-mail: amssphb@gmail.com
ISSN 2447-7354
Revista Piauiense de História Social e do Trabalho. Ano III, n. 04. Janeiro-Julho de 2017. Parnaíba-PI
ISSN 2447-7354
Samires Lima Souza & Amanda Maria dos Santos Silva
ISSN 2447-7354
Revista Piauiense de História Social e do Trabalho. Ano III, n. 04. Janeiro-Julho de 2017. Parnaíba-PI
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Samires Lima Souza & Amanda Maria dos Santos Silva
formações que afirmem com precisão a ras, sendo repassada de geração a gera-
história da comunidade, no entanto a ção pelas mulheres da comunidade.
ocupação da localidade é relatada pelos
Dona Maria de Lourdes (2016) des-
moradores, os quais guardam em suas
creve que: “de primeiro só faziam renda
memórias individuais e coletivas marcas
com espinhos, agora que as pessoas tão
do passado que hoje ajudam a contar o
usando alfinete. No tempo da mamãe
presente. Assim, a rendeira Francisca
ela usava lamparina em cima da mufa-
Soares (2016) relatou: “o lugar não mu-
da3, via a hora a lamparina cair e acabar
dou quase nada, a diferença é que antes
com tudo”. Além da melhoria dos obje-
as casa não era feita de tijolo, era casa
tos usados para produzir o artesanato, a
de taipa”.
produção tornou-se mais eficaz devido
Com relação ao nome do povoado os materiais industrializados e dá che-
Francisca Soares (2016) afirma que: gada da eletricidade à comunidade, pos-
“dizem os mais antigos que o nome do sibilitando a facilidade de produzir me-
lugar se deu, porque onde ficam as du- lhor durante a noite.
nas tinha um sobrado com dois andares,
Um aspecto interessante que aproxi-
aí chamaram o lugar de sobradinho”.
ma a realidade das rendeiras da comu-
Além de relatos de que havia um sobra-
nidade, que também é observado em
do onde hoje se localiza as dunas, há
um estudo de Camila Bergamin (2005)
suposições que há 100 anos, onde se
sobre rendeiras em Florianópolis, relata
localiza as mesmas, já foi moradia de
que:
índios.
A história da comunidade se confun- 57
de com a história das rendeiras, pois há O trabalho com a renda era necessário a essas
relatos que as primeiras moradoras mulheres não só como complemento para a
trouxeram e repassaram o conhecimen- arrecadação de dinheiro para manutenção da
to tradicional na comunidade, no qual casa [...] Muitas dessas mulheres eram espo-
até hoje é possível encontrar esse patri- sas de pescadores, que passavam longas tem-
mônio imaterial. poradas em alto mar, acabando por deixar o
sustento e a chefia da família nas mãos e nos
As rendeiras da comunidade de La-
bilros dessas mulheres (BERGAMIN, 2005,
goa do Sobradinho fazem parte de uma
p. 16).
pequena parcela de mulheres do litoral
piauiense, que de forma autônoma man-
têm o conhecimento na produção da
Essa situação era encontrada em
renda de bilro. A partir do relato de Ma-
quase todas as famílias da comunidade,
ria de Lourdes, atualmente é possível
atualmente poucas famílias reproduzem
identificar a atuação de 30 rendeiras,
essa forma de vida, pois muitos já se
onde a maioria é idosa e donas de casa,
aposentaram e sobrevivem da agricultu-
com idades entre 40 a 60 anos, praticam
ra familiar de subsistência, do trabalho
o oficio por lazer e por necessidades
autônomo e do aposento, dessa forma a
financeiras.
produção do bilro transformou-se em
Não foi possível identificar com pre-
cisão quando foi iniciada a produção da
renda na comunidade, sabe-se que essa 3
tradição veio com as primeiras morado- Segundo as rendeiras, “mufada” é especifica-
mente a almofada própria para produzir o artesa-
nato renda de bilro.
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(2016) quando questionada sobre a dife- lia e com amigas, no entanto o aprendi-
rença dessas peças explica, “a renda zado muitas vezes era imposto para as
mesmo, ela é toda reta, já a renda de filhas, pois as mesmas deveriam buscar
bico ela tem uma ponta, por isso o no- uma forma de conseguir recursos para
me”. comprarem bens materiais, essa realida-
de pode ser vista a seguir:
Além da mãe havia uma parcela que Essa realidade baseia-se na não inse-
aprendia com outros membros da famí- ridade do artesanato na cadeia produti-
va, que causa um desinteresse nos jo-
5 vens, pois eles enxergam a prática de
Segundo a rendeira, assentar a renda é começá-
la.
rendar como forma de conseguir recur-
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sos financeiros, no entanto as rendeiras lidade dificulta a ida das artesãs para a
além de questões financeiras enxergam praia, deixando seus produtos na condi-
o ofício como forma de lazer. “Fazer ção de não visibilidade e resultando na
renda é uma forma de se distrair, é um não inseridade da renda no mercado.
exercício pra mão da gente”, relata Ma-
ria de Lourdes (2016).
Conclusões
Quando questionada sobre sua pers-
pectiva com relação à continuidade do A partir das experiências relatadas foi
oficio no local, a rendeira Maria de possível observar que os métodos na
Lourdes (2016) afirma: produção continuam tradicionais, além
disso, foram poucas as mudanças nos
instrumentos para produzir o artesana-
Sinceramente eu tô preocupado com esse to, tais instrumentos que são produzidos
trabalho daqui, parece que tá em extinção, pelas artesãs e por moradores, usam os
mas enquanto pelo meno uma que nem eu, mesmos materiais de muitos anos atrás,
uma como a Vilma, não vamo parar não, e a participação do homem na produção
mas quando a gente morrer, acho que acaba. da renda apenas e apresentada na fabri-
Agora esses mais novos aí, só se tiver outro cação de alguns objetos que fazem parte
tipo de trabalho para eles aprenderem a fa- do bilro.
zer, porque se não aparecer comprador vai
continuar do mesmo jeito assim. Com relação às perspectivas das
rendeiras sobre a continuidade do oficio
60 Porém, a rendeira Maria Vilma
no local, foi observado que há duvidas
entre as artesãs, segundo os relatos exis-
tem em torno de 30 rendeiras na comu-
(2016), quando questionada, acredita
nidade. De acordo com a definição de
que sua reprodução não irá acabar, diz:
patrimônio imaterial, a prática de ren-
“eu acredito que não vai acabar ainda
dar sofre ameaça de não permanecer no
tem muita rendeira por aqui”.
local sendo esquecida pelos jovens, po-
Apesar de opiniões contrarias, a rea- rém nada impede que ela não seja re-
lidade de ambas é parecida, as duas re- produzida posteriormente e continue a
clamam da falta de compradores, pois fazer parte do local.
não há visibilidade acerca dos produtos
Conforme os relatos foram possíveis
vendidos, além disso, todas as rendeiras
analisar as motivações que implicam na
trabalham separadamente, o que causa
valorização e manutenção do patrimô-
certa disputa entre elas, porém foi rela-
nio no local, uma delas é a baixa co-
tado que uma vez ou outra as artesãs se
mercialização do artesanato, o que acar-
reúnem para se ajudarem.
reta na falta de interesse dos jovens em
Dona Francisca Soares (2016), quan- aprender o oficio das mães, pois segun-
do questionada sobre a exposição das do as rendeiras, a visão que eles possu-
confecções de bilro na praia que seria em sobre esse patrimônio é voltada ape-
uma forma de aumentar sua visibilida- nas para as questões financeiras, e as
de, relata: “eu já fui na praia vender visões das artesãs se referem principal-
minha renda, mas as pessoas pegam na mente como uma prática que lhes ofere-
renda com a mão suja e não compra cem lazer.
elas, aí estraga a renda, assim não vale a
Além disso, os jovens não foram
pena ir na praia vender elas”. Essa rea-
obrigados a aprender o oficio desde cri-
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Samires Lima Souza & Amanda Maria dos Santos Silva
Referências
ANGELO, Elis Regina Barbosa. Te-
cendo rendas: gênero, cotidiano e ge-
ração, Lagoa da Conceição, Florianó-
polis SC. Dissertação (mestrado). Pro-
grama de Pós-Graduação em História,
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 2005.
BERGAMIN, C. A importância da renda
de bilro na economia familiar em Florianó-
polis no início do século XX e a sua conti-
nuidade no tempo presente. Revista Santa
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