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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PATRIMÔNIO CULTURAL

Anderson Machado

OS OURIVES EM SANTA MARIA, RS: A HISTÓRIA DO OFÍCIO E DA


PRODUÇÃO LOCAL DE JOIAS

Santa Maria, RS
2020
Anderson Machado

OS OURIVES EM SANTA MARIA, RS: A HISTÓRIA DO OFÍCIO E DA


PRODUÇÃO LOCAL DE JOIAS

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Patrimônio Cultural, da
Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM, RS), como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em
Patrimônio Cultural.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Marta Rosa Borin

Santa Maria, RS
2020
DEDICATÓRIA

Dedico a realização desta pesquisa e a conquista do título de Mestre à memória de meus


avós, Perilho Rodrigues Machado e Suely Maria dos Santos Machado, e ao meu amor,
Maiquel Francisco dos Santos Rios, joias de inestimável valor.
AGRADECIMENTOS

À Universidade Federal de Santa Maria e seus servidores, pelo ensino de qualidade e


estrutura disponibilizados.
À minha estimada orientadora prof.ª Marta Rosa Borin, pela confiança, dedicação e
suporte oferecido no decorrer dessa bonita jornada.
Às prof.as Mônica Elisa Dias Pons e Daniele Dickow Ellwanger, pela disponibilidade,
coerência e assertividade no acompanhamento e avaliação da pesquisa.
Ao corpo docente do PPGPC, especialmente às prof.as Denise de Souza Saad, Heloisa
Helena Fernandes e Fernanda Kieling Pedrazzi, pelos afetos partilhados.
À prof.ª Mariana Kuhl Cidade, do laboratório de joalheria do Centro de Artes e Letras
da UFSM, pela acolhida durante as atividades de Docência Orientada.
Ao coordenador do curso, prof. Átila Augusto Stock da Rosa, e ao secretário, Alaor
Lencina, pelo aprendizado engrandecedor durante meu período como bolsista e representante
discente.
Às equipes técnicas da Casa de Memória Edmundo Cardoso e da Secretaria de
Município de Desenvolvimento Econômico, Turismo e Inovação, da Prefeitura Municipal de
Santa Maria, pela organização dos recursos que foram utilizados no estudo.
Ao prof. José Antônio Brenner, pela prestatividade e valorosas contribuições.
Aos ourives e joalheiros de Santa Maria participantes da pesquisa, especialmente o
Gilvan Mostardeiro, amigo que inspirou a escolha desta temática.
Aos queridos colegas, Vera Lucia Scotto Leite, Andréssia Dias, Andressa Masetto,
Patrícia Nanthal Machado, Luiza Gutheil Bayer, Dêivide Millani, Hugo Henzel Steinner e
Fernanda Liberalesso, pelos momentos de amparo, empatia e descontração.
Às prof.as da Universidade Franciscana, Maria da Graça Portella Lisbôa, Salette
Mafalda Oliveira Marchi, Círia Moro e Edir Bisognin, pelo constante incentivo à carreira
acadêmica.
Ao Maiquel Rios, meu porto seguro e principal incentivador.
Aos meus pais, Cláudio e Rita, meus irmãos, Alisson e Alexandre, e à tia Ondina, pelo
apoio familiar.
Às minhas melhores amigas, Luiza Copetti, Eduarda Schaefer e Érika Cruz, que, perto
ou longe, estão sempre na torcida.
Ao Marlon Dias, pela primorosa revisão.
À Mãe Iemanjá, guia e luz do meu caminho. Gratidão!
Joias são minerais, pedaços de terra comprimidos,
pilhas de carbono cristalino. O que lhes dá brilho
é a sua história. É o mesmo com o homem.

RZA, The Tao of Wu


RESUMO

OS OURIVES EM SANTA MARIA: A HISTÓRIA DO OFÍCIO E DA


PRODUÇÃO LOCAL DE JOIAS

AUTOR: Anderson Machado


ORIENTADORA: Marta Rosa Borin

Enquanto criação humana, a joia carrega consigo valores estéticos e comerciais portando
significados subjetivos relacionados às memórias e à arte. Através dos tempos, estes artefatos
se configuraram como um elo entre o passado e o presente, entre o real e o simbólico, tornando-
se testemunho material das culturas dos povos. No vasto universo da joalheria, destacam-se,
além das perspectivas simbólicas e místicas, as relações sociais e de trabalho. Diante disso, a
presente pesquisa apresenta um estudo multidisciplinar sobre a história da joalheria e do ofício
de ourives. Valendo-se de uma metodologia que privilegiou a utilização de fontes
bibliográficas, dados empíricos e entrevistas, este estudo apresenta um panorama geral sobre a
evolução da joalheria no percurso histórico mundial, destacando também a ourivesaria
brasileira, narrando acontecimentos importantes que acompanharam o desenvolvimento do
setor joalheiro no país. Com o auxílio de documentos existentes em locais que salvaguardam
acervos sobre a memória local, a pesquisa apresenta a história da joalheria em Santa Maria, RS,
possivelmente iniciada com a chegada dos imigrantes alemães na segunda metade do século
XVIII. Para complementar a história da ourivesaria local, utilizou-se também entrevistas para
registrar e compreender memórias e outros relatos de ourives e joalheiros atuantes na cidade.
Além disso, através de um levantamento realizado com dados obtidos na Prefeitura Municipal
de Santa Maria, foi possível conhecer a realidade do mercado joalheiro local e definir suas
características. No desfecho do estudo, apresenta-se o processo de criação do produto derivado
da pesquisa, o projeto de um livro intitulado “Os ourives em Santa Maria, RS”, sobre a
ourivesaria local, a ser utilizado como subsídio histórico-pedagógico para a promoção de ações
educacionais, divulgação turística da cidade e valorização deste ofício em Santa Maria.

Palavras-chave: Ourivesaria. Joalheria. Santa Maria. História. Patrimônio Cultural.


ABSTRACT

THE GOLDSMITHS IN SANTA MARIA: THE HISTORY OF THE CRAFT AND


LOCAL PRODUCTION OF JEWELRY

AUTHOR: Anderson Machado


ADVISOR: Marta Rosa Borin

As a human creation, jewelry carries aesthetic and commercial values with subjective meanings
related to memories and art. Throughout the ages, these artifacts have been configured as a link
between the past and the present, between the real and the symbolic, becoming a material
testimony of cultures of peoples. In the vast universe of jewelry, social and work relations
stand out in addition to symbolic and mystical perspectives. Thus, this research presents a
multidisciplinary study on the history of jewelry and the goldsmiths’ craft. Using a
methodology that privileged the use of bibliographic sources, empirical data, and
interviews, this study presents an overview of the evolution of jewelry in the world historical
trajectory. Moreover, it highlights the Brazilian jewelry narrating important events that
accompanied the development of the jewelry sector in the country. With the help of existing
documents in places that safeguard collections on local memory, this research presents the
history of jewelry in Santa Maria, RS, which possibly started with the arrival of German
immigrants in the second half of the 18th century. To complement the history of local jewelry,
interviews were also conducted to record and understand memories and other reports of
goldsmiths and jewelers who work in the city. In addition to it, it was possible to know the
reality of the local jewelry market and define its characteristics through a survey conducted
with data obtained from the City Hall of Santa Maria. At the end of the study, the process of
creating the product derived from the research is presented. This product is a book project
entitled “The goldsmiths in Santa Maria, RS”, which is about local jewelry and is meant to
be used as a historical and pedagogical subsidy for promoting educational actions,
tourist dissemination of the city, and appreciation of this craft in Santa Maria.

Keywords: Goldsmith. Jewelry. Santa Maria. History. Cultural Heritage.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Casa de Memória Edmundo Cardoso, Santa Maria (RS). ....................................... 23


Figura 2 – Rodela do Paleolítico com a imagem de um bisão. ................................................ 34
Figura 3 – Sophia Schliemann, em 1873. ................................................................................. 36
Figura 4 – Trajes da Rainha Pu-abi. ......................................................................................... 36
Figura 5 – O escaravelho representado em um dos 26 peitorais encontrados na tumba do faraó
Tutancâmon. .......................................................................................................... 38
Figura 6 – Máscara mortuária de Tutancâmon, 1323 a.C. ....................................................... 39
Figura 7 – Look da Coleção Métiers d'art 2018/19 – CHANEL, inspirada no Egito Antigo. . 40
Figura 8 – Brincos etruscos em ouro e pedras preciosas, aprox. 500 a.C. ............................... 41
Figura 9 – Galbei, bracelete romano oferecido como honraria militar. ................................... 41
Figura 10 – Cruz relicário da Rainha Tamar Khobi, datado do séc. XII (frente e verso). ....... 42
Figura 11 – Pingentes em estilo Gótico e Renascentista, respectivamente. ............................. 43
Figura 12 – Ornamento para o corpo em estilo Barroco, aprox. séc. XVII. ............................. 44
Figura 13 – Colar em estilo Art Nouveau, de René Lalique (1899) e detalhe ampliado. ........ 44
Figura 14 – Broche no estilo Art Nouveau, Lucien Hirtz, 1925. ............................................. 46
Figura 15 – A atriz Marlene Dietrich, na década 1940, utilizando o bracelete “Jarretière”, de
Van Cleef & Arpells. ............................................................................................. 47
Figura 16 – Brincos da década de 1970, Kenneth Jay Lane, 1972. .......................................... 47
Figura 17 – Tradicional grampo para cabelo chinês................................................................. 48
Figura 18 – O Marajá de Patiala e o colar da Cartier, 1925. .................................................... 49
Figura 19 – Colar hindu, confeccionado em ouro, para cerimônia de casamento, séc. XIX. .. 50
Figura 20 – Par de bracelete do povo Edo, entalhado em marfim, aprox. 1815. ..................... 51
Figura 21 – Bracelete em liga de cobre fundido, do povo Yoruba, séc. XVIII. ....................... 51
Figura 22 – Homem da etnia Gogodala, posando com adornos de plumas, na região do Rio
Aramia. .................................................................................................................. 52
Figura 23 – Adorno para o nariz, cultura Calima, região Malagana (Colômbia), aprox. 1300.
............................................................................................................................... 53
Figura 24 – “Um ourives em sua oficina”, Petrus Christus, 1449. ........................................... 57
Figura 25 – Retrato da Rainha Elizabeth I, de William Segar, 1585. ...................................... 62
Figura 26 – Caixa de rapé (vista superior), acervo do Palácio de Versalhes. .......................... 63
Figura 27 – Cartão de visita de Samuel Taylor, Londres, aprox. 1740-1750. .......................... 64
Figura 28 – L’Affaire Du Collier de La Reine, Böhmer e Bassenge, aprox. 1770. ................. 65
Figura 29 – Pingente relicário, Alexis Falize, 1869. ................................................................ 67
Figura 30 – A atriz Edith Mary Jay Gould, com joias Cartier, na década de 1900. ................. 69
Figura 31 – Pearl Egg, Fabergé, 1917. ..................................................................................... 70
Figura 32 – Grampo para cabelo, René Lalique, aprox. 1905. ................................................. 71
Figura 33 – Broche esmaltado, Louis Aucoc, aprox.1900. ...................................................... 72
Figura 34 – Tiara Fern (samambaia), incrustada de diamantes, Henri Vever, 1900. ............... 73
Figura 35 – Bracelete com anel, Alphonse Mucha e Georges Fouquet, 1899. ........................ 73
Figura 36 – Colar, C.R. Ashbee, 1896. .................................................................................... 74
Figura 37 – Tiara esmaltada em ouro, pérolas e cristais de rocha, Henry Wilson, 1909. ........ 75
Figura 38 – Pingente em ouro esmaltado, pérola, opala e ametista, Edith Dawson, 1900. ...... 75
Figura 39 – Publicidade de joias em estilo Liberty, criadas através do esquema Cymric, 1902.
............................................................................................................................... 77
Figura 40 – Colar de Carl Otto Czeschka para o Ateliê de Viena, 1905. ................................. 78
Figura 41 – Broche, Dagobert Peche, 1922. ............................................................................. 78
Figura 42 – Broche em prata, âmbar e ágata, Georg Jensen. ................................................... 80
Figura 43 – Anel Trinity, Cartier. ............................................................................................. 81
Figura 44 – Broche “Feuilles de houx”, Van Cleff & Arpels, 1935......................................... 82
Figura 45 – Colar Cartier inspirado na cultura Mughal, 1936.................................................. 82
Figura 46 – Bracelete, Jean Desprès 1930. ............................................................................... 83
Figura 47 – Broche “All-White”, Cartier, aprox. 1930-1940. .................................................. 84
Figura 48 – Criações de Fulco di Verdura para Coco Chanel, década de 1930. ...................... 85
Figura 49 – Broches L’Occupation (jun. 1940) e La Libération (ago. 1944), Cartier. ............ 86
Figura 50 – Broche Grand Bouquet e colar Passe-partout, Van Cleef & Arpels, 1940. .......... 87
Figura 51 – Colar sem título, Alexander Calder, 1940............................................................. 88
Figura 52 – Anel, Margaret de Patta, 1954. ............................................................................. 88
Figura 53 – Colar “Dhalia”, Gijs Bakker, 1986. ...................................................................... 90
Figura 54 – Bracelete “American Dream”, ROY, 1993. .......................................................... 91
Figura 55 – Broche, Edward de Large, 1981. ........................................................................... 92
Figura 56 – Broche-relógio “Eye of Time”, Salvador Dalí, 1949. ........................................... 93
Figura 57 – Pulseira, Gerda Flöckinger, aprox. 1970-1980. .................................................... 94
Figura 58 – Brincos, Susan Cross, 1988................................................................................... 95
Figura 59 – Colar personalizável, na caixa (esq.) e montado (dir.), Hermann Jünger, 1990. .. 95
Figura 60 – Time-lapse de um anel em aço inoxidável e gema sintética, 1987. ...................... 96
Figura 61 – Broche “Athene Noctua”, Kevin Coates, 1983. .................................................... 97
Figura 62 – Par de brincos Carajá. ......................................................................................... 100
Figura 63 – Nossa Senhora de Guadalupe, séc. XVII, Museu da Catedral de Salvador, Bahia.
............................................................................................................................. 102
Figura 64 – Barra de ouro, Século XVIII. .............................................................................. 103
Figura 65 – “Vendedor de flores na porta de uma igreja” (detalhe), Jean-Baptiste Debret,
1831. .................................................................................................................... 106
Figura 66 – Mapa de rendimento do ouro nas Reais Casas de Fundição em Minas Gerais,
entre julho e setembro de 1767. ........................................................................... 107
Figura 67 – Estribo-sapata (prata), ourives Antônio da Silva Oliveira, São Paulo, século XIX
e faca (prata e ouro), ourives não identificado, Sorocaba, São Paulo, 1843. ...... 110
Figura 68 – Miniatura sobre marfim e pedras brasileiras (Retrato de Feijó), ourives Miguel
Arcanjo Benecio de Assunção Dutra, Itu, São Paulo, 1832. ............................... 111
Figura 69 – Penca de balangandãs, século XIX. .................................................................... 111
Figura 70 – Colar de alianças, séc. XVIII. ............................................................................. 112
Figura 71 – Florinda Anna do Nascimento, aprox. 1880. ...................................................... 113
Figura 72 – Sacra, Museu de Arte Sacra de São Paulo, século XVIII. .................................. 113
Figura 73 – Casa Hanau, publicidade da década de 1920. ..................................................... 116
Figura 74 – Casa Castro, década de 1930. .............................................................................. 117
Figura 75 – Casal Sayeg, em 1924. ........................................................................................ 118
Figura 76 – Rosa Okubo, primeira proprietária de uma joalheria no Brasil, década de 1930.
............................................................................................................................. 119
Figura 77 – Colar Rainbow, H. Stern, década de 1980-1990. ................................................ 123
Figura 78 – Inauguração da Amsterdam Sauer, 1956. ........................................................... 124
Figura 79 – Ourives em rotina de trabalho, década de 1970. ................................................. 125
Figura 80 – Casa Masson, década de 1910-1920. .................................................................. 127
Figura 81 – Anel e Pulseira, Coleção Giuliana, H. Stern, 1997. ............................................ 130
Figura 82 – Pulseira, coleção My Collection, H. Stern, 2010. ............................................... 131
Figura 83 – O ourives Jacob Ludwig Laydner (1829-1913). ................................................. 137
Figura 84 – Medalhão relicário, criação do ourives Jacob Ludwig Laydner, séc. XIX. ........ 138
Figura 85 – O ourives Nicolau Mergener. .............................................................................. 138
Figura 86 – Anúncio publicitário da Casa Mergener, na revista Castalia, 1926. ................... 139
Figura 87 – O ourives Frederico Kessler (1832-1899). .......................................................... 140
Figura 88 – Rua do Comércio, esquina com a Rua Marquês do Herval, 1900. ..................... 141
Figura 89 – Mapa dos estabelecimentos comerciais de Santa Maria, 1902. .......................... 142
Figura 90 – Anúncio publicitário da joalheria Honório Magno, na revista Castalia, 1927. ... 143
Figura 91 – Anúncio publicitário da Joalheria Troian, revista Castalia, 1927. ...................... 144
Figura 92 – Fachada da Joalheria Pereyron, na Rua do Comércio, década de 1920. ............. 145
Figura 93 – Frente (esq.) e verso (dir.) da medalha de prata, possivelmente produzida pela
Joalheria Pereyron, para o II Campeonato Interno, do Avenida Tênis Clube, 1921.
............................................................................................................................. 145
Figura 94 – Cidnei de Andrade, no início da carreira, em 1983............................................. 151
Figura 95 – O ourives Cidnei, trabalhando em companhia do filho Dirceu, 1996. ................ 153
Figura 96 – Dirceu Viero de Andrade (dir.) e Cidnei de Andrade (esq.), os profissionais
joalheiros à frente da La Bella Joias. ................................................................... 154
Figura 97 – Mário Franco Gaiger ........................................................................................... 155
Figura 98 – Fachada da joalheria Gaiger, no Calçadão da Bozano, nos anos 1980. .............. 157
Figura 99 – Comercialização de joias na Gaiger, na década de 1980. ................................... 158
Figura 100 – Pingente e brincos em ouro, citrino e ametistas, de Vinicius Mostardeiro, 2013.
............................................................................................................................. 162
Figura 101 – O ourives Gilvan Flores Mostardeiro, em sua bancada. ................................... 164
Figura 102 – O empresário e ourives Airton Flores Medina. ................................................. 165
Figura 103 – Projeto para capa do livro. ................................................................................ 170
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Crescimento do setor joalheiro em Santa Maria (1970-2019). ............................ 147


Quadro 2 – Serviço de ourivesaria artesanal em Santa Maria, RS. ........................................ 148
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 15
2 UMA METODOLOGIA PARA A PESQUISA COM FONTES ORAIS................. 21
3 A JOIA AO LONGO DA HISTÓRIA ......................................................................... 25
3.1 JOIAS, MEMÓRIA E PATRIMÔNIO CULTURAL ..................................................... 30
3.2 A EVOLUÇÃO DAS JOIAS E ADORNOS NO PERCURSO HISTÓRICO ................ 32
3.2.1 China .............................................................................................................................. 48
3.2.2 Índia ............................................................................................................................... 49
3.2.3 África ............................................................................................................................. 50
3.2.4 Oceania .......................................................................................................................... 51
3.2.5 América Pré-Colombiana ............................................................................................ 52
4 AS TRANSFORMAÇÕES DA JOALHERIA ........................................................... 55
5 A JOALHERIA NO BRASIL...................................................................................... 99
6 A OURIVESARIA EM SANTA MARIA ................................................................. 135
6. 1 RELATOS PROFISSIONAIS ...................................................................................... 149
6.1.1 Cidnei de Andrade e Dirceu Viero de Andrade – La Bella Joias ........................... 150
6.1.2 Mário Franco Gaiger – Gaiger Ótica e Joalheria.................................................... 154
6.1.3 Gilvan Flores Mostardeiro – GM Joias .................................................................... 159
6.1.4 Airton Flores Medina – Airton Ótica e Joalheria.................................................... 164
7 PRODUTO .................................................................................................................. 169
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 171
REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 177
APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO E
AUTORIZAÇÃO PARA USO DE IMAGEM E/OU OUTROS RECURSOS
AUDIOVISUAIS ......................................................................................................... 183
APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OURIVES ........................ 184
ANEXO A – RELAÇÃO DE EMPRESAS POR ATIVIDADES ............................ 185
15

1 INTRODUÇÃO

Através dos escritos e registros históricos, sabe-se que, desde os primórdios, o ser
humano sentiu a necessidade de adornar o seu corpo e, com elementos encontrados na natureza,
como conchas, pedras e sementes, moldou os primeiros adornos, atribuindo a tais objetos
inúmeros significados. Confeccionados inicialmente para estabelecer relações místicas e
sobrenaturais, esses artefatos também serviam para embelezar, proteger, distinguir e reforçar a
posição social ocupada pelo seu portador. Com o descobrimento de outros materiais e o domínio
das técnicas construtivas, tanto os processos de produção quanto os de significação dos adornos
se transformaram. Eles foram progressivamente elevados à condição de objetos preciosos: as
joias, tornando-se cada vez mais elaboradas, refletindo nas suas formas, nos materiais aplicados
e nos seus simbolismos, os modos de ser, pensar, agir e viver de cada povo.
Conforme pontua Santos (2017, p. 5), “há milhares de anos a joia ocupa lugar de
destaque no imaginário individual e coletivo, ícone de riqueza e status, expressão artística e
símbolo de uniões e homenagens”, ou seja, está relacionada com os valores culturais de cada
sociedade. Nesse vasto universo da joalheria, repleto de simbolismos e misticismo, também
existem outras perspectivas de compreensão – uma delas, por exemplo, refere-se às relações de
trabalho, que se entrelaçam de maneira intrínseca à criação dessas peças. A literatura
especializada e os exemplares de joias e adornos preservados nos acervos de museus do mundo
todo revelam a existência de objetos fantásticos, muitos deles criados com técnicas
consideradas avançadas para a época, com detalhamentos manuais tão precisos que parecem
desafiar a tecnologia contemporânea.
A joia é, afinal, independente da época na qual se insere, o resultado do trabalho árduo
de uma mente imaginativa e de mãos habilidosas. Na Antiguidade, os artesãos, também
chamados de artífices, criaram uma infinidade de objetos fascinantes para adornar corpos e
templos, ficando, na maioria das vezes, no anonimato, devido a sua condição subalterna ou até
mesmo escrava. Somente a partir da Idade Média, esse mesmo artífice, devido ao fato de ter
organizado seu ofício, foi elevado à condição de artista e integrante da corte, tendo seu nome e
o das suas criações registradas em livros e documentos oficiais e eclesiásticos.
Enquanto criação humana, a joia carrega consigo valores estéticos e comerciais,
portando também significados subjetivos relacionados às memórias e à arte, configurando-se,
desse modo, como um legítimo testemunho das culturas dos povos, estabelecendo um elo entre
o passado e o presente, o real e o simbólico (LISBÔA, 2011). Por essa razão, é possível afirmar
16

que, dentre os objetos criados pelas mãos humanas, as joias sejam as que melhor conseguem
exprimir os traços indicativos da personalidade, do pensamento e do desejo humano.
Os fazeres artesanais são fundamentais na construção simbólica do mundo social, pois,
antes de as máquinas conseguirem fabricar certos produtos, foram as mãos humanas que
possibilitaram a existência de parte deles (INGOLD, 2015). Esse fato se evidencia na produção
de joias artesanais. A confecção de joias, através desse processo, é feita de maneira quase
totalmente manual por um profissional com habilidades específicas e experiência no ramo – o
ourives, o mestre joalheiro ou o artista joalheiro –, que manipula o material e executa processos
sistematizados, que irão resultar, no final, em um produto único, isto é, uma joia exclusiva.
Nesse sentido, Quintela (2016, p. 9) acrescenta que a joalheria também “remete a
mundos de trabalho, a formas de ser, pensar, e viver, ao se tratar do agregar atividades de criar,
fazer e comercializar joias, que acompanha, de modo geral, a composição da própria história
social e cultural realizadas pelos humanos”. Portanto, a ourivesaria é considerada uma das mais
antigas formas de arte, de cunho totalmente artesanal, havendo indícios de adornos de ouro
datados de cerca de 2.500 a.C. Segundo Resende (2010, p. 21), a ourivesaria é um trabalho que
requer habilidade artesanal, envolvendo arte e técnica e resultando em peças únicas, obtidas
geralmente em pequenas quantidades. No entanto, a autora ressalta que, “para que a habilidade
artesanal aconteça, não basta apenas a capacitação para o desempenho do ofício”.
De acordo com Sennett (2009), existem duas grandes questões que consumam a
habilidade artesanal: a primeira é o desejo de fazer um bom trabalho, enquanto que a segunda
está nas capacidades necessárias para fazê-lo. Ou seja, para que a habilidade artesanal se
estabeleça é preciso existir uma relação íntima entre a mão e o pensamento. Assim, entende-se
que todo bom artífice sustenta um diálogo entre práticas e ideias e que esse diálogo se estabelece
em hábitos prolongados e rotineiros, que, por sua vez, criam um ritmo entre a solução e a
detecção de problemas (RESENDE, 2010).
Conforme explicam Resende (2010) e Santos (2017), muitas das técnicas da ourivesaria
são milenares, como, por exemplo, a fundição, a lapidação e a cravação de gemas. No entanto,
com o avanço da sociedade e com o desenvolvimento das tecnologias, surgiram formas para
facilitar e aprimorar essa produção. Frente a isso, entende-se que o aprendizado do ourives é
contínuo e tem como objetivo capacitá-lo a solucionar os desafios do ofício. Um deles é
aprender a usar as novas máquinas, as novas ferramentas e até mesmo adaptar-se aos novos
processos de produção e as novas lógicas de mercado.
Sobre a ourivesaria contemporânea, Dayé, Cornejo e Costa (2017, p. 207) acrescentam
que hoje ela ainda é semelhante ao trabalho realizado no passado, pois
17

entrar numa oficina de ourivesaria é adentrar uma sala com bancadas, ferramentas,
muitas pinças, lentes de aumento, algumas máquinas pesadas, um ambiente
geralmente rústico e enxergar um homem1 sentado à banca com uma lupa de pala à
testa, com algo que brilha entre seus dedos enegrecidos pelo trabalho constante nos
metais.

Neste cenário, chamado de oficina ou ateliê, é onde acontece toda a “alquimia de


fundição dos metais” (DAYÉ; CORNEJO; COSTA, 2017, p. 208). Com todo o seu repertório
de conhecimentos e experiências, o ourives é o maior responsável pelo trabalho que transforma
os elementos da natureza em objetos que são preciosos pelo seu valor intrínseco e também pelos
aspectos sociais e simbólicos que os envolvem.
No âmbito da ourivesaria, ferramentas simples e muitas vezes comuns a outros ofícios
se mesclam com materiais nobres e instrumentos específicos da profissão, sendo utilizados
como equipamentos principais ou coadjuvantes em cada processo que compõe a maneira de
criar uma joia. A ourivesaria pode ser considerada um meio de produção artesanal na qual

a relação entre criador e criação – artesão e objeto – implica um conhecer que


fundamentalmente está na técnica, aliada à função, que é o desempenho sociocultural
do objeto, penetrando o que há de útil e simbólico ao mesmo tempo. Tem ainda ele,
objeto, a suficiência de traduzir em material e forma as marcas do meio ambiente, da
região – sua ecologia. A imagem inicial e básica que orienta o que é artesanal nasce
no plano do fazer, no dominar conhecimentos e tecnologias, tendo na ação de executar
com as mãos o que é mais representativo do protótipo do ser artesão, do fazer
artesanato, do caracterizar o objeto artesanal (LODY, 2013, p. 13)

Resende (2010) relembra que cada trabalho na ourivesaria é único, pois os acabamentos
e finalizações são realizados um a um pelo ourives. Do mesmo modo, a mesma joia nunca será
criada da mesma forma por dois ourives diferentes, pois cada um desenvolve um ritmo de
produção e maneiras próprias de criar, fazendo ajustes e adaptações nos processos básicos,
elaborando formas que permitam desenvolver a joia da melhor maneira, de acordo com seus
conhecimentos e habilidades, fatores que singularizam o ofício de ourives e o fazer artesanal.
Quanto à importância e o impacto da joalheria na economia nacional, considerando a
indústria e a produção artesanal, dados do IBGM2, relativos à exportação em 2015, revelam que
o Brasil exportou mais de 85 mil dólares em pedras lapidadas, 130 mil dólares em produtos de

1
Quando Dayé, Cornejo e Costa (2017) utilizam a palavra ourives para designar indivíduos do sexo masculino,
acredita-se que estejam se referindo ao passado, quando o ofício era majoritariamente desempenhado por homens.
No entanto, é oportuno pontuar que esse ofício é também exercido por mulheres.
2
O IBGM (Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos) é uma entidade nacional, de direito privado, sem
fins lucrativos, fundada em 1977, com a missão de representar, mobilizar, integrar, desenvolver e promover todos
os segmentos da cadeia produtiva de gemas, joias, bijuterias e relógios, harmonizando seus interesses e
promovendo a transferência de conhecimento, a confiança e a apreciação de seus produtos pelos consumidores.
Informação disponível em: <https://ibgm.com.br/ibgm-e-2/>. Acesso em: 10 fev. 2020.
18

joalheria. O relatório também estima que, até 2020, as vendas chegarão à casa dos 250 bilhões
de dólares. De acordo com Costa (2016), em 2014, o Rio Grande do Sul foi o principal estado
brasileiro em número de empregos formais no setor joalheiro, ocupando a 2ª posição quanto à
lapidação de gemas e metalurgia de metais preciosos e a 3ª posição quanto à extração de gemas.
No estado, as atividades da cadeia produtiva de joias distribuem-se em seis regiões com
especializações produtivas distintas: extração e beneficiamento de gemas em (1) Ametista do
Sul (Médio Alto Uruguai), (2) Salto do Jacuí (Alto Jacuí) e (3) Quaraí (Fronteira Oeste);
beneficiamento, lapidação e fabricação de artefatos e joias com gemas no (4) Alto da Serra do
Botucaraí e (5) no Vale do Taquari; e lapidação de gemas, produção de joias e folheados nobres
na Serra, especialmente em (6) Guaporé, considerado um polo nacional importante nessa
atividade (COSTA, 2016; BATISTI; TATSCH, 2012).
Além dessa classificação de Costa (2016), Rempel (2010) acrescenta a região central do
Rio Grande do Sul como um polo educacional, que qualifica a mão de obra para o setor
joalheiro. Nesse sentido, o autor destaca a cidade de Santa Maria, onde existem cursos de
graduação e pós-graduação, em instituições de ensino superior3, com ênfases tecnológicas,
voltados, especialmente, para as áreas do design, da arte e das engenharias.
Além de ser um polo de ensino de design de joias, na perspectiva de Lisbôa (2011, p.
43), Santa Maria detém um potencial setor joalheiro, “constituído por micro e pequenas
empresas que respondem por quase 70% dos empregos gerados”. Segundo a autora, são
estabelecimentos que, geralmente, apresentam outros serviços agregados, como ótica e
relojoaria, que se utilizam majoritariamente de processos manuais e de metais e pedras
preciosas vindos de outras regiões para a confecção e reparos de joias.
Com base nos trabalhos consultados e na pesquisa de campo realizada em Santa Maria,
compreende-se que as empresas do setor joalheiro local se caracterizam, basicamente, por uma
estrutura familiar. Nelas, de fato ocorre uma produção artesanal de joias, seja em pequenas
oficinas instaladas nas dependências de lojas do ramo, seja em ateliês de ourives autônomos.
A partir dessa observação, circunscreve-se o tema da presente pesquisa à produção e
comércio de joias pelos ourives e joalheiros da cidade de Santa Maria (RS). O problema de
pesquisa parte de um resgate social e histórico a respeito dessas profissões e o modo como a
produção local sinaliza para importantes interfaces a serem refletidas, como: (a) as

3
Destacam-se aqui, por exemplo, os cursos de graduação em Desenho Industrial, Engenharia de Produção,
Engenharia de Controle e Automação, e os cursos de pós-graduação em Artes Visuais e em Design de Superfície,
da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); e os cursos de graduação em Design, Tecnologia em Design de
Moda, Engenharia de Materiais e o curso de pós-graduação em Nanociências, da Universidade Franciscana (UFN).
19

configurações do ofício de ourives, as histórias e memórias das relações familiares e trabalhistas


que atravessam esses estabelecimentos; (b) os regimes criativos e imaginários que mobilizam
a criação artística; (c) a utilização de materiais e processos que singularizam essas práticas
profissionais; (d) as relações econômicas e afetivas entre os consumidores e o produto; e (e) o
perfil do mercado joalheiro santa-mariense.
Os elementos acima elencados relacionam a profissão de ourives e o fazer joalheiro,
fomentando a produção de uma memória histórica e patrimonial, marcada não apenas pelo
resultado material da produção, mas principalmente por regimes de tempo, significado e
memórias que também emanam do trabalho de bancada4. Essas considerações iniciais
possibilitam questionar: de que maneira é possível pensar essa produção em função do seu
potencial patrimonial? A partir disso, esta pesquisa enfoca o trabalho do ourives na produção
material de artefatos e memórias cujos potenciais culturais, econômicos e turísticos podem ser
valorizados, visando, a partir da história da joalheria local, mostrar a relevância do ofício de
ourives na comunidade santa-mariense.
No intuito de estabelecer um diálogo multidisciplinar, abrangendo os campos do Design,
da História da Arte e do Patrimônio Cultural, esta pesquisa justifica-se em diferentes níveis.
No nível de pesquisa, pela importância acadêmica do tema, em investigar um assunto relevante,
presente no contexto de Santa Maria e ainda pouco explorado em âmbito de pós-graduação5.
Nesse sentido, o trabalho se justifica, também, por conferir uma proximidade da comunidade
com o campo do design, que muitas vezes parece ser tratado como um assunto superficial,
aparentando estar um tanto inacessível a muitas pessoas.
Além disso, a temática pesquisada busca propiciar visibilidade, divulgação e
valorização para o ofício de ourives, atuando também como uma tentativa de chamar a atenção
de investidores, turistas e demais interessados para esse importante nicho econômico percebido
em Santa Maria, contribuindo sobremaneira com o desenvolvimento regional, através da
inserção do mercado joalheiro local em contextos mais amplos. Em nível social, esse trabalho
se justifica por proporcionar à sociedade o contato com as manifestações culturais, em seus
amplos aspectos, sentidos e significados, promovendo, através do conhecimento, o sentimento
de pertencimento, oportunizando a apropriação e a valorização da cultura local.

4
Bancada (ou banca) é um móvel existente nos ateliês, semelhante a uma escrivaninha, equipada com luz
apropriada e ferramentas, na qual o ourives efetivamente realiza a maior parte da produção de uma joia.
5
Estudos em nível de pós-graduação (dissertações e teses), que procuraram compreender as relações de ofícios
tradicionais com o campo da joalheria e com a cultura, foram realizados, em sua maioria, em outros estados. Dentre
eles, destacamos: Aragão (2003), no Rio de Janeiro (RJ); Factum (2009), em São Paulo (SP); Resende (2010), em
Belo Horizonte (MG); Skoda (2012), em São Paulo (SP); e Quintela (2016), em Belém (PA). Esses trabalhos
serviram de inspiração inicial e referencial teórico para a realização desta pesquisa.
20

Portanto, através de um levantamento histórico, cultural e social sobre a história da


joalheria, o objetivo geral desta pesquisa visa compreender como as narrativas dos ourives e
profissionais joalheiros de Santa Maria (RS) podem se articular como patrimônio cultural, a
fim de se buscar meios para o seu reconhecimento e divulgação. Para tanto, foram alinhados
como objetivos específicos: (1) compreender como ocorreu a evolução das joias e do ofício de
ourives no percurso histórico; (2) resgatar a história da joalheria e dos ourives pioneiros de
Santa Maria; (3) identificar os ourives e profissionais joalheiros, em atividade, na cidade de
Santa Maria; (4) registrar, selecionar e documentar as memórias e histórias e, quando aplicável,
as técnicas e etapas de trabalho utilizadas; (5) realizar um levantamento sobre a atual situação
do setor joalheiro no município; e (6) desenvolver um projeto editorial para um livro a ser
lançado futuramente, visando a divulgação dos resultados da pesquisa, assim como o trabalho
dos ourives e dos profissionais joalheiros locais.
Diante das considerações iniciais dispostas nesta Introdução, a presente dissertação foi
estruturada nas seguintes partes. O Capítulo 2 aponta o percurso metodológico utilizado para
a coleta e interpretação das informações e dados apresentados. No Capítulo 3, abordam-se
assuntos referentes ao universo da ourivesaria, no qual se destaca a história do surgimento do
ofício de ourives, o percurso da joalheria através do tempo, os simbolismos das joias e suas
relações com o Patrimônio Cultural. O Capítulo 4 discute o desenvolvimento dos ofícios e
profissões relacionados à produção joalheira e apresenta criações de artífices que se dedicaram,
ao longo da história, à ourivesaria. No Capítulo 5, apresenta-se um panorama sobre o
desenvolvimento da atividade joalheira no país, abrangendo o período correspondente à
chegada dos portugueses, passando pelo Brasil Colônia até a contemporaneidade, com enfoque
nos principais acontecimentos que marcaram a história da joalheria nacional. O Capítulo 6
aborda a história da joalheria local, enfatizando a importância que a imigração alemã teve para
o progresso da ourivesaria local no final do século XVIII e início do século XIX. Essa parte do
trabalho também aborda a evolução do comércio joalheiro na cidade no século XX, explorando
importantes nomes e estabelecimentos que contribuíram para a expansão e consolidação dessa
atividade na atualidade. Em seu desfecho, também apresenta relatos pessoais, com as
perspectivas de ourives e joalheiros, sobre o mercado joalheiro local. O Capítulo 7 apresenta o
processo de criação do produto integrante da pesquisa. Nas Considerações Finais¸ conclui-se
o trabalho com a descrição dos resultados obtidos, os aspectos relacionados às interpretações,
expectativas e contribuições futuras da pesquisa.
21

2 UMA METODOLOGIA PARA A PESQUISA COM FONTES ORAIS

Neste primeiro capítulo, busca-se abordar as etapas metodológicas utilizadas para a


realização do estudo. Privilegia-se a descrição das ações referentes à pesquisa no seu sentido
mais prático, isto é, na coleta de dados históricos e empíricos e na série de visitas agendadas
com os ourives e joalheiros na intenção de entrevistá-los.
Para justificar a metodologia escolhida, convém considerar, sobretudo, a tipificação da
pesquisa. A respeito de sua natureza, considerando os objetivos propostos, ela pode ser definida,
de acordo com Gil (2017), como um estudo qualitativo, pois permite o aprimoramento de ideias
ou a descoberta de intuições, através de um planejamento flexível, no qual é possível examinar
as diferentes perspectivas relacionadas ao tema proposto.
Quanto aos aspectos teóricos, a aplicabilidade desse tipo de pesquisa se mostrou
apropriada, pois possibilitou revisar pontos de vista de diferentes autores, que, ao traçarem um
panorama histórico e cultural sobre as joias e os adornos e sobre as transformações por elas
suscitadas, permitiram uma série de reflexões sobre a influência que esses objetos exerceram
sobre os sujeitos durante toda a trajetória humana. Por essa razão, a pesquisa bibliográfica
tornou-se o elemento primordial para o desenvolvimento teórico desse estudo.
Além do levantamento bibliográfico, usufruiu-se da metodologia da História Oral, na
qual o recurso da entrevista foi utilizado como principal subsídio para alcançar o objetivo da
pesquisa. Essa técnica de pesquisa possibilitou registrar memórias e informações concernentes
ao mundo do trabalho dos ourives e joalheiros, contribuindo sobremaneira para a documentação
e a correta interpretação do contexto da história da ourivesaria local.

a História Oral é uma metodologia de pesquisa e de constituição de fontes para o


estudo da história contemporânea surgida em meados do século XX, após a invenção
do gravador à fita. Ela consiste na realização de entrevistas gravadas com indivíduos
que participaram de, ou testemunharam acontecimentos e conjunturas do passado e
do presente (ALBERTI, 2005, p. 155).

Segundo o autor, muitos pesquisadores, prematuramente, consideram a entrevista em si


como a própria história. No entanto, em seu ponto de vista, essa atitude não é adequada. Por
essa razão, ele incentiva o investigador a interpretar e analisar a entrevista como uma fonte oral,
a fim de usufruir ao máximo das informações coletadas, buscando os elementos e evidências
necessárias para responder às indagações do problema de pesquisa (ALBERTI, 2005).
Seguindo as recomendações de Thompson (1992), o roteiro utilizado para as entrevistas
foi composto por perguntas abertas, simples e diretas, no sentido de explorar as experiências e
perceber os sentimentos dos entrevistados. As informações foram registradas através da
22

captação da voz dos sujeitos, por meio de gravações. Além disso, os informantes também
cederam fotografias de seus acervos pessoais e outros materiais sobre a temática, como artigos
e reportagens jornalísticas, com a finalidade de complementar as suas narrativas6.
De acordo com Thompson (1992) e Zago (2003), o trabalho com fontes orais permite
dar voz a sujeitos e/ou testemunhos, que, de algum modo, foram deixados no anonimato,
tornados invisíveis pela historiografia e até mesmo pela sociedade. Trata-se de consentir “voz”
e espaço a esses sujeitos anônimos, a fim de que possam articular suas narrativas aos contextos
e elementos dos objetos em pesquisa. Uma vez que a História Oral é produzida a partir das
subjetividades dos sujeitos em relação a acontecimentos, personagens e lugares (POLLAK,
1992), ressalta-se que ela também pode ser considerada uma narrativa de memórias. Nela, o
entrevistado “não apenas mostra como ele vê a si mesmo e o mundo, mas também como ele é
visto por outro sujeito ou por uma coletividade” (ERRANTE, 2000, p. 142).
Silveira (2007, p. 41) afirma que “o uso da História Oral, bem como das narrativas que
dela se originam, estimulam a escrita de uma história que não é uma representação exata do que
existiu, mas que se esforça em propor uma inteligibilidade, em compreender a forma como o
passado chega até o presente”. Ou seja, o que o investigador escreve não é aquilo que se passou,
mas sim uma produção discursiva que contribui com a construção do conhecimento histórico,
“através das descrições e representações dos sujeitos que vivenciaram a história ou, de alguma
forma, com ela tiveram contato” (SILVEIRA, 2007, p. 42).
Ao presumir quais profissionais do setor joalheiro seriam entrevistados, considerou-se
uma característica primordial destacada por Pollak (1992): a memória seletiva. Segundo o autor,
o caráter seletivo da memória é consolidado pela noção de pertencimento afetivo ao grupo ao
qual determinado sujeito pertence. Sobre esse aspecto, Halbwachs (1990) acrescenta que as
situações vividas se transformam em memórias quando fazem aquele que se lembra
afetivamente ligado ao grupo ao qual pertenceu ou pertence.
Por essa razão, a seleção dos sujeitos entrevistados atentou, de maneira despretensiosa,
à proximidade existente entre sujeitos, cujas práticas profissionais lhes são comuns, assim como
a relevância e o impacto do trabalho realizado por eles na sociedade de Santa Maria.
Inicialmente, sem estipular um número fixo de participantes, foram convidados alguns
representantes do setor – por exemplo, experientes ourives e joalheiros com negócios
consolidados em Santa Maria –, além de um notório pesquisador da história local. Considerou-
se o interesse, as limitações e a disponibilidade de cada um deles em participar da pesquisa.

6
O roteiro utilizado e o modelo do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, elaborado para este trabalho e
utilizado para autorizar a veiculação das informações, podem ser consultados ao final do texto, em Apêndices.
23

Diante desses pressupostos, foram entrevistados seis profissionais. As entrevistas foram


realizadas entre os meses de setembro de 2019 e maio de 2020, nas oficinas de ourivesaria e
nos escritórios das joalherias, locais de atuação profissional e conexão afetiva dos indivíduos;
configurando-se como espaços propícios para a fruição de emoções, memórias e outras
narrativas (THOMPSON, 1992).
Com a etapa das entrevistas definida, o próximo passo foi localizar informações
específicas sobre a história da ourivesaria local, para conhecer o seu início e também encontrar
maneiras de validar as informações obtidas juntamente às fontes orais, como, por exemplo,
nomes de personagens relevantes, datas e acontecimentos marcantes, entre outras referências
citadas durante as entrevistas. Por isso, buscou-se material nas instituições que salvaguardam a
memória regional – em especial, a Casa de Memória Edmundo Cardoso – e em órgãos oficiais,
como a Prefeitura Municipal de Santa Maria.
Localizada à rua Pinheiro Machado, 2712, no centro da cidade, a Casa de Memória
Edmundo Cardoso (Figura 1) leva o nome de seu idealizador7. Esse distinto local trata-se de
um espaço cultural, cujo acervo inestimável preserva importantes registros arquivísticos,
bibliográficos e museológicos sobre a história de Santa Maria, sendo um local de referência
regional, tanto para as pessoas interessadas no tema, como no apoio às pesquisas acadêmicas.

Figura 1 – Casa de Memória Edmundo Cardoso, Santa Maria (RS).

Fonte: fotografia de Anderson Machado, 2020. Adaptada pelo autor.

7
Edmundo Cardoso (1917-2002) foi jornalista, funcionário da justiça, escritor e teatrólogo. Fundou duas
importantes instituições: a Escola de Teatro Leopoldo Fróes e o Clube de Cinema de Santa Maria. Durante a vida,
participou de diferentes clubes, associações, campanhas, projetos e documentários. Recebeu muitas homenagens,
prêmios e distinções. Devido à sua trajetória, tornou-se uma referência para a história e a cultura santa-mariense.
Fonte: Casa de Memória Edmundo Cardoso. Disponível em: <https://bit.ly/3lILGLt>. Acesso em: 12 jun. 2020.
24

Dentre os recursos disponibilizados pela equipe técnica do local, foram pesquisadas


algumas edições digitalizadas do extinto jornal republicano “O Combatente”, datadas de 1889
a 1896; raríssimos livros comemorativos datados de 1914, alusivos ao centenário da
emancipação política do município; revistas das décadas de 1920 e 1930; catálogos de
empreendimentos locais das décadas de 1950 até 1970; e fotografias antigas que recontam o
passado da cidade. Essa documentação selecionada foi imprescindível para compreender não
apenas o processo de formação da cidade, mas também conhecer as primeiras relações
comerciais referentes à produção e ao comércio de joias, iniciadas no final do século XVIII e
consolidadas até o final do século XX.
Sequencialmente, para complementar os procedimentos metodológicos previstos para a
pesquisa, em outubro de 2019, solicitou-se junto à Secretaria de Desenvolvimento Econômico,
Turismo e Inovação, da Prefeitura Municipal de Santa Maria, um relatório8 atualizado sobre o
atual panorama da produção e comércio de joias na cidade. As informações contidas no referido
documento, após passarem por uma revisão e triagem, foram organizadas, interpretadas e
dispostas na forma de um gráfico simplificado9. Os dados contribuíram não apenas para
dimensionar o crescimento do setor nas últimas décadas, mas, juntamente a outras informações,
permitiu contemplar outras interfaces a serem refletidas, como as carências, as potencialidades
e a diversidade da produção joalheira em Santa Maria.
Finalmente, para concluir o levantamento dos dados empíricos e garantir a
confiabilidade das informações recebidas, em janeiro de 2020, realizou-se uma verificação in
loco em alguns estabelecimentos comerciais do ramo, com o intuito de mapear aqueles que
ofereciam serviços relacionados à ourivesaria artesanal, tanto próprios quanto terceirizados,
visto que esse tipo de informação se relaciona diretamente com o tema principal da pesquisa.
Quanto à metodologia utilizada para a criação do produto, utilizaram-se como
parâmetros para a elaboração do projeto do livro as indicações contidas no último edital
referente à Lei do Livro, disponibilizado pela Câmara Municipal de Vereadores de Santa Maria.
As normas do edital e as particularidades do projeto estão explicitadas no Capítulo 7.
Acredita-se, portanto, que a combinação dos dados levantados pela metodologia que foi
elaborada para a pesquisa, bem como a sua aplicabilidade, aponta para a possibilidade de se
estabelecer um forte vínculo cultural com a memória social de um importante ramo de atividade
que pode vir a ser melhor explorado por diferentes setores da sociedade ao longo do tempo,
como na economia, na inovação, no empreendedorismo, entre outros.

8
O documento, na íntegra, pode ser acessado no final deste arquivo, como o Anexo A.
9
Ver Quadro 1 (p. 147).
25

3 A JOIA AO LONGO DA HISTÓRIA

Neste capítulo, abordam-se a história da joalheria através do percurso do tempo e as


relações socioculturais implicadas pela criação e uso das joias. Além disso, apresenta-se uma
breve conceituação sobre a joalheria no contexto da Memória e do Patrimônio Cultural. Através
das fontes bibliográficas e das ilustrações disponibilizadas, buscou-se traçar uma linearidade
temporal, na qual se tornou possível observar a evolução das joias e, paralelamente a isso,
perceber a pluralidade cultural das sociedades.
Diante das diferentes formas e funções que assumiu em diversos períodos e culturas, a
joia se fez e segue presente na História. Esses objetos, seja como adorno ou qualquer outra
função, assim como a indumentária, são suportes que designam simbolismos específicos dos
ocupantes de um território, são marcas de um momento histórico e vestígios importantes do
relacionamento dos indivíduos em determinados grupos. De acordo com Gola (2013, p. 15), “a
joia é moeda universal que não perde seu valor material, é documento que resiste ao tempo, é
patrimônio impregnado de sentimentos e de história”.
Para Jones (2008), a joia, enquanto adorno utilizado no corpo, possui a função principal
de ornamentação, seguida de funções secundárias, como, por exemplo, diferenciação simbólica,
filiação social e autoaprimoramento psicológico. Nesse sentido, Vieira (2019, p. 1) afirma que,
“ao vincular-se ao corpo, a joia permite ao sujeito que a ostenta uma exibição prestigiosa da
sua aparência, personificando diversas e possíveis nuances da sua personalidade, elevando e
reforçando seu ego, assim como seu modo de ser visto e reconhecido pelo olhar do outro”.
Além disso, a joia pode representar outras insígnias, como o poder e o conhecimento
esotérico, sinalizar riqueza material, representar prestígio, manifestação de apreço,
merecimento e também receber acepções negativas, representando a futilidade, a aparência
exterior, o apego ao materialismo; ou ainda, ser atribuída de valores mágicos, espirituais e
religiosos, de acordo com as interpretações de cada povo e cultura. Essas características
dialógicas, subjetivas e contraditórias da joia podem ser compreendidas entre duas dimensões,
o realce da personalidade e da acentuação sociológica, na qual a joia transparece as concepções
de mundo de quem a produz e utiliza (SIMMEL, 2014).
Segundo Jones (2008, p. 26), “os adornos possibilitam enriquecer nossos atrativos
físicos, afirmar nossa criatividade e individualidade ou sinalizar nossa associação ou posição
26

dentro de um grupo ou cultura”. O adorno possui uma relação com a compreensão estética do
homem, mas sinaliza também a própria ritualidade da vida social e a passagem do tempo10.
Nesse sentido, Barnard (2003) considera algumas razões para os indivíduos adornarem
seus corpos: comunicação, como um dispositivo social usado para estabelecer relações com o
meio; expressão individual, como uma forma de diferenciação e declaração da singularidade;
importância social, no sentido de demarcar o status dos membros de cada sociedade; definição
do papel social, como um fator legitimador das diferenças de poder; importância econômica,
concernente à posição do indivíduo dentro de uma economia; símbolo político, vinculado ao
funcionamento do poder; condição mágico-religiosa, referente às questões de espiritualidade;
ritos sociais; e, lazer, na relação do adorno como fonte de prazer, tanto em nível individual
como social e cultural.
A partir dessa observação, ao analisar a etimologia da palavra “ornamento”, derivada
do verbo latino ornare, que em sua acepção significa também ‘equipar’, se exprime a ideia de
acrescentar uma qualidade ou uma melhoria no corpo e na imagem que se quer passar:

como ‘ornamentação’ se configura na utilização de equipamentos, ou seja, de adornos


para fins estéticos, ‘ornamental’ quer dizer ‘com equipamento, adornado
artisticamente’. Isso está no cerne do conceito de arte decorativa, tomado em seu
sentido amplo, em que o enfeite ou ornamento é um ‘equipamento’ que identifica uma
obra, revelando sua origem e data, qualificando o conjunto, ou seja, atribuindo-lhe
valor artístico (GOLA, 2013, p. 18).

A ideia de ornamento, portanto, está vinculada à interpretação dos diferentes povos,


civilizações e épocas. Por essa razão, é possível compreender a joia como um objeto que auxilia
na compreensão das culturas. As joias são objetos que documentam as transformações e os
modos de viver de cada período, e isso pôde ser verificado pela forma como cada uma dessas
culturas imprimiu suas características próprias nelas, expressas nas singularidades dos níveis
de avanço cultural, tecnológico, material, entre outros, que permitiram reconhecer a joia como
uma forma global de arte, mas com as distinções de cada época.
Jones (2008) e Gola (2013) comentam que o ser humano desenvolveu as vestimentas
para se proteger das intempéries e dos perigos do meio ambiente, mas que, no entanto, essa
ação desenvolvida para a sobrevivência da espécie é tão importante quanto os atributos olfativos
e visuais, como, por exemplo, a utilização de perfumes e joias, que, assim como a vestimenta,

10
A exemplo dessas relações entre os adornos e a marcação do social é possível pensar em casamentos,
noivados, nascimentos dos filhos, formaturas, presentes de aniversário e outras datas e acontecimentos
considerados importantes.
27

também se estabeleceram como uma forma de identificação sociocultural11. Conforme pontua


Gola (2013),

independentemente de diferenças étnicas, geográficas, topográficas ou quaisquer


outras, o homem tem produzido objetos para enfeitar, agradar, seduzir. Entre eles, as
joias, objetos perfeitos para tais finalidades. Universalmente e em todos os tempos, a
joia, como adorno, tem um vínculo perene com os desejos do homem e com sua
capacidade, ou mesmo intenção de construir novas linguagens e, com elas,
significados eficientes na elaboração de identidades; e, assim, da ideia de ser único,
apesar de todas as igualdades, e da possibilidade de ser vário, ao experimentar todas
as possíveis diferenças.

Nesse sentido, Miranda (2008) relembra que, no século XXI, em que eventos como a
globalização tendem a diminuir as fronteiras entre povos, culturas e países, é cada vez mais
forte no ser humano a necessidade de ter uma identidade própria, ou com um determinado
grupo, capaz de distingui-lo das multidões. Logo, diante da sua materialidade e dos simbolismos
que cercam o seu universo, a joia talvez seja um objeto que influencie esse sentimento.
De acordo com Solomon (1996), o comportamento humano, referente ao consumo de
determinados produtos, diz respeito mais à capacidade e habilidade de produzir significado do
que ao ato de ter (ou não ter) posses. Para ele, os objetos funcionam como um sistema de
informações, estabelecendo relações, reproduzindo mensagens e definindo hierarquias. Do
mesmo modo, Sartre (1997) afirma que ter, fazer e ser são princípios norteadores da realidade
humana, passíveis de classificar as condutas dos indivíduos. A posse de joias, como símbolos,
serve como identificação, ou seja, ter é igual a ser. Além disso, conforme pontua Miranda (2008,
p. 41), “as posses nos falam sobre seus possuidores; isto leva à tendência de ver as posses como
símbolos do eu, existindo assim forte associação entre o eu e as posses, o que leva à crença que
as posses de alguém fazem parte do que esse alguém é”.
Segundo Levy (1959, p. 118), “pessoas compram coisas não somente pelo que estas
coisas podem fazer, mas também pelo que significam”. Por essa razão, ao refletir o consumo
de joias, compreende-se que os indivíduos o fazem como uma busca de prazer, autossatisfação,
autorrealização e autoafirmação. No entanto, essa busca está relacionada com a aprovação do
outro; sem ela e sem sua admiração, isso não é possível. De acordo com Miranda (2008, p. 107),
“o sentimento de pertencer ou estar com e para alguém numa sociedade de consumo implica o
uso de símbolos e sinais de aparência, [na qual] o indivíduo expressa sua essência por meio de
aspectos simbólicos presentes na aparência adornada”.

11
Segundo Latour (2008), os objetos criam essa capacidade de identificação sociocultural, no momento que
produzem vestígios e oferecem informações aos observadores. Desse modo, a joia torna-se uma mediadora
relevante dessa concepção, pois ela cumpre papéis múltiplos e complexos na construção do mundo simbólico.
28

Ao refletir a utilização de joias nesse contexto, verifica-se que tais objetos são
consumidos pelo seu conteúdo simbólico, levando os indivíduos a autodefinição de si mesmos,
e que esse comportamento é favorecido pela dinâmica da sociedade atual, onde “é fundamental
que tudo se comunique” e se movimente em torno da informação e dos valores disseminados
pelos símbolos construídos (MIRANDA, 2008, p. 22). A isso, acrescenta-se o que propõe
Baudrillard (1973), ao citar que os objetos comunicam e significam algo, emitindo mensagens
sobre o indivíduo, integrando-o ou não à sociedade. Para ele, os valores simbólicos agregados
ao valor funcional dos objetos de consumo acompanham as mudanças das estruturas sociais e
interpessoais. A circulação de produtos diferenciados, como, por exemplo, as joias, constitui
hoje a linguagem na qual a sociedade se comunica e fala.
Bourdieu (2007) explica que, no mundo simbólico, o que importa não é o que se
consome, mas sim o modo (habitus) como se consome, entendendo o consumo como uma forma
de distinção. Para ele, no mundo social, existem estruturas objetivas que são capazes de ditar
determinados estilos de vida aos sujeitos em sociedade. Para Bourdieu (2007, p. 16), “as classes
se diferenciam segundo sua relação com a produção e com a aquisição de bens, e os grupos de
status, ao contrário, segundo os princípios de seu consumo de bens, consumo que se cristaliza
em tipos específicos de estilo de vida”. Para exemplificar esse contexto, pode-se remeter às
coroas, aos cetros, às tiaras e às pedras preciosas bordadas nas vestimentas dos nobres, que se
constituíram como símbolos de poder temporal, “conquistado ou concedido, que se considera
com ou sem razão, superior” (GOLA, 2013, p. 17), que hierarquiza uma dada esfera social.
Conforme pontua Miranda (2008, p. 98), é “o significado simbólico do produto [que]
pode definir sua adoção e uso, principalmente se o produto é usado para significar posição
social e identidade”. Desse modo, objetos como as joias podem ser definidos como parte de um
fenômeno sociocultural que possibilita compreender a diversidade de práticas de diferenciação
nas sociedades humanas. As joias, na distinção, são acolhidas entre os adornos pessoais mais
impetuosos à exibição de si, por conduzirem o sujeito ao pleno contentamento da sua condição
social no mundo (VIEIRA, 2019). A joia também abrange outras dimensões simbólicas, como
o simbolismo religioso, no qual se enfatiza o seu caráter de representação das verdades
espirituais de algumas crenças, quando usada como objeto ritual ou nas vestes (VIEIRA, 2019).
Desde os tempos imemoriais, a joia foi utilizada como amuleto12, conforme explica Gola (2013,

12
A autora faz uma referência ao povo egípcio, cujos mortos eram enterrados com colares e amuletos para proteger
o espírito na vida eterna – ainda que “de modo atenuado, esse uso persiste na atualidade”. Pode-se exemplificar
essa ideia ao refletir sobre a utilização de rosários e outros adornos com simbologia religiosa nos rituais funerários
cristãos. Da mesma forma, o amuleto também pode ser definido como um objeto detentor de poderes e qualidades,
que podem, por exemplo, desviar e evitar males, desgraças e feitiços (GOLA, 2013, p. 18).
29

p. 17) “carregado junto ao corpo, servindo [...] como projeção de um mundo mágico – proteção
contra espíritos, mau-olhado, desgraças e doenças – e visando à ventura, à fortuna e à
felicidade”, atribuindo-se à joia a possibilidade de absorver a forma e até a qualidade específica
contra o que ela protege. Por essa razão, o significado da joia aqui é ser expressão simbólica da
possibilidade da intervenção de poderes sobrenaturais e únicos na vida humana.
Paiva (1999, p. 1002), ao considerar as joias como amuletos capazes de influenciar as
relações interpessoais, afirma que eles

são pequenos fragmentos que podem esclarecer práticas culturais e relacionamentos


sociais no passado e no presente. Eles ajudam a desvelar teias do imaginário e
comportamento de grupos. Demonstram, também, como certos grupos e certos
indivíduos construíram alternativas de sociabilidade e distinção social, como
atribuíram poderes aos símbolos e como escolheram símbolos para os poderes.

Aragão (2003) percebe a joia como um elemento constitutivo de identidades, um objeto


capaz de promover diversas dimensões de sentido através de elementos imateriais como, por
exemplo, capacidade decorativa, status social, econômico e cultural, fé e devoção,
individualidade, coletividade, valores morais e éticos, tradições, heranças, crenças e rituais.
Esse conceito vem ao encontro das ideias propostas por Pires (2016), que qualifica a
joia dentro das esferas da magia e do sagrado, nas quais o indivíduo é capaz de intensificar suas
habilidades e atingir novas qualidades por meio das matérias-primas e formas de uso, buscando
alcançar a proteção contra os malefícios provenientes dessas esferas. Nesse sentido espiritual,
a joia transcende a mera materialidade cotidiana.

[E]ssa conexão com o imaterial, que institui um valor de preciosidade às joias, é


notada ainda a partir do reconhecimento de três traços essenciais:
perenidade/durabilidade, irradiação/brilho e raridade/exclusividade. Por durabilidade,
evidencia-se a capacidade de as joias resistirem à história, permitindo que esses
adornos e seus intentos sejam conhecidos através do tempo. Vale enfatizar que esta
característica não está atrelada apenas à resistência da matéria-prima que compõe a
joia, mas, principalmente, às capacidades cultural e histórica desses adornos
permaneceram vivos no imaginário coletivo (VIEIRA, 2019, p. 9).

Percebe-se, portanto, que as joias, enquanto objetos socioculturais, personificam


diversas nuances, que abrangem questões relacionadas desde a aparência e o comportamento
humano até a estratificação das estruturas sociais, sendo reconhecidas como um objeto
impregnado “por marcas de um momento histórico, sinais importantes no relacionamento de
um indivíduo com determinado grupo” (GOLA, 2013, p. 15), que, ao vincular-se ao corpo,
expressam valores estéticos, simbólicos e culturais significativos.
30

3.1 JOIAS, MEMÓRIA E PATRIMÔNIO CULTURAL

O Artigo 215 da Constituição Federal (1988), estabelece que

constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial,


tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à
ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nas quais
se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as
criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, os objetos, documentos,
edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os
conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico (BRASIL, 1988).

Apesar da legislação recente, o reconhecimento do papel das expressões populares da


identidade cultural brasileira remonta a década de 1930. Entretanto, foi somente após a década
de 1970 que ações efetivas de registro propiciaram uma reflexão mais profunda sobre uma
noção de patrimônio cultural mais ampla, que abarcasse, nas formas de preservação e
tombamento, não apenas edificações históricas, mas as formas de expressão, modos de criar,
fazer e viver.
De acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN
(2012), o Decreto 3.551 de 4 de agosto de 2000 instituiu o Registro dos Bens Culturais de
Natureza Imaterial e criou o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial, no qual, os saberes,
as formas de expressão, as celebrações e outras práticas culturais passaram a ser reconhecidos
como Patrimônio Cultural do Brasil, assim como prédios, monumentos e cidades históricas.
A Unesco (1993, p. 5, grifo nosso) define patrimônio cultural imaterial ou intangível
como

o conjunto das manifestações culturais, tradicionais e populares, ou seja, as criações


coletivas, emanadas de uma comunidade, fundadas sobre a tradição. Elas são
transmitidas oral e gestualmente, e modificadas através do tempo por um processo de
recriação coletiva. Integram esta modalidade de patrimônio, as línguas, as tradições
orais, os costumes, a música, a dança, os ritos, os festivais, a medicina tradicional, as
artes da mesa e o “saber-fazer” dos artesanatos e das arquiteturas tradicionais.

Abreu e Chagas (2009, p. 83), em uma clara referência à ourivesaria, elucidam que, no
mundo globalizado, em vertiginoso processo de mudança, “existem saberes próprios de cada
cultura e modos de fazer que atravessam séculos, antigas tradições de artesanato que remontam
as formas medievais de organização do trabalho estariam correndo risco de desaparecer”; e, por
essa razão, torna-se necessário registrar, coletar e arquivar informações sobre as manifestações
culturais dessa natureza.
31

As joias criadas de modo artesanal por um ourives, além do seu valor como artefato
material, denotam um importante aspecto intangível: o “saber-fazer”, sobre o qual Lody (2013,
p. 16) acrescenta:

o gesto, a ação, o ritual repetido do fazer, do cumprir as sequência nos tratamentos


dos materiais, das tecnologias, das ferramentas, na intenção da forma, da cor, da
intimidade do construir um a um cada objeto, definem o território do artesanato [...]
Surgem soluções para simbolizar indivíduos, comunidades; traduzir desejos e
expressões estéticas; vincular a produção ao uso individual, familiar, atingindo feiras,
mercados, lojas e o consumo externo. Assim, a dimensão do artesanato é integrante
do nosso patrimônio cultural numa visão plena, fora da hierarquia do que é tradicional
e exclusivamente tido como patrimônio - testemunho exclusivo das elites econômicas
e do poder, da história oficial.

Apesar das transformações tecnológicas, pouco se modernizou o trabalho do ourives,


o que, de certo modo, torna esses sujeitos herdeiros de antigas tradições culturais:

os metais são trabalhados seguindo saberes de europeus e africanos, e dão origem a


objetos em prata, ouro, cobre, ferro, folha de flandres, joias, pencas de balangandãs,
entre outros adornos corporais, utensílios como tachos, bacias, luminárias,
ferramentas agrícolas, complementos para a arquitetura e meios de transporte (LODY,
2013, p. 31).

O conhecimento e as habilidades necessárias para se criar uma joia, na perspectiva de


Abreu e Chagas (2009), atravessaram os milênios, fazendo esses indivíduos e suas criações
legítimos lugares de memória, ou seja, elementos de ligação entre passado e futuro. Sobre a
patrimonialização do artesanal, Lody (2013, p. 18) relembra:

não apenas o objeto ou o conhecimento, mas também o ferramental do trabalho, é


tema de análise como valor patrimonial, situando-se no que chamamos de tecnologia
patrimonial. Como também o que há de didático nas maneiras informais de transmitir
as técnicas - não apenas as técnicas, mas todo conjunto do patrimônio que garante a
continuidade do objeto e do complexo que integra o trabalho em si.

Além da dimensão imaterial do trabalho do ourives, Tedesco (2002, p. 52) também


pontua a materialidade da produção, na qual, alguns objetos retêm a “seiva da memória”. Para
ele, “os objetos presentes no cotidiano articulam-se com o espaço e o possuidor com
significados que lhe são próprios”. Todavia,

valores sentimentais estão unidos à memória, ligados a uma figura familiar a quem
originalmente pertenceu o objeto; ambos se mesclam com valores sociais que os
classificam como indicadores de distinção e refinamento. Atravessando gerações e
cruzando temporalidades, os objetos de memória vão adquirindo outros sentidos na
sucessão temporal, mantendo, no entanto, a referência constante à sua origem.
32

Objetos simbólicos, como as joias, geralmente estão unidos inseparavelmente à


memória; sua duração é, em geral, o tempo de uma vida. No entanto, quando salvaguardados13,
esses patrimônios de valor inestimável se tornam genuínos tesouros da humanidade.
No debate contemporâneo, as joias e o seu “saber-fazer”, enquanto patrimônios
culturais, refletem, na sua tangibilidade, não apenas o valor que lhes é intrínseco, mas a própria
história da evolução humana, configurando-se como legítimos testemunhos dos modos de criar,
fazer e viver das sociedades.

3.2 A EVOLUÇÃO DAS JOIAS E ADORNOS NO PERCURSO HISTÓRICO

Ao longo da história, os indivíduos sentiram necessidade de adornar seu corpo e, ainda


que seja difícil precisar a origem dos adornos, pode-se afirmar que sua existência está
documentada desde 35.000 a.C. O adorno – ou joia, como é conhecido na atualidade – é uma
das artes decorativas mais antigas da humanidade. Portadora de grande valor patrimonial, é um
objeto que, enquanto documento, fornece um precioso testemunho sobre os vestígios culturais,
memória, identidade e herança de todas as sociedades. É sabido que,

convencionalmente, a história inicia-se em 4000 a.C., com a invenção da escrita, que


permitiu ao homem deixar seus relatos em pedra, madeira, argila e vários outros
materiais disponíveis como suporte. Porém, ainda que esse marco divisor entre
história e pré-história seja conveniente – uma vez que a escrita, por sua permanência,
introduziu uma diferença fundamental no modo de vida social -, mesmo sem ter
escrita, a pré-história pelos seus vestígios, foi um período muito rico em eventos,
como, por exemplo, a passagem das culturas caçadoras e coletoras, de alta mobilidade,
às culturas agrícolas, temporariamente fixas, embora ainda nômades. Assim, não há
fontes escritas para testemunhar esse período de evolução do homem, mas apenas
manifestações não escritas: armas, adornos, utensílios, vestimentas, pinturas e todo
tipo de objetos, ou seja, as mais diversas espécies de registros materiais produzidos
pelas culturas antigas são (como ocorre em todas manifestações materiais, antigas ou
modernas) depositários de imensa carga de informações (GOLA, 2013, p. 23).

Durante a sua evolução, a humanidade produziu e continua produzindo objetos capazes


de agradar, diferenciar e promover prazer, tornando a joia um dos objetos que melhor contribui
para a construção de uma identidade através do embelezamento do corpo. Sobre a utilização do
corpo como forma de expressão de uma identidade, Castilho e Martins (2005, p. 106) explicam
que, “embora a carne humana revestida pela pele ainda seja o limite do corpo, os movimentos

13
Quanto à musealização e preservação de joias, é importante reconhecer a existência de museus ao redor do
mundo que possuem acervos e espaços expositivos dedicados a esses objetos. Dos quais destacamos: o Victoria &
Albert Museum, o Museu Britânico e o Museu da Torre de Londres, no Reino Unido; o Museu Nacional de Joias
do Teerã, no Irã; o Museu do Louvre e o Lalique Museum, na França; o Museu do Arsenal do Kremlin e o Museu
Fabergé, na Rússia; o Museu de Dresden e o Museu de Pforzhein, na Alemanha; o Museu Metropolitano de Arte
de Nova York, nos Estados Unidos; o Museu do Ouro, na Colômbia; o Museu do Diamante, em Amsterdam; o
Museu H. Stern, no Brasil, entre outros, que serviram de fonte para as imagens utilizadas ao longo desta pesquisa.
33

do mundo [antigo] ou contemporâneo agregam a ela outras funções, que por sua vez, respondem
à necessidade ou ao desejo de o ser humano manifestar a sua subjetividade”.
A esse respeito, Gourhain (1983) e Phillips (2004) corroboram ao acrescentar que o
homem primitivo percebia a beleza nas coisas que o cercava e por isso tinha uma relação mítico-
mágica com os objetos que fabricava:

antes que os povos fossem capazes de moldar metais ou esculpir pedras eles
adornavam seus corpos usando contas simples, feitas a partir de sementes, frutos e
conchas. [...] Caçadores de diferentes regiões da Europa usavam pingentes feitos de
ossos e dentes de animais, talvez como talismãs para uma caça bem-sucedida e como
decoração14 (PHILLIPS, 2004, p. 7, tradução nossa)15.

Nessa relação entre os sujeitos e o sobrenatural, Skoda (2012, p. 30) explica que foi
“graças ao ato mágico, [que] o homem toma consciência de si mesmo e de suas possibilidades;
embora tímido, ele adquire força, esperança por algo melhor, mudando sua maneira de viver e
encarar a vida a cada nova descoberta”. Para a autora, embora não seja possível precisar com
exatidão a época que isso acontece, esse fato marca o início do desenvolvimento psicológico
da sensibilidade, quando o homem primitivo começa a tomar consciência de si, despertando o
senso estético, sendo esse um dos marcos do surgimento da arte de produzir e utilizar adornos.
Essa mudança do ser, ou o despertar estético dos indivíduos, elevou a evolução dos
adornos das primeiras civilizações para outro patamar, iniciando-se um processo de
individualidade e diferenciação. Dessa maneira, a simbologia existente na joia ou adorno
sempre esteve atrelada aos sentimentos e à subjetividade humana, pois a joia é, em sua essência,
um artefato portador de significativo valor estético e simbólico que varia de acordo com a época
e local onde é produzida. Segundo Gola (2013), os primeiros adornos corporais que se tem
notícia correspondem a achados arqueológicos que remetem ao período Paleolítico. A autora
supõe que

uma vez terminada a caçada ou coleta do dia (e depois de satisfeitas as atividades


alimentícias), o caçador precisava de alguns momentos de descanso, de ócio, para
organizar seus pensamentos e inquietações; e, para isso realizava a atividade criadora.
Pode ter sido assim que começou a gravar ou a pintar as paredes da caverna com cenas
de episódios da sua vida ou com registros gráficos dos animais, da intenção da caçada.
Ele os representava com poucos traços, e finos – imagens quase impressionistas, que
assombram os observadores modernos -, e com eles conseguia desenhar uma imagem
indicativa e reconhecível do animal, sua posição e seus movimentos. E pode-se
imaginar que foi também assim que evoluíram a concepção e as técnicas dos objetos
de adorno (GOLA, 2013, p. 28).

14
Original: “before people were able to shape metal or carve stone they adorned their bodies using simple beads
made from seeds, berries and shells. [...] Huntsmen in different regions of Europe were wearing pendants made
from the bones and teeth of animals, perhaps intended as talismans for successfull hunting as well as decoration”.
15
Todas as traduções estrangeiras de citações que constam neste trabalho foram feitas pelo autor.
34

Sobre a estrutura desses primeiros adornos, sabe-se que são bastante rudimentares,
sendo compostos por materiais orgânicos – como ossos, dentes, pedras e conchas –
apresentando decorações simplificadas, realizadas por meio de pequenas incisões no material.
As formas predominantes eram pendentes e rodelas, geralmente com orifícios para passar
alguma espécie de fio ou fita, conforme apresentado na Figura 2. Essa tipologia de adorno
perdurou até, aproximadamente, 8000 a.C.

Figura 2 – Rodela do Paleolítico com a imagem de um bisão.

Fonte: Gola (2013, p. 2). Adaptada pelo autor.

No Período Neolítico, com a evolução dos grupos e diante da descoberta dos materiais
vulcânicos e gemológicos e, posteriormente, dos metais, o adorno passou a sofrer as primeiras
modificações quanto à sua complexidade e confecção. A preferência se inclinava,
provavelmente, aos “materiais mais raros e resistentes e às formas mais elaboradas e complexas,
entre elas anéis e braceletes finamente trabalhados”. Assim, “predominaram sustâncias mais
maleáveis, como o alabastro e outros minerais semelhantes, e, ao mesmo tempo, criavam-se
adornos com materiais mais resistentes como o quartzo, a ametista, a jadeíta, o âmbar, além do
coral, do cobre e do ouro” (GOLA, 2013, p. 29).
Com a difusão dos metais, na passagem do quarto para o terceiro milênio antes de Cristo,
evoluíram aquelas que se consideram as “primeiras civilizações”16, ocupando, principalmente,
o Mediterrâneo oriental, a orla do rio Nilo, na África, e as regiões dos rios Tigre e Eufrates, na
Mesopotâmia (atual território da Síria, Iraque e Turquia). Nessas sociedades,

os papéis de médico, sacerdote, vidente, astrônomo e astrólogo estavam fundidos em


uma só pessoa. Em suas observações, esses sábios tinham atribuído conexões entre o
planeta Terra e as estrelas, tendo os minerais como elo. Comparavam as cores com
que viam as estrelas e as cores das pedras - fundamento empírico, mas de grande

16
Gola (2013) convenciona chamar esses povos de “primeiras civilizações”, considerando o desenvolvimento da
escrita e a influência que tiveram na cultura ocidental.
35

coerência analógica -, criando, assim, laços místicos entre o homem e a natureza


(GOLA, 2013, p. 30).

Com essa nova relação com a natureza, incorporou-se nas culturas o interesse por várias
novas atividades, repercutindo em diversas manifestações culturais, inclusive, de cunho
artístico. Por meio da busca de materiais, de novas tecnologias e de novas visões de mundo,
cada povo imprimiu as características de seu tempo, na expressão de sua arte e nos seus adornos.
A confecção de joias de ouro ou de prata e a combinação desses metais com pedras de
cor começaram efetivamente por volta de 5000 a.C., no início da chamada Idade do Bronze. A
partir daí a produção de joias, considerando técnicas e desenhos, começou a se desenvolver
continuadamente. Os desenhos “refletem aspectos das sociedades nas quais a arte floresce.
Religião, superstição, organização social, econômica e comercial, guerras, etc. – ou seja, o que
é considerado relevante – marcam as artes e a produção de joias” (GOLA, 2013, p. 32).
Phillips (2004) considera que foram os sumérios, habitantes do sul da região da
Mesopotâmia, um dos primeiros povos que confeccionaram joias e artefatos ritualísticos de
ouro. A exuberância das joias dessa civilização pode ser evidenciada na minúcia dos detalhes
dos objetos encontrados nas escavações17 de túmulos reais na região do atual Iraque e ao norte
da Turquia.
Uma das descobertas mais fascinantes dessas escavações é o complexo funerário da
rainha Pu-abi, que foi enterrada utilizando um robe incrustrado de pedras preciosas, junto de
joias de ouro de todos os tipos e das suas 64 servas, todas devidamente ornamentadas com peças
de ouro. As ilustrações abaixo (Figuras 3 e 4) mostram um retrato de Sophia Schliemann, esposa
do arqueólogo Heinrich Schliemann, utilizando parte das joias descobertas por ele; e os trajes
da Rainha Pu-abi. Essas imagens demonstram o nível de detalhamento e o avanço das técnicas
da ourivesaria mesopotâmica.

17
Em 1873, motivado pelo poema A Ilíada, de Homero, o arqueólogo Heirinch Schliemann organizou uma
expedição e descobriu uma das maiores coleções de joias do terceiro milênio antes de Cristo, ao norte da Turquia,
onde seria a localização da cidade de Tróia. O estudioso acreditava ter encontrado o tesouro do Rei Priam,
escondido durante a guerra de Tróia em 1184 a.C., no entanto, as joias eram muito mais antigas, datadas de 2200
a.C. (PHILLIPS, 2004). Mais tarde, entre 1922 e 1934, o arqueólogo britânico Charles Leonard Woolley realizou
escavações no Iraque, na região considerada a localização da cidade de Ur, na Mesopotâmia, encontrando vestígios
materiais e objetos que comprovam a descoberta e utilização do ouro desde a mais remota Antiguidade
(WOOLLEY, 1965).
36

Figura 3 – Sophia Schliemann, em 1873.

Fontes: fotografia de Peter Clayton, 1873 (PHILLIPS, 2004, p. 10). Adaptada pelo autor.

Figura 4 – Trajes da Rainha Pu-abi.

Fontes: fotografia de Bruce White, 2015. University of Pennsylvania Museum of Archaeology and Anthropology,
Philadelphia, EUA. Adaptada pelo autor.

No percurso de desenvolvimento das joias, em termo de arte e técnica, a civilização


egípcia pode ser considerada uma das mais qualificadas.

Os padrões básicos de suas instituições, suas crenças e suas ideias artísticas formaram-
se entre 3000 e 2500 a.C., sendo mantidos e reafirmados dois mil anos seguintes.
Assim, à primeira vista, a arte egípcia parece ter um único “padrão” de estilo; mas, ao
nos aprofundarmos, percebemos que, sem nunca ter sido estática, ela oscilou entre
37

conservadorismo e inovação, e sua monumentalidade influenciou a arte grega e


romana – e, em consequência, a arte do mundo (GOLA, 2013, p. 38).

De acordo com Sant’Anna (1997), a maior parte do ouro utilizado no Egito, até a IX
Dinastia, vinha da Núbia e, desde 3500 a.C., esse povo já se utilizava da ourivesaria, com alta
perícia, para confeccionar todo tipo de objeto, abrangendo desde os adornos com finalidade de
uso pessoal ou religiosa até o acabamento de mobiliário e espaços arquitetônicos.

Entre as chamadas “artes menores”, destacava-se a joalheria, de que temos exemplos


nos achados arqueológicos em tumbas egípcias encontradas intactas: anéis, broches,
brincos, colares, diademas, peitorais, leques, máscaras mortuárias, chegando mesmo
a camas, liteiras, sarcófagos em ouro puro e maciço, adornados, entre outros, com
turquesas e lápis-lazúli, ou finalmente esmaltados, com trabalhos de textura em
lâminas de ouro e uso da técnica de embutimento por pressão (inlay, em inglês;
emboutissage, em francês). Aliás, joalheiros modernos que estudaram tais tesouros
observaram – seja pelo exame das joias ou das cenas ilustradas nas tumbas – diferentes
técnicas de ourivesaria, como a fundição, a soldagem por fusão, a forja, para criar
folhas de ouro extremamente finas (cerca de 1/200 e de milímetro), e técnicas
joalheiras de decoração, como a cinzelagem, a gravação, o já citado embutimento por
pressão, além da incrustação e emprego de granulação e filigrana, e a também citada
coloração por esmalte, criando a grande diversidade e o colorido da joalheria egípcia,
que privilegiava o ouro (GOLA, 2013, p. 39).

Para os egípcios, “o ouro representava o poder do Sol – a divindade máxima (e, para o
faraó Akhenaton, única) do mundo dos vivos” (GOLA, 2013, p. 39). Por isso, era combinado
com pedras coloridas, como o lápis-lazúli, a turquesa, a cornalina, que significavam o céu, o
mar e a terra, respectivamente (SCHUMANN, 2006).
Sobre os simbolismos que relacionam a joia egípcia com a vida após a morte, Jacq
(1998, p. 21) ressalva que “estas maravilhas [foram] criadas para a eternidade, e não para o
mundo passageiro dos humanos, [e] estavam destinadas aos paraísos do Além onde vive a alma
[...]” – referindo-se, nesse exemplo, à Hetep-Heres, esposa do faraó Snefru. E continua: “graças
aos adornos, a sua beleza permanecerá inalterável; graças à preciosa baixela, poderá celebrar
um banquete perpétuo”18.
A joia tinha um papel muito relevante nos simbolismos para a vida eterna, conforme
explica Jacq (1998), ao analisar as joias encontradas na tumba da princesa Knumit:

Pulseiras nos pulsos e nos tornozelos; colares aludindo muitas vezes à difusão dos
raios solares; diademas e aros ornados de motivos florais; anéis, brincos e pingentes.
Ouro, prata, turquesa, ametista, cornalina e outras pedras semipreciosas serviam para
fabricar estas pequenas maravilhas, que aumentavam a sedução feminina. As grandes
damas possuíam verdadeiros tesouros, poucos dos quais sobreviveram; o da princesa

18
Em 1925, a expedição do arqueólogo americano Reisner chegou ao planalto de Gizé, no cemitério real, situado
a leste da pirâmide de Quéops, localizou uma câmara funerária inviolada, a tumba da rainha Hetep-Heres, que foi
esposa do faraó Snefru e a mãe do construtor da Grande Pirâmide. No local havia uma grande coletânea de joias e
objetos em ouro (JACQ, 1998).
38

Knumit, “A do deus Knum (ou: a que se une)”, filha de Amenemhat III, faraó do
Médio Egito, foi encontrado intacto no seu túmulo de Dachur. Os símbolos que
ornamentam as suas pulseiras são muito significativos: prometem-lhe “nascimento”
(no Além), “alegria” e “toda a proteção e vida”. Quer dizer que estas joias não tinham
um mero valor decorativo, mas serviam também de palavras de poder nos caminhos
do Além (JACQ, 1998, p. 121).

Durante toda a vida os egípcios, especialmente aqueles que tinham melhores condições
financeiras, se preparavam para a imortalidade. Nesse contexto, as joias e adornos de ouro e
prata tinham um importante papel ritualístico, conforme relembra Jacq (1998, p. 181):

enquanto ciência que dava acesso às leis universais, a magia está presente no universo
egípcio, onde a fronteira entre a vida e a morte é mera aparência. As divindades
residem na Terra e impregnam com o seu poder as menores atividades diárias,
reclamando aos camponeses, artífices e donas de casa uma consciência do sagrado.
Por isso utilizam meios carregados de magia como escaravelhos e amuletos.

Sant’Anna (1997, p. 21) exemplifica essa relação mística da joia ao explicar que “nas
cerimônias de preparação para o sepultamento, sobre o corte da cavidade abdominal colocava-
se uma placa de ouro, e, de acordo com a riqueza do morto, entre os linhos que envolviam o
corpo, eram depositados joias e adornos em ouro e pedras preciosas”, visando garantir ao morto
a plenitude da eternidade. Por esse motivo, um dos símbolos mais difundidos no Egito era o
escaravelho, um inseto que representava o Sol, a vida e a ressurreição, e era representado nas
joias, nas tapeçarias e em outros objetos, como exemplifica a Figura 5.

Figura 5 – O escaravelho representado em um dos 26 peitorais encontrados na tumba do faraó


Tutancâmon.

Fonte: fotografia de Albert Shoucair. Egyptian Museum, Cairo, Egito. (PHILLIPS, 2004, p. 18). Adaptada pelo
autor.
39

Segundo Phillips (2004) e Sant’Anna (1998), em 1922, Howard Carter e Lord


Carnarvon descobriram a tumba do faraó Tutancâmon, e um acervo inestimável de joias e
objetos de ourivesaria veio à tona, inclusive a máscara mortuária do faraó. Confeccionado em
ouro maciço e adornada com incrustações de pedras preciosas e vidro colorido, o artefato é uma
das mais belas máscaras já encontradas, e tornou-se um ícone da cultura egípcia, reconhecido
em todo mundo, conforme ilustra a Figura 6.

Figura 6 – Máscara mortuária de Tutancâmon, 1323 a.C.

Fonte: Egyptian Museum, Cairo, Egito. (SANT’ANNA, 1997, p. 21). Adaptada pelo autor.

O trabalho de ourivesaria egípcio, na avaliação de Sant’Anna (1997, p. 22), “é quase


impossível de ser sobrepujado pelos artífices modernos”, não sendo exagero afirmar que
também é um dos mais expressivos. O autor relembra que, apesar dos saques e das profanações
de tumbas, a beleza e influência da joalheira egípcia atravessaram os milênios e chegaram até
a atualidade sendo ainda motivo de fascínio, admiração e fonte de inspiração para a moda e
joalheria contemporânea. Exemplo disso é a recente coleção Métiers d'art 2018/19 da grife
francesa CHANEL, apresentada em 2019, em Nova Iorque, nos Estados Unidos. Os elementos
da cultura e a estética egípcia podem ser observados em uma reinterpretação contemporânea,
conforme mostra a Figura 7.
40

Figura 7 – Look da Coleção Métiers d'art 2018/19 – CHANEL, inspirada no Egito Antigo19.

Fonte: CHANEL, 2019. Adaptada pelo autor.

As transformações na produção de joias e adornos seguiram o seu curso durante a


Antiguidade. Sabe-se que tal período foi bastante conturbado por guerras e conquistas de terras.
Assim, muitos povos assimilavam costumes e culturas de seus conquistadores.
Como exemplifica Gola (2013), o estilo helenístico20 passou a ser empregado na
produção de adornos na Mesopotâmia, quando este território foi tomado pelo imperador
Alexandre, em meados de 332 a.C. Assim, a arte mesopotâmica passou a assimilar elementos
do helenismo, como as formas geométricas, humanas e de animais, sendo o trabalho com metais
uma das atividades mais importantes daquela sociedade.
Cada povo da Antiguidade possuía seus próprios conhecimentos e técnicas para a
confecção de adornos. Os etruscos (península itálica, hoje Toscana), segundo Corbetta (2007),
desenvolveram as técnicas da filigrana21 e da granulação22 em ouro com grande primor,
conforme ilustra a Figura 8. Segundo Gola (2013), em meados de 250 a.C., os romanos
incorporaram totalmente a civilização etrusca ao seu império. Com isso, difundiu-se o estilo
grego nas artes e arquitetura, que mais tarde foi apropriado culturalmente pelos romanos.

19
Coleção Métiers d'art 2018/19 – CHANEL. Disponível em: <https://bit.ly/3gTEoRl>. Acesso em: 30 set. 2019.
20
Na arte helenística, as ideias de Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.) foram refletidas, considerando as experiências
dos sujeitos obtidas através dos sentidos. Esse pensamento influenciou as artes visuais e os ofícios de modo que
os modelos idealistas foram deixados de lado e os artistas começaram a levar mais em consideração os aspectos
da figura humana (GOMBRICH, 2013).
21
Técnica de ourivesaria que se utiliza de delicados fios metálicos trançados para formar uma superfície
semelhante a uma “renda” de metal (POMPEI, 2013, p. 69).
22
Técnica de ourivesaria que consiste na utilização de pequenas esferas soldadas à superfície com finalidade de
conferir relevo à peça (POMPEI, 2013, p. 69).
41

Figura 8 – Brincos etruscos em ouro e pedras preciosas, aprox. 500 a.C. 23

Fonte: Museu Metropolitano de Arte, Nova York, EUA, 2019. Adaptada pelo autor.

Nesse período, segundo Corbetta (2007), cunhavam-se moedas que eram utilizadas
como adornos pelos homens, bem como artefatos de distinção militares. Conforme relembra
Skoda (2012, p. 80), “os romanos herdaram dos gregos a afeição pela glíptica24 e se
distinguiram no gênero, muito embora os motivos de seus entalhes fossem de inspiração
nitidamente helênica”. Isso pode ser verificado nos ornamentos utilizados para condecorações
militares, na confecção de insígnias em forma de braceletes de ouro, chamados galbei,
conforme ilustra a Figura 9.

Figura 9 – Galbei, bracelete romano oferecido como honraria militar25.

Fonte: Museu Metropolitano de Arte. Nova York, Estados Unidos, 2019. Adaptada pelo autor.

Com a decadência do Império Romano e a ascensão do Cristianismo, surgem os


primeiros objetos de valor, simbólico e material, dos cristãos primitivos e, mais tarde, os
adornos bizantinos, com representações religiosas, ornados com simbologias cristãs,

23
Brincos etruscos, em formato de disco. Ouro e cristais de rocha. Dimensões: 6 cm. Disponível em:
<https://www.metmuseum.org/art/collection/search/256976>. Acesso em: 30 set. 2019.
24
Glíptica é a uma técnica utilizada para fazer gravações em pedras preciosas e materiais rígidos. Nesse tipo de
arte se inclui a talha, a escultura cavada e o alto-relevo (SCHULTZ-GÜTTLER, 2005).
25
Bracelete Romano Galbei. Ouro. Dimensões: 4 cm x 6 cm x 7cm. Disponível em:
<https://www.metmuseum.org/art/collection/search/464164>. Acesso em: 30 set. 2019.
42

condizentes com os dogmas da nova religião. Como observa Skoda (2012, p. 84), “o novo
Evangelho exigia valores morais, preparação para uma vida sobrenatural e imaterial, e, acima
de tudo, adorar o único Deus verdadeiro”, princípios que foram inicialmente refletidos em uma
arte demarcada pelo conteúdo espiritual e simbólico dos objetos, inspirada nos ideais abstratos
da fé cristã.
De acordo com Gola (2008), na produção dessas peças, foram utilizadas formas mais
sólidas acompanhadas de pérolas, pedras preciosas com um princípio de lapidação, grande
quantidade de metal, destacando-se, também, a técnica da esmaltação, demonstrada na Figura
10. As joias eram muito valorizadas naquela sociedade e, por essa razão, eram usadas para
adornar roupas, sapatos, cabelos e outras partes do corpo em diversas ocasiões. Homens e
mulheres faziam o uso indiscriminado de anéis, colares, brincos, pulseiras, cintos com fivelas,
cruzes e broches, sendo todos muitos adornados.
Tentando moderar esse costume, foram criadas leis restringindo o uso de algumas
técnicas e gemas. Segundo o Código de Justiniano de 529 d.C., as esmeraldas, as safiras e as
pérolas da Índia, da Pérsia e do Golfo Pérsico, por exemplo, destinavam-se exclusivamente para
o uso imperial. As pedras utilizadas representam o poder divino, que emana da figura do
Imperador (SKODA, 2012).

Figura 10 – Cruz relicário da Rainha Tamar Khobi, datado do séc. XII (frente e verso) 26.

Fonte: Museu Nacional da Geórgia. Tbilisi, Geórgia, 2019. Adaptada pelo autor.

26
Cruz relicário da Rainha Tamar Khobi. Ouro, esmalte e pedras preciosas. Dimensões: 7cm x 4 cm. Disponível
em: <http://museum.ge/index.php?lang_id=ENG&sec_id=216&info_id=12451>. Acesso em: 30 set. 2019.
43

A partir século XIII, a estética da joalheira europeia serviu de forte referência para o
mundo todo. Conforme pontua Skoda (2012, p. 128), surgiu a ideia de “uma Europa voltada
para a realidade em contraposição aos conceitos abstratos dominantes desde a Idade Média”,
marcada pelas novas invenções e descobrimentos, percebida como uma grande difusão cultural.
Na joalheria, destacam-se as cidades de Paris (França), Veneza (Itália) e Colônia
(Alemanha), sendo as cidades mais importantes na produção joalheira da época. Essa produção
realmente foi tão intensa que nesse período surgem leis que regulam o trabalho em ourivesaria,
com o intuito de evitar imitações ou alterações nas pedras, e há uma forte preocupação com a
originalidade das gemas. No entanto, apesar dos cuidados, muitas fraudes e falsificações
aconteceram na época.
Dentre as estéticas europeias, os estilos Gótico, Renascentista e Barroco foram os que
tiveram maior destaque na produção de joias. O estilo Gótico apresenta formas verticalizadas e
angulares com lapidações e motivações de ordem espiritual; o estilo Renascentista retoma as
formas humanas, temas bíblicos e mitológicos; e o estilo Barroco representa a essência da
Contrarreforma da Igreja Católica que, de acordo com Corbetta (2007), tornou-se um símbolo
de status devido à grande quantidade de gemas empregadas na mesma peça, como nos
exemplares da Figura 11.

Figura 11 – Pingentes em estilo Gótico e Renascentista, respectivamente.

Fonte: Musée National de Moyen Age. Paris, França; Victoria & Albert Museum. Londres, Reino Unido. (GOLA,
2013, p. 67 e p. 72). Adaptada pelo autor.

As joias e os adornos barrocos surgem, então, como joia-espetáculo, conforme ilustra o


exemplo da Figura 12, e passam a ser utilizadas como ostentação pública de riqueza, poder ou
credo religioso, de acordo com o desejo da classe dominante daquela época (SKODA, 2012).
44

Figura 12 – Ornamento para o corpo em estilo Barroco, aprox. séc. XVII.

Fonte: Victoria & Albert Museum. Londres, Reino Unido (PHILLIPS, 2004, p. 107). Adaptada pelo autor.

Seguindo o percurso histórico, o século XX foi um tempo de grandes transformações na


estética, com o surgimento de dois importantes movimentos: o Art Nouveau e o Art Déco. O
primeiro, de acordo com Corbetta (2007), buscava seus motivos na natureza, empregando
materiais inusitados como chifres e marfim. Segundo Gola (2008), também eram utilizados
elementos florais que remetiam à feminilidade e delicadeza, atributos sociais muito valorizados.
A Figura 13 ilustra uma joia, na qual é possível observar a estética vigente na época.

Figura 13 – Colar em estilo Art Nouveau, de René Lalique (1899) e detalhe ampliado27.

Fonte: Museu Metropolitano de Arte, Nova York, EUA. Adaptada pelo autor.

27
Colar, criação de René-Jules Lalique. Ouro, esmalte, opalas e ametistas. Dimensões aproximadas: 24 cm.
Disponível em: <https://www.metmuseum.org/art/collection/search/483898>. Acesso em: 30 set. 2019.
45

Já o Art Déco surge após a Primeira Guerra Mundial, em 1918, e traz formas
geometrizadas oriundas do Cubismo, do Abstracionismo e da arquitetura da Bauhaus, que,
segundo Gola (2013), se afastavam da emoção da Art Nouveau, mas se aproximavam da
racionalidade e intelecto. Phillips (2004, p. 175) explica essa mudança:

O fim da Primeira Guerra Mundial em 1918 havia permitido um retorno à


extravagância entre os ricos, mas o ânimo da sociedade mudou e agora surgiram
motivos geométricos e estilizados. Pedras preciosas facetadas de alto valor retornaram
em profusão como um elemento importante da joalheria e, juntamente com os
contrastes vibrantes de cores de materiais semipreciosos, como turquesa e coral,
criaram efeitos exóticos, muito distantes dos esmaltes sutilmente sombreados das
décadas anteriores. O estilo original e estrelado acabou sendo nomeado 'Art Déco', em
homenagem à Exposição Internacional de Artes Decorativas e Industriais Modernas
de Paris, em 192528.

Muitas influências contribuíram para o Art Déco, incluindo o geometrismo e a abstração


do Cubismo29, movimento artístico de vanguarda, surgido na França no início do séc. XX, em
que se destacaram nomes como Pablo Picasso e Georges Braque; a estética das cores utilizadas
pela companhia de balé russa, dirigida por Diaghilev (1872-1929), durante as apresentações em
Paris; e a descoberta da tumba do Faraó Tutancâmon, na expedição de Carter, em 1922.
Essas influências podem ser percebidas não apenas nas joias, mas em outros objetos
desse estilo, que rejeitou as decorações exageradas, mantendo as formas limpas e funcionais
(PHILLIPS, 2004). A Figura 14 apresenta um broche criado por Lucien Hirtz, em 1925, para a
Exposição das Artes Decorativas, em Paris, em que é possível verificar a profusão dos
elementos que compõem a estética do Art Déco.

28
Original: “The end of the First World War in 1918 had allowed a return to extravagance among the wealthy, but
the mood of society has changed, and now stylized and geometric motifs emerged. High-value faceted gemstones
returned in profusion as a major element of jewelry, and together with the vibrant color contrasts of semi-precious
materials like turquoise and coral created exotic effects far removed from the subtly shaded enamels od the
proceeding decades. The starl, original style was eventually named ‘Art Déco’, after the Paris Exposition
Internacionale des Arts Décoratifs et Insdustriels Modernes of 1925”.
29
Esse estilo artístico é caracterizado por fragmentar e desconstruir o objeto de tal forma que pode ser visto de
vários ângulos simultaneamente. O Cubismo procura representar os objetos em três dimensões, numa superfície
plana, sob formas geométricas, com o predomínio de linhas retas (GOMBRICH, 2013).
46

Figura 14 – Broche no estilo Art Nouveau, Lucien Hirtz, 1925.

Fonte: Boucheron. Paris, França (PHILLIPS, 2004, p. 176). Adaptada pelo autor.

Corbetta (2007) considera que nas décadas após a Segunda Guerra Mundial, com a
retomada da economia, a joalheria passou a ser um investimento, em virtude das gemas
preciosas que conferiam perfeição às peças e que seguiam as tendências de moda da época.
Nesse período, a indústria joalheira começa a se desenvolver com força na Europa, enquanto
nos Estados Unidos, durante a chamada “Era Dourada”, as atrizes de Hollywood (Figura 15),
influenciavam a moda, divulgando o trabalho de diferentes estilistas e joalheiros. Nesse sentido,
compreende-se que

na década de cinquenta, havia a Alta Joalheria com joias feitas de metais preciosos e
raros, confeccionadas nas famosas casas de grandes estilistas e designers, e as
confeccionadas em ateliês menores pelos artistas-artesãos com materiais acessíveis,
em que o design e a configuração artística eram mais importantes (SKODA, 2012, p.
168).

A rápida industrialização ocorrida nos Estados Unidos, na década de 1930, direcionou


a produção joalheira para uma grande escala, com peças de alta qualidade, conhecida por Fine
Jewelry, ou Alta Joalheria, surgindo peças confeccionadas em diamante, platina e ouro branco,
com tecnologia e materiais locais. Essa movimentação deu origem a muitas casas de joalheria
famosas pela exuberância e exclusividade de suas peças, como Cartier, Van Cleef & Arpells,
Tiffany & Co., Boucheron, Fulco di Verdura, entre outras (PHILLIPS, 2004).
47

Figura 15 – A atriz Marlene Dietrich, na década 1940, utilizando o bracelete “Jarretière”, de


Van Cleef & Arpells30.

Fonte: Van Cleef & Arpells, 2017. Adaptada pelo autor.

Entre as décadas de 1950 e 1970, nota-se, segundo Gola (2013), o surgimento de um


forte senso de individualismo na estética, percebido nos movimentos de jovens que queriam se
expressar e transgredir os costumes da época à sua maneira. Apesar da persistência da Alta
Joalheria, é perceptível que as joias em metais nobres e cravejadas de pedrarias começam a
perder espaço.
Logo, o mercado precisou se adaptar a essas mudanças, em virtude das tendências de
moda que passaram a mudar constantemente e da popularização de objetos não preciosos como
imitações de joias, criadas em polímeros, madeiras, papéis e o gosto por formas ousadas e cores
fluorescentes que foram empregadas nas coleções desse período (Figura 16). Essa efervescência
cultural permanece até a década de 1980, quando as joias e adornos se tornaram ecléticos, sendo
influenciados pelas personalidades da música, da televisão e pelos novos movimentos artísticos.

Figura 16 – Brincos da década de 1970, Kenneth Jay Lane, 197231.

Fonte: Museu Metropolitano de Arte, Nova York, EUA, 2019. Adaptada pelo autor.

30
Bracelete Jarretière. Van Cleef & Arpells. Platina, diamantes e rubis. Dimensões aproximadas: não informadas.
Disponível em: <https://bit.ly/3blNDbY>. Acesso em: 30 set. 2019.
31
Brincos da década de 1970. Kenneth Jay Lane, 1972. Plástico e metal. Dimensões aproximadas: não informadas.
Disponível em: <https://www.metmuseum.org/art/collection/search/104737>. Acesso em: 30 set. 2019.
48

Na década de 1990, segundo Gola (2013), as joias preciosas estiveram novamente em


alta, no entanto, elas passaram por transformações, tornando-se cada vez mais acessíveis, menos
formais e mais modernas para o uso no dia a dia, seguindo esse ritmo na atualidade.
Conforme visto nessa trajetória pela história da joalheria, a Europa se tornou
nitidamente o grande centro cultural e artístico do mundo antigo e moderno, onde a produção
de joias atingiu seu apogeu e esplendor. Todavia, é necessário mencionar, nesse percurso, as
manifestações artísticas e contribuições que outros povos tiveram no desenvolvimento de
adornos corporais, como da própria joalheria.

3.2.1 China

A joalheria da China, uma das mais antigas civilizações do mundo, recebeu a influência
da Índia, seu país vizinho, e dos povos com os quais estabelecia ligações comerciais,
destacando-se os árabes e mesopotâmios. Não diferente de outros povos, os adornos chineses
refletem a influência espiritual, especialmente do Budismo e do Confucionismo.
Os temas recorrentes para a confecção de joias e adornos foram os elementos
mitológicos, como monstros e criaturas lendárias, animais, flores e elementos da natureza. Na
cultura chinesa, conforme Skoda (2012, p. 99), “as joias foram usadas para ornamentar a
cabeça, orelhas, pescoço, peito, mãos, pés e até templos. Por essa razão, os penteados e
ornamentos de cabeça determinavam o status social de quem os portava e combinavam com as
joias escolhidas” (Figura 17).

Figura 17 – Tradicional grampo para cabelo chinês32.

Fonte: Museu de Ciências e Artes Aplicadas. Sydney, Austrália, 2019. Adaptada pelo autor.

32
Tradicional grampo para cabelo chinês. Ouro, esmalte, sementes de pérolas e pedras preciosas. Dimensões
aproximadas: 21 cm x 7 cm. Disponível em: <https://bit.ly/2YYeNAH>. Acesso em: 30 set. 2019.
49

Nas peças chinesas, também é verificada a presença de amuletos de todo o tipo, em que
persiste a utilização de pedras semipreciosas, como a jade, e metais diversificados, como o
cobre. Há um purismo nas formas e simplicidade nas linhas, buscando-se estabelecer a
suavidade.

3.2.2 Índia

A Índia é outro exemplo de país que possui uma produção joalheira muito significativa
e de grande relevância cultural. Com uma produção milenar, baseada nas questões espirituais,
as joias eram enfeitadas com flores estilizadas, havendo também a representação de narrativas
místicas, ligadas à religião e mitologia. A essência das joias hindus é marcada pela utilização
de diversos materiais, pedrarias e muitas cores. Além do valor estético, elas possuem um valor
religioso e são usadas para adornar as imagens de deuses e animais sagrados (SKODA, 2012).
A joia, durante muito tempo, foi símbolo de poder e competição entre os soberanos
hindus, que as exibiam em grande quantidade nas roupas e em diferentes partes do corpo. A
Figura 18 ilustra Sir Bhupindra Singh, Marajá de Patiala, utilizando uma joia criada em 1925
pela grife francesa Cartier. O colar, em estilo Art Déco, tinha 5 fileiras de diamantes, totalizando
um total de 1000 quilates e foi utilizado pelo soberano para a cerimônia de coroação de seu
sobrinho, o Marajá de Kashmir (NADELHOFFER, 1999).

Figura 18 – O Marajá de Patiala e o colar da Cartier, 1925.

Fonte: Nadelhoffer (1999, p. 168). Adaptada pelo autor.


50

Nos costumes da Índia, especialmente entre as famílias mais abastadas, verifica-se a


forte presença ritualística das joias, sobretudo nos eventos sociais, como o casamento, em que
as joias adquirem simbologias ligadas à proteção e boa sorte, como no exemplar da Figura 19.

Figura 19 – Colar hindu, confeccionado em ouro, para cerimônia de casamento, séc. XIX33.

Fonte: Museu Metropolitano de Arte, Nova York, EUA, 2019. Adaptada pelo autor.

3.2.3 África

Quanto à África, é preciso mencionar que, ao longo da história do continente, a


diversidade cultural africana deu origem a uma produção de adornos e joias muito diversa em
técnicas e materiais. Através dos vestígios arqueológicos, organizados a partir do século XX
para os museus europeus, é possível evidenciar o preciosismo das peças africanas. Além de
joias com finalidade religiosa, destacam-se as obras com fim decorativo, como as máscaras
cerimoniais e os adornos de reis e lideranças tribais (SKODA, 2012).
As esculturas das culturas Fon, Fang, Yoruba e Bini, e as de Luba foram muito
valorizadas no período. Entre esses povos, Skoda (2012), destaca os Yorubas e os Binis, que
desenvolveram técnicas de modelagem de peças em marfim, e fundição em ouro e bronze, com
estéticas singulares, que refletiam a liberdade criativa de seus artistas, conforme ilustram as
Figuras 20 e 21.

33
Marriage Necklace (Thali). Ouro e fio têxtil. Dimensões aproximadas: 84,5 cm. Disponível em:
<https://www.metmuseum.org/art/collection/search/39409>. Acesso em: 30 set. 2019.
51

Figura 20 – Par de bracelete do povo Edo, entalhado em marfim, aprox. 181534.

Fonte: Museu Metropolitano de Arte, Nova York, EUA, 2019. Adaptada pelo autor.

Figura 21 – Bracelete em liga de cobre fundido, do povo Yoruba, séc. XVIII35.

Fonte: Dallas Museum of Art. Dallas, EUA. Google Arts & Culture, 2019. Adaptada pelo autor.

3.2.4 Oceania

Os povos da Austrália e Oceania, embora não tenham trabalhos em metais preciosos,


também deixaram marcas na produção de adornos corporais. As quatro etnias formadoras
desses povos, possivelmente, originaram-se na Índia e Indonésia, derivando, segundo Skoda
(2012, p. 112), “os australianos, nos desertos do continente, os papuas, na ilha da Nova Guiné,
os melanésios, no arquipélago da Melanésia, e os polinésios, na Nova Zelândia (os maoris) e
Ilha de Páscoa”. No entanto, apesar da mesma origem asiática, cada cultura desenvolveu as suas
próprias técnicas artísticas, condicionadas aos diferentes aspectos geográficos e climáticos de
cada região.

34
Bracelet: Equestrian and Standing Figures. Povos Edo. Marfim, madeira e coco. Dimensões aproximadas: 13
cm x 8,6 cm. Disponível em: <https://bit.ly/31SGCMu>. Acesso em: 30 set. 2019.
35
Altar stand in the form of a cuff. Povo Yoruba. Liga de cobre fundido. Dimensões aproximadas: 13 cm x 15 cm.
Disponível em: <https://tinyurl.com/y6j9wlxp>. Acesso em: 30 set. 2019.
52

Destaca-se que esses artefatos eram confeccionados de acordo com os materiais


disponíveis em cada local. Por isso, são encontrados adornos criados com a utilização de pedras,
sementes, conchas, penas, ossos, madeiras etc., demonstrando a diversidade e expressividade
artística dos povos habitantes dos mares do sul (SKODA, 2012). A Figura 22 mostra um
habitante da Província Ocidental, Papua-Nova Guiné, utilizando os adornos típicos da região.

Figura 22 – Homem da etnia Gogodala, posando com adornos de plumas, na região do Rio
Aramia36.

Fonte: Fotografia de Frank Hurley, 1922. Google Arts & Culture, 2019. Adaptada pelo autor.

De acordo com Skoda (2012), os habitantes dos arquipélagos oceânicos se organizavam


em pequenas comunidades lideradas por um soberano absoluto que, geralmente, era também o
sumo sacerdote. Por essa razão, muitos dos artefatos produzidos representam os elementos
existentes na natureza e as divindades cultuadas, explicitando um caráter espiritual.

3.2.5 América Pré-Colombiana

Na América Pré-Colombiana, Impérios do México e Peru, o desenvolvimento da


joalheria e metalurgia ocorreu com a fixação dos povos nômades. Segundo Skoda (2012), nos
relatos dos viajantes e escritos espanhóis do século XVI, referências comprovam a existência
de sociedades organizadas onde a utilização de adornos e joias de ouro eram anteriores ao
contato dos nativos com os europeus. Na divisão territorial,

36
“A Gogodala man looking out of the doorway of Totani longhouse, Aramia River, a Western Province,
December 1922”. Frank Hurley. Disponível em: <https://tinyurl.com/yxc2zdu5>. Acesso em: 30 set. 2019.
53

os Maias estabeleceram-se ao norte da Península de Yucatán (sul do atual México) e


na região das florestas tropicais das atuais Guatemala e Honduras, onde construíram
várias cidades-santuários. Os Astecas se estabeleceram no território correspondente
ao atual México, nas ilhotas e na região de pântanos próxima ao lago de Texcoco,
onde edificaram a capital de seu império, Tenochtitlán, atual Cidade do México. Os
Incas se desenvolvem em torno do lago Titicaca, na região dos Andes centrais
peruanos na América do Sul, nas atuais regiões do Peru, Bolívia, Equador,
expandindo-se a partes da Colômbia, Chile e Argentina (SKODA, 2012, p. 90).

Por serem de culturas politeístas, esses povos veneravam os elementos da natureza,


como exemplo, o sol, a chuva, a lua, entre outros, e acreditavam em divindades mitológicas
que, segundo a crença, exerciam influências na vida cotidiana. Além disso, tinham cultos de
veneração aos mortos, acreditando na continuidade da vida mesmo após a morte, razão pela
qual enterravam seus entes com todos seus pertences (SKODA, 2012).
De acordo com Sant’Anna (1997, p. 36), “sem dúvida os incas foram primeiros artífices
da América, e suas manifestações datam de 2000 a.C.”. Quanto à produção de joias e adornos,
sabe-se que esses povos tinham técnicas muito avançadas, conheciam as principais ligas
metálicas e dominavam a fundição, a gravação e a modelagem de esculturas em cera.
Dentre os materiais utilizados, tinham preferência pelo ouro, cobre e pedras
semipreciosas, com atenção especial à turquesa, cujo significado religioso se relacionava com
o fogo e com o sol. A Figura 23 ilustra um adorno para o nariz, uma vez que esses povos tinham
o costume de utilizar joias em diferentes partes do corpo.

Figura 23 – Adorno para o nariz, cultura Calima, região Malagana (Colômbia), aprox. 130037.

Fonte: Museo del Oro. Bogotá, Colômbia. Google Arts & Culture, 2019. Adaptada pelo autor.

37
Nose ornament with danglers. Povos Calima, região Malagana (Colômbia). Ouro. Dimensões aproximadas: 17,4
cm x 17,2 cm. Disponível em: <https://artsandculture.google.com/asset/nose-ornament-with-danglers-calima-
malagana-region-yotoco-period/qQHNa36cQoFOLg>. Acesso em: 30 set. 2019.
54

Os povos pré-colombianos aplicavam ouro em quase todos objetos do cotidiano, dos


utensílios domésticos até as roupas, tamanha era sua disponibilidade:

os vasilhames postos a serviço do imperador eram todos de ouro, bem como os


aparelhos de mesa, fontes, estátuas, plantas e peixes que adornavam seus jardins. Em
Yucay, os espanhóis encontraram o palácio de veraneio de Atahualpa, onde a água era
transladada em canalização de prata e caía em banheira de ouro. O acervo do palácio
era composto de finíssimos vasos, espigas de milho em ouro e prata, máscaras
imperiais, coroas, tiaras dos sacerdotes, tudo magistralmente trabalhado em puro ouro
(SANT’ANNA, 1997, p. 36).

Os espanhóis conheceram todo o fausto dessas civilizações, mas, no entanto, “não


sabendo apreciar a beleza das obras, os conquistadores não souberam respeitar o esplendor da
arte, e deram valor puramente ao metal, fundindo tudo o que fosse possível para a confecção de
lingotes” (SANT’ANNA, 1997, p. 36). Sabe-se, pelos fatos históricos, que a cobiça exacerbada
dos conquistadores espanhóis dizimou esses povos, levando esses reinos à sua completa ruína.
55

4 AS TRANSFORMAÇÕES DA JOALHERIA

Com ênfase nas produções europeias e norte-americanas, onde a joalheria desenvolveu-


se de forma pujante, apresenta-se, neste capítulo, a história da ourivesaria e dos ofícios
relacionados à produção de joias, com destaque para os ourives e joalheiros. Como no capítulo
anterior, buscou-se exemplificar, através das imagens e fontes pesquisadas, os novos valores e
subjetivações das joias, representados nas criações de inúmeros artífices que, ao longo do
tempo, dedicaram-se à arte da joalheria.
Desde a sua descoberta, estimada em cerca de 4.000 anos a.C., o interesse pelo ouro foi
o agente de profundas transformações na humanidade.

Há muitos milênios o ouro fascina o homem. Seu brilho encantou os primeiros


habitantes da Terra, que o associaram ao poderoso Deus Sol como símbolo da
imortalidade. Desde então, foi moldado e cobiçado, ornamentando reis e rainhas e
castelos, impulsionando o homem a aventurar-se por mares desconhecidos e terras
inóspitas em busca de seu valor. Venerado por sua beleza e elevado à condição de
mito, tornou-se tema de clássicos imortais do pensamento humano, matéria prima de
objetos religiosos – sagrados ou profanos – e artísticos, emprestando sua cor a
pinturas, esculturas e armas (SANT’ANNA, 1997, p. 4).

Devido às suas características únicas, motivou o comércio entre os povos e também


guerras, conquistas, viagens de pesquisa e exploração. Muitos impérios foram erguidos e outros
destruídos por causa dele. Para as civilizações antigas, o “metal do Sol” era indestrutível,
símbolo de poder, prestígio, importância social e instrumento para adquirir a imortalidade.
Considerado sagrado para muitas culturas, sua utilização para fins religiosos levou-o à condição
de material divino, existindo, inclusive, diversas menções ao metal e seus artífices nas
passagens bíblicas38.
De acordo com Sant’Anna (1997), essa reverência ao ouro está relacionada ao Sol, como
fonte de vida e energia. O astro, centro do seu próprio sistema, representa as figuras políticas,
sociais ou religiosas – como reis e sumos sacerdotes, as primeiras e únicas entidades para quem
os artífices trabalhavam. No Oriente Antigo, por exemplo, as oficinas eram os templos e
palácios, e a produção artística, inicialmente votivas, dedicadas aos deuses e a perpetuação da
memória dos governantes, era um trabalho voluntário e compulsivo, realizado por indivíduos
livres ou escravos. As classes hierárquicas dominantes lançavam mão dos artífices para se

38
De acordo com a Bíblia (1966), o livro Gênese (Capítulo 2, versículo 12), por exemplo, menciona o ouro, já
existente no Éden desde a criação do mundo. Outro exemplo é o livro Êxodo (Capítulo 31, versículos 2, 3 e 4), em
que Deus fala a Moisés, referindo-se aos “artífices destinados à obra”, que chamou “a Besseliel, filho de Uri, filho
de Hur, da tribo de Judá”, enchendo-o do “Espírito de Deus, de sabedoria, de inteligência e de ciência para toda a
casta da obra”, para “inventar tudo o que se pode fabricar de ouro, de prata e de cobre”.
56

beneficiar do prestígio uma da outra, fazendo dele um permanente construtor de obras


majestosas e altivas. Muitas delas sobrevivem até hoje, “testemunhando a capacidade criativa
do homem-artista ou o poder e absolutismo do homem-soberano” (SANT’ANNA 1997, p. 17).
Conforme Le Goff (1989), antes do século XIV, não há nenhum termo para designar o
artista, tampouco o ourives. Segundo ele, compartilha-se com estes o termo latino artifex
(artífice), com a palavra latina ars, referindo-se mais ao domínio da técnica e do ofício do que
à ciência ou ao campo não individualizado – a que, mais tarde, o Ocidente chamou arte. As
palavras artista – artesão – artífice – mestre – ourives são termos diferentes, mas, quando
utilizadas em um mesmo contexto39, designaram no decorrer da História o indivíduo que se
utiliza de materiais nobres e técnicas específicas para criar objetos e artefatos de metal –
especialmente o ouro – com finalidade artística, estética, ornamental ou religiosa. O
“Supplemento ao Vocabulario Portuguez e Latino”, escrito em 1728, pelo clérigo Dom Rafael
Bluteau, em Lisboa (Portugal), e o “Dictionnaire Provençal-Français”, elaborado em 1847 em
Paris (França), por Simon Jude Honnorat, definem o termo ourives como uma derivação do
vocábulo latino aurifaber, e trazem a especificação: “Ourives e comerciante que fabrica e vende
todos os tipos de peças e joias de ouro e prata”40 (HONNORAT, 1847, p. 748).
A presença desse “criador de peças de ouro e prata” é percebida ao longo da trajetória
humana, visto que todos os povos produziram legados materiais que incluem artefatos e joias
de metal, ligados aos seus interesses, costumes e culturas. Sobre isso, é interessante ressaltar as
pesquisas e escavações científicas, já mencionadas, feitas no Iraque, no século XX, que
demonstram o detalhamento das joias e objetos de ouro criados pelos artífices da Antiguidade,
revelando o alto nível das habilidades manuais dos artesãos e o conhecimento de técnicas
consideradas avançadas, como a soldagem, a incrustação e o cinzelado, em aproximadamente
3500 anos a.C. No entanto, apesar dos mais belos trabalhos realizados, muitos desses artistas
permaneceram por um longo tempo no anonimato, principalmente pela falta de registros e,
talvez, porque se encontravam em situação de servidão ou escravidão, como no Egito Antigo,
sendo apenas considerados como mão-de-obra dos faraós (JACQ, 1998).

39
A joalheria/ourivesaria acolhe algumas atividades e definições com limites bastante permeáveis, em face dos
processos de criação e produção. Fazemos aqui uma distinção entre joalheria e ourivesaria, uma vez que essa
nomenclatura também suscita dúvidas, mas, de modo geral, as duas se referem ao trabalho em metais, com técnicas
tradicionais, consideradas dentro dos ofícios tradicionais das artes decorativas. A denominação “ourives”, ou
mestre-joalheiro, aplica-se, em geral, à arte da manufatura de metais, aos que produzem objetos em prata, além de
joias de ouro, como salvas, vasos, candelabros. Já a “joalheria”, enquanto atividade, diz respeito mais diretamente
à confecção de objetos de adorno pessoal, às joias, com gemas e metais. O termo “joalheiro” se refere tanto a quem
faz ou produz a joia quanto a quem a vende. E joalheria designa tanto o ramo de atividade, o fazer, como o ponto
de venda da joia (CODINA, 2002; DAYÉ; CORNEJO; COSTA, 2017).
40
Original: “Orfèvre et marchand qui fait et vend toutes sortes vaisselles ouvrages et bijoux d’or et d’argent”.
57

Somente a partir do século VII, na Alta Idade Média, o prestígio do ofício de ourives
pôde ser verificado com a presença de peças e obras assinadas e registros existentes em
correspondências trocadas com os comitentes, geralmente integrantes do clero 41. Dentre os
registros escritos sobre ourives, Le Goff (1989) menciona que uma das primeiras biografias de
artista que se tem conhecimento é a de Santo Eloi42, escrita no século VII, por seu discípulo
Saint Ouen, que descreve a vida do “famoso ourives e moedeiro do Limousin que se tornou
personagem importantíssima da corte merovíngia e que depois foi bispo de Noyon e
canonizado”. A Figura 24 é uma pintura de 1449, do artista flamengo Petrus Christus, que
representou Santo Eloi em sua oficina. A pintura foi uma encomenda do ourives de Bruges,
Willem van Vleutene, que trabalhava para o rei Felipe, O Bom.

Figura 24 – “Um ourives em sua oficina”, Petrus Christus, 144943.

Fonte: Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque, EUA, 2019. Adaptada pelo autor.

41
É famosa, entre os historiadores, uma troca de cartas entre o abade Wibaldus de Stavelot e o ourives Godefroy
de Huy, em 1148, na qual o clérigo pede que o artista se dedique com exclusividade aos trabalhos encomendados
(LE GOFF, 1989, p. 150).
42
Santo Elói, ou Santo Elígio, é o patrono celeste dos ourives, joalheiros, ferreiros, faqueiros, ferradores, seleiros,
comerciantes de cavalos, carreteiros, cocheiros, garagistas, mecânicos e metalúrgicos e é comemorado no dia 1º
de dezembro, dia de sua morte no ano de 659. Elói nasceu de nobre família galo-romana na França, em Chapelat,
perto de Limoges, no ano de 589, e teve uma vida de 70 anos. Desde criança demonstrou habilidades em metalurgia
e mais tarde dominou o ofício em Lyon, pois foi aprendiz do superintendente da confecção das moedas reais.
Dedicou-se ao estudo das ciências e à arte da ourivesaria, da qual foi extremamente hábil (LEHMAN, 1950).
43
A Goldsmith in his Shop, 1449 – Petrus Christus. Óleo sobre painel de carvalho. Dimensões: 99 cm x 85 cm.
Disponível em: <https://www.metmuseum.org/art/collection/search/459052>. Acesso em: 30 set. 2019.
58

Além dos aspectos sobre a vida religiosa e familiaridade com os monarcas, o biógrafo
escreve com entusiasmo sobre a extraordinária perícia em ourivesaria do santo, demonstrando
o estatuto social elevado do ourives medieval. Na biografia do santo, é citada a escola de
ourivesaria de Limoges, onde ele teria aperfeiçoado a sua técnica (LEHMAN, 1950), sendo um
provável indicativo da existência de locais que já ensinavam o ofício durante a Idade Média.
Le Goff (1989, p. 149) explica ainda que “durante séculos, a ourivesaria foi uma das
grandes técnicas da arte medieval, técnica que os maiores artífices experimentavam, em que
eram executadas as obras mais novas e significativas e em que se tentavam as experiências mais
modernas”. Logo, a obra de ourivesaria, em razão do seu valor agregado, representava a maior
homenagem que o comitente fazia à divindade, à Virgem ou ao santo padroeiro, por isso, essa
extraordinária importância requeria a intervenção dos melhores ourives. Segundo o autor,

Na região do [rio] Mosa, nordeste da França, o crescimento de grandes centros


comerciais, no início do século XII, foi acompanhado de uma florescente atividade
artística, especialmente na ourivesaria, onde os artífices vieram a exercer funções
públicas e ocupar cargos relevantes (LE GOFF, 1989, p. 149).

Entre os ourives que se destacaram nesse período pelas suas habilidades e trabalhos
executados, o autor cita Adelelmus, que desenvolveu os objetos sacros e os detalhes em metal
para o altar da catedral de Clermont (França) no século X; Rénier de Huy, autor da pia batismal
da igreja de Saint-Barthelémy, em Liège (Bélgica) no século XII; Godefroy de Huy (Godefroy
de Claire), que trabalhou nos detalhes de ourivesaria na Abadia de Saint-Denis (França) no
século XVII; Vuolvinus, reponsável pelos elementos artísticos do altar da Basílica de Santo
Ambrósio em Milão (Itália) no século X; Tuotilo, que, além de ourives, era monge, e criou os
elementos ornamentais e objetos sacros da catedral de Constança (Alemanha) no século IX; o
artista eclesiástico Bernwardus, que registrou seu nome nas peças de ourivesaria da catedral de
Hildescheim (Alemanha) no século XI; e Bernardus Gelduinuis, que trabalhou no altar da igreja
de Saint-Sernin, em Toulouse, na França, no final do século XI (LE GOFF, 1989).
A partir do século XIII, durante o esplendor do estilo gótico, a figura do ourives é
suprimida pela do arquiteto, que se torna o grande coordenador das atividades artísticas
relacionadas às construções. Na França, todavia, os ourives foram os únicos artistas que, como
os arquitetos, tinham direito a um “nome”, ou seja, a serem considerados artistas da corte.

Na corte francesa, e nas que imitaram o seu modelo, verifica-se, em finais do século
XII e inícios do século XIII, um fenômeno novo e não habitual: a nobilitação do
artista. [...] É certo que, em 1270, Filipe o Belo, atribuiu ao seu ourives da corte,
Raoul, um título nobiliárquico e, em 1289, o nome de Pierre d’Agincourt, arquiteto
na corte de Nápoles, aparece num documento seguido do título “miles”. [...] Não se
sabe se os artistas que passaram a fazer parte da “família” do soberano eram
59

recompensados e feitos nobres devido a sua arte ou se se trata de casos especiais em


que se dá mais valor ao funcionário do que ao artista (LE GOFF, 1989, p. 159).

Brancante (1999, p. 33) acrescenta que

os ourives passaram a ser membros de uma sociedade civil e não exclusivamente de


uma sociedade religiosa. Sob Filipe Augusto eles se fixaram no Grand Pont de Paris
e construíram uma corporação cujos regulamentos determinavam não somente os
trabalhos e as vigilâncias do ofício, mas também determinavam o teor ou título da
prata e do ouro, que se chamava o “toque de Paris”. Desde o século XIII, o que os
unia era o culto a Santo Elói, seu padroeiro. O grão de metal era controlado, e o touche
de Paris já tinha renome universal. Os éditos de 1322, 1355 e 1361 ratificaram e até
modificaram esses estatutos e disposições, e os privilégios dos ourives foram
ratificados por Carlos V em 1378.

Nessa mesma época, a Europa começou a passar por transformações de ordem cultural
e econômica, despontando para o surgimento de uma consciência humanista, voltada, entre
outras coisas, para a educação dos comerciários. Nas cidades, os filhos dos ricos comerciantes
começaram a frequentar a escola, para aprender a ler e a fazer cálculos. Os livros começaram a
se popularizar nesse período, assim como os estudos linguísticos, aritméticos e as ciências
aplicadas. Em Londres, por exemplo, “havia um regimento que obrigava os ourives a frequentar
a escola” (LE GOFF, 1989, p. 179). É provável que o objetivo desse regimento fosse o
aperfeiçoamento do ofício e das atividades inerentes a esse tipo de comércio, em uma proposta
muito similar às guildas44.

À medida que o tempo corria, o comércio com o Exterior ia se desenvolvendo. Os


ourives já não mais estavam abrigados em conventos e se achavam reunidos em
associações ou guildas, que nessa época já eram entidades de classe poderosas. A
primeira menção de uma guilda (oficial) de prateiros data do ano 1180, na Inglaterra,
porém nessa época a associação não se achava legalizada e seu poder era muito
pequeno (BRANCANTE, 1999, p. 29).

Nesse contexto, com a expansão das cidades, as igrejas deixam de ser as principais
incumbências dos artistas, que agora trabalham na construção de faculdades, palácios, pontes,
portões e na ornamentação de todo tipo de edifício, iniciando uma mudança percebida também
na arquitetura, na escultura, na pintura e nas demais artes – quando estas colocam os interesses
do clero de lado, para atender aos da nobreza.
Referindo-se aos trabalhos dos ourives de Paris, Gombrich (2013, p. 156) afirma que as
obras mais características no século XIV “talvez sejam não aquelas em pedra, que ainda

44
Guildas ou corporações de ofício eram associações que surgiram na Idade Média, a partir do século XII, para
regulamentar as profissões e o processo produtivo artesanal nas cidades. Essas unidades de produção artesanal
eram marcadas pela hierarquia (mestres, oficiais e aprendizes) e pelo controle da técnica de produção das
mercadorias pelo produtor (PIRENNE, 1982).
60

floresciam nas igrejas de então, mas os trabalhos menores, em metal precioso ou marfim, que
eram a especialidade dos artífices de então”. Sobre isso, Brancante (1999, p. 31) acrescenta: “a
França parece ter sido o primeiro país a se dedicar a essa arte (ourivesaria)”. Destacando-se o
aperfeiçoamento das técnicas, “o fino acabamento de cada detalhe” e o “infinito cuidado do
artista em compor suas linhas de forma elegante e harmônica”, verificou-se uma “exibição de
riqueza” e opulência nos trabalhos de ourivesaria da época.
Com a Renascença surgindo no final do século XIV e início do século XV, as artes e
ofícios começam um novo patamar, afastando-se cada vez mais da religiosidade e
aproximando-se das ciências e das inovações. Alguns ofícios como a pintura e a escultura
deixaram de ser ocupações como todas as outras e tornaram-se uma vocação à parte. Através
de estudos técnicos aprofundados e das descobertas, envolvendo, por exemplo, regras
matemáticas de perspectiva, estudos da anatomia humana e de monumentos romanos, os artistas
buscavam formas de aperfeiçoar os seus conhecimentos.

No século XVIII, os artistas italianos eram, acima de tudo, soberbos decoradores,


famosos em toda Europa por sua excelência no trabalho com estuque e por seus
grandes afrescos, capazes de transformar qualquer saguão de castelo ou monastério
num cenário espetacular (GOMBRICH, 2013, p. 335).

Neste período, o trabalho do ourives é sobreposto ao trabalho dos outros artistas, visto
que muitos dominavam diferentes linguagens, inclusive a técnica da fundição, estando, assim,
habilitados para trabalhar na confecção de objetos de metal. Entre eles, destaca-se o trabalho de
Andrea di Francesco di Cione, também conhecido por Andrea del Verrocchio (Florença, 1435
– Veneza, 10 de outubro de 1488), um grande mestre florentino, que teve trabalhos notáveis no
desenho, na pintura, na escultura e também na ourivesaria, sendo inclusive mentor de
exponentes artistas da época como Sandro Botticelli, Perugino, Ghirlandaio, Michelangelo e,
talvez o mais notável deles, Leonardo Da Vinci. Seu prestígio como artista foi tamanho que ele
era apadrinhado pela poderosa família Médici, tendo realizado como uma de suas maiores obras
o suntuoso sepulcro de Pedro de Médici e João de Médici na igreja de San Lorenzo, em
Florença, que foi concluído em 1472, distinto pelo uso de mármore e exímios ornamentos
escultóricos feitos em bronze (COVI, 2005). Sobre essa relação entre os artistas e ourives
renascentistas, sabe-se que

ao longo do século XVI, o ofício da ourivesaria foi considerado um dos mais


prestigiados e estava intimamente ligado às artes da escultura e da pintura. Na Itália,
era comum os artistas plásticos treinarem também como ourives, como Botticelli e
Donatello, entre os muitos que o fizeram. Por outro lado, ourives como Cellini e seu
rival Cristoforo Foppa, conhecido como Caradosso (c.1452-1526 / 27), também eram
61

habilidosos em escultura e pintura. Essa aliança [entre artistas e ourives] criou uma
nova abordagem para as joias, que aplicava, em miniatura, os padrões de precisão e
clareza exigidos na escultura, também contribuindo para a representação bela e
realista de joias nas pinturas45 (PHILLIPS, 2004, p. 79).

Com relação à joalheria, outros artistas renascentistas destacados foram Albrecht Dürer,
Hans Holbein e Giulio Romano, que foram patrocinados pelos mecenas para desenharem peças
que permitissem e estimulassem os ourives a aperfeiçoar a técnica da fundição e da esmaltação.
Hans Holbein, nascido em Augsburg, ao sul da Alemanha, saiu da Suíça, em virtude do clima
hostil às imagens (alvo de destruição pelas ideias religiosas da Reforma) e migrou para França,
oferecendo seus serviços à Francisco I. Antes, porém, em 1532, estabeleceu-se em Londres,
como retratista, dedicando-se também à ourivesaria, criando peças para o rei Henrique III e sua
corte (GOLA, 2013).
No século XVI, a vanguarda proveniente da Itália transformou o estilo do século
anterior, elegante e conservador, num estilo exuberante e escultural, associado a nomes como
o do ourives e escultor Benvenuto Cellini (1502-1572). No Renascimento, com a contribuição
desses artistas, “a arte joalheira alçou-se a um nível artístico em pé de igualdade com o das
belas artes, na renovação de motivos e técnicas, o que se deve principalmente ao mecenato”.
Ao final desse século, a evolução técnico-estética dos ourives foi notável, em razão do
desenvolvimento do talhe de pedras preciosas e do surgimento de novos assuntos, como
exemplo a botânica e a floricultura, que começam a servir de inspiração para o imaginário
criativo dos ourives (GOLA, 2013, p. 69-72).
Na Inglaterra, nos séculos XVI e XVII, respectivamente, os ourives que se destacaram
foram Nicholas Hilliard, que desenvolvia peças que a Rainha Elizabeth I utilizava para
condecorar seus aliados, e Arnold Lullis, ourives alemão, que trabalhava para o rei James I.
Este desenvolveu uma técnica de criação de joias em camadas, combinadas com miniaturas
esculturais, pela qual era possível aplicar significativo relevo às peças. A ele se credita também
o desenvolvimento da esmaltação de resinas e a utilização de “molduras” nas pedras preciosas,
técnica conhecida como “cravação inglesa”.
Nicholas Hilliard é apontado como um dos influenciadores de uma tendência que, mais
tarde, ficou conhecida como “estilo elisabetano”, caracterizado pelo requinte e ornamentação

45
Original: “throughout the16th century the goldsmith’s craft was regarded as one the most prestigious, and was
closely linked to the arts of sculpture and painting. In Italy it was common for fine artists to train also as goldsmiths,
with Botticelli and Donatello amongst the many who did. Conversely, goldsmiths such as Cellini and his rival
Cristoforo Foppa, known as Caradosso (c.1452-1526/27), were also skilled in sculpture and painting. This alliance
created a new approach to jewelry which applied in miniature the standards and precision and clarity required in
sculpture. It also contributed to the beautiful and realistic depiction of jewelry and painting”.
62

no vestuário, expressado por joias que utilizam emblemas, formas, inscrições e simbologias
relacionadas diretamente ao estilo e gosto pessoal da Rainha Elizabeth I (Figura 25), que
costumava utilizar todo tipo de adornos e joias, especialmente no cabelo (PHILLIPS, 2004).

Figura 25 – Retrato da Rainha Elizabeth I, de William Segar, 1585.

Fonte: Fotografia de The Fotomas Index. Hatfield House, Hertfordshire, Inglaterra (PHILLIPS, 2004, p. 91).
Adaptada pelo autor.

No final do século XVII e início do século XVIII,

a Igreja Romana não foi a única a descobrir a capacidade da arte em causar impacto e
impressionar. Os reis e príncipes da Europa do século XVII também estavam ansiosos
por exibir o seu poder, a fim de alimentar o domínio sobre o povo. Também eles
queriam parecer seres de outra estirpe, elevados por direito divino a patamares acima
dos homens comuns (GOMBRICH, 2013, p. 339).

Na França, em um projeto político que fez o uso deliberado da ostentação e do esplendor


da realeza, as figuras emblemáticas do soberano Luís XIV e do castelo de Versalhes se tornaram
o símbolo máximo dessa grandiosidade. Construído por volta de 1660-1680, em estilo barroco,
cercado de jardins, alamedas, lagos, estátuas, urnas e troféus, o palácio é “tão grandioso que
fotografia alguma pode dar uma ideia adequada de sua aparência” (GOMBRICH, 2013, p. 339).
Além dos espaços suntuosos, os móveis e objetos decorativos foram criados por artistas
e artífices para ornar os ambientes, vestindo-lhes com uma “aparência de nobreza e majestade”.
63

Dentre os objetos existentes no atual acervo do palácio, existe uma coleção de relógios
e objetos de ourivesaria46, com algumas peças catalogadas, que demonstram o trabalho dos
ourives da época. Em alguns deles, inclusive, é identificada a autoria, como na caixa de rapé
(Figura 26) atribuída aos irmãos Toussaint, ourives parisienses (1751-1800).

Figura 26 – Caixa de rapé (vista superior), acervo do Palácio de Versalhes47.

Fonte: Fotografia de Franck Raux. Acervo do Palácio de Versalhes, Paris, França. Adaptada pelo autor.

Sobre a técnica utilizada para confeccionar peças como a de acima, sabe-se que ela foi
muito recorrente na ourivesaria, pois “a habilidade de pintar em diferentes esmaltes coloridos
em ouro foi desenvolvida nas primeiras décadas do século, por Jean Toutin (1578-1644) de
Chateaudun. Ela se espalhou rapidamente para além da França e se tornou uma das
características mais distintivas das joias barrocas”48 (PHILLIPS, 2004, p. 98). Além de Jean
Toutin, seus filhos Henry e Jean dominavam a técnica que mesclava as linguagens da pintura e
da ourivesaria. Eles foram exímios ourives da corte francesa e, em 1635, desenvolveram
trabalhos artísticos para a Rainha Christina, de Estocolmo.

46
Quando o castelo ainda era uma residência real, seus cortesãos participavam da encenação de sua magnificência
através de suas fantasias e todos os acessórios de luxo: leques, bengalas, caixas de rapé douradas, relógios com
esmalte ou pedras preciosas. O Palácio de Versalhes não possuía nenhum objeto dessa categoria até o legado
concedido, em 1996, por Simone Jeantet. Assim, 145 relógios, quase 60 objetos preciosos em ouro esculpido,
incluindo caixas de rapé, bonbonnières, coldres e cerca de 20 leques, principalmente do século XVIII, preencheram
as lacunas das coleções do castelo de Versalhes no material. Informação retirada do site oficial do Chateau de
Versailles. Disponível em: <http://collections.chateauversailles.fr/#5924c85f-4e1b-4f75-ab8b-fb9e1a45c3af>.
Acesso em: 30 set. 2019.
47
Tabatière, séc. XVIII – Frères Touissaint. Ouro, esmalte pintado, esmalte translúcido de tamanho reduzido.
Dimensões: 3,2 cm x 8,6 cm x 6,4 cm. Disponível em: <http://collections.chateauversailles.fr/#11b7735a-5a3e-
4a33-84d7-7b9019982c01>. Acesso em: 30 set. 2019.
48
Original: “the skill of painting in different colored enamels on gold was developed in the early decades of the
century, by Jean Toutin (1578-1644) of Chateaudun. It quickly spread beyond France, and became one of the most
distinctives features of Baroque jewelry”.
64

Em meados de 1730, o estilo Rococó se originou em Paris e influenciou as artes


decorativas por toda a Europa. Caracterizado pela assimetria e fluidez das formas, o estilo pode
ser evidenciado em motivos florais, que imitam a fauna e a flora, ornamentados com diamantes
vindos da Índia e, principalmente, do Brasil, que à época era Colônia Portuguesa e o maior
fornecedor de gemas e ouro para o continente europeu. A larga utilização do diamante pode ser
evidenciada nos desenhos dos produtos existentes nos cartões de visita, que começaram a se
popularizar entre os artistas e ourives da época, que os utilizavam como uma forma de divulgar
os seus trabalhos (Figura 27). Em Londres, entre 1740-1750, destacava-se, no trabalho com
diamantes, o ourives Samuel Taylor e, na Itália, em 1744, o artista D.M Albini (PHILLIPS,
2004).

Figura 27 – Cartão de visita de Samuel Taylor, Londres, aprox. 1740-1750.

Fonte: British Museum. Londres, Reino Unido (PHILLIPS, 2004, p. 108). Adaptada pelo autor.

Sobre o Rococó e a moda dos diamantes, Phillips (2004) comenta que os motivos
decorativos favoritos são as flores e os laços, e os elementos neoclássicos que começam a surgir
na década de 1760. Segundo a autora,

A corte francesa de Luís XVI (que reinou de 1774 a 1792) e Maria Antonieta foi
menos extravagante que a de Luís XV, embora peças em escala pródiga tenham sido
encomendadas até o final do antigo regime: Maria Antonieta, por exemplo,
encomendou um buquê de rosas selvagens e flor de espinheiro, em diamante, à Bapst
em 1786. Os colares guirlanda, que formavam um brilhante traçado de diamantes
65

sobre o peito e enchiam os decotes baixos dos vestidos da corte, estavam entre as joias
mais elegantes das décadas de 1770 e 178049 (PHILLIPS, 2004, p. 114)

Os ourives mais famosos da corte de Louis XVI são os joalheiros Böhmer e Bassenge,
que, de acordo com Phillips (2004), teriam criado o colar de festa considerado a joia mais
notória daquela época, composta por 647 diamantes, totalizando 2.800 quilates. Avaliado em
1.600.000,00 libras, o “L’Affaire Du Collier de La Reine” foi uma encomenda do rei para a sua
amante, Madame du Barry.
A joia foi quebrada em 1785, durante uma tentativa de roubo, em um escândalo
envolvendo a rainha Maria Antonieta, custando-lhe sua descrença perante a corte e sua
popularidade. A notoriedade da joia pode ser observada em algumas imagens que trazem a sua
reprodução (Figura 28).

Figura 28 – L’Affaire Du Collier de La Reine, Böhmer e Bassenge, aprox. 1770.

Fonte: Photo Bibliothèque nationale de France. Paris, França (PHILLIPS, 2004, p. 115). Adaptada pelo autor.

49
Original: “the French court of Louis XVI (reigned 1774-92) and Marie-Antoinette was less extravagant than
that of Louis XV, although pieces on a lavish scale were commissioned right up to the end of the ancient régime:
Marie-Antoinette, for example, ordered a diamond bouquet of wild roses and hawthorn blossom from Bapst in
1786. Festoon necklaces, which formed a glittering tracery of diamonds over the bosom, and filled the low
necklines of court dresses, were amongst the most fashionable jewels of the 1770s and 1780s”.
66

Ainda nesse período, as imitações de joias e falsificações de pedras preciosas começam


a preocupar os ourives, especialmente na França, onde passam a se organizar sociedades
visando coibir essa atividade ilegal. No final do século, o Rococó começa a perder força para
dar espaço ao estilo Neoclássico. Assim, começam a surgir trabalhos de ourives com a retomada
dos temas pastoris e mitológicos.
Em Londres, em 1734, destacam-se os trabalhos do ourives e lapidário Georges-Frédéric
Strass, e também Josiah Wedgwood e Matthew Boulton, com o trabalho escultórico em pedra
jaspe, que, devido à mistura de técnicas e materiais, popularizou os camafeus até o final daquele
século. Com a Revolução Francesa, em 1789, o contexto joalheiro mudou drasticamente,
afetando sobremaneira o trabalho dos ourives:

A fabricação e o uso de joias na França foram interrompidos drasticamente [...] antes


de ressurgir com as magníficas criações neoclássicas do Primeiro Império. Apesar
desse hiato, os franceses conseguiram manter seu papel de líderes da alta moda, e essa
influência permaneceu mesmo durante o longo período de hostilidades entre 1793 e
1815, os estilos parisienses foram avidamente seguidos em Londres. No início da
Revolução, as joias, que eram um símbolo tão potente da monarquia e da corte,
sofreram uma dramática reversão de valores. Sua posse indicava status aristocrático
e, durante o Terror, até um par de fivelas de sapatos elegantes seria suficiente para
condenar seu dono à guilhotina. Aqueles que apoiaram ou esperavam apaziguar os
revolucionários, deram suas joias à causa, enquanto outros as esconderam ou as
tomaram como segurança financeira quando fugiram. Com as vendas que se seguiram
- que acabaram por incluir algumas das joias da coroa francesa - o mercado europeu
ficou inundado de pedras e os preços caíram50 (PHILLIPS, 2004, p. 123).

Somente em 1797, quando a Companhia dos Ourives de Paris (extinta em 1791)


retomou suas atividades, alguns ourives do reino de Louis XVI reabriram suas joalherias,
utilizando ouro, materiais inusitados, persistindo, ainda, os temas neoclássicos, até meados de
1870. No entanto, entre 1820-1830 surgiu uma tendência, que trouxe um revival dos estilos
Góticos e Renascentistas, com a larga utilização de gemas e desenhos criados por artistas e
arquitetos.
Os mais importantes ourives dessa época foram os joalheiros da Coroa Britânica
Rundell, Bridge & Rundell, Garrard’s e Hancocks. Em 1840, destacaram-se nomes como

50
Original: “the making and wearing of jewelry in France was interrupted dramatically [...], before re-emerging
with the magnificent Neo-Classical creations of the First Empire. Despite this hiatos the French managed to retain
their role as the leaders of high fashion, and such was theirs influence that even during the long period of hostilities
between 1793 and 1815 Parisian styles were avidly followed in London. At the outbreak of the Revolution jewelry,
which was such a potent symbol of the monarchy and court, suffered a dramatic reversal of fortune. Its possession
indicated aristocratic status, and during the Terror even a pair of fancy shoes buckles might be enough to condemn
their owner to the guillotine. Those who supported or hoped to appease the revolutionaries gave their jewelry to
the cause, while others hid their jewels or took them as financial security when they fled. With the sales that
followed – which eventually includes some of the French Crown jewels – the European market became flooded
with stones and prices fell”.
67

Forment-Meurice, François Desiré e John Hardman & Co. criando técnicas que simulavam o
“envelhecimento” dos metais, revivendo as temáticas religiosas. Foram a exceção nessa
retomada das temáticas, os ourives Lucien Falize e seu pai Alexis Falize, que trabalhavam com
motivos orientais, por terem sido particularmente influenciados pela Exibição Japonesa, em
Londres, no ano de 1862 (PHILLIPS, 2004). Um dos trabalhos de Alexis Falize pode ser
verificado na Figura 29.

Figura 29 – Pingente relicário, Alexis Falize, 186951.

Fonte: Fotografia de Ruediger Floeter. Pforzheim Jewellery Museum. Pforzheim, Alemanha. Google Arts &
Culture, 2019. Adaptada pelo autor.

Em Roma, na Itália, surgem os trabalhos da Família Castellani, formada por Fortunato


Pio Castellani e seus filhos Alessandro e Augusto, cujos trabalhos em joalheria resgatavam as
estéticas da Antiguidade, como as joias etruscas e bizantinas. No mesmo período, o joalheiro
Carlo Giuliano (1895), treinado pelos Castellani, exercia um trabalho de estética semelhante.
Em 1890, na Alemanha, Reinhold Vasters of Aachen, restaurava e reproduzia imitações de joias
(PHILLIPS, 2004).
A Grande Exibição de 1851, em Londres, apresentou as inovações do setor joalheiro da
época, impulsionadas pelas transformações dos processos de manufatura da surgente Revolução
Industrial. Máquinas para o corte de pedras e estampagem dos metais contribuíram para o
barateamento de custos e para a produção massiva de joias e bijuterias. Com a mecanização dos
processos, começam a surgir leis de direitos autorais (1842) que protegiam os padrões e técnicas
de produção dos ourives e pequenos fabricantes, “os desenhos eram registrados no Escritório

51
Locket. Alexis Farize, 1869. Ouro, esmalte e vidro. Dimensões: 5,4 cm. Disponível em:
<https://artsandculture.google.com/asset/locket-alexis-falize/HAETJEWMnzFp3Q>. Acesso em: 30 set. 2019.
68

de Patentes, e cada peça criada era estampada com uma pequena marca em forma de losango
que indicava em código o nome da empresa e a data do registro”52 (PHILLIPS, 2004, p. 152).
Na metade do século XIX, a produção industrial joalheira está consolidada na Europa,
e essa tendência começa a se espalhar pelo mundo. Em 1837, nos Estados Unidos, é fundada a
Tiffany (como Tiffany & Young), que adiciona, a partir de 1848, a Alta Joalheria ao seu
catálogo de produtos, abrindo filiais na década de 1870 em Paris, Londres e Genebra, tornando-
se a líder do segmento (PHILLIPS, 2004).
Esse cenário de crescente industrialização, caracterizado pela seriação das joias e das
cópias baratas, suprimiu de maneira significativa o papel dos artistas e dos ourives autônomos,
sendo revertido esse quadro somente na metade do século XIX devido à rejeição desse processo
por parte de alguns artífices e com a retomada das manualidades e fazeres artesanais, propostos
pelo movimento que ficou conhecido como Arts and Crafts.
Phillips (2004) comenta que a joalheria dos anos 1900 pode ser dividida em três
principais vertentes, que foram demonstradas na Grande Exposição de Paris daquele ano. A
primeira se refere aos altos níveis de riqueza e privilégio em que as cortes europeias viviam,
caracterizado pela abundante utilização de diamantes e joias inspiradas na Renascença e no
estilo do Rei Louis XVI. A segunda vertente descreve o surgimento de movimentos artísticos,
como o Art Nouveau, em que, juntamente das gemas coloridas, do uso de materiais inusitados
e da esmaltação, as formas espiraladas e curvas se tornaram predominantes na estética das joias.
Finalmente, a terceira vertente se refere ao movimento Arts and Crafts, na Inglaterra, que
sugeriu o retorno dos fazeres manuais e rejeitou a produção massificada, ao valorizar a
utilização de materiais considerados menos valiosos e a aparência artesanal.
Em Paris, por volta de 1910, o trabalho dos joalheiros Louis François Cartier e seus
filhos Alfred, Pierre e Jacques, se destaca pela delicadeza das formas evidenciadas pela
utilização de diamantes combinados com pérolas, gemas coloridas, em um estilo que ficou
conhecido como “Garland” (guirlanda). Nesse mesmo período, os estudos de botânica se
encontravam em pleno desenvolvimento, influenciando no design de mobiliário, objetos
decorativos e nas joias, criadas por importantes nomes da época, como, por exemplo,
Boucheron e Van Cleff & Arpels (PHILLIPS, 2004).
De acordo com Gola (2013, p. 99), nesse período, também conhecido por Belle Époque,
“a mulher era adorada como uma divindade profana”, e as joias eram o complemento às
homenagens e saudações atribuídas a ela. Desse modo, o trabalho dos ourives e joalheiros

52
Original: “designs were registered at the Patent Office, and each piece made was them stamped with a small
lozenge-shaped mark that gave in code the name of the firm and the date of registration”.
69

reforçou ainda mais o imaginário da época, quando a única função da joia era ornar e satisfazer
a vaidade, com a criação de peças que valorizavam as formas do corpo feminino, conforme
ilustra a Figura 30.

Figura 30 – A atriz Edith Mary Jay Gould, com joias Cartier, na década de 1900.

Fonte: Phillips (2004, p. 157). Adaptada pelo autor.

Phillips (2004) chama a atenção para o fato de a joia ser um dos negócios mais
promissores da época, tanto que ricos aristocratas europeus e industriais norte-americanos
começaram a investir no ramo, abrindo joalherias nesses continentes. Ao mesmo tempo, na
Rússia, surgem os nomes dos joalheiros Bolin, Köchli e Peter Carl Fabergé (1846-1920), sendo
este último o mais requisitado nas encomendas imperiais.
Dentre as criações de Fabergé, as mais notórias são os ovos de Páscoa, ricamente
adornados, produzidos em homenagem à família imperial Russa, em 1885. Para realizar esse
trabalho com excelência, o joalheiro cuidava pessoalmente do controle de qualidade, sendo
auxiliado por sua equipe de exímios artífices: August Holmström e seu filho Albert, Erik Kollin
e Alfred Thielemann. A Figura 31 ilustra um exemplar dos ovos criados por Fabergé, presente
do Tsar Nicholas II para a esposa, a imperatriz Alexandra, que atualmente pertence ao acervo
privado de Hussain Ibrahim Al-Fardan, empresário e renomado comerciante de pérolas do
Golfo Pérsico.
70

Figura 31 – Pearl Egg, Fabergé, 191753.

Fonte: Fabergé, 2019. Adaptada pelo autor.

Sobre o movimento Art Nouveau, Gola (2013, p. 98) comenta que

na linguagem internacional, convencionou-se chamá-la de Arte Nova, como a galeria


de arte que Siegfried Bing abriu em Paris, em 1896. Vários outros nomes apareceram
na linguagem corrente: style nouille, style coup de fouet e Belle Époque. No entanto,
os franceses insistiam em denominá-la, além de Art Nouveau, art neuf ou modern
style; os ingleses, estilo Liberty; os italianos, stile nuovo; e os americanos, Tiffany
Style, nome do seu principal representante. Os espanhóis chamavam-na de arte nuevo,
arte joven ou estilo Gaudí, nome de seu principal mestre local. Na Alemanha era
Jugendstil (estilo jovem) e, em sua forma austríaca, Secessionstil (estilo Secessão),
denominação de artistas vienenses que introduziu a modernidade na Áustria, entre eles
Gustav Klimt, pintor que usava dourados e prateados em seus quadros e que talvez
seja o que melhor representou a mulher do século XX, sua feminilidade e seu
erotismo.

Segundo a autora, essa variedade de nomes reflete a vitalidade e a efervescência desse


novo modo de expressão. Considerado um acontecimento artístico essencialmente europeu, o
estilo apresentou características nacionais dos países em que se desenvolveu. Na joalheria,
prevaleceram as formas da natureza junto a elementos que remetiam a uma atmosfera de
sensualidade, romantismo e melancolia, associada, por vezes, a simbolismos ocultos e exóticos.
O joalheiro de maior destaque nesse período foi o francês René Lalique (1860-1945),
que trabalhou por décadas criando peças de grande originalidade através de um impressionante

53
The Pearl Egg. Fabergé. Ouro, diamantes, pérolas e madrepérola. Dimensões: não informadas. Disponível em:
<https://www.faberge.com/exceptional-creations/objets-d-art/pearl-egg>. Acesso em: 30 set. 2019.
71

domínio técnico, que valorizava a utilização de materiais alternativos, como, por exemplo,
pedras preciosas de menor valor, vidro e até mesmo chifres, que combinados resultavam em
peças com texturas diferenciadas, com linhas que simulavam movimento. Os motivos botânicos
eram recorrentes em sua criação, dando forma a colares, pingentes, anéis, brincos e uma
infinidade de objetos decorativos, conforme ilustra a Figura 32.

Figura 32 – Grampo para cabelo, René Lalique, aprox. 190554.

Fonte: Rijksmuseum. Amsterdam, Países Baixos – Google Arts & Culture, 2019. Adaptada pelo autor.

Phillips (2004) acrescenta que, devido ao seu interesse em vidro, gradualmente Lalique
foi renunciando o trabalho como joalheiro. Em 1910, ele adquiriu o equipamento para trabalhar
com vidro e abandonou a carreira de ourives quase completamente. Apenas mais tarde, na
década de 1920, ele voltou a produzir algumas peças de joalheria, junto a objetos decorativos e
recipientes para perfume, em vidro, com a estética do Art Déco.
Foi durante o Art Nouveau que a esmaltação atingiu seu mais alto grau de sofisticação,
em virtude das técnicas que foram aperfeiçoadas. De acordo com Phillips (2004, p. 161), uma
técnica chamada plique-à-jour foi desenvolvida pelos artífices, que conseguiram simular na
superfície das joias uma aparência semelhante à dos vitrais. Destacaram-se nessa arte nomes
como o dos franceses Eugène Feuillâtre (1870-1916), Louis Aucoc (1850-1932), do belga
Philippe Wolfers (1858-1929) e do polonês Wilhelm Lukas von Cranach (1861-1918). A Figura
33 mostra a aplicação da técnica plique-à-jour em uma das peças criadas por Louis Aucoc.

54
Grampo para cabelo em forma de dois ramos de viburnum. René Lalique. Chifre, ouro e diamantes. Dimensões:
15,5 cm x 7,6 cm. Disponível em: < https://bit.ly/3jMDnMC>. Acesso em: 30 set. 2019.
72

Figura 33 – Broche esmaltado, Louis Aucoc, aprox.190055.

Fonte: Fotografia de Ruediger Floeter. Pforzheim Jewellery Museum. Pforzheim, Alemanha – Google Arts &
Culture, 2019. Adaptada pelo autor.

Outro importante artífice do Art Nouveau foi Henri Vever (1854-1942), diretor da
Maison Vever, que desenvolveu um trabalho comparável ao de Lalique, que também abrangia
a estética botânica, no entanto, privilegiava o uso de diamantes. A expressividade do Art
Nouveau influenciou também a pintura. Um dos maiores expoentes do estilo foi o pintor tcheco
Alphonse Mucha (1860-1939), que abriu um negócio criando peças gráficas autorais e algumas
joias. Um dos seus trabalhos mais notáveis é um bracelete em forma de serpente, criado para a
atriz Sarah Bernhard, em 1899. A peça, que possui um anel acoplado, foi executada pelo mestre
joalheiro Georges Fouquet (1862-1957), que possuía uma joalheria em Paris desde 1895 e,
geralmente, executava os desenhos de Mucha. As Figuras 34 e 35 ilustram joias no estilo Art
Nouveau, com temáticas inspiradas na botânica e na fauna.

55
Brooch. Louis Aucoc, aprox. 1900. Ouro, diamantes, rubis, pérola e esmalte. Dimensões: 5,7 cm. Disponível
em: <https://bit.ly/3bx6n8w>. Acesso em: 30 set. 2019.
73

Figura 34 – Tiara Fern (samambaia), incrustada de diamantes, Henri Vever, 1900.

Fontes: fotografia de Founds Vever. Musée des Arts Décoratifs. Paris, França (PHILLIPS, 2004, p. 163).
Adaptada pelo autor.

Figura 35 – Bracelete com anel, Alphonse Mucha e Georges Fouquet, 1899.

Fontes: Musée des Arts Décoratifs. Paris, França. (PHILLIPS, 2004, p. 164). Adaptada pelo autor.

De acordo com Phillips (2004), criadores de joias de diferentes partes do mundo


visitaram a Exibição de Paris, em 1900, como os industriais joalheiros norte-americanos Unger
Brothers e William Kerr, de Newark, Nova Jérsei, que iniciaram em seguida uma produção
massificada de peças de prata, em estilo Art Nouveu. O mesmo aconteceu nas indústrias de joias
de Gablonz, na Bohemia (atual cidade de Jablonec, na República Tcheca), e houve até mesmo
em Paris, através de Piel Frères (1855-1925), uma tentativa de se produzir joias mais acessíveis.
As joias artísticas se tornaram mais disponíveis, mas a popularização, por sua vez, contribuiu
para o declínio do estilo, pois os principais artistas procuravam novas formas de expressão.
74

No que se refere ao movimento Arts and Crafts, sabe-se, de acordo com Phillips (2004),
que foi motivado, no final da década de 1870, pela influência estética dos artistas Pré-Rafaelitas,
na Inglaterra, que se apropriavam da utilização de materiais não usuais e do artesanato para as
criações relacionadas à moda e joalheria. Quanto ao seu objetivo, “o movimento de Artes e
Ofícios foi dedicado não apenas à reforma do design, mas também à dignidade do artesão, como
exposto por William Morris e John Ruskin, em reação à mecanização e produção em massa”56
(PHILLIPS, 2004, p. 165).
A organização do movimento deu-se através de associação de pequenos artistas,
artífices, profissionais e amadores, exatamente como nas guildas da Idade Média 57. Os
principais membros dessas associações eram os arquitetos C.R Ashbee (1863-1942), Henry
Wilson (1864-1934) e John Paul Cooper (1869-1933) e o escultor Sir Alfred Gilbert (1854-
1934). As mais conhecidas foram a Guilda dos Trabalhadores da Arte, a Sociedade de
Exposição das Artes e Ofícios e a Guilda do Artesanato, sendo esta última a mais rigorosa em
seus preceitos, admitindo apenas jovens artífices que não tivessem entrado em contato com as
práticas comerciais, que estivessem iniciando o ofício, para serem instruídos por Ashbee, que
possuía sua própria tradução dos cadernos de Cellini, um dos mestres do Renascimento. A
Figura 36 ilustra um colar, criado por C.R Ashbee, na Guilda do Artesanato.

Figura 36 – Colar, C.R. Ashbee, 1896.

Fonte: Victoria & Albert Museum. Londres, Reino Unido (PHILLIPS, 2004, p. 172). Adaptada pelo autor.

56
Original: “the Arts and Crafts movement was dedicated not only to reform in design, but also to the dignity of
the individual craftsman as expounded by William Morris and John Ruskin in reaction to mechanization and mass-
production”.
57
Gombrich (2013, p. 411) comenta que “homens como John Ruskin e William Morris sonhavam com uma radical
reforma das artes e ofícios e com a substituição da produção em massa barata pelo trabalho manual e consciencioso
e relevante”. Para o autor, “a influência de sua crítica era muito disseminada, ainda que os humildes artesanatos
por eles defendidos se tenham convertido, na modernidade, nos maiores dos luxos. Nem toda a propaganda seria
capaz de abolir a produção industrial em massa, mas ajudou a abrir os olhos das pessoas para os problemas
causados por ela e a difundir o gosto pelo genuíno, simples e ‘caseiro’”.
75

Um dos trabalhos mais influentes do período é o de Henry Wilson, que se dedicou à


criação de joias desde 1890. Seu trabalho era caracterizado pela utilização de uma paleta de
cores muito ricas, pela utilização de gemas esculpidas e pela esmaltação brilhante, que ficava a
cargo do seu esmaltador Alexander Fisher (1864-1936). A Figura 37 apresenta um exemplar do
trabalho em esmaltação de Wilson.

Figura 37 – Tiara esmaltada em ouro, pérolas e cristais de rocha, Henry Wilson, 1909.

Fonte: The Worshipful Company of Goldsmiths. Londres, Reino Unido (PHILLIPS, 2004, p. 166). Adaptada pelo
autor.

Em um contexto dominado por homens, são conhecidos os casais de artífices que


trabalhavam juntos, como Nelson e Edith Dawson (1864-1939 e 1862-1928), que fundaram a
Guilda dos Artífices, em 1901. Edith era uma exímia esmaltadora e suas paletas de cores eram
ricamente coloridas, sendo empregadas em flores e insetos, seus motivos favoritos. A Figura
38 ilustra um pingente esmaltado por ela, em 1900, em que é possível perceber o contraste de
cores, efeito recorrente dos trabalhos da artista.

Figura 38 – Pingente em ouro esmaltado, pérola, opala e ametista, Edith Dawson, 1900.

Fonte: Victoria & Albert Museum. Londres, Reino Unido (PHILLIPS, 2004, p. 172). Adaptada pelo autor.
76

Outro casal que se destacou foi Arthur e Georgie Cave Gaskin (1862-1928 e 1868-
1934), que trabalhavam juntos desde 1899, em Birmingham, Inglaterra. Nesse caso, Georgie
era a responsável pelo desenho das joias, enquanto Arthur trabalhava na execução e esmaltação,
junto de seus assistentes. Os delicados trabalhos da dupla permaneceram em produção até a
década de 1920 (PHILLIPS, 2004).
Na vertente escocesa do movimento Arts and Crafts, a influência mais forte foi a dos
pintores Simbolistas. Em Edimburgo, destacavam-se os trabalhos de Phoebe Traquair (1852-
1936), com motivos relacionados à mitologia, era recorrente a presença de sereias e cupidos em
suas criações. Em Aberdeen, James Cromar Watt (1862-1940) trabalhava com a criação de
formas naturalistas abstratas. Em Glasgow, trabalhavam Charles Rennie Mackintosh (1868-
1928), Peter Wylie Davidson e Jessie M. King (1876-1949), com uma estética semelhante ao
estilo Liberty, de Londres.
O estilo Liberty londrino se popularizou de maneira expressiva dentro do movimento
Arts and Crafts, tanto que, para dar conta da demanda, alguns artífices se utilizavam de uma
máquina de produção em massa, que, de forma automatizada, cortava as peças de ouro e prata.
No entanto, para não serem acusados de ir contra os preceitos do movimento, os artífices
finalizavam as peças dando um acabamento com batidas de martelo, para dar um aspecto
“artesanal” às peças, através de marcas e ranhuras no metal.
Esse modelo de produção ficou conhecido como Cymric (gaulês), e as peças derivadas
desse método, por serem produzidas com custos reduzidos de mão-de-obra, chegavam aos
consumidores com preços competitivos.
Os motivos comumente utilizados na confecção desse tipo de adorno eram os temas
botânicos e os nós celtas, devido à sinuosidade das linhas. Tais peças poderiam ou não serem
esmaltadas e receber um acabamento adicional com gemas semipreciosas – por exemplo,
turquesa, opala e pedra da lua (PHILLIPS, 2004). A Figura 39 ilustra uma publicidade da época,
na qual é possível visualizar a proposta desse tipo de produção.
77

Figura 39 – Publicidade de joias em estilo Liberty, criadas através do esquema Cymric, 1902.

Fonte: Phillips (2004, p. 167). Adaptada pelo autor.

De acordo com Phillips (2004), os artífices que criavam os desenhos para o método
Cymric geralmente não se identificavam. No entanto, são conhecidos os trabalhos de Archibald
Knox (1864-1933), que criou peças para esse modelo de produção desde 1899 até 1912, assim
como Jessie M. King e Rex Silver (1879-1965), no Silver Studio.
Na Áustria, o Wiener Werstätte – Ateliê de Viena – foi o responsável pelo surgimento
das joias consideradas as mais inovadoras do início do século XX, devido à vanguarda das
peças, caracterizadas pela delicadeza das formas, que, apesar de muito próximas às do Art
Nouveau, tinham um apelo “modernista”. O ateliê, fundado por Josef Goffmann (1870-1956) e
Koloman Moser (1868-1918), foi financiado pelo bancário Fritz Wärndorfer, com o intuito de
melhorar o design das peças, dando-lhes uma aparência mais contemporânea. As joias seguiam
a estética da Guilda dos Trabalhadores da Arte, de Ashbee, e diferiam apenas por serem
executadas por profissionais capacitados e não por iniciantes. Em 1905, Carl Otto Czeschka
(1876-1960) se envolveu no processo de criação, desenvolvendo joias com formas
geometrizadas, densamente ornamentadas com elementos da fauna e flora (Figura 40).
78

Figura 40 – Colar de Carl Otto Czeschka para o Ateliê de Viena, 1905.

Fonte: Österreichisches Museum für angewandte Kunst. Viena, Áustria (PHILLIPS, 2004, p. 170). Adaptada
pelo autor.

Em 1915, com a chegada de Dagobert Peche (1887-1923), foi introduzido o trabalho


escultural em placas de marfim e madrepérola, trazendo um estilo considerado exuberante para
as peças, conforme ilustra a Figura 41. Esse grupo de artífices se tornou um dos mais influentes
até meados de 1920. Em 1926, devido a problemas financeiros, o grupo entrou em recessão,
finalizando suas atividades definitivamente em 1932.

Figura 41 – Broche, Dagobert Peche, 192258.

Fonte: Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque, EUA, 2019. Adaptada pelo autor.

58
Brooch. Dagobert Peche, 1922. Ouro e madrepérola. Dimensões: 4,1 cm x 4,1 cm. Disponível em:
<https://www.metmuseum.org/art/collection/search/487394>. Acesso em: 30 set. 2019.
79

Na Alemanha, as ideias do movimento Arts and Crafts foram exploradas em ateliês


individuais em Monique, Darmstadt, Weimar e Berlim. Em 1899, em Darmstadt, foi fundada
pelo Grand Duque Ernst Ludwig of Hessen, uma colônia para artistas e artesãos desenvolverem
suas habilidades. Entre os joalheiros mais conhecidos, destacaram-se Peter Behrens (1869-
1940) e Josef Olbrich (1867-1908), que também eram arquitetos, e Patriz Huber (1878-1902),
que, além de trabalhos individuais, desenvolvia criações em massa para o industrial Theodor
Fahrner, de Pforzheim. Em Weimar, a Escola de Artes era chefiada pelo arquiteto belga Henry
Van de Velde (1863-1957), que produzia joias com linhas fluidas e florais, típicas do Art
Nouveau.
Na Dinamarca, no final da década de 1890, desenvolveu-se um novo estilo de joia que
ia na contramão da estética dos demais países. Chamado de estilo Skonvirke, ao invés do ouro,
o material preferido pelos artífices foi a prata e, para detalhar ou colorir as superfícies metálicas,
no lugar da esmaltação, as pedras preciosas lapidadas, na forma de cabochão, foram
privilegiadas. Os artífices de maior destaque nesse estilo foram os prateiros Holger Kyster
(1872-1944), Mogens Ballin (1871-1914) e seu assistente e escultor Siegfried Wagner (1874-
1952), que produziram uma joalheria poderosamente orgânica e fluída em materiais menos
preciosos, como prata, cobre, latão, estanho e pedras consideradas como de menor valor, como
o lápis-lazúli, a ametista, o âmbar e a ágata. Georg Jensen (1866-1935), considerado o mais
famoso joalheiro dinamarquês, foi aprendiz de Ballin, na arte da ourivesaria e da escultura,
estabelecendo seu próprio ateliê em 1904.
Outro importante joalheiro do estilo Skonvirke foi Evald Nielsen (1879-1958), que abriu
seu ateliê em 1907, sendo também considerado um dos mais prolixos joalheiros dinamarqueses
(PHILLIPS, 2004). A Figura 42 ilustra um broche criado por Georg Jensen em 1910, na qual é
possível verificar a distinção formal do estilo Skonvirke em comparação ao Art Nouveau.
Nos Estados Unidos, os movimentos Arts and Crafts e Art Nouveau se desenvolveram
quase ao mesmo tempo, e seu maior exponente foi Louis Comfort Tiffany (1848-1933), o filho
do fundador da Tiffany & Co., mundialmente famosa pelos abajures de vitral. De 1902 até
1907, Tiffany trabalhou em seu próprio ateliê, junto a habilidosos vidreiros, que contribuíram
para o desenvolvimento de uma estética sem precedentes, em termos de opulência, que
misturava os metais e pedras preciosas do Art and Crafts com as formas naturalistas, com a
assimetria e as cores vivas do Art Nouveau. A partir de 1907, as joias começaram a ser
fabricadas e vendidas sob o título de “Joalheria de Arte” no ateliê da Tiffany & Co., em Nova
Iorque.
80

Figura 42 – Broche em prata, âmbar e ágata, Georg Jensen59.

Fonte: British Museum. Londres, Reino Unido (PHILLIPS, 2004, p. 174). Adaptada pelo autor.

Apesar do domínio das formas curvilíneas e florais nas joias do estilo Art Nouveau, no
início da década de 1920, um novo estilo começa a despontar. Fortemente influenciado pela
retomada da industrialização, pela geometria e abstração dos movimentos artísticos, e também
pela utilização de formas puras, minimalistas e racionais, que caracterizaram o espírito da época
pós Primeira Guerra Mundial, surge o movimento Art Déco.
Conforme explica Phillips (2004), amparado na influência das grandes casas joalheiras
de Paris, Londres e Nova Iorque, o Art Déco reconfigurou a atividade joalheira da época, que
passou a ser caracterizada pela utilização de material nobre, como platina, e gemas preciosas,
em detrimento às pedras de menor valor, removendo drasticamente a esmaltação, amplamente
difundida das décadas anteriores. Os decorativismos excessivos foram eliminados e
substituídos por superfícies limpas e polidas, remetendo à ideia de modernidade e
funcionalidade. Nesse estilo, novas habilidades foram requeridas aos ourives e joalheiros, como
o aperfeiçoamento das técnicas de lapidação, arranjo e acabamento das pedras preciosas.
De acordo com Gola (2013, p. 103),

foi enorme a produção de joias desse período, no estilo por excelência das artes
decorativas, tanto que é denominado Art Déco. Audacioso e geométrico, aplicado a
todas as artes, esse estilo teve na joalheria sua expressão artística mais clara e atraente.
Ao contrário do Art Nouveau, o Art Déco se afastou da emoção e atraiu o intelecto,
baniu imagens sinuosas, de formas livres e muito adornadas criando um visual seco e
simétrico.

59
Brooch. Georg Jensen. 1910. Prata e âmbar. Dimensões aproximadas: 11,4 cm x 6,5 cm. Disponível em:
<https://bit.ly/2Z5fiZU>. Acesso em: 30 set. 2019.
81

As joias mais características do estilo foram os colares, braceletes e broches, utilizados


em tamanho menor, nas roupas e chapéus. Destacou-se a utilização de algumas pedras
coloridas, mas em especial da pedra ônix, que, combinada com diamantes, proporcionou o
efeito “preto e branco”, evidente tendência de moda da época, influenciada pela estilista Coco
Chanel (BAUDOT, 2008).
Phillips (2004) e Gola (2013) comentam que em Paris, na Rue de la Paix e na Place
Vêndome, as mais tradicionais casas joalheiras – Cartier, Boucheron Maubossin e Van Cleef &
Arpels – seguiam desenvolvendo os trabalhos mais notáveis, apostando cada vez mais em
rigorosos controles de qualidade, visto que as joias dessa época são aquelas consideradas de
maior requinte do século XX. Em 1924, por exemplo, foi criado o anel “Trinity” pela Cartier,
caracterizado pela união de três alianças em diferentes tonalidades de ouro, um sucesso absoluto
da marca, que apesar das releituras e cópias, permanece em catálogo até os dias atuais. A Figura
43 ilustra o anel “Trinity”, um clássico da marca.

Figura 43 – Anel Trinity, Cartier60.

Fonte: Cartier, 2019. Adaptada pelo autor.

Entre as maiores inovações do Art Déco, na joalheria, são as que se referem à lapidação
das gemas. “Pedras quadradas, às vezes em corte calibré, eram lapidadas para seguir o contorno
de um design, com forma irregular” (GOLA, 2013, p. 104). Esse tipo de lapidação, inventado
por Van Cleff & Arpels, foi utilizado para preencher superfícies e tornar invisíveis os engates
e fechos das joias, permitindo um visual sem interrupções, “sem costura”, em um arranjo
semelhante a um mosaico. A Figura 44 ilustra a invenção aplicada ao broche, criado por Van
Cleff & Arpels, sob encomenda de Edward VIII, presente de Natal para a esposa, Bessie Wallis
Warfield, a Duquesa de Windsor.

60
Trinity Collection. Cartier. Ouro amarelo, branco e rosa. Disponível em: <https://www.cartier.com/en-
us/collections/jewelry/collections/trinity.html>. Acesso em: 30 set. 2019.
82

Figura 44 – Broche “Feuilles de houx”, Van Cleff & Arpels, 1935.

Fonte: Sotheby’s. Londres, Reino Unido (PHILLIPS, 2004, p. 186). Adaptada pelo autor.

Segundo Phillips (2004), as grandes casas joalheiras, como Cartier e Van Cleef &
Arpels, também buscaram inspiração para as criações da época na cultura Mughal, do sul da
Índia, e nos motivos da arte chinesa. Iniciando na década de 1920, esse tema perdurou até a
década de 1930 e apresentou como resultado joias bastante carregadas, criadas em ouro e
platina, muito exuberantes, com a aplicação de pedras preciosas lapidadas ou esculpidas e
molduras de cristais de rocha e diamante. A Figura 45 ilustra um colar de safiras, esmeraldas,
rubis esculpidos e diamantes, inspirado na “Árvore da Vida”, um tema popular da Índia, criado
pela Cartier em 1936, para a socialite americana Daisy Fellowes.

Figura 45 – Colar Cartier inspirado na cultura Mughal, 1936.

Fonte: The Cartier Collection. Genebra, Suíça (PHILLIPS, 2004, p. 181). Adaptada pelo autor.
83

Os avanços tecnológicos e a mecanização dos processos industriais também serviram


como referência para a criação de joias durante o Art Déco. Jean Fouquet (1899-1984), Gabriel
Argy-Rousseau (1860-1945), Raymond Templier (1891-1968) e Jean Desprès (1889-1980)
foram alguns dos artífices que se inspiraram na estética “industrial” para criar os mais diferentes
efeitos e acabamentos em suas criações. A Figura 46 ilustra um bracelete de Jean Desprès, com
inspiração nas formas dos maquinários.

Figura 46 – Bracelete, Jean Desprès 1930.

Fonte: ET Archives. Londres, Reino Unido (PHILLIPS, 2004, p. 183). Adaptada pelo autor.

Na Alemanha, uma abordagem semelhante foi desenvolvida pelos alunos e professores


da Bauhaus, uma influente escola de arte vanguardista, fundada pelo arquiteto Walter Gropius
em Weimar, em 1919, cuja proposta era aplicar a retórica do design, no contexto industrial e
tecnológico (PHILLIPS, 2004).
Na joalheria, esses conceitos foram explorados pelo aluno Naum Slutzky (1894-1965),
que trabalhou principalmente com latão cromado61 ou prata, produzindo joias estritamente em
formas geométricas, às vezes, incorporando uma única cor de esmalte ou pequeno detalhe em
madeira, hematita ou quartzo.
Quando a Bauhaus foi fechada pelos nazistas em 1933, muitos de seus professores e
alunos fugiram para o exterior – como Slutzky, Lászlo Moholy-Nagy (1895-1946) e Margaret
de Patta (1903-1964), que começaram a desenvolver seus trabalhos em Chicago (EUA),
influenciados pelo movimento modernista. Mais tarde, com o final da Segunda Guerra Mundial,
Slutzky mudou-se para a Inglaterra, tornando-se professor de ourivesaria e design de produto.
Na Grã-Bretanha, o Art Déco tornou-se o estilo dominante após o declínio do Arts and
Crafts, que ocorreu em meados de 1930. Os artistas que se destacaram nessa época foram H.
G. Murphy (1884-1939), que foi aluno de Henry Wilson, e Sybil Dunlop (1889-1968), que

61
Durante a Crise de 1929, período de recessão econômica conhecido como Grande Depressão, houve certa
dificuldade em obter metais preciosos na Alemanha. No entanto, esse fato contribuiu com a criação de joias
“descompromissadas” e criativas, como as de Naum Slutzky (PHILLIPS, 2004).
84

aprendeu o ofício da ourivesaria em Bruxelas, na Bélgica. Ambos os artistas utilizaram


materiais inusitados e gemas semipreciosas em suas criações. Em 1930, em Birmingham, o
joalheiro George Hunt (1892-1960) combinou o estilo Arts and Crafts com temas egípcios e
faroeste, em uma combinação de materiais e cores brilhantes.
Na Austrália, o estilo Arts and Crafts floresceu desde a década de 1920 até metade da
década de 1940, com influência do Art Déco, e o mais conhecido dos artífices foi Rhoda Wager
(1875-1953), que trabalhou em Sydney, criando joias inspiradas nas temáticas regionais.
Na década de 1930, uma vertente do Art Déco impulsionou a criação de um estilo
chamado all-white (“tudo branco”, em tradução literal), em que o ouro branco, a platina e os
diamantes foram os únicos materiais utilizados para criar joias consideradas “solenes” e
“formais”. A Figura 47 ilustra um broche da Cartier, com essa estética.

Figura 47 – Broche “All-White”, Cartier, aprox. 1930-1940.

Fonte: Victoria & Albert Museum. Londres, Reino Unido (PHILLIPS, 2004, p. 180). Adaptado pelo autor.

Phillips (2004) e Baudot (2008) comentam que entre o final dos anos 1920 e início dos
1930, especialmente em Paris, abriu-se espaço para as bijuterias através do trabalho das
estilistas Coco Chanel (1883-1971) e Elsa Schiaparelli (1870-1973), que encorajaram suas
abastadas clientes a utilizar peças extravagantes e teatrais, que à época foram chamadas de
bijoux de fantaisie, ou joias de fantasia. Chanel desafiou as convenções sociais e normas de
vestir ao misturar joias legítimas e falsas, combinando-as com pérolas e vidrilhos, utilizando-
as em qualquer período do dia. Muitas de suas peças foram criadas pelo excêntrico joalheiro
italiano Fulco Santostefano della Cerda, ou simplesmente Fulco di Verdura (1895-1978), com
inspiração na estética barroca e bizantina.
Baudot (2008) acrescenta que, durante o entre guerras, a joia se orientou com as
mudanças econômicas e sociais que concorrem para modificar a aparência feminina:
85

‘o decote das mulheres não é uma caixa-forte’, proclama mademoiselle Chanel, que
joga sobre seus vestidos pretos as primeiras bijuterias de inspiração bizantina.
Paralelamente, sob o impulso de Cartier, [...] a joalheria de luxo recorre à platina para
a incrustação cada vez mais discreta das gemas, então valorizadas em detrimento dos
trabalhos de ourivesaria. Seja com pedras preciosas ou semipreciosas, seja com platina
ou ouro de diferentes tonalidades, a ourivesaria parisiense, valendo-se às vezes de
simplicidade alcança seu mais alto nível de qualidade. Influenciados pelo Art Déco,
os designers inventam formas de inspiração Cubista para os ornamentos que
empregam esmalte, baquelita, contas de vidro, metais moldados, niquelados,
nacarados, todo os registros, enfim, do não-precioso. Nos Estados Unidos, a criação
da bijuteria vai desenvolver, sob a influência dos artesãos que abastecem o cinema
hollywoodiano, um repertório de formas maravilhosas em sua originalidade
(BAUDOT, 2008, p. 80, grifos do autor).

A Figura 48 apresenta, em primeiro plano, dois exemplares de um bracelete criado por


Verdura para Coco Chanel, que posa com a joia no pulso no retrato da década de 1930, em
segundo plano.

Figura 48 – Criações de Fulco di Verdura para Coco Chanel, década de 193062.

Fonte: Fulco di Verdura, 2019. Adaptada pelo autor.

Diferentemente das bijuterias de Chanel, a joalheria de Elsa Schiaparelli, por sua vez,
possuía um caráter mais incomum e, muitas vezes, até mesmo bizarro, fruto das colaborações
com seus amigos, artistas surrealistas, sendo Jean Schlumberger (1907-1987) o principal.
Segundo Phillips (2004, p. 188), “entre 1939 e 1945, a Segunda Guerra Mundial
interrompeu uma grande parte da indústria de joias na Europa”. Além do recrutamento de
artesãos e do bombardeio de centros de fabricação, os materiais eram escassos devido à
interrupção do comércio de pedras preciosas e às restrições ao uso de metais preciosos (a

62
Ravenna Cuff. Fulco di Verdura. Ouro, esmalte, ametista, água-marinha, peridoto. Dimensões: não informadas.
Disponível em: <https://www.verdura.com/Products/ravenna-cuff/>. Acesso em: 30 set. 2019.
86

platina, por exemplo, era exigida pela indústria de armamentos, promovendo ainda mais o uso
de ouro), e encargos adicionais foram acrescidos sobre as joias.
Durante a guerra, Cartier fez broches representando um pássaro enjaulado,
simbolizando a L’Occupation, ou a ocupação nazista de Paris, e celebrou a La Libération, ou a
Libertação em 1944 com a mesma metáfora, mas com a porta da gaiola aberta e o pássaro
cantando (Figura 49).

Figura 49 – Broches L’Occupation (jun. 1940) e La Libération (ago. 1944), Cartier.

Fonte: Sotheby’s. Londres, Reino Unido (PHILLIPS, 2004, p. 189). Adaptada pelo autor.

Com o término da Segunda Guerra Mundial e a retomada da atividade joalheira, os


elementos da natureza, a assimetria, as linhas que expressam espontaneidade e movimento, se
tornaram as principais inspirações para as peças. Pedras de menor valor, como as ametistas e
águas-marinhas, foram utilizadas para compor joias coloridas e extravagantes.
Broches de lapela e colares articulados com grandes pingentes, como os exemplos da
Figura 50, estavam em alta na moda para complementar e valorizar o colo, que ficava evidente
nos vestidos do estilo New Look, criado pelo estilista Christian Dior em 1947 (PHILLIPS, 2004;
BAUDOT, 2008).
87

Figura 50 – Broche Grand Bouquet e colar Passe-partout, Van Cleef & Arpels, 1940.

Fonte: Van Cleef & Arpels. Paris, França (PHILLIPS, 2004, p. 190). Adaptada pelo autor.

A indústria joalheira norte-americana foi menos afetada pela guerra do que a europeia,
sendo encorajada pela clientela privilegiada a desenvolver um estilo independente. Logo,
surgem joias com grande ênfase nas gemas, com cortes geométricos e incomuns, dispostas em
grupos aleatórios (módulos), mantidos no lugar por garras grandes. Na cena nova-iorquina,
destacaram-se os joalheiros Harry Winston (1896-1978), Paul Flato (1900-1999), Fulco di
Verdura e Jean Schlumberger (que se estabeleceram em Nova Iorque em 1939 e 1946,
respectivamente), sendo que o último se tornou designer sênior da Tiffany em 1956, sendo o
responsável pelos trabalhos mais exuberantes da marca na época. No estado americano de
Rhode Island, na capital Providence, foi desenvolvida uma joalheria de alta qualidade, com
indústrias e artífices que elevaram as criações para outro patamar. Destacaram-se as fábricas
Eisenberg, Trifari e Joseff of Hollywood, também conhecida como “A joalheria das Estrelas”,
devido a criar peças para a indústria cinematográfica.
Da década de 1920 até 1950, tanto os joalheiros europeus como os americanos
exploraram a utilização de metais e gemas preciosas nas suas criações. No entanto, ao final
desse período, emergiram alguns artistas com um trabalho alternativo, como Alexander Calder
(1898-1976), famoso pelas suas esculturas monumentais e móbiles. Seu estilo consistiu na
utilização de fios de cobre ou latão para criar adornos espiralados, que lembravam o trabalho
das civilizações primitivas (Figura 51).
88

Figura 51 – Colar sem título, Alexander Calder, 1940.

Fonte: Sotheby’s. Londres, Reino Unido (PHILLIPS, 2004, p. 193). Adaptada pelo autor.

Segundo Phillips (2004), na bijuteria, também teve destaque o trabalho da designer


Miriam Haskell (1899-1981), que era inspirado nos estilos bizantino e indiano. Do mesmo
modo, as criações de Margaret de Patta, ex-aluna da Bauhaus, radicada nos Estados Unidos,
eram caracterizadas pelas formas geométricas, arranjadas em uma composição de metais e
pedras semipreciosas que pareciam flutuar, em um efeito incomum, resultado de uma técnica
desenvolvida por ela, como mostra a Figura 52 (PHILLIPS, 2004).

Figura 52 – Anel, Margaret de Patta, 195463.

Fonte: Museu das Artes e Design, Nova Iorque, EUA, 2019. Adaptada pelo autor.

No pós-guerra, surge o movimento escultural na joia, influenciado fortemente pelas


tendências da joia escandinava de Georg Jensen. Na Dinamarca, destacaram-se os nomes de
Henning Koppe (1918-1981), Jorgen Ditzel (1921-1961), Nanna Ditzel (1923-2005) e Bent

63
Anel sem título. Margaret de Patta, 1954. Ouro Branco, quartzo rutilado e ônix. Dimensões: 2,5 cm x 2,2 cm.
Disponível em: <https://bit.ly/3jOJksr>. Acesso em: 30 set. 2019.
89

Gabrielsen Pedersen (1928), e na Suécia, Sigurd Perrson (1914-2003) e Torun Bülow-Hübe


(1927-2004). Essas criações, consideradas vanguarda artística, misturavam formas leves e
pesadas que contrastavam com blocos sólidos de metais e delicados arranjos de cristais de rocha
e pedras de menor valor. O movimento que se espalhou pela Europa e pela América preparou
o terreno para as joias experimentais das décadas de 1960 e 1970.
Dos anos 1960 até 1980, a joalheria passou por uma significativa transformação.
Enquanto as casas mais tradicionais seguiam trabalhando com metais nobres e pedras preciosas,
começou a emergir um trabalho personalizado de pequenos artistas e ourives.

[...] as joias eram desenvolvidas por um pequeno número de artistas ou partidários


dispersos pelo mundo e, aos poucos, adquiriram forte senso de individualismo,
salientando inovações em material e estética. Até então, a joia circulava dentro de uma
rede internacional bem estabelecida, de conhecimento e experiência compartilhados.
Mas com o aumento do número de artistas, a joalheria mereceu a atenção acadêmica
de galerias, museus e exibições escolares (GOLA, 2013, p. 113).

A esse respeito, Phillips (2004) cita a abertura do Schmuckmuseum (Museu das Joias),
em 1961, em Pforzheim, Alemanha, e no mesmo ano, em Londres, o Goldsmiths Hall (Hall dos
Ourives), ambos com acervos de joias que contemplavam os diferentes estilos, produzidos
desde os primeiros séculos até as criações contemporâneas. Além disso, galerias comerciais
contribuíram para a expansão internacional de novas ideias, como a Electrum Gallery, em
Londres, e a Galerie Ra, em Amsterdam, fundadas em 1971 e 1976, respectivamente.
Na época, uma grande multiplicidade de ideias começou a se desenvolver64, quase todas
elas questionando a natureza das joias e seu papel na sociedade. Muitos dos graduados mais
talentosos rejeitaram o que consideravam joias carregadas de status, ligadas aos estereótipos
sexuais ou contaminadas pela exploração, em favor da igualdade transmitida por materiais
quase não intrínsecos. Os limites em que as joias se aproximam da escultura, roupas ou até da
arte da performance, foram explorados e se tornaram um meio de experimentação artística, em
vez de simples adorno. Segundo Gola (2013, p. 122),

a joia de arte [como ficou conhecida] era vendida nas novas galerias e não em
butiques. Ainda que se pudesse ser considerada joias – pela criatividade, pelos
modelos praticamente exclusivos -, muitas vezes não era incluída nessa categoria, por
causa dos materiais não preciosos. Elaborada artisticamente a partir de projetos de
design, ela pouco influenciou ou teve a ver com a moda ou com a ornamentação
feminina do início dos anos 1970; teve, porém, um peso muito importante para a
criatividade dos profissionais dos anos 1980.

64
Em 1961, a Companhia de Ourives de Worshipful, em Londres, apresentou a industriais influentes uma
exposição de joias modernas que revelou o “potencial do mercado joalheiro como um veículo de expressão
artística” (GOLA, 2013, p. 127).
90

Muitos artífices, encorajados pelo aumento dos níveis de riqueza entre clientes,
tornaram-se cada vez mais ousados, criando um notável trabalho, considerado inusitado e, ao
mesmo tempo, controverso (PHILLIPS, 2004).
Os joalheiros considerados os mais inventivos dessa época foram o casal Emmy van
Leersum (1930-1984) e Gijs Bakkers (1942), que dominaram a cena na Holanda, influenciando
fortemente o restante da Europa e os Estados Unidos. Suas joias podem ser compreendidas
como “esculturas para vestir”, expressão que surgiu entre 1966-1967, durante a exposição das
peças em Londres e Amsterdam. Inspirados pelo trabalho do joalheiro alemão Robert Smit
(1941), utilizavam-se do alumínio e do plástico nas criações, ao invés dos metais e pedras
preciosas, como forma de promover a reflexão e a criatividade e não apenas o valor econômico
das peças.
Gijs, ainda em atividade, tornou-se designer de produtos e segue criando joias, incluindo
as preciosas. Sua criação mais conhecida é o colar de 1986, feito de plástico laminado com
pétalas de flores prensadas dentro, que possuiu outras versões contendo, por exemplo,
fotografias e folhas de ouro na parte interna (PHILLIPS, 2004). A Figura 53 ilustra essa criação.

Figura 53 – Colar “Dhalia”, Gijs Bakker, 1986.

Fonte: Fotografia de Rien Bazen. PHILLIPS, 2004, p. 196. Adaptada pelo autor.

Outros “joalheiros radicais” (PHILLIPS, 2004, p. 197) continuaram a provocar peças


que geraram debates, como Otto Künzli (1948), Bernhard Schobinger (1946), Pierre Degen
(1947), que criticavam a ostentação exagerada, propondo peças criativas, feitas de materiais
não valiosos e, até mesmo, reciclados. Muitos materiais alternativos, mas com visual similar,
foram utilizados para substituir o material original, como foi o caso, na década de 1970, do
91

trabalho realizado por Claus Bury (1946), Fritz Maierholfer (1941), Gerd Rothman (1941) e
Davis Watkins (1940). Existiram também os artistas que misturaram materiais preciosos e não
preciosos, como os australianos Helge Larsen (1929) e Darani Lewers (1936), que utilizavam
prata e papel para criar. Na Inglaterra, Wendy Ramshaw (1939) e Davis Watkins também
criaram peças semelhantes, assim como Nel Linssen (1935) na Holanda, e Marjorie Schick
(1941) e Gilles Jonemann (1944), que desenvolveram peças em papel-machê, nos Estados
Unidos e na França, respectivamente. No final da década de 1970, muitos joalheiros também
fizeram algumas experimentações utilizando fibras e materiais têxteis, como Caroline
Broadhead (1950), Susanna Heron (1949) e Julia Manheim (1949), que classificavam suas joias
esculturais como peças “vestíveis” (PHILLIPS, 2004, p. 198).
Nessa época, também se evidenciou um sentimento de preocupação ecológica, fato que
levou alguns artistas a reaproveitarem materiais descartados, como placas de trânsito, cartuchos
de munições usados e peças de carro, para fazerem suas criações. Destacaram-se, por exemplo,
Fred Woell (1934), Robert Ebendorf (1938) e ROY (1962), nos Estados Unidos; Malcolm
Appleby (1946) e Peter Chang (1944), na Inglaterra; e Susan Cohn (1952), na Austrália. A
Figura 54 ilustra um bracelete de ROY, criado a partir de fragmentos de uma placa de stop,
combinados com prata, um diamante e um rubi.

Figura 54 – Bracelete “American Dream”, ROY, 1993.

Fonte: Acervo ROY (PHILLIPS, 2004, p. 201). Adaptada pelo autor.

Uma tendência que surgiu no final dos anos de 1970 foram as joias com aspecto
iridescente ou “psicodélico”, causado pela anodização em metais, como titânio, tântalo e nióbio.
Esse acabamento foi explorado por artistas como Edward de Large (1945), seguido de Alan
Craxford (1946), Geff Roberts (1953), Jane Adam (1959), Andrew Logan (1945) e Annie
Sherburne (1957), que desenvolviam peças cujo destaque era o acabamento visual da superfície.
Um exemplar dessa tendência pode ser visualizado na Figura 55.
92

Figura 55 – Broche, Edward de Large, 198165.

Fonte: Museu de Belas Artes, Houston, EUA. Adaptada pelo autor.

Por mais diferenciado e controverso que tenha sido o trabalho dos artistas joalheiros –
tão próximo dos debates acadêmicos e distante dos apelos populares –, Phillips (2004) descreve
que a inovação também foi promovida pelo mundo da Haute Couture66, quando os estilistas se
utilizavam de criações de joalheiros para complementar os visuais de passarela. Por exemplo,
na Europa, Rifat Ozbek utilizava as joias de Peter Chang; Zandra Rhodes, as de Andrew Logan;
e Antony Price, as do joalheiro irlandês Slim Barret (1960). Karl Lagerfeld (1933-2019), diretor
criativo da CHANEL, mantinha a qualidade das bijuterias desenvolvidas por Coco Chanel. Nos
Estados Unidos, Donna Karan desfilava em sua passarela peças de latão com efeito “pátina”,
criadas pelo joalheiro Robert Lee Morris (1947). Assim como Christian Lacroix, que desde
1987 encorajava a utilização de bijuterias extravagantes.
Muitos artistas e escultores consagrados também contribuíram com a inovação e com o
desenvolvimento da joalheria. Salvador Dalí (1904-1989) desenhou exuberantes joias com
inspiração surrealista, sendo a mais famosa o broche-relógio “Eye of Time” (Figura 56).
Georges Braque (1882-1963) colaborou com Heger de Löwenfeld em uma coleção de broches,
no final dos anos 1960. Pablo Picasso (1881-1973), Jean Cocteau (1891-1963) e Max Ernst
(1891-1976) também criaram joias em ouro, como broches e medalhões. Na Inglaterra, o pintor
Alan Davie (1920-2014) criou joias influenciadas pela estética dos povos Pré-Colombianos.
Diversos artistas contemporâneos, incluindo Kenneth Armitage (1915-2002), Elisabeth Frink
(1930-1993), Terry Frost (1915-2003) e William Scott (1913-1989), expuseram suas criações
na Exibição do Hall dos Ourives, em 1961, em Londres.

65
“Brooch”. Edward de Large, 1981. Prata e titânio. Dimensões: 5,7 cm x 5,7 cm. Disponível em:
<https://www.mfah.org/art/detail/58605>. Acesso em: 30 set. 2019.
66
Haute Couture, é um termo do idioma francês, que pode ser traduzido como Alta Costura. Geralmente é utilizado
para designar a criação de peças de vestuário em escala artesanal. Roupas desse tipo, costumeiramente são
exclusivas e feitas sob medida para eventos formais, de gala e de alta categoria, e, com frequência, apresentam
bordados de linha, pedrarias e/ou metais preciosos (BAUDOT, 2008).
93

Figura 56 – Broche-relógio “Eye of Time”, Salvador Dalí, 194967.

Fonte: Fundação Gala-Salvador Dalí, Figueres, Espanha, 2019. Adaptada pelo autor.

No início dos anos de 1960, a influência do Expressionismo, especialmente das pinturas


de Jackson Pollock, também foi percebida na joalheria. Os joalheiros ingleses John Donald
(1928) e Andrew Grima (1921) criaram trabalhos em ouro, detalhando as superfícies do metal
com formas abstratas e assimétricas, empregando pedras preciosas em seu estado bruto, como
drusas de cristais de rocha e turmalina.
De acordo com Gola (2013, p. 125), esse novo jeito de criar joias

não seguia regras estabelecidas: podia exibir liberdade, o movimento, o caótico, o


explosivo; foram utilizados temas, texturas, formas orgânicas; houve preocupação
com o científico, com base na natureza; entretanto, de alguma maneira esse design
parecia antinatural – era a chamada “estilização”. A joia podia assemelhar-se com a
superfície misteriosa da lua, com a explosão das estruturas moleculares, com o
caldeirão de óleo borbulhante, ou com metal fundido, ramos empilhados, elementos
do mar ou das árvores. O estilo era frágil; sua maior inovação estava no uso dos
materiais minerais naturais, cristais escarpados de ametistas ou esmeraldas, quartzo
rolado e brilhantes turmalinas, peridoto e topázios. O trabalho em ouro era
pesadamente texturado: pepitas semifundidas, madeira lavrada, formações de pedras
áridas, incrustações.

Na Alemanha, esse tipo de design teve destaque pelas mãos da ourives Elisabeth
Treskow (1898-1992), que reviveu os motivos da joalheria etrusca; Reinhold Reiling (1922-
1983), que desenvolveu um novo estilo, com joias em formas geométricas suavizadas; e Earl
Pardon (1926-1991), que também explorou a textura das superfícies. Na Inglaterra, Jacqueline
Mina (1942) e Breon O’Casey (1928-2011) desenvolveram um trabalho com metais e pedras
preciosas em seu estado natural, originando peças rústicas, reconhecidas pela sua
irregularidade.

67
The Eye of Time. Salvador Dalí, 1949. Platina, esmalte, diamantes e rubi. Dimensões: 4 cm x 6 cm. Disponível
em: <https://www.salvador-dali.org/en/museums/dali-jewels/collection/54/the-eye-of-time>. Acesso em: 30 set.
2019.
94

No entanto, segundo Phillips (2004) e Gola (2013), as criações mais distintas dessa
estética são de autoria de Gerda Flöckinger (1927), considerada a “Primeira-dama da joalheria
inglesa”. Sua estética se define pelo arranjo dos materiais cobrindo a superfície com espirais,
esferas, bolhas e buracos aparentemente fundidos. Grande parte de seus primeiros trabalhos
foram em prata, acrescidos de formas assimétricas, com aplicação de turquesas. Gradualmente,
as peças foram se tornando mais delicadas e opulentas, combinando o ouro com a prata branca
ou oxidada, cravejadas de opalas, pérolas e minúsculos diamantes dispersos. Em 1962, ela
estabeleceu o primeiro curso britânico de joalheria experimental, na Hornsey School of Arts,
em Londres (PHILLIPS, 2004). A Figura 57 ilustra uma das peças de Flöckinger.

Figura 57 – Pulseira, Gerda Flöckinger, aprox. 1970-1980.

Fonte: Victoria & Albert Museum. Londres, Reino Unido (GOLA, 2013, p. 124). Adaptada pelo autor.

Na Itália, segundo Phillips (2004), os joalheiros seguiram trabalhando com ouro, e


especialmente em Pádua se desenvolveu um estilo elegante e abstrato, graças a Mario Pinton
(1919-2008), durante o tempo em que esteve na docência no Istituto Statale d’Arte e no Istituto
d’Art Pietro Selvatico. Ele foi seguido por Giampaolo Babetto (1947) e Francesco Pavan
(1937). No Japão, após a Segunda Guerra Mundial, um pequeno número de jovens ourives
emergiu, influenciados, principalmente, pelas tendências europeias, pelas temáticas culturais
locais e pelo minimalismo.
Destacaram-se os trabalhos de Yasuki Hiramatsu (1926-2012) e Kazuhiro Itoh (1948-
1997), em que materiais inusitados, como o bambu e as fibras naturais, eram arranjados com
fios de metais preciosos, em verdadeiras obras esculturais, que lembravam superfícies têxteis.
Nos Estados Unidos, Airline Fisch (1931) e Mary Lee Hu (1943) seguiram essa tendência dos
fios metálicos em joias com amarrações e nós, assim como Susan Cross (1964) e Esther Ward
(1964), que, influenciadas pelo joalheiro australiano Carlier Makigawa (1952), desenvolveram
joias com um aspecto similar a um “crochê” feito em fios metálicos (PHILLIPS, 2004). A
Figura 58 ilustra um par de brincos, criação de Susan Cross, de 1988, em que é possível verificar
a aparência têxtil da superfície da joia, devido ao “crochê” feito em fios de ouro e platina.
95

Figura 58 – Brincos, Susan Cross, 1988.

Fonte: Victoria & Albert Museum. Londres, Reino Unido (PHILLIPS, 2004, p. 210). Adaptada pelo autor.

No final dos anos 1980, acontece um revival da esmaltação e das ideias Modernistas da
Bauhaus, que inspirou o trabalho de Jane Short (1954), na Inglaterra; e William Harper (1944)
e Jamie Bennett (1948), nos Estados Unidos. Da mistura dessas tendências, surgiram peças
geométricas e coloridas, também inspiradas em elementos de obras de arte – por exemplo, nos
quadros de Picasso que retratavam geometrismos e o corpo feminino.
Eram frequentes também “conjuntos” personalizáveis de joias, vendidos em caixas, com
elementos que podiam ser arranjados de acordo com o gosto do usuário. Na Alemanha,
Hermann Jünger (1928) e Elisabeth Holder (1950) seguiram esse estilo, assim como Onno
Boekhoudt (1944), na Holanda, e Cynthia Cousens (1959), na Inglaterra. A Figura 59 ilustra
um conjunto totalmente personalizável, criado por Hermann Jünger, em 1990.

Figura 59 – Colar personalizável, na caixa (esq.) e montado (dir.), Hermann Jünger, 1990.

Fonte: Victoria & Albert Museum. Londres, Reino Unido (PHILLIPS, 2004, p. 213). Adaptada pelo autor.
96

De acordo com Phillips (2004), especialmente nas décadas mais recentes, a tecnologia
foi uma influência recorrente na joalheria. As inovações, novos materiais e maquinários,
contribuíram não apenas para o aperfeiçoamento técnico das peças, mas também na criação de
novas estéticas, que refletem em suas características morfológicas esses avanços tecnológicos.
Na Alemanha, por exemplo, Friedrich Becker (1922-1997) criou joias inspiradas em
estudos aeronáuticos. Construídas a partir de formas geométricas, ligadas por eixos e partes
móveis, essas peças ficaram conhecidas como “joias cinéticas”, devido ao movimento
proporcionado pela combinação dos elementos, como ilustra a Figura 60.

Figura 60 – Time-lapse de um anel em aço inoxidável e gema sintética, 198768.

Fonte: Friedrich Becker, 2019. Adaptada pelo autor.

Além de Becker, outros joalheiros foram influenciados pelas tendências tecnológicas,


incluindo os norte-americanos Claus Bury, Gerd Rothmann e Fritz Maierhofer, que
incorporaram formas abstratas e componentes eletrônicos e fabris aos seus trabalhos. Na
Eslováquia, Anton Cepka (1936) explorou os elementos de radares e rádios e, na Austrália,
Frank Bauer (1942) utilizou formas puristas e precisão matemática para suas criações.
Nos Estados Unidos, David Watkins e Stanley Lechtzin (1936) utilizavam computação
combinada com eletrodeposição de elementos para criar experimentações em joalheria. Na
Inglaterra, no final dos anos 1960, Patrícia Meyerowitz criou joias em peça única através do
processo de usinagem em uma máquina de cortes industriais, assim como Tone Vigeland
(1938), que desenvolveu um trabalho similar na Noruega.

68
Stainless steel and Synthetic Stones. Friedrich Becker, 1987. Dimensões: não informadas. Disponível em:
<http://www.prof-friedrich-becker.de/en/das-werk>. Acesso em: 30 set. 2019.
97

Além da tecnologia e dos abstracionismos, Phillips (2004) e Gola (2013) comentam que
a joalheria contemporânea também aceitou, no início, temas naturalistas, figurativos, com viés
filosófico e ideológico. Destacaram-se trabalhos como os da norte-americana Charlotte de
Syllas (1946), do britânico Kevin Coates (1950) e do joalheiro italiano Bruno Martinazzi
(1923), que combinavam aos novos materiais e tecnologias temáticas relacionadas à literatura,
mitologia, música e ao subconsciente, conforme ilustra a Figura 061.

Figura 61 – Broche “Athene Noctua”, Kevin Coates, 1983.

Fonte: Victoria & Albert Museum. Londres, Reino Unido (PHILLIPS, 2004, p. 209). Adaptada pelo autor.

Dos anos 1990 até o presente, a joalheria tem se delineado pelas tendências de moda e
pelos valores da arte e do individualismo, acompanhando também as transformações
tecnológicas e a movimentação do comércio e da indústria. Isso pode ser percebido no trabalho
dos artífices contemporâneos, dos ourives, dos designers e dos “artistas-joalheiros”.
De acordo com Gola (2013, p. 130), na contemporaneidade, a natureza e o papel da
joalheria foram reavaliados e “o significado e o propósito da joia para o mundo atual foram
redefinidos, e essa redefinição, ao lado das novas tendências, regenera e revaloriza as antigas
produções”. Isso pode ser verificado especialmente a partir da segunda década do século XXI,
em que há muita liberdade na moda e cada pessoa pode vestir e se ornar com objetos que
condizem com a sua personalidade.
Segundo Gola (2013, p. 150),

a joia deste período segue a tendência: pode-se usar o que mais agrada no momento,
pode-se misturar ouro e prata, joia e bijuteria ou joia folheada, gemas de todos os
tipos. Tudo depende da imagem almejada, da mensagem que se pretende passar. No
século XXI, a joia, mais do que nunca, representa um emblema do seu usuário, repleta
de simbologias e significados.
98

Conforme Baudot (2008), os últimos cem anos, no que se refere à moda, engendraram
mais mutações na aparência humana do que no decorrer do milênio que o precedeu. Ao se
refletir o contexto atual do campo da joalheria, percebe-se que tais transformações seguem
fascinantes.
99

5 A JOALHERIA NO BRASIL

Neste capítulo, são explorados alguns fatos históricos que contribuíram para o
surgimento de uma produção artística diversificada, na qual a miscigenação dos povos que
aprenderam o ofício tem um papel significativo na criação do repertório simbólico e criativo.
Além disso, apresenta-se um panorama geral, percorrendo as transformações ocorridas na
joalheria brasileira, do século XIX até a atualidade.
A chegada dos portugueses ao Brasil, em 1500, com a expedição do navegador Pedro
Álvares Cabral, remete ao período em que a Europa vivenciava o Renascimento, uma época
marcada pelo esplendor das artes e também, conforme visto anteriormente, da joalheria. De
acordo com Gola (2013, p. 78),

ao tomar posse das terras brasileiras em nome da Coroa portuguesa, Cabral o fez por
interesses mercantis; e os primeiros portugueses o fizeram de modo predatório, com
suas feitorias. Ainda que a historiografia tradicional enfatize a facilidade da conquista
portuguesa, há que se registrar que a resistência foi pontual, mas alguma houve. Aqui
os portugueses encontraram povos autóctones, de várias etnias, cuja sociedade tinha
organização tribal e seu tempo era o dos caçadores, coletores e agricultores nômades,
conhecedores dos ciclos da natureza. E os portugueses tiraram proveito dessa
diversidade e de seu conflito com a tecnologia e a sociedade altamente organizada da
Europa.

Nas diferentes tradições e culturas indígenas, evidenciou-se a utilização do adorno em


diversos aspectos, como nas questões cerimoniais e ritualísticas, demonstrando grande
sensibilidade, particularmente no uso das cores. Ao comparar a arte europeia e a arte indígena,
verifica-se que, enquanto no Velho Mundo o interesse pela botânica e floricultura estava
começando, os indígenas sempre utilizaram esses elementos como inspiração (GOLA, 2013).
Sobre a simbologia e utilidade de algumas peças, Gola (2013) destaca que as coroas de
ouro e as de penas (cocares) têm significados semelhantes em ambas as culturas. Por exemplo,
a tribo Caribe, na região do rio Xingu, possui uma cerimônia de casamento em que o noivo
deve presentear o sogro, em sinal de respeito e gratidão, com um colar chamado Urapei. Para
os indígenas, essa “joia” é valiosíssima e muito trabalhosa, pois, para confeccioná-la, dezenas
de caramujos são recolhidos e, dentre eles, são escolhidos os mais brancos e finos, que são logo
cortados e lapidados em finas lascas e arranjados em formato semicircular.
Nesse sentido, Gola (2013, p. 83) esclarece que uma das manifestações artísticas mais
expressivas e características do indígena brasileiro é a arte plumária, “por ser feita de matéria-
prima de incomparável beleza, com perfeito domínio técnico na execução e no desenvolvimento
do senso estético”. Esses tipos de adorno são muito diversos em razão dos diferentes materiais
100

existentes em cada região e servem de insígnia aos líderes religiosos, simbolizam o poder dos
chefes e dos heróis. Além disso, “as penas, além de seus atributos decorativos, são suporte de
códigos que transmitem mensagens como sexo, idade, filiação clânica, posição social,
importância cerimonial, lugar político e grau de prestígio de seus portadores e seguidores”. A
Figura 62 ilustra um exemplar de brincos Carajás.

Figura 62 – Par de brincos Carajá.

Fonte: fotografia de Renato Soares. Acervo Fundação Memorial da América Latina. São Paulo (SP), Brasil
(GOLA, 2013, p. 84). Adaptada pelo autor.

De acordo com Gola (2013), em um primeiro momento, “foi grande a desilusão dos
portugueses quando aqui chegaram, em 1500, e encontraram homens e mulheres adornados
com penas, pedaços de ossos, pedras, conchas e desenhos corporais69, pois nada disso indicava
o conhecimento das jazidas de metais preciosos”. Entretanto, segundo Sant’Anna (1997, p. 39),
esse cenário muda quando, em um trecho da carta de Pero Vaz de Caminha, verifica-se uma
clara referência sobre a possibilidade da existência de ouro nas novas terras:

Capitão, quando eles (os índios) vieram, estava sentado em uma cadeira, bem vestido,
com um colar de ouro mui grande ao pescoço, e aos pés uma alcatifa por estrado.
Sancho de Tovar, Simão de Miranda, Nicolau Coelho, Aires Correia, e nós outros que
aqui na nau com ele vamos, sentados no chão, pela alcatifa. Acenderam-se tochas.
Entraram. Mas não fizeram sinal de cortesia, nem de falar ao Capitão nem a ninguém.
Porém um deles pôs olho no colar do Capitão, e começou de acenar com a mão para
a terra e depois para o colar, como que nos dizendo que ali havia ouro. Também olhou
para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o
castiçal como se lá também houvesse prata (SANT’ANNA, 1997, p. 39)

69
Sobre a ornamentação indígena, Dayé, Cornejo e Costa (2017) acrescentam que os povos Tapajós e Cunuris
conheciam a arte da glíptica, verificada através do uso de talismãs com formas zoomorfas, esculpidos em jade,
chamados como “muiraquitã”. A autora também comenta que, em meados do século XVII, os bandeirantes, ao
chegarem em Goiás, repararam nas pepitas de ouro que as índias utilizavam nos colares.
101

Sobre a descoberta do ouro no Brasil, em 1552, o bispo Sardinha já comunicava a El-


Rei D. João III, assim como fez Brás Cubas, em 1562, quando escreve70 a D. Sebastião falando
do ouro na Capitania de São Vicente: “torney loguo a mandar ho mineiro Luiz Martinez ao
sertão em busca d’ouro he quis Nosso Senhor que o achou em seis partes trinta léguas desta
vida tão bom como o da mina e dos mesmos quilates he amostra que trouxe” (SANT’ANNA,
1997, p. 39). No entanto, a primeira notícia oficial da existência do ouro no Brasil é de 1590,
quando se descobre o metal na Serra do Jaraguá (SANT’ANNA, 1997).
Apesar da descoberta de ouro em diferentes regiões do novo território, Gola (2013, p.
85) salienta que “foi na região de Minas Gerais, centro da riqueza aurífera, que a criação
artística na colônia obteve impulso a partir de inícios do século XVII. Também em outras
regiões da colônia, sempre em locais de concentração de renda, surgiram manifestações
artísticas com matizes locais, ainda que todas elas ligadas ao barroco”.
Segundo Valladares (1968, p. 39), “havia ourives do ouro e da prata. E havia os que
eram do ouro e da prata ao mesmo tempo”, a diferença não se dava pela questão material, mas
em razão da ordem artesanal. Por exemplo, os ourives da prata, toda vez que se punham a fazer
joias e outra “obra miúda”, mesmo que fossem de prata, estavam se intrometendo no ofício do
ouro. Valladares (1968) comenta sobre essa diferença: competia aos ourives da prata fazer
objetos grandes, como taças, jarros, cruzes, peças eclesiásticas (mesmo que fossem de ouro),
em um serviço chamado tassaria. Aos ourives do ouro cabia a confecção de joias e cravações
de pedras preciosas. A justificativa era a diferença de habilidades requisitadas por cada ofício,
sendo “o do ouro considerado mais complexo, algo que nenhum ourives da prata conseguiria
executar satisfatoriamente”. O autor explica que na Espanha, no século XVI, a classificação das
peças era ainda mais minuciosa: vajilla para peças do serviço doméstico; mazoneria, para vasos
eclesiásticos; e percocería, para pequenos objetos, como rosários, colares e adornos.
Quanto às joias que até então existiam no Brasil, estas eram, em sua grande maioria,
importadas de Portugal e vinham com seus portadores. De acordo com Gola (2013, p. 85),

com o tempo, oficiais e mestres provenientes de diferentes culturas passaram a


desenvolver e a executar peças com os materiais encontrados aqui, o que trouxe maior
diferenciação às joias brasileiras em relação aos trabalhos executados em Portugal. Os
motivos ingênuos e, ao mesmo tempo, o arrojo nas proporções e no tratamento
decorativo favoreceram a simplicidade, o que conferiu a essas peças plasticidade e
rigor artístico.

70
Ortografia original preservada.
102

Segundo Sant’Anna (1999) e Gola (2013), a joalheria colonial se destinava a enfeitar a


família dos senhores de engenho e a burguesia. Destacavam-se as joias para ostentar a
escravaria e aquelas utilizadas para adornar as imagens dos santos nas procissões religiosas –
por exemplo, a imagem de Nossa Senhora de Guadalupe, da primeira metade do século XVII,
toda revestida em prata, reproduzida na Figura 63.

Figura 63 – Nossa Senhora de Guadalupe, séc. XVII, Museu da Catedral de Salvador, Bahia.

Fonte: Museu de Arte Sacra, Universidade Federal da Bahia. Salvador (BA), Brasil. (VALLADARES, 1968, p.
29). Adaptada pelo autor.

Somente no final do século XVI que a produção aurífera brasileira atinge alguma
importância, e o rendimento das minas justifica a instalação em 1619, de uma Casa de Fundição,
em São Vicente e em São Paulo, e mais tarde em 1735, em Minas Gerais71. A Figura 64 ilustra
uma barra de ouro72 fundida em Minas Gerais.

71
Casa de Intendência e Fundição de Sabará, Minas Gerais, atualmente sede do Museu do Ouro. Criado em 1946,
possui um grande acervo de peças e equipamentos que contam a história da garimpagem e da arte da ourivesaria
(SANT’ANNA, 1997).
72
Informações sobre a barra: Cunho da Coroa Portuguesa com o timbre da Vila Real de Sabará: marcação
feita com o brasão da Coroa Portuguesa, autenticando a fundição como uma repartição oficial. Eram usados
diferentes cunhos para as diversas casas de fundição, e regularmente eram trocados para evitar falsificações;
Número 200: número de série de fabricação. Trata-se da barra de número 200; 1794: ano em que a barra foi
fundida; Monograma do ensaiador: entrelaçamento das letras iniciais ou principais do nome do ensaiador. O
ensaiador era o oficial responsável pela verificação do quilate do ouro; Toque 23: esta marca indica, em quilates,
a pureza do ouro. No caso, uma barra com 23 quilates; Números 0-1-7-24: trata-se da marcação do peso da barra,
ou seja: 01 onças, 07 oitavas e 24 grãos (IBRAM, 2017, p. 16-17).
103

Figura 64 – Barra de ouro, Século XVIII.

Fonte: fotografia de Daniel Mansur. Museu do Ouro. Sabará (MG), Brasil – Instituto Brasileiro de Museus,
2017. Adaptada pelo autor.

Em 1550, o regimento dos ourives da cidade de Lisboa havia criado um sistema de


exames, que exigia a marcação e a fiscalização das peças de ourivesaria. Nessa época, também
figuravam leis da União Ibérica que regulamentavam a exploração do ouro, permitindo a
qualquer pessoa descobrir e explorar minas à sua custa, desde que devidamente registradas e
marcadas, e que pagasse o quinto ao erário da Metrópole, e ainda que o produto fosse fundido
em barras marcadas com as armas do Reino. Além disso, ninguém poderia comercializar, doar
ou embarcar ouro para qualquer lugar sem que as barras não estivessem marcadas, como prova
do pagamento dos tributos, estando sujeito a perder suas posses, ou até mesmo ser condenado
à morte (GOLA, 2013).
De acordo com Valladares (1968), em meados de 1561, era possível perceber a presença
de alguns poucos ourives, na Bahia. Suas criações estavam restritamente ligadas à necessidade
de produzir peças e objetos sacros, com a finalidade de fundar novas igrejas. Valladares (1968,
p. 24) comenta sobre a chegada de um ourives “devoto”, em 1561, em uma carta do padre
Antônio Blasquez, que veio criar peças para suprir as necessidades religiosas:

com a chegada do ourives “mui afeiçoado à Companhia”, entretanto, os padres


poderiam respirar, Dar-lhe-iam a encomenda das peças mais necessárias assim como
dos ornatos e consertos para as festas e cerimônias da Igreja. Em 1565, o padre
Antônio Blasquez referia “uma obra muito prima e não vista nesta terra até agora...
uma parede toda do alto até acima de diamantes tirados muito ao natural e que davam
muito donaire e graça ao sepulcro... dentro do tabernáculo uma charola de muito bom
tamanho, coberta toda de muitas pérolas e cadeias de ouro”. Anchieta, duas décadas
após, registrava a oferta feita à capela, de uma cruz e turíbulo de prata com muitas
relíquias encastoadas de prata, onde entram três cabeças das Onze mil Virgens”. Das
mulheres portuguesas residentes na terra, diria que “vestem muitas sedas e joias... e
levam nisto vantagem, por não serem tão nobres, às de Portugal.

É somente a partir do século XVII que começam a surgir notícias sobre os ourives que
eram não só nativos como vindos da “Mãe Pátria” (Portugal). De acordo com Brancante (1999),
o aumento do número de ourives coincide com as Ordenações Filipinas, que regulavam o
trabalho dos artífices e instituíam severas penas aos infratores. Isso certamente explica a
104

afluência de tantos artistas na sociedade colonial brasileira. Segundo Gola (2013, p. 87), “apesar
dessa imigração, aqui, ao contrário do que sucedia em Lisboa, a maioria dos artesãos era
composta de escravos, mulatos e índios73, que aprendiam o ofício com rapidez extraordinária e
tornavam-se artistas”.
Sabe-se que a política colonial portuguesa nunca permitiu o desenvolvimento da
ourivesaria nos centros produtores de metal e pedras preciosas. Pelo contrário, tratou de proibi-
la expressamente. Nas cidades do litoral, Recife, Bahia e Rio de Janeiro, é que a ourivesaria iria
ter seus grandes momentos, ocupando uma classe numerosa, nas encomendas e obras avulsas,
uma quantidade elevada de matérias-primas. No entanto, de acordo com Valladares (1968, p.
30-31),

apenas uma diminuta porção da produção aurífera do Brasil passou pelas mãos de
nossos ourives. Já no primeiro quartel do século XVIII, lamentava Antonil74: “o peior
é que maior parte do ouro, que se tira das minas, passa em pó e em moedas para os
reinos estranhos: e a menor é a que fica em Portugal e nas cidades do Brasil: salvo o
que se gasta em cordões, arrecadas, e outros brincos, dos quais se veem hoje
carregadas as mulatas de mau viver e as negras, muito mais que as senhoras. [...] Nos
conventos, irmandades e igrejas mais ricas, uma âmbula de ouro aqui, uma coroa mais
adiante, mais raramente um ostensório, e rarissimamente uma salva. Certas coleções
particulares, deixam-nos a impressão de fantástica opulência. Mas a verdade é que
todo esse ouro junto constitui uma insignificância, quando comparado ao que, sob a
forma de barras, moedas, ou até mesmo pó, passou para o estrangeiro”.

Sant’Anna (1997), Brancante (1999) e Gola (2013) concordam que, quanto à


organização do ofício de ourives, há semelhanças entre Portugal e Brasil75. Em ambas, os
artesãos tinham que registrar suas marcas, também chamadas de contrastes, e não podiam
comercializar nenhuma peça que não fosse marcada. No entanto, apesar do controle, no Brasil,
os ourives nem sempre o faziam, pois era fácil burlar as leis 76, dada a grande distância que
dificultava a comunicação. A esse respeito, Brancante (1999, p. 42) comenta que

apesar da obrigatoriedade de marcar suas obras, nossos ourives coloniais nem sempre
o faziam. Entre a promulgação de uma lei e sua execução existe grande distância, e
essas leis não foram rigorosamente seguidas; eram, ao contrário, constantemente
burladas. [...] Havia locais em que essas leis só eram conhecidas dois ou três anos
depois de sua promulgação. As ordens se sucediam umas após as outras, os ourives
cada vez mais perseguidos, mas isso não impedia que trabalhassem na

73
Valladares (1968) comenta uma carta do início do século XVIII, de Padre Antônio Sepp, um dos apóstolos da
catequese dos Sete Povos da Missões, na qual o reverendo menciona a incrível habilidade dos indígenas de imitar
as peças de ourivesaria e menciona esferas astronômicas, cálices e castiçais cinzelados, citando o trabalho de dois
artistas indígenas, Inácio Paica e Gabriel Quiri.
74
ANTONIL, André João. Cultura e opulência no Brasil. Salvador, 1950, p. 286.
75
O ofício de ourives no Brasil foi objeto de legislação especial, volumosa e complexa, destacando-se leis, cartas
régias, regulamentos e alvarás específicos (VALLADARES, 1968).
76
Esse caráter clandestino da ourivesaria no Brasil Colônia dificulta, hoje, a identificação de artesãos e ateliês
(GOLA, 2013).
105

clandestinidade. As perseguições só diminuíram no século XIX, e com D. João VI


essa arte tomou grande impulso.

Valladares (1968) e Brancante (1999) comentam que, até 1765, os ourives eram
considerados artífices de prestígio77 e tinham grande destaque na vida social, especialmente nas
festividades, ocasiões em que mostravam suas criações, divulgando o seu trabalho com muita
pompa. Além disso, muitos deles recebiam títulos, ordenanças e, até mesmo, ocupavam cargos
de confiança no governo e nas forças militares.
No Brasil, conforme comenta Valladares (1968, p. 62), as tradições portuguesas desde
cedo assumiram um “caráter obrigatório”, logo, foi exigido dos artífices que eles não
quebrassem os costumes da metrópole. Por essa razão, assim como acontecia em Portugal, todo
aquele que pretendesse trabalhar como ourives, deveria se submeter a um exame de aptidão,
estipulado no Livro dos Regimentos dos Officiaes mecânicos da mui nobre e sempre leal Cidade
de Lixboa (1572).
Havia um exame para os ourives do ouro, diferente do exame para os ourives da prata,
conforme pedia a diversidade do trabalho, havendo, ainda, um exame para os lapidários e para
os douradores:

O candidato a ourives do ouro tinha um exame difícil: - fazer uma cinta de ouro
lavrada e aparelhada para esmaltar com seu meio relevo, coroneta e remate, assim
como uma joia do mesmo teor. Não se relevando devidamente preparado, só podia
obter outro exame passados seis meses; em caso de nova reprovação, mais seis meses,
e assim repetidamente, até que fosse considerado apto. O ourives da prata, enfrentava
exame mais complicado. Fazendo um gomil, segundo certo desenho, maior ou menor,
porém bem-feito e acabado, podia ser examinado de toda obra de martelo chã, como
bacios de cozinha e de cortar, e tais objetos é que devia ter em sua tenda. Fazendo
outro gomil, este lavrado, segundo outro desenho, igualmente bem-feito e bem
acabado, podia ser examinado de toda obra de martelo e de cinzel e bastiães tirando
imagens, e tais obras podia ter em sua tenda. Se fizesse uma maçã de cálice, também
conforme o modelo, seria examinado de toda obra de maçanaria, isto é, cruzes, cálices,
porta-pazes, bagos, turíbulos, etc., os quais sua tenda podia ter. Sendo capaz de fazer
uma imagem lavrada de cinzel de relevo, e uma chapa de prata de sua fantasia, ou
contrafeita por outra bem lavrada e bem acabada, estava qualificado para todas as
imagens e obras de cinzel. Em caso de reprovação, [valia] o mesmo sistema de novas
tentativas usado para os ourives do ouro (VALLADARES, 1968, p. 62-63).

Esses exames de aptidão eram bastante rigorosos e se aplicavam também a outros


profissionais, como, por exemplo, sapateiros e ferreiros. Os artífices prestavam esses exames
perante os juízes locais, que registravam os resultados em atas oficiais dos livros das Câmaras
locais. A partir do século XVII, assim como em Portugal, as confrarias do ofício se instalaram

77
Valladares (1968, p. 55) comenta que a própria natureza do trabalho dos ourives lhes oportunizava o contato
com os “senhores da fortuna e poder, dos quais podiam pleitear favores e mercês, nos momentos em que a vaidade
abre as portas da intimidade e da gratidão”.
106

no Brasil, a cargo dos padres jesuítas. Assim, os interessados em aprender o ofício podiam fazê-
lo com os religiosos. Nesse período, a devoção a Santo Elói, patrono dos ourives, foi muito
difundida, com exceção à Bahia (VALLADARES, 1968).
Brancante (1999) estima, através de estudos realizados em arquivos e museus do Brasil
e de Portugal, que apenas no estado de São Paulo, do século XVI até o século XIX, cerca de
539 ourives desenvolveram atividades. Do mesmo modo, quanto à Bahia e ao Rio de Janeiro,
Valladares (1968) estima que, no mesmo período, trabalharam aproximadamente 367 ourives.
Dessa maneira, o esplendor do trabalho dos ourives do Brasil podia ser observado no cotidiano,
no uso dos adornos corporais, nos objetos sacros e nas imagens dos santos, nos objetos
domésticos e nas grandes exportações das peças aqui produzidas.
A profusão de adornos utilizados em pessoas e até mesmo em animais – no caso, os
adornos para equipamentos para montaria – era evidente. Nas ruas, de norte a sul, as senhoras
ornavam-se com peças de elevado valor e, sempre que possível, estavam acompanhadas de suas
escravas, ricamente vestidas e adornadas (VALLADARES, 1968; BRANCANTE, 1999).
A Figura 65 reproduz uma cena cotidiana, pintada por Jean-Baptiste Debret, em 1831,
na qual é possível constatar no uso de joias e tecidos nobres, a semelhança existente na
aparência da indumentária da senhora branca e suas escravas.

Figura 65 – “Vendedor de flores na porta de uma igreja” (detalhe), Jean-Baptiste Debret, 1831.

Fonte: Museu Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro (RJ), Brasil, 2019. Adaptada pelo autor.

Valladares (1968, p. 100) escreve que o “luxo era sólido e bárbaro”, referindo-se a
baixelas pesadas, joias maciças e aos diamantes usados pelas senhoras, que “ofuscavam a vista”.
107

Além disso, os viajantes e residentes estrangeiros ficavam impressionados com a ostentação de


facas, punhais com bainha de prata lavrada, arreios, cabos de rebenque, esporas, botões,
abotoaduras, talheres, cafeteiras, bacias e outros objetos, considerados “um luxo de prata e de
ouro, que, muitas vezes, não correspondia à modéstia da habitação e do seu mobiliário”. Nesse
período, os rendimentos de ouro nas Reais Casas de Fundição eram expressivos, conforme
mostra o documento reproduzido na Figura 66.

Figura 66 – Mapa de rendimento do ouro nas Reais Casas de Fundição em Minas Gerais, entre
julho e setembro de 176778.

Fonte: Memória da Administração Pública Brasileira, 2016. Adaptada pelo autor.

Diante do fausto e da opulência existente, não demorou muito para que, em 30 de julho
de 1766, surgisse uma Carta Régia, proibindo o exercício da ourivesaria no Brasil. Alegando

78
Mapa de rendimento do ouro nas Reais Casas de Fundição em Minas Gerais, entre julho e setembro de 1767. O
documento original encontra-se no Arquivo Nacional (BR_RJANRIO_86_COD_97_V1/f008). Disponível em:
<https://bit.ly/33cIa3F>. Acesso em: 13 out. 2019.
108

coibir os abusos79 que os ourives praticavam – que, aos olhos da Coroa, ocasionavam um
prejuízo ao erário real – e proteger as cidades das aflições e inseguranças causadas pelo
contrabando, o documento determinava:

1. Que os governadores do Rio, Bahia e Pernambuco recrutassem todos os oficiais e


aprendizes do ofício de ourives do ouro e da prata, que fossem solteiros, ou pardos
forros, e os incorporassem nos Regimentos pagos; 2. Que fechassem todas as lojas
dos mestres, demolindo as forjas e sequestrando os instrumentos, pagando-se seu justo
valor e os recolhendo às Casas da Moeda ou Fundição das respectivas cidades; 3. Que
os mestres assinassem termo judicial comprometendo-se a não exercer mais o ofício,
a não ser com ordem especial do Governo, debaixo das penas cominadas para
falsificadores de moedas; e, 4. Que os aprendizes ou artífices escravos fossem
remetidos para seus senhores, obrigando-se estes a dar-lhes outras atividades e a não
lhes permitir os instrumentos, sob pena de perda do escravo e degredo para Angola
(VALLADARES, 1968, p. 101-102)

De 1766 até 1815, os ourives brasileiros estiveram perseguidos pois “bastaria a


consciência da clandestinidade para que não se sentissem seguros” (VALLADARES, 1968, p.
104). No entanto, apesar da proibição, o ofício de ourives se proliferou dentro da
clandestinidade, não impedindo que o número de artífices aumentasse consideravelmente, ou
que as obras deixassem de serem produzidas80. Valladares (1968) defende que, se os ourives do
Brasil daquela época tivessem observado à risca os preconceitos que então interferiam no
exercício do ofício, a ourivesaria colonial jamais teria atingido o desenvolvimento verificado
no século XVIII.
A demanda por reposição de peças para as igrejas, os consertos dos objetos da corte e a
ameaça iminente de concorrência de produtos estrangeiros, levou à revogação da Carta Régia,
em 11 de agosto de 1815, através de um Alvará assinado pelo Príncipe-Regente, que liberou o
pleno exercício do ofício, objetivando, principalmente, o desenvolvimento da indústria nacional
(VALLADARES, 1968). Dayé, Cornejo e Costa (2017) consideram o Alvará de 11 de agosto
1815 o marco do nascimento da profissão joalheira no Brasil, visto que, ao estimular o
surgimento de novos profissionais, ele deu fôlego para a implantação e organização de um novo
setor econômico.
O Alvará81 de 11 de agosto de 1815:

79
Valladares (1968, p. 53) questiona em seu texto se a profissão de ourives trazia a fortuna, esclarecendo que
embora não se tenha referência de ourives que tenham se tornado “senhores de grandes cabedais”, era possível sim
ter uma boa situação econômica, por essa razão, tanto as pessoas livres, assim como os escravos (que entregavam
toda renda aos seus senhores), recorriam ao aprendizado do ofício.
80
Valladares (1968) comenta que quando o Conde de Rezende, 5º vice-rei, chegou ao Rio de Janeiro em 1792,
encontrou pelo menos 375 mestres ourives, e 1500 oficiais e aprendizes, em plena atividade.
81
Coleção das Leis do Império (1808-1820). Câmara dos Deputados Federais. Reprodução do autor, respeitando
a ortografia original. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/legislacao/doimperio/colecao1.html>. Acesso em: 30 set. 2019.
109

ALVARÁ — DE 11 DE AGOSTO DE 1815

Declaro livre aos Ourives o trabalharem e negociarem com obras de ouro e prata.

Eu o Principe Regente faço saber aos que o presente Alvará com força de lei virem,
que havendo determinado no do 1º de Abril de 1808, que fosse livre a qualquer dos
meus fieis vassallos habitadores deste Estado do Brazil e Dominios Ultramarinos,
estabelecer manufacturas de todo o genero, e sem excepção de alguma, revogando
qualquer prohibição, que houvesse a este respeito, com o fim de augmentar e
promover a industria nacional, e de não tolher a qualquer a livre faculdade de
applicar-se aos trabalhos decentes e lucrosos ; deve entender-se comprehendida
nesta disposição a prohibição, que tinham de usar do seu officio os Ourives de ouro
e prata desta Cidade, e mais partes do Brazil estabelecida na Carta Régia de 30 de
Julho de 1766, para que se julgue abolida e levantada ; e muito mais porque os
motivos que precederam e determinaram a referida prohibição não se verificaram de
todo, como mostrou a experiencia ; nem já existem depois das disposições dos Alvarás
de 1 de setembro e 12 Outubro de 1808, que puzeram em effectiva observancia as
providencias antes estabelecidas nos Capitulos 20 e 30 do de 13 de Maio de 1803,
para acautelar e prevenir os extravios do ouro em pó, facilitando-se-lhe a fundição e
promovendo-se-lhe o troco e permutas nas casas determinadas a este fim: tendo
consideração a todo o referido e ao mais que me foi presente em consulta da Mesa
do Desembargo do Paço, com que fui servido conformar-me: hei por bemrevogar e
abolir a sobredita Carta Régia de 30 de Julho de 1766 ; ficando livre aos Ourives de
ouro e prata trabalhar nestes metaes e negociar nas obras que delles fizerem, como
lhes convier.
Pelo que: mando á Mesa do Desembargo do Paço e da Consciencia e Ordens;
Presidente do meu Real Erario; Regedor da Casa da Supplicação do Brasil; Conselho
da minha Real Fazenda ; Governadores e Capitães Generaes ; e a todos os tribunaes,
ministros de justiça e mais pessoas, a quem o conhecimento deste Alvará pertencer,
o cumpram e guardem, não obstante quaesquer disposições, que o contrario
determinem; que todas hei por derogadas, como se de cada uma fizesse expressa e
individual menção. E valerá como Carta passada pela Chancellaria, posto que por
ella não ha de passar, e que o seu effeito haja de durar mais de um anno, sem embargo
da ordenação em contrario. Dado no Rio de Janeiro a II de Agosto de 1815.

PRINCIPE com guarda.

Alvará com força de lei pelo qual Vossa Alteza Real ha por bem revogar e abolir a
Carta Régia de 20 de Julho de 1766 pelos motivos acima expostos.

Para Vossa Alteza Real ver.

Joaquim José da Silveira o fez. Bernardo José de Souza Lobato o fez escrever.

Segundo Brancante (1999), na Corte que veio para o Brasil, havia homens de grande
sensibilidade artística e intelectual. Foram criados escolas, bibliotecas e museus. Em 1915,
mesmo ano do Alvará, o Conde de Barca, ministro de João VI, encarregou o francês Lebreton
de organizar a Academia de Bellas Artes do Rio de Janeiro. Ele contratou vários artistas, que o
acompanharam ao Brasil, formando a chamada “Missão Francesa”, que chegou ao país em
1816. Estava lançada a semente para o desenvolvimento artístico e intelectual, que se espraiou
por todos os ofícios.
110

Sobre as joias coloniais, não se pode dizer que no Brasil a ourivesaria fosse plágio ou
reprodução da portuguesa, porém não se pode afirmar que tenha surgido algum estilo próprio,
pois, de forma geral, os motivos portugueses eram adotados, embora com adaptações ao gosto
local. Apesar disso, Brancante (1999) e Gola (2013) observam que, quando a ourivesaria
brasileira se serviu de oficiais e mestres que mergulharam na cultura negra e indígena, começam
a surgir novas inspirações, e a estética tem uma significativa mudança. Brancante (1999, p. 45)
comenta que a joalheria colonial brasileira

se caracteriza por uma certa ingenuidade de elementos decorativos e arrojo nas


proporções, o que resulta em uma simplicidade e ao mesmo tempo em um maior vigor
artístico, mais espontâneo, mais material. Temos um bom exemplo nos paliteiros, nos
quais nossos artífices não tem a preocupação de um acabamento perfeito, porém
demonstram uma exuberância de motivos, de concepções, tornando-os um trabalho
meio primitivo, mas brilhante. Surgem objetos extremamente típicos como cocos,
balangandãs, cuias, chimarrão com sua bombilha, cabos de rebenque, esporas, cabos
de punhais, etc. [...] a ourivesaria brasileira, embora não tenha a finura de acabamento,
a inspiração elevada, a técnica perfeita das pratas europeias, possui o encanto e a graça
dessa mesclagem de raças, a atração dos trópicos e o charme da ingenuidade e da
criatividade de seus ourives.

A sequência das Figuras 67 e 68 ilustra alguns exemplares de trabalhos feitos pelos


ourives coloniais, mostrando a diferenciação das peças.

Figura 67 – Estribo-sapata (prata), ourives Antônio da Silva Oliveira, São Paulo, século XIX
e faca (prata e ouro), ourives não identificado, Sorocaba, São Paulo, 1843.

Fonte: Coleção de Anita Marques da Costa. São Paulo, SP; Coleção particular de R. L. M. São Paulo, SP
(BRANCANTE, 1999, p. 170 e p. 171, respectivamente). Adaptada pelo autor.
111

Figura 68 – Miniatura sobre marfim e pedras brasileiras (Retrato de Feijó), ourives Miguel
Arcanjo Benecio de Assunção Dutra, Itu, São Paulo, 1832.

Fonte: Coleção particular de R.L. M. São Paulo, SP (BRANCANTE, 1999, p. 174). Adaptada pelo autor.

Dentre as criações desse período, destacam-se peças que ficaram conhecidas como “joia
de crioulas”. Trata-se de exemplares de adornos corporais utilizados exclusivamente pelas
mulheres africanas ou crioulas no Brasil, em situação de escravidão, forras ou libertas. Essas
peças se diferenciam daquelas utilizadas pelas senhoras brancas, em aspectos como dimensão,
peso, qualidade do material, formato e decoração. Geralmente ocos, confeccionados em grandes
dimensões, esses artefatos eram utilizados em abundância por suas portadoras. Todo tipo de
joia era encomendado aos ourives e utilizado pelas negras, no entanto, as que tiveram maior
destaque foram as pencas de balangandãs e os colares de alianças (FACTUM, 2009). A Figura
69 ilustra um exemplar dessa peça.

Figura 69 – Penca de balangandãs, século XIX.

Fonte: Gola (2013, p. 89). Adaptada pelo autor.


112

As pencas de barangandãs, de acordo com Cunha e Milz (2011), são consideradas as


joias mais emblemáticas desse período. Essas peças, utilizadas pelas negras e negros de ganho82,
apresentavam um forte caráter espiritual e religioso, pois mesclam elementos cristãos e pagãos,
além de figuras da fauna e flora em representações místicas para atrair a sorte e a fortuna e
afastar o “mal olhado”.
Outra joia de crioula com significado peculiar era o colar de alianças de ouro, conforme
ilustra a Figura 70.

Figura 70 – Colar de alianças, séc. XVIII.

Fonte: Cunha e Milz (2011, p. 104). Adaptada pelo autor.

De acordo com Lody (2008), cada elo formador da corrente era originário de uma
aliança portuguesa, conquistada após uma noite de favores sexuais. Essa atividade era um
“ganho” que não estava relacionado com as vendas de alimentos, mas sim com a prostituição.
Quando usada publicamente, essa joia causava um imenso mal-estar naquela sociedade.
Para Cunha e Milz (2011) e Lody (2008), é consenso que a utilização desse tipo de joia
pelas escravas pode ser considerada uma forma de subversão, pois pode-se entender que a
rebeldia das pessoas escravizadas não se estabeleceu apenas por atos coletivos, mas, inclusive,
por pequenas e cotidianas resistências. A Figura 71 ilustra a escrava Florinda Anna do
Nascimento exibindo suas joias.

82
Segundo Lody (2008), negros e negras de ganho eram grupos de escravos que desempenhavam funções
principalmente comerciais, vendendo mercadorias e alimentos em praças. O resultado da venda era revertido para
seus senhores que recebiam os ganhos pelo dia de atividade pública. Com o restante do dinheiro adquirido, as
escravas mandavam confeccionar as joias para, no futuro, negociá-las por sua alforria.
113

Figura 71 – Florinda Anna do Nascimento, aprox. 1880.

Fonte: Museu do Traje e do Têxtil. Salvador (BA), Brasil (CUNHA; MILZ, 2011, p. 240). Adaptada pelo autor.

De acordo com Valladares (1968, p. 110), a ourivesaria colonial, após a liberação do


ofício, originou novos mestres e oficiais, que criaram uma diversidade de objetos cada vez mais
criativos e esmerados, que, devido aos elementos locais, se afastaram um pouco da estética
portuguesa, visto que as “particularidades da vida regional levaram nossos ourives à produção
de objetos que ficaram conhecidos em todo o país, e no estrangeiro como típicos”, como, por
exemplo, a cuia e a bomba de chimarrão, no Rio Grande do Sul, as joias de coco de Minas
Gerais e as mencionadas joias de crioulas, na Bahia.
A ourivesaria considerada “erudita”, aquela dedicada à confecção de objetos
eclesiásticos e alfaias, também foi muito desenvolvida, especialmente com a chegada do estilo
Rococó, no século XVIII e dos estilos D. João, D. José e D. Maria, caracterizados por pesada
ornamentação, derivada do Rococó e do Barroco, conforme ilustra a Figura 72.

Figura 72 – Sacra, Museu de Arte Sacra de São Paulo, século XVIII.

Fonte: Museu de Arte Sacra de São Paulo (SP), Brasil (BRANCANTE, 1999, p. 146). Adaptada pelo autor.
114

Os objetos receberam decorações com novos motivos, que tomavam conta de toda a
superfície, imitando elementos da fauna e da flora. Na primeira metade do século XIX,
desenvolveu-se o estilo Empire (Império), cuja estética, considerada mais simplificada, realçou
a silhueta dos objetos, sendo amplamente empregada em ambientes, mobiliários e nas joias.
Brancante (1999) considera que a joalheria colonial manteve seu esplendor, desde cem
anos após o descobrimento, quando começou a ser desenvolvida aos moldes de Portugal, até os
séculos seguintes, transformando-se de acordo com os regionalismos e com as tendências
artísticas influenciadas pela Europa. No entanto,

com o advento da República, os costumes se modificam tornando-se mais sóbrios; a


ourivesaria, como muitas outras artes, entra em decadência. É o princípio da era
industrial, e todo aquele esmero e cuidado na elaboração das peças artesanais dá lugar
à industrialização, em que as peças eram feitas em série perdendo assim todo o sabor
e a criatividade das obras artísticas, feitas uma a uma (BRANCANTE, 1999, p. 166).

Essa industrialização originou a organização das primeiras casas joalheiras,


especializadas no comércio de peças artesanais e industrializadas; com joias feitas no Brasil e
também importadas, especialmente da França. Em todo o território brasileiro, começa a se
desenvolver a atividade joalheira, englobando negócios com metais e pedras preciosas e
também bijuterias. Pequenos negócios de ourives e joalheiros prosperando, assentando as bases
de um mercado promissor, que se consolida mais tarde com o surgimento de grandes joalherias
nos principais centros urbanos (BRANCANTE, 1999; DAYÉ; CORNEJO; COSTA, 2017).
De acordo com Gola (2020, p. 32),

o modo de produzir gerado pela Revolução Industrial, começou a se desenvolver no


Brasil, significamente, somente no final do século XIX e começo do século XX e na
fase republicana do Brasil, se formou a sociedade de consumo nacional, constituída
por uma base social com reduzido potencial de consumo.

Segundo Dayé, Cornejo e Costa (2017, p. 19), “no final do século XIX e início do século
XX, a atividade mineradora e o cultivo do café impulsionavam a vida em Minas Gerais, na qual
a prosperidade econômica dava origem a diversas manifestações de arte e cultura”. Naquela
sociedade, em que se estabeleceu um forte comércio, trajar-se bem e portar joias era sinônimo
de elegância.
Com a chegada dos imigrantes italianos, o comércio de joias também se desenvolveu
em Sabará, Minas Gerais. Destacou-se durante muitos anos o trabalho da família de Olegário
dos Santos Vianna, ourives e comerciante de ouro, joias e peças eclesiásticas, que inclusive
criou peças que se encontram no acervo do Vaticano. Seu filho, Raymundo Nonato dos Santos
Vianna, aos 12 anos de idade, aprendeu o ofício com um ourives italiano e logo se tornou um
115

habilidoso artífice que atendia, principalmente, às igrejas – tanto que, aos 20 anos de idade, já
tinha aberto sua própria oficina em Belo Horizonte. Sua criação mais famosa é uma rosa de
ouro e diamantes criada para homenagear Nossa Senhora de Fátima, quando a imagem
peregrina visitou o Brasil, em 1952 (DAYÉ; CORNEJO; COSTA, 2017).
Conforme Brancante (1999), Gola (2013, 2020) e Dayé, Cornejo e Costa (2017), a
Capitania de São Vicente – mais tarde, São Paulo – foi um local que, apesar de ser considerado
pobre no quesito de produção joalheira quando comparado à Bahia e ao Rio de Janeiro, deu
origem a importantes trabalhos de ourivesaria nos séculos XVIII e XIX, tornando-se, no século
XX, o mais importante centro econômico do país.
Em 1883, por exemplo, já se estabeleciam na cidade, em uma região conhecida por
Triângulo83, muitas casas de ourivesaria, que se espelhavam nas joalherias europeias,
especialmente Paris e Londres, “de onde se importavam gostos e hábitos” (DAYÉ; CORNEJO;
COSTA, 2017, p. 21). Essas lojas, também chamadas de “casas comerciais” ou “maisons”,
comercializavam joias, pedras preciosas e obras de arte e, geralmente, levavam o nome ou
sobrenome de seus proprietários – por exemplo, Casa Bento Loeb, Casa Adamo, Casa Hanau.
Eram lugares sofisticados, cujas vitrines eram mantidas impecáveis, para agradar a elegante
clientela que frequentava as casas de chá e passeava pela região (DAYÉ; CORNEJO; COSTA,
2017).
A Casa Hanau, fundada em 1862, pelo alemão Edmond Hanau, era uma das joalherias
mais conceituadas, tendo, em outras épocas, filiais em Paris, no Rio de Janeiro e na Bahia. Essa
casa de destacou pelo luxo que sustentava, além das joias e obras de arte, comercializava os
relógios de bolso suíços Patek Philippe, fabricados em ouro 18 quilates, moda entre os homens
de elevada posição social (DAYÉ; CORNEJO; COSTA, 2017).
A joalheria manteve suas atividades até 1966, quando o sucessor da família optou por
não seguir com a loja, apenas com a compra e venda de pedras preciosas, até meados de 1980.
A Figura 73 ilustra uma publicidade da Casa Hanau, da década de 1920, na qual é possível
verificar uma modelo utilizando anéis, brincos, braceletes e pérolas, em um visual característico
da moda da época.

83
Triângulo era o nome dado à região formada pela interseção das ruas Quinze de Novembro, Direita e São Bento,
em São Paulo, área onde se localizavam as principais joalherias (DAYÉ; CORNEJO; COSTA, 2017).
116

Figura 73 – Casa Hanau, publicidade da década de 1920.

Fonte: Dayé, Cornejo e Costa (2017, p. 22). Adaptada pelo autor.

Outra importante casa joalheira situada no Triângulo era a Casa Michel, fundada em
1904 por J. Michel e Armand Worms, aos moldes da casa Hanau. Nela, trabalhou Antônio
Teixeira de Castro, que mais tarde, por volta de 1922, abriu as portas da Casa Castro, em uma
pequena loja, mudando-se, em 1930, para um edifício maior, devido à prosperidade alcançada.
A joalheria segue em plena atividade na atualidade. A Figura 074 ilustra a fachada da Casa
Castro, em um prédio, na esquina da rua Quinze de Novembro.
117

Figura 74 – Casa Castro, década de 193084.

Fonte: Casa Castro, 2019. Adaptada pelo autor.

De acordo com Bueno (2002), a construção do Viaduto do Chá, em 1892, propiciou uma
ligação da região do Triângulo com o Vale do Anhangabaú, onde existiam as principais
fazendas de café. Nessa época, a cidade passou por um crescimento considerável, cerca de 1,3
milhão de pessoas viviam na capital. Essa expansão beneficiou os estabelecimentos joalheiros
que, em 1922, já contabilizavam 86 negócios, obrigando alguns inclusive a criar lojas varejistas
para atender a demanda.
De 1892 até 1934, cerca de 2,3 milhões de imigrantes chegaram ao estado de São Paulo.
Entre eles estava Leão Sayeg, originário de Alepo, na Síria, que se estabeleceu no Brasil em
1912, abrindo uma empresa de joias e lapidação de diamantes, a Casa Leão. Em 1924, Sayeg
conheceu sua futura esposa, Genny, também síria, presenteando-a com um vestido de noiva
coberto de pérolas e brilhantes, todo costurado e bordado com fios de ouro, além de um colar e
um broche de diamantes. No mesmo ano, a segunda Revolta do Movimento Tenentista
(Revolução Paulista) eclodiu na cidade, deixando um rastro de mortes e devastação, que
destruiu, saqueou e bombardeou muitas casas e prédios, inclusive a Casa Leão. Mais tarde, o
empreendimento foi reconstruído graças a Genny, que devolveu ao marido as joias e o vestido,
para que fossem desmanchadas e transformadas em anéis solitários, visando a reconstrução da
joalheria (DAYÉ; CORNEJO; COSTA, 2017). A Figura 75 ilustra o casal Sayeg no dia do
casamento, com o vestido cuja venda permitiu a retomada das atividades.

84
Casa Castro, década de 1930. Disponível em: <https://www.joalheriacasacastro.com.br/>. Acesso em: 29 set.
2019.
118

Figura 75 – Casal Sayeg, em 1924.

Fonte: Acervo de Lydia Leão Sayeg (DAYÉ; CORNEJO; COSTA, 2017, p. 24). Adaptada pelo autor.

A onda migratória que Dayé, Cornejo e Costa (2017) citam trouxe para São Paulo
principalmente italianos, portugueses, espanhóis, árabes, eslavos e japoneses, para trabalhar nas
lavouras de café. Entre eles, a família Okubo, que desembarcou em Santos, em 1926. O
patriarca Tamigoro Okubo, sua esposa Rosa e seu filho Julio seguiram para Piratininga, para se
dedicar à irrigação das plantações.
Em 1933, os Okubo se estabeleceram em São Paulo, com o intuito de proporcionar
melhor educação para os filhos e, para isso, abriram uma casa de penhor e câmbio. O negócio
não foi bem-sucedido, obrigando Tamigoro e Julio a retornarem para as plantações, enquanto
Rosa permaneceu em São Paulo, na região conhecida atualmente como bairro Liberdade,
vendendo quimonos de porta em porta. Numa dessas vendas, ao oferecer os quimonos, uma
compradora se interessou pelas joias de pérola que ela havia trazido do Japão. Rosa, então,
percebeu que as pérolas eram uma novidade no Brasil. Por intermédio de Kokichi Mikimoto,
percursor do cultivo de pérolas no Japão, ela começou a importá-las para o país (DAYÉ;
CORNEJO; COSTA, 2017).
Em 1934, Rosa Okubo abriu seu Atelier de Joias Finas, sendo a primeira mulher a se
tornar proprietária de uma joalheria no Brasil (GOLA, 2020). A Figura 76 apresenta um retrato
de Rosa Okubo, na década de 1930.
119

Figura 76 – Rosa Okubo, primeira proprietária de uma joalheria no Brasil, década de 1930.

Fonte: Acervo da Família Okubo (DAYÉ; CORNEJO; COSTA, 2017, p. 26). Adaptada pelo autor.

Em 1932, um novo conflito ocorreu em São Paulo, a Revolução Constitucionalista. A


elite de São Paulo, representada pelo Partido Republicano Paulista (PRP), iniciou um
movimento armado contra o governo de Getúlio Vargas, que havia acabado com o sistema
político de revezamento presidencial entre Minas Gerais e São Paulo, conhecido como “política
do café com leite”. Para apoiar o movimento, o povo paulista se mobilizou arrecadando ouro
para auxiliar o exército a adquirir armamentos, surgindo a campanha “Ouro para o bem de São
Paulo” – quem doasse ouro recebia um certificado e um anel de ferro, criado pela Casa Castro,
com os dizeres “Dei ouro para o bem de São Paulo”, existindo também uma versão com o
símbolo das profissões. A campanha foi um sucesso e muitas pessoas doaram, inclusive suas
alianças de casamento (DAYÉ; CORNEJO; COSTA, 2017).
Embora tenha sido derrotada no conflito, a cidade se fortaleceu politicamente, se
desenvolvendo sobremaneira até o final da década de 1930. De acordo com Gola (2020, p. 32),

a Era Vargas, de 1930 a 1945, forçou uma adequação à nova ordem econômica, pois
a industrialização mundial democratizou a tecnologia dos meios de produção e a oferta
de produtos foi vastamente desenvolvida [e] a publicidade surgiu para ajustar a
demanda à produção.
120

Na década seguinte, houve um significativo aumento populacional, que acarretou a


ascensão do comércio. Políticos, industriais, intelectuais e comerciantes formaram uma nova
elite, que se fortaleceu e investiu pesadamente no desenvolvimento da cidade até a década de
1960, quando muitas joalheiras começaram a despontar no recém-criado novo centro da cidade
(DAYÉ; CORNEJO; COSTA, 2017). Segundo Gola (2020, p. 33),

nos anos 50, o período pós-guerra trouxe um baixo grau de exigência por parte dos
consumidores e aos poucos critérios para avaliação da qualidade dos produtos. O
preço era considerado característica de qualidade e, devido à pouca oferta, as pessoas
estavam dispostas a experimentar novidades, outorgando alto grau de credibilidade
aos vendedores. Foi a era do marketing centrado no produto.

Um dos joalheiros pioneiros da década de 1960, em São Paulo, foi Luciano Tadini, que
possuía um negócio com doze ourives no centro da cidade. Na mesma região, já existiam casas
consolidadas como a Joalheria Bim Bam, a Lapidação de Diamantes Antuérpia, a Joalheria
Adamo e a Joalheria Montecristo. Além das joalherias, nos novos prédios, existiam muitas
oficinas de ourives autônomos (brasileiros e estrangeiros). Dentre os artífices paulistas que se
destacaram na época são conhecidos os irmãos Tobias e Rubens Dryzun e também Osny Storel,
que era aprendiz de David Kaufman. Eles desenvolveram seus projetos até 1964, encerrando a
atividade por um certo período, devido ao golpe militar (DAYÉ; CORNEJO; COSTA, 2017;
GOLA, 2020).
A praça da República e seu entorno também reuniu diversas casas joalheiras ao longo
dos anos 1960, como a R. Simon, fundada em 1953, a Casa Castro, a La Royale e a Hora
Mundial. Mais tarde, vieram a H. Stern e a joalheria Tadini (DAYÉ; CORNEJO; COSTA,
2017). Na joalheria R. Simon, que era tocada por Rolf Simon e pelos filhos Roberto e Paulo,
trabalhavam ourives e lapidários, totalizando vinte profissionais, incluindo ourives nisseis
(filhos de japoneses nascidos no Brasil). A joalheria Tadini teve grande expansão, abrindo dez
lojas, incluindo aquelas localizadas em hotéis e nos quiosques da loja de departamento Sears,
de Chicago e Nova Iorque, nos Estados Unidos.
A família Okubo, agora muito bem estabelecida com a joalheria fundada por Rosa
Okubo, seguia expandido os negócios. Em 1963, Julio Okubo, acompanhado da esposa Stella
Okubo, abriu sua primeira loja homônima, dando continuidade ao trabalho com pérolas
iniciados por sua mãe e fortemente influenciado pela moda da CHANEL.
A joia era um negócio muito atrativo na São Paulo dos anos 1960, atraindo o interesse
de muitas pessoas do interior do estado. Um desses exemplos foi Guilherme Duque,
descendente de uma família de ourives de São José do Rio Preto, que, com trinta anos de idade,
121

estabeleceu-se na capital paulista. Foi o fundador da Casa Duque e, mais tarde, da Indústria de
Joias Duque, tornando-se um grande industrial do ramo na década de 1970. Atualmente, a
empresa segue atuante no ramo, investindo no desenvolvimento do design e fazendo parcerias
com diversos estilistas brasileiros (DAYÉ; CORNEJO; COSTA, 2017).
Em 1965, José Pascoal Costantini, filho de industriais joalheiros do interior paulista,
abandonou o curso de arquitetura no Rio de Janeiro para abrir uma loja do ramo, em São Paulo,
em sociedade com José Chiachio. A loja, apesar de pequena, foi pioneira quando lançou a
tendência de acrescentar os símbolos dos cursos de graduação nos anéis de formatura 85 que
começavam a despontar na época, atingindo grande sucesso, até os anos 1980, quando o
costume de presentear com esta joia começou a decair. No final de 1966, Costantini comprou a
parte do seu sócio no negócio e fundou a Indústria de Joias Costantini, que atualmente segue
em atividade.
De acordo com Gola (2020, p. 34), na década de 1970,

o consumidor estava mais atento ao valor do dinheiro. A necessidade de organizar os


compromissos financeiros, fez com que o consumidor desconfiasse do vendedor e
ficasse atento ao preço. Ofertas de produtos se ampliaram e os similares oferecidos
em mais e diferentes locais. Nesta década, a joia fantasia estava em voga, os adornos
em geral, eram carregados de significados e mensagens representativas. As joias
genuínas, em função da valorização do ouro, ficaram restritas aos fios de ouro ou finas
correntes e medalhas, para o público em geral e para alguns, as joias pesadas poucas
vezes saiam dos cofres pois, eram também, uma forma de investimento.

No início da década de 1970, Tobias Dryzun se instalou no centro de São Paulo, criando
a joalheria “A Safira”, em parceria com um ourives que trabalhava na criação de joias e com a
lapidação de diamantes. Em 1973, os irmãos Ricardo e Roberto Lerner iniciaram um comércio
de joias, originárias de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, oferecendo também o serviço de
lapidação de esmeraldas. Os irmãos Lerner se destacaram, pois estavam entre os primeiros
industriais que tinham um design próprio, além de oferecer cursos de capacitação aos
colaboradores de sua empresa (DAYÉ; CORNEJO; COSTA, 2017).
Em 1974, Idel Perman fundou a Engel Joalheiros, no bairro Pinheiros, que no ano
seguinte passou a se chamar Elite Joalheiros. Mais tarde, em 1976, Nerces Vartain abriu um
negócio de lapidação no centro, com o auxílio de sua esposa, que era designer de joias. Muitas
joalherias e casas de lapidação seguiram se desenvolvendo – por exemplo: Lamy Lapidação, de

85
Mambrini (2012) comenta que os anéis de formatura popularizaram-se no Brasil na metade do século XX, como
uma forma de distinguir os jovens da burguesia que tinham formação acadêmica daqueles que não a possuíam. A
joia tinha a função social de anunciar a informação considerada tão relevante, sem a necessidade de perguntar.
Disponível em: <https://delas.ig.com.br/comportamento/2012-05-14/o-significado-dos-aneis.html>. Acesso em:
22 set. 2019.
122

Carlos Moreno; Joalheria Frankel, de Aliomar Nogueira Teixeira; Príncipe Negro Indústria e
Comércio de Joias, de Sebastião Petri e Mario Koji; e muitas outras pequenas oficinas.
Dayé, Cornejo e Costa (2017, p. 76) explicam que no final da década de 1970
começaram a surgir os assaltos nas ruas próximas às joalherias; “os chamados ‘trombadinhas’,
garotos que roubavam os transeuntes, se espalharam na região central de São Paulo, arrancando
correntes das senhoras e os relógios dos pulsos dos cavalheiros”. Esse fato levou as pessoas a
ficarem receosas de exibirem joias nas ruas. Assim, o medo do assalto se consolidou na década
seguinte, obrigando alguns joalheiros a mudarem os seus estabelecimentos para outros locais,
considerados como áreas nobres até hoje, como a rua Oscar Freire, o bairro Jardins e o shopping
Iguatemi, inaugurado em 1966.
Segundo Dayé, Cornejo e Costa (2017), as instabilidades políticas e econômicas que
marcaram o início dos anos de 1980 atingiram o setor joalheiro sobremaneira e foram
responsáveis pelas mudanças de hábitos e comportamentos do consumidor. Além disso, os
índices de violência seguiam aumentando, inibindo o uso de joias e tornando as joalherias alvos
de gangues e quadrilhas de assaltantes. Por uma questão de segurança e de retorno mais rápido
do capital investido, as joalherias seguiam migrando para os shoppings, que consolidaram o
novo ritmo do comércio.
Sobre a comercialização de joias na década de 1980, GOLA (2020) acrescenta que

o consumidor dos anos 1980 ampliou seu pensamento racional e crítico sobre o
mercado. O consumidor brasileiro, devido à economia frágil e instável, aprendeu a
pedir descontos e procurar vantagens, passou a comprar menos por impulso e
desenvolveu o senso de organização do orçamento familiar. As compras de joias
foram estimuladas pelas mulheres trabalhadoras que compravam suas joias de ouro e
de prata, para serem usadas em todas as ocasiões (GOLA, 2020, p. 35).

Nesse período, entrou em evidência na moda a utilização de gemas coloridas brasileiras,


conforme ilustra a Figura 77. A prata foi bastante difundida na joalheria da época, assim como
a indústria de alianças, que também gerou lucros significativos para o setor (GOLA, 2013).
123

Figura 77 – Colar Rainbow, H. Stern, década de 1980-199086.

Fonte: M&G Signed Jewelry, 2019. Adaptada pelo autor.

Apesar das dificuldades do setor, em 1980, Dayé, Cornejo e Costa (2017) apontam que
a família Kaufman, que dirigia a Joalheria Florença (atual Vivara), desenvolveu um modelo de
expansão varejista que conseguiu contornar a crise, chegando até a atualidade com mais de 160
lojas em shoppings de todo país. Na mesma época, no interior do estado de São Paulo, em
Pirassunga, surgiu a empresa Brüner, com uma produção totalmente artesanal, que, após uma
remodelação comercial, tornou-se a líder nacional na produção de alianças.
No final da década de 1980, formou-se um polo joalheiro na cidade de São José do Rio
Preto, por iniciativa do industrial José Pascoal Costantini, que importou maquinário moderno
da Europa, investindo pesadamente na ampliação da sua fábrica. Dayé, Cornejo e Costa (2017)
mencionam que muitos funcionários, após adquirem experiência, montaram negócios próprios,
e o setor expandiu com o estabelecimento de mais de trezentas empresas joalheiras na região.
Assim como em São Paulo, o mercado joalheiro se expandiu a partir da década de 1960
no Rio de Janeiro. O francês Jules Sauer e o alemão Hans Stern protagonizaram um notável
desenvolvimento no setor, investindo principalmente nas gemas nacionais. O primeiro
estabeleceu-se no Rio de Janeiro em 1956, abrindo sua joalheria, estrategicamente, em frente à
praia de Copacabana, ao lado do Hotel Copacabana Palace, conforme ilustra a Figura 78,
enquanto Hans Stern fundou a H. Stern, sua primeira joalheria em 1945, também no Rio de
Janeiro (DAYÉ; CORNEJO; COSTA, 2017; GOLA 2020).

86
Multicolor Gemstone Rainbow Necklace, H. Stern. Ouro, ametista, turmalina, topázio azul, peridoto, citrino e
granada. Dimensões: 43 cm x 1,5 cm, 125 g. Disponível em: <https://bit.ly/3jKwtYr>. Acesso em: 30 set. 2019.
124

Figura 78 – Inauguração da Amsterdam Sauer, 195687.

Fonte: Amsterdam Sauer, 2019. Adaptada pelo autor.

Hans Stern foi um visionário do setor, que investiu no desenvolvimento da sua marca
no Brasil, expandindo-a para o mundo. Stern importou mão de obra especializada para a
confecção das joias e criou o primeiro serviço de garantia e suporte ao cliente. Seu
empreendedorismo foi notável, quando, em 1949, abriu seu primeiro ponto de varejo, no salão
de desembarque do terminal de passageiros do píer Mauá, para demonstrar os seus produtos de
maneira estratégica aos turistas que chegavam nos navios. A sua visão de mercado também
permitiu a criação de um “tour guiado”88, quando ele colocou carros à disposição dos turistas
no píer para levá-los até as instalações de sua fábrica, como uma atração turística, para conhecer
as etapas do processo de criação das joias, abrangendo desde a descoberta das gemas, a
lapidação, o design, a montagem e o acabamento final (DAYÉ; CORNEJO; COSTA, 2017).
O negócio de Hans Stern progrediu muito, tanto que em 1961 suas criações já
participavam de mostras internacionais, como a International Exhibition of Modern Jewellery,
no Victoria and Albert Museum, de Londres. Dois anos mais tarde, abriu sua primeira loja em
Nova Iorque, nos Estados Unidos, dando início a um projeto de expansão, que atingiu as
principais capitais das Américas, a Europa e Israel. Segundo Dayé, Cornejo e Costa (2017, p.
92),

87
Inauguração da Amsterdam Sauer. Disponível em: <https://sauer1941.com/o-cacador-de-pedras-raras/>. Acesso
em: 30 set. 2019.
88
Esse programa de visitação é ofertado pela H. Stern até os dias de hoje.
125

em 1983, a H. Stern mudou sua sede para o bairro Ipanema, no Rio de Janeiro, onde
passou a ocupar um edifício que incorporava as áreas envolvidas na manufatura e no
comércio das joias: oficinas de ourivesaria e lapidação, laboratórios, instalações de
treinamento, escritórios e showrooms. Foi lançada a coleção Catherine Deneuve, com
a assinatura e colaboração da atriz que se destacou em 1967, quando protagonizou o
filme ‘A bela da tarde’, um clássico surrealista do espanhol Luis Buñuel. Essa coleção
inspirou a prática da H. Stern de associar celebridades do cinema e da música
internacional à marca da joalheria, com destaque, nas décadas seguintes, para estrelas
de Hollywood, como Sharon Stone, Catherine Zeta-Jones e Angelina Jolie, que
desfilaram pelo tapete vermelho de eventos, como o Oscar e o Globo de Ouro,
exibindo joias da H. Stern.

Ainda no circuito carioca, destacaram-se Antônio Bernardo Herrmann, filho do


industrial das joias Rudolf Herrmann, e Natan Kimelblat. O primeiro se consagrou criando
joias de design exclusivo e personalizáveis, que permitiam diferentes formas de uso e lhe
renderam diversas premiações internacionais. Já Kimelblat desenvolvia parcerias com grifes
internacionais, sendo o primeiro representante da Cartier no Brasil (DAYÉ; CORNEJO;
COSTA, 2017). A Figura 79 ilustra uma fotografia dos anos 1970, na qual aparecem os ourives
trabalhando na bancada, da fábrica de Natan Kimelblat.

Figura 79 – Ourives em rotina de trabalho, década de 1970.

Fonte: Acervo pessoal de Miriam Kimelblat (DAYÉ; CORNEJO; COSTA, 2017, p. 225). Adaptada pelo autor.

No Norte e Nordeste do Brasil, a produção joalheira está relacionada com a extração de


pedras preciosas e com a mineração. No Amazonas, existem algumas indústrias joalheiras,
como a Seculus da Amazônia, que produz joias e relógios; a Coimpa, ramificação do grupo
126

Umicore, que fornece ligas de metais preciosos para a indústria joalheira, a MG Gold Indústria
da Amazônia e o recente parque industrial da Vivara, que produz as joias que abastecem as
lojas da marca (DAYÉ; CORNEJO; COSTA, 2017; GOLA, 2020). No cenário da ourivesaria
artesanal e dos pequenos ateliês, destaca-se o trabalho, reconhecido internacionalmente, de Rita
Prossi, que se dedica à produção de biojoias89. No Piauí, na região do município Pedro II, há
um arranjo do setor joalheiro criado pela existência das reservas de opala. Há garimpeiros,
lapidários, joalheiros, lojistas e cooperativas de beneficiamento do material (DAYÉ;
CORNEJO; COSTA, 2017).
Na região Sul, de acordo com Dayé, Cornejo e Costa (2017), o desenvolvimento da
indústria joalheria remonta ao ano 1826, com a chegada da família alemã Geyer a São
Leopoldo, à época chamada de Feitoria. Valentim Geyer abriu uma pequena oficina, na qual
ensinou a seu filho Reynaldo o ofício da ourivesaria. Em 1903, Reynaldo mudou-se para Porto
Alegre, para trabalhar com Leopoldo Masson, proprietário da tradicional Casa Masson,
tornando-se sócio do negócio em 1916.
Apesar das dificuldades encontradas entre 1922 e 1923, Reynaldo Geyer abriu uma loja
no Rio de Janeiro, filiais e pontos de venda, com o auxílio do filho Jorge Leopoldo. Os
joalheiros Geyer foram precursores de um sistema de crédito, criado em 1922, considerado
muito inovador para a época, que concedia crédito para que pessoas de todas as classes sociais
tivessem acesso a seus produtos, através do pagamento mensal de prestações, algo semelhante
ao atual crediário (DAYÉ; CORNEJO; COSTA, 2017). A Figura 80 ilustra o antigo prédio da
Casa Masson, na esquina da rua dos Andradas com a rua Marechal Floriano, em Porto Alegre.

89
Biojoia é todo adorno ou artigo de joalheria confeccionado de maneira artesanal, em que se mesclam metais
preciosos e/ou gemas com materiais orgânicos, como sementes, frutos, cascas, lascas de madeira, capim, fibras ou
partes de animais, como chifre ou couro (GOLA, 2013; DAYÉ; CORNEJO; COSTA, 2017).
127

Figura 80 – Casa Masson, década de 1910-1920.

Fonte: Dayé, Cornejo e Costa (2017, p. 29). Adaptada pelo autor.

De acordo com Dayé, Cornejo e Costa (2017), Leopoldo Geyer, criador da casa Masson,
completou 90 anos em 1979, recebendo na data o título de patriarca dos joalheiros, pela AJESP
(Associação dos Joalheiros do Estado de São Paulo). A Casa Masson já era gerida pela quarta
geração da família: Jorge Geyer, filho de Leopoldo e presidente da empresa e o sucessor
Roberto Geyer. A Casa Masson era a maior varejista do ramo de joias e relógios do país, com
treze lojas em diversas cidades e cerca de 1100 funcionários.
Além de Porto Alegre, o comércio joalheiro também esteve presente em outras cidades.
Destaca-se a cidade de Guaporé, a 200 km da capital. Em meados de 1907, João Pasquali, filho
de imigrantes italianos que chegaram a Bento Gonçalves em 1878, abriu um negócio na cidade,
após ter ido para a Itália aprender o ofício de ourives. Desenvolveu uma produção de alianças
de noivado e casamento e, ao ensinar seus ajudantes, começou a formar mão de obra
especializada. Em 1902, ele abriu sua primeira joalheria e loja de folheados, na qual incorporou
seus filhos Lourenço e Albino. Estes, mais adiante, fundaram a Irmãos Pasquali e Companhia
Limitada, que atualmente se tornou a tradicional marca Pasli, e encontra-se em plena atividade.
Guaporé começou a despontar como polo industrial de joias. Vários ex-ajudantes e empregados
da Pasquali abriram empreendimentos próprios e outras empresas se formaram. A cidade é
128

referência nacional na produção de joia folheadas, com cerca de 150 empreendimentos que
atendem a todas as regiões do país (DAYÉ; CORNEJO; COSTA, 2017).
Outro ourives que se destacou na serra gaúcha foi Achyles Guindani, fundador de uma
fábrica de joias homônima, em 1930. Achyles ensinou o ofício para o filho Cypriano, que mais
tarde formou sociedade com os irmãos Clemente, Sauro e Ary, abrindo uma loja e um escritório
em Porto Alegre, na década de 1940. No início da década de 1970, Juarez Guindani, filho de
Cypriano, começou a frequentar a fábrica para auxiliar o pai com a parte administrativa,
assumindo, em 1978, a diretoria comercial. A Guindani fabricava joias clássicas e modelos
básicos, chamadas “joias leves”, e peças voltadas para o público infantil. Ainda na região Sul,
em Curitiba, também na década de 1940, destacou-se Celso Chane, que desenvolveu peças para
grandes joalherias da capital paranaense, como Reader, Haisler e Progresso (DAYÉ;
CORNEJO; COSTA, 2017; GOLA, 2020).
Como visto, no período que antecedeu o final do século XIX, a joalheria no Brasil teve
seu maior desenvolvimento nas cidades litorâneas, especialmente na Bahia e no Rio de Janeiro,
que foram as primeiras capitais. No começo do século XX, com a industrialização, essa
produção passou para os grandes centros econômicos e se desenvolveu, principalmente, pelos
investimentos de imigrantes que chegaram ao país. A produção acompanhou o percurso
histórico nacional, moldando-se e se adaptando de acordo com os acontecimentos de cada
década. O papel do ourives, como artista joalheiro, é reduzido à mão de obra, nas grandes
indústrias, salvo aqueles que desenvolvem a produção artesanal, em pequena quantidade em
seus próprios ateliês, já sem o mesmo prestígio dos séculos passados (BRANCANTE, 1999).
A joalheria brasileira, de certo modo, sempre foi influenciada pelos estilos
internacionais, no entanto, a partir da década de 1990, começaram as mudanças mais
significativas. Essa época foi um período de modernização da indústria joalheira, marcado por
transformações significativas no setor. Tanto o amadurecimento dos industriais quanto dos
consumidores permitiu o surgimento de novas perspectivas.
De acordo com Gola (2020, p. 35),

os anos 1990 trouxeram mais informações e o consumidor passou a conhecer melhor


os seus direitos, e individualidade. A tecnologia e a internet começaram a modificar
as formas de comunicação e informações. O luxo, os produtos de alta qualidade são,
nessa década, a grande cobiça de algumas classes sociais. No período surgiram
diversos concorrentes para o produto joia, o que desestabilizou um pouco o setor que
ainda procura se realocar.

De um lado, os artistas e ourives que desenvolviam peças únicas e exclusivas, em


pequenas quantidades; do outro, os que faziam as industriais, que aprimoravam a produção em
129

larga escala. As pequenas oficinas e ateliês não se transformaram em indústrias, porque as


estruturas e características desse tipo de produção estavam cada vez mais distintas (SKODA,
2012).
Nos anos 1990, de acordo com Gola (2013), a joalheria brasileira começa a perder
espaço para as marcas internacionais. Apesar da criatividade das peças, faltava-lhes qualidade
na produção, se comparada às grandes joalherias europeias e norte americanas.

Ao considerar mais econômico copiar designs de revistas estrangeiras, a indústria


nacional demorou em aderir às vantagens de manter um designer para criar peças
exclusivas, pois até então não se valia da qualidade das pedras, das lapidações ou do
acabamento (e os preços finais eram altos por causa dos impostos); enfim, ela agia
como se o consumidor brasileiro não fizesse exigências (GOLA, 2013, p. 132).

Com a abertura do mercado às importações, foi possível comparar preços e peças e o


mundo da indústria joalheira nacional teve de começar a se modificar. Por essa razão, muitos
industriais começaram a rever o processo de produção, investindo na capacitação de pessoal e
no design como ferramenta de qualidade:

em 1995, o governo federal, entendendo a necessidade do design para o


desenvolvimento econômico, instituiu o Programa Brasileiro de Design (PBD),
mecanismo de promoção do potencial criativo de diversos setores produtivos, com o
propósito de ganhar competitividade no mercado internacional. Falava-se da “Marca
Brasil”, mediante a articulação de instituições como FIESP, Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial (Senai) e Sebrae, entre outras, para o desenvolvimento de
propostas em diversas áreas, como a moveleira, a de calçados e a têxtil. O segmento
de gemas e joias tinha seu próprio Programa de Design, que foi lançado em 1997
(DAYÉ; CORNEJO; COSTA, 2017, p. 102-103)

Para a indústria, a fim de ter sua qualidade reconhecida, a joia devia seguir o padrão
internacional. Já na joia artesanal, o artífice nobilitava o material trabalhado, assim como a
exclusividade, era o elemento que agregava valor à peça. Na indústria, o design valoriza a joia,
mas esse valor se dilui pelo número de exemplares do modelo (GOLA, 2013).
Nessa época, surge o conceito de “coleção de joias” e muitas empresas, como Manuel
Bernardes, H. Stern, Amsterdam Sauer e Dryzun, investiram em temas relacionados ao Brasil,
buscando nos elementos da fauna e flora e na diversidade cultural brasileira a inspiração para a
criação de peças com “identidade” e, ao mesmo tempo, competitivas.
As coleções, como a exemplificada na Figura 81, começaram a dar origem a um
cronograma de lançamentos na indústria nacional de joias e permitiram o surgimento de uma
130

expressividade artística, percebida no trabalho de ourives, artistas joalheiros90 e designers


(DAYÉ; CORNEJO; COSTA, 2017).

Figura 81 – Anel e Pulseira, Coleção Giuliana, H. Stern, 1997.

Fonte: Dayé, Cornejo e Costa (2017, p. 104). Adaptada pelo autor.

O advento da globalização e da internet, na década de 1990, transformaram o setor


joalheiro brasileiro muito rapidamente, exigindo dos industriais a rápida assimilação dos novos
padrões de mercado. Para não perder espaço, muitas empresas precisaram rever suas estratégias
e posicionamentos.
Segundo Dayé, Cornejo e Costa (2017, p. 116), “as novas tecnologias propiciaram para
a indústria uma produção em escala, com maior velocidade e diversidade de produtos”, isso
refletiu na produção de joias mais leves, com processos de produção diversificados, que
priorizaram a fabricação de joias ocas. As marcas seguiram apostando na identidade brasileira
como referencial criativo, buscando a originalidade e a abundância de estilos.
No início dos anos 2000, o deslocamento da joia da sua posição tradicional foi marcante,
quando esta saiu das joalherias e começou a ocupar outros espaços, como a arte, a publicidade
e outros contextos culturais. Os grandes industriais começaram a investir em ações de
marketing, para impulsionar o consumo por meio da identificação dos perfis dos

90
Artista joalheiro é um termo utilizado para designar o indivíduo que cria peças de joalheria originais e
independentes, com o intuito de serem peças artísticas e de expressão pessoal. Essa vertente da joalheria artesanal
surgiu no Brasil na década de 1960, e assim como nas obras de arte, as peças dos artistas joalheiros são
desenvolvidas sem o compromisso com o mercado industrial (GOLA 2013; DAYÉ; CORNEJO; COSTA, 2017).
131

consumidores91, atingindo, inclusive, outras esferas sociais92. Muitas marcas lançaram joias
com preços mais acessíveis – exemplo é a linha popular My Collection, da H. Stern, de 2010
(Figura 82).

Figura 82 – Pulseira, coleção My Collection, H. Stern, 2010.

Fonte: H. Stern, 2019. Adaptada pelo autor.

Segundo Gola (2020, p. 35),

a partir de 2010, mudanças marcantes começaram a ser notadas como o luxo ser
escolhido mais como qualidade do que pela ostentação. A necessidade de ser ímpar,
de passar uma mensagem de seus próprios conceitos na maneira de se vestir e se
adornar, proporcionou um início do resgate do significado da joia. O exclusivo em
alta. Esse comportamento afetou o setor da joia industrial, visível pelo número de
fechamentos de fábricas e o sucesso de ateliers com joias exclusivas.

Desde a década de 1960, quando o crescimento do setor joalheiro começou a ter maior
notoriedade, buscou-se desenvolver peças que conferissem uma “personalidade” brasileira às
criações. A partir de então, a joalheria contemporânea brasileira veio conquistando espaço
através de uma linguagem própria, expressada tanto na produção seriada como na produção
artesanal de joias.
Com o aumento da produção por processos industriais no Brasil, iniciada nos anos de
1970, observou-se uma mudança no posicionamento da joia, que se tornou mais acessível ao
grande público. Esse contexto, contribuiu para o desenvolvimento do trabalho dos designers de

91
Na metade de 2004, o IBGM realizou uma pesquisa de tendência que identificou uma mudança no
comportamento no mercado de joias e produtos de luxo. Descobriu-se que a motivação para comprar tais produtos
não era mais a manifestação do status, e sim do próprio prazer, para sua experiência, emoção e sentido de
merecimento. O individualismo marcante da época acarretou a necessidade de as pessoas se sentirem especiais, de
se diferenciarem das outras. A joia adquiriu novos tributos e simbolismos, sendo adquirida pelo próprio jovem, e
não mais recebida dos familiares. Fonte: IBGM – Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos. A jovem, o
jovem e o luxo emocional. São Paulo: IBGM, 2006.
92
A partir de 2010, uma grande fatia da população adquiriu maior poder aquisitivo e ampliou sua participação no
mercado: a classe C. Esse público passou a consumir a linha branca e diversos eletrodomésticos, além de celulares
e uma variedade extensa de produtos, considerados até então proibitivos ou mais custosos de serem adquiridos.
Essa classe, que também passou a viajar, sentiu vontade de se valorizar. Assim, o mercado joalheiro se adaptou
mais uma vez, atendendo as necessidades desses consumidores, através do lançamento de joias leves e populares.
Fonte: Folha de São Paulo. Disponível em: <https://bit.ly/2Z83hCY>. Acesso em: 30 set. 2019.
132

joias93, e do design de produto, como processo projetual. Nos anos 1990, o design de joias
brasileiro ganhou notoriedade quando as criações dos artistas joalheiros e das marcas locais
começaram a ter reconhecimento internacional.94
De acordo com Gola (2013, p.133-134),

no Brasil, dada a diversificada riqueza geográfica, mineral e vegetal, os profissionais


da criação, nas mais diversas áreas, qualificam-se pela multiplicidade de expressões,
seja na concepção, na criação ou na produção de joias. Nos países industrializados,
entretanto, a preocupação maior se concentra na obsessiva busca de uma identidade
em suas produções. O Brasil, no caminho em busca da industrialização internacional,
também se engaja em programas visando ao reconhecimento e à valorização dos seus
produtos no mercado mundial, mas para ter maior sucesso, o país deve privilegiar, em
qualquer desses produtos, aspectos que englobem as qualidades exigidas pelo
consumidor e que apresentem identidade própria.

O crescimento do setor95 e a valorização das joias brasileiras contribuíram para que o


design de joias96, enquanto processo projetual, alcançasse notoriedade, tanto na produção das
empresas como na individual. A partir dos anos 2000, o design de joias se tornou uma forte
ferramenta de competitividade:

com isso, a produção em série passou a ser uma realidade mais viável e fez com que
a joia se tornasse mais acessível, possibilitando seu uso constante em decorrência do
fato de não ter alto valor. Essa joia de produção industrial, mais leve, podia ser usada
no dia a dia com trajes esportivos, com jeans. Quando produzida como joia única, com
materiais selecionados, e, consequentemente, com maior custo, seu uso era restrito a
eventos sociais. Essa foi uma mudança importante no posicionamento do mercado do
objeto de adorno produzido com materiais preciosos, impulsionando a produção
joalheira (DAYÉ; CORNEJO; COSTA, 2017, p. 247).

93
O ensino da joalheria no Brasil vem passando por transformações significativas, com o aumento de interessados
na área. Até bem pouco tempo, os conhecimentos eram passados de pai para filho; os demais interessados tinham
dificuldade em obter informações a respeito do ofício. Hoje, entretanto, há uma oferta variada de cursos livres,
escolas profissionalizantes, cursos de graduação e pós-graduação, e ampliou-se o acesso a livros e sites
especializados, o que se reflete na criatividade e no aprimoramento das técnicas (SANTOS, 2017).
94
O design brasileiro de joias alcançou notoriedade na produção de empresas e também na individual, pela
participação desses profissionais em concursos nacionais e internacionais, que atraíram o olhar de outros países
para as criações realizadas no Brasil. Destacam-se os concursos De Beers International Award, o Tahitian Pearls
Awards, o IF Awards, o AngloGold Ashanti AuDITIONS Brasil, Prêmio IBGM de Design, entre outros, com
muitos finalistas e ganhadores brasileiros (GOLA, 2013; DAYÉ; CORNEJO; COSTA, 2017).
95
De acordo com dados do IBGM, relativos ao ano de 2014, o Brasil se posicionou como 19º país produtor de
joias de ouro e o 16º de joias de prata. Além disso, o país exportou cerca de US$ 3,3 bilhões em ouro e gemas
preciosas, oriundas dos três estados responsáveis por mais de 80% da indústria desse seguimento: São Paulo,
Minas Gerais e Rio Grande do Sul (SEBRAE, 2014).
96
A questão do design de produto, voltado para a joia, é de grande relevância para a indústria joalheira. A maior
parte das empresas conta com profissionais de criação próprios. O desenho é uma das ferramentas do projeto de
design de produto, e só começa a ser feito depois de realizadas pesquisas referenciais que justifiquem as escolhas
dos elementos adotados, do mesmo modo são feitos desenhos técnicos e representações gráficas, manuais e
digitais, para só então a peça entrar em produção (SALÉM, 2008; GOLA 2013; DAYÉ; CORNEJO; COSTA,
2017).
133

No novo milênio, a joalheria no Brasil se consolidou como um importante setor da


economia, pois as empresas buscaram se aproximar do público. Apostando em aspectos
emocionais e simbólicos, as joias da atual década são traduções das tendências de moda, que
são reinterpretadas constantemente pelos designers de joias. Isso ocorre porque, diferentemente
de outros tempos, a joia de hoje não é utilizada apenas para fins de ostentação; no entanto,
através de uma linguagem própria, ela comunica, insere ou distancia indivíduos ou grupos com
interesses comuns e afinidades. Além disso, a necessidade de consumo tornou o mercado ávido
por novidades, algo que faz muitos usuários acompanharem fielmente o trabalho das grandes
marcas e grifes (DAYÉ; CORNEJO; COSTA, 2017).
Quanto à joalheria artesanal, ou produção individual, do joalheiro de pequeno porte ou
artista, tem-se outro contexto nessa década:

evidentemente, o trabalho do ourives não pode e não deve ser deixado de lado. Essa
artesania, tal como se considera a ourivesaria, é um ofício de grande esmero técnico
e sofisticação nos processos e acabamentos, extremamente valorizados na produção
da alta joalheria, dedicada às joias de grande valor material agregado e com público
definido e exigente (DAYÉ; CORNEJO; COSTA, 2017, p. 249).

No mundo pós-moderno, em que questionamentos sobre significados e questões


simbólicas estão em evidência, a produção artesanal se apresenta como a de eleição por um
público que procura a exclusividade, em razão do senso de individualidade que esse tipo de joia
comunica. As joias artesanais são, geralmente, desvinculadas de modismos, e os clientes que
procuram esses serviços o fazem porque apreciam a proposta do artífice ou porque possuem um
estilo próprio. Apesar da industrialização, a atividade artesanal tem seu espaço garantido, pois,
especialmente em localidades menores e nos lugares afastados dos grandes centros, a procura
pelo trabalho exclusivo dos ourives e mestres-joalheiros é perceptível.
De acordo com Dayé, Cornejo e Costa (2017, p. 230), “a joalheria sempre traduziu o
espírito de seu tempo97 [...] assim, o fazer manual está na essência da joalheria que vem
ganhando outras faces nas últimas décadas por conta, principalmente, das novas tecnologias
incorporadas aos modos de produção”, assim o Zeitgeist (espírito do tempo), que está no
coletivo, é reproduzido na criação das formas contemporâneas das joias (DAYÉ; CORNEJO;
COSTA, 2017).

97
A esse respeito, Dayé, Cornejo e Costa citam as palavras do crítico de Arte Sérgio Milliet, ao pontuar que “os
historiadores de arte tanto julgam um estilo e uma época pela Arquitetura como pelas joias. É dizer da importância
desta arte que une o senso estético ao artesanato” (MILLIET, 1964 apud DAYÉ; CORNEJO; COSTA, 2017, p.
230).
134

Independentemente do tipo de produção, a joalheria brasileira reflete os valores da nova


era digital, que se estabelece entre as sensibilidades e a velocidade das informações do mundo
tecnológico. Ironicamente, é no passado – cada vez mais lembrado por termos como vintage,
retrô e revival – que os lançamentos do mundo do design, da moda e das joias encontra seu
momento e suas conexões. Na “aldeia global”, a relação entre joalheria e arte é cada vez mais
visível. A história da arte influencia os editoriais de moda, a nostalgia e a melancolia inspiram
as produções, e todo esse universo está a poucos cliques dos consumidores que estão cada vez
mais conectados e desejosos por novidades (SEBRAE, 2014).
Apesar dos esforços para impulsionar o setor e do recente reconhecimento adquirido até
o momento, Gola (2020, p. 295) relembra que “a história da joia do Brasil, diferentemente dos
países do primeiro mundo, ainda está em construção”. Segundo a autora, para impulsionar o
setor de forma definitiva, a suficiência em matérias-primas e a tecnologia de ponta não bastam,
é preciso haver, por parte dos envolvidos, o incentivo à formação profissional de qualidade,
aliada à valorização dos recursos naturais e humanos, de forma que posturas corretas e éticas,
tão valorizadas atualmente, possam ser refletidas, especialmente no exterior (GOLA, 2020) .
135

6 A OURIVESARIA EM SANTA MARIA

Este capítulo apresenta a história da ourivesaria em Santa Maria, em um recorte


temporal que percorre do final do século XIX até a contemporaneidade. Através do
levantamento histórico realizado, a pesquisa aponta os primeiros ourives que desempenharam
o ofício na cidade e explica sobre o surgimento dos primeiros estabelecimentos comerciais do
ramo. Com o auxílio de dados oficiais, é traçado um panorama sobre o setor joalheiro na cidade.
Ao final do capítulo, expõem-se alguns relatos de ourives e joalheiros, com as percepções
desses profissionais sobre o atual mercado joalheiro da cidade.
Santa Maria localiza-se na região central do Rio Grande do Sul, cerca de 290 km da
capital gaúcha, Porto Alegre. Segundo estimativas do IBGE98 (2019), o município é a 5ª cidade
mais populosa do estado, tendo grande influência na economia da região, por ser basicamente
voltada ao comércio, destacando-se também os serviços públicos, estatais e federais,
especialmente pela presença da Universidade Federal de Santa Maria e de regimentos militares.
Segundo Costa Beber (1998), evidencia-se na economia da cidade a prestação de
serviços relacionadas ao terceiro setor, como atividades comerciais e serviços médico
hospitalares, contando, também, com indústrias de pequeno e médio porte, que atendem as
demandas dos setores agrícola, metal mecânico, alimentação, entre outros.
De acordo com Padoin (2009), a cidade se originou a partir do estabelecimento da 2ª
Subdivisão da Comissão Demarcadora de Limites, em 1797, e devido a sua localização
geográfica, no sul do Brasil e no centro do Rio Grande do Sul, tornou-se um fator de interesse
populacional, que atraiu ocupantes de diferentes etnias e nacionalidades, como índios
missioneiros, portugueses, espanhóis, paulistas, mineiros, lagunenses, africanos e açorianos.
Segundo a autora, a partir do início do século XIX, motivados pela política de imigração
europeia, os imigrantes alemães também fixaram residência no povoado.
Costa Beber (1998, p. 167) pontua que, “atraídos pelas vantagens oferecidas, chegaram
à nossa província, em junho de 1824, os primeiros imigrantes germânicos, os quais formaram
a Colônia de São Leopoldo [...] e paulatinamente todo o Vale do Rio dos Sinos, Taquari e Pardo
foi sendo povoado por alemães”. Em Santa Maria da Boca do Monte, 4º Distrito de Cachoeira,
a colonização alemã deu-se a partir da dissolução do 28º Batalhão de Estrangeiros, formada por
mercenários alemães, que se estabeleceram no povoado, seguidos de outros indivíduos que
chegaram à localidade, sozinhos ou em pequenos grupos, oriundos dos assentamentos iniciais.

98
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Dados sobre a cidade de Santa Maria disponíveis em:
<https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rs/santa-maria/panorama>. Acesso em: 20 fev. 2020.
136

Por outro lado, Borin (2010) destaca que, em 1834, “o Curato de Santa Maria da Boca
do Monte tinha pouca expressão no mapa do Rio Grande do Sul”, tratando-se de uma
“localidade simples”, permanecendo assim por algumas décadas. Segundo a autora, a partir de
1858, já ocupada por imigrantes alemães, despontava na vila um significativo nível de
desenvolvimento, visto que “chamavam atenção as placas comerciais indicando que eles
detinham o comércio de tecidos, de miudezas, os armazéns de secos e molhados, a ferragem, a
tamancaria, as alfaiatarias, a ferraria, a mercearia, a botica” (BORIN, 2010, p. 16-17). Assim,
Nicoloso (2013) enumera as principais profissões desempenhadas pelos alemães na localidade,
esclarecendo que tais atividades eram relacionadas ao comércio, destacando-se profissionais
como artesãos, alfaiates, lombilheiros, tamanqueiros, lavradores, ferreiros e ourives.
Diante dessa perspectiva, ao se refletir sobre o comércio da época, Costa Beber (1998,
p. 164-166) enfatiza que “foram também os alemães, aqui chegados, os responsáveis pela
implantação das primeiras atividades artesanais”. Para ele, os imigrantes alemães também
foram os responsáveis pela implantação de práticas comerciais consideradas mais avançadas,
se comparadas às praticadas anteriormente no povoado, apontadas pelo autor como rústicas.
No tocante à produção e comércio de joias, a bibliografia consultada mostrou que os
primeiros ourives chegados à região foram imigrantes alemães, sendo eles Jacob Luiz Laydner,
em 1852, Frederico Kessler, em 1856, e Nicolau Mergener, em 1858. Além de joias, adornos e
objetos finos, eles produziam toda sorte de peças metálicas, incluindo adereços para
arreamentos, além de esporas, cabos de relho, entre outros. Por essa razão, as suas lojas também
vendiam material de selaria. De acordo com Costa Beber (1998, p. 236), no ano de 1859, já
existiam na cidade seis casas de ourivesaria. Nesse sentido, Azevedo (1914) e Brenner (2019)
acrescentam que esses profissionais exerceram o ofício de ourives com grande presteza e
maestria, transmitindo o conhecimento para muitos de seus descentes e outros interessados,
tornando-se figuras muito requisitadas, reconhecidas e respeitadas em seu tempo.
Segundo Brenner (2008), o ourives Jacob Ludwig Laydner (Figura 81) nasceu em 11 de
novembro de 1829, em Simmern, Husnrück, Alemanha. Imigrou em 1848 para a Colônia de
São Leopoldo, chegando com sua família a Santa Maria, em 1851, aos 19 anos de idade. Em
1853, adquiriu um terreno99 e construiu sua residência, e junto a ela a Casa Laydner, de
ourivesaria e relojoaria, onde exerceu o ofício de ourives até o final da sua vida, em 1913.

99
O terreno adquirido por Laydner corresponde, hoje, à metade do quarteirão entre as ruas Dr. Bozano, Serafim
Valandro e Coronel Niederauer. A casa, apesar das reformas, ainda existe, sob o número 1065, na rua Dr. Bozano,
na qual reside José Antônio Brenner, arquiteto, professor aposentado da UFSM e pesquisador local, que, além de
ser colaborador desta pesquisa, é bisneto, pelo lado materno, do ourives Jacob Ludwig Laydner.
137

Figura 83 – O ourives Jacob Ludwig Laydner (1829-1913).

Fonte: Revista do Centenário de Santa Maria, 1914. Acervo da Casa de Memória Edmundo Cardoso, Santa Maria
(RS), Brasil. Adaptada pelo autor.

De acordo com Brenner (2019)100, Laydner já imigrou como ourives para o Brasil:

é verdade que ele saiu adolescente da sua cidade natal, mas não para vir para o
Brasil, saiu e esteve em algumas cidades da Europa aprendendo a ser ourives, e
chegou aqui com 20 anos de idade, 4 anos depois. Então já chegou formado nessa
profissão, nesse ofício, digamos assim.

Dentre as criações do ourives Jacob Laydner, Brenner (2019) destaca algumas peças –
por exemplo, cabeçotes de arreios e estribos de prata – que ainda estão em sua posse, e um
medalhão, estilo relicário, atualmente desaparecido. A joia em ouro foi produzida pelo ourives
Jacob Laydner e pertenceu a seu avô, Ildefonso Brenner. Segundo ele, a peça, utilizada junto
ao relógio de bolso, servia para guardar, em seu interior, uma foto da esposa ou da namorada,
e era moda entre os distintos cavalheiros da época.
A Figura 84 apresenta a reprodução de uma fotografia da peça antes do desaparecimento
e ilustra a joia na qual é possível visualizar uma primorosa composição (monograma) formada
pelo entrelaçamento das letras I e B estilizadas com elementos florais, que demonstram a
precisão e as habilidades do ourives.

100
Informação oral, concedida em entrevista no dia 9 de setembro de 2019. Todas os depoimentos aparecem com
destaque em itálico neste trabalho.
138

Figura 84 – Medalhão relicário, criação do ourives Jacob Ludwig Laydner, séc. XIX.

Fonte: Acervo pessoal de José Antônio Brenner, 2019. Adaptada pelo autor.

De acordo com Brenner (2014), na Casa Laydner, Jacob Ludwig foi mestre de seus
sobrinhos e de seus dois filhos mais velhos – Rodolpho e João David – e de seu concunhado
Nicolau Mergener, que abriu sua loja em 1863. Muitos descendentes de Laydner abriram
ourivesarias próprias, que se tornaram referência em outras cidades gaúchas, como Alegrete e
Porto Alegre, mantendo a tradição familiar.
Em 1863, Nicolau Mergener (Figura 81) fundou a Casa Mergener, que foi durante mais
de meio século a mais importante ourivesaria de Santa Maria, sendo ponto de referência
regional em seu ramo de comércio (COSTA BEBER, 2008).

Figura 85 – O ourives Nicolau Mergener.

Fonte: Revista do Centenário de Santa Maria, 1914. Acervo da Casa de Memória Edmundo Cardoso, Santa Maria
(RS), Brasil. Adaptada pelo autor.
139

Sobre a Casa Mergener, Brenner (2019, informação oral), acrescenta:

[...] a Casa Mergener também tem origem na família Laydner, porque o Nicolau
Mergener, ele era cunhado de uma Laydner, irmão do meu bisavô que fabricava
vinhos, lá no Itararé101. [...] Ele aprendeu ourivesaria com meu bisavô e armoaria
com Victor Rist, que trabalhava na outra quadra. E se instalou com seu comércio, de
armas, ourives, joias, selaria e etc. Essa Casa Mergener durou mais de nove décadas
em Santa Maria. Não ali, os sucessores mudaram para outros lugares, mas ela foi
fundada em 1863 e, 90 anos depois, acabou. [...]. Mas acho que foi uma das lojas de
Santa Maria que mais durou tanto tempo assim.

Sobre a permanência das atividades da Casa Mergener, no comércio de Santa Maria, é


interessante notar que em algumas revistas locais, publicadas na década de 1920, como a
Castalia, é possível encontrar anúncios publicitários do estabelecimento, como o reproduzido a
seguir, na Figura 86. No entanto, apesar dos esforços dos sucessores102, sabe-se que “a empresa
deixou de existir na década de 1960” (COSTA BEBER, 1998, p. 173).

Figura 86 – Anúncio publicitário da Casa Mergener, na revista Castalia, 1926.

Fonte: Revista Castalia, n. 1, ano I, 1926. Acervo da Casa de Memória Edmundo Cardoso, Santa Maria (RS),
Brasil. Adaptada pelo autor.

101
De acordo com Azevedo (1914), em 1858, João Frederico Mergener, pai de Nicolau Mergener, transferiu-se
com a sua família de Hamburg-Berg, Alemanha, para Santa Maria, aqui exercendo a profissão de tanoeiro
(fabricante de tonéis, pipas e barris), dedicando-se posteriormente à produção de videiras, tendo, inclusive, um de
seus vinhos premiados na 2ª Exposição Nacional, em 19 de outubro de 1866, no Rio de Janeiro.
102
Foram sucessores de Nicolau Mergener os filhos Arthur, Eugênio e Carlos e, finalmente, o genro de Eugênio,
Pompílio Toderatti, que ficou com o estabelecimento até o encerramento das atividades.
140

Além de nomes como Laydner e Mergener, outro importante imigrante alemão, que
também se destacou como ourives em Santa Maria, na metade do século XIX, foi Frederico
Kessler (Figura 87). De acordo com Azevedo (1914), Kessler nasceu em 1832 em Mersched,
Alemanha, e chegou em Santa Maria no ano de 1856, quando iniciou sua carreira como ourives,
abrindo, anos mais tarde, uma casa de negócios. Em sua trajetória como ourives e negociante,
Frederico Kessler adquiriu fortuna e status social, frequentando os altos círculos da elite santa-
mariense, tendo, inclusive, ocupado o cargo de tesoureiro na primeira Loja Maçônica de Santa
Maria, a Loja Boca do Monte (NICOLOSO, 2013).

Figura 87 – O ourives Frederico Kessler (1832-1899).

Fonte: Revista do Centenário de Santa Maria, 1914. Acervo da Casa de Memória Edmundo Cardoso, Santa Maria
(RS), Brasil. Adaptada pelo autor.

Em Santa Maria, Frederico Kessler montou um verdadeiro empório comercial, que tinha
todos os tipos de produtos, fornecendo-os, inclusive, para a região da Serra e da Campanha. Seu
estabelecimento era tão grande que ficou conhecido como “Alfândega do Kessler”. Em 1894,
já rico, mudou-se para Porto Alegre, falecendo naquela cidade em 1899 (AZEVEDO, 1914).
Nicoloso (2013, p. 46) também menciona outros ourives, descendentes da família
Niederauer, herdeiros do imigrante João Niederauer, que chegou a Santa Maria em meados de
1830 e tornou-se um dos cidadãos mais distintos, devido às “intensas relações econômicas que
manteve com os sujeitos de elite de sua época”. Um desses ourives foi João Pedro Niederauer,
que também era lavrador. De acordo com Nicoloso (2013, p. 114), é provável que João Pedro
141

Niederauer soube se inserir nas redes de relação de seu pai, ampliando os contatos, utilizando-
se do status de elite da sua família para obter sucesso nos negócios e ocupar seu lugar na
hierarquia local, tanto que ele foi eleito em duas legislaturas como vereador, chegando também
ao oficialato da Guarda Nacional.
Outro descendente da família Niederauer que exerceu o ofício de ourives foi Henrique
Niederauer (1846-1917), assim como o seu filho Henrique Niederauer (1884-1925), mais
conhecido pelo apelido “Lita”. Henrique (pai) era primo-irmão de João Niederauer Sobrinho, o
heroico Coronel Niederauer (BRENNER, 2019). Segundo Brenner (2019) e Costa Beber
(1998), a ourivesaria deles localizava-se na esquina da segunda quadra da Rua do Comércio
(atuais ruas Doutor Bozano e Serafim Valandro), em frente à Casa Mergener. A Figura 88
ilustra a localização das ourivesarias, à esquerda, a Casa Mergener, a seguir o sobrado onde um
relógio na fachada sinaliza a ourivesaria de Henrique Niederauer e, à direita, o sobrado da
família Brenner com a inscrição Ildefonso Brenner & Cia.

Figura 88 – Rua do Comércio, esquina com a Rua Marquês do Herval, 1900.

Fonte: Acervo pessoal de José Antônio Brenner, 2019. Adaptada pelo autor.

Apesar da concorrência no comércio, os donos das joalherias eram primos-irmãos e


muito amigos, tanto que se tornaram célebres, nos primeiros 15 anos do século XX, as rodas de
chimarrão entre os proprietários da Casa Mergener e os Niederauer, na calçada dos seus
estabelecimentos (BRENNER, 2019).
142

Em um mapa de Santa Maria, elaborado pelo agrimensor José Nehrer, em 1902, há a


indicação de nomes ou ramo dos estabelecimentos comerciais da época. Nele, é possível
verificar a localização de algumas das lojas situadas na região central, entre elas a ourivesaria
de Nicolau Mergener e a joalheria de Henrique Niederauer, indicadas pelas palavras
“Mergener” e “Ourives”, respectivamente. Na Figura 89, em um detalhe do mapa, as
localizações foram destacadas.

Figura 89 – Mapa dos estabelecimentos comerciais de Santa Maria, 1902.

Fonte: Acervo pessoal de José Antônio Brenner, 2019. Adaptada pelo autor.

De acordo com a literatura consultada, além dos ourives citados, que se destacaram na
sociedade santa-mariense do século XIX, há registros não detalhados de outros ourives,
provavelmente aprendizes dos anteriores, que trabalharam anonimamente em ourivesarias e
143

estabelecimentos menores103. A partir do início do século XX, até seus primeiros decênios,
surgiram novas e importantes joalherias, como a Honório Magno, a Joalheria Pereyron, a
Joalheria Troian, a Joalheria Gaiger, a Joalheria Klotz, a Joalheria Exata, a Joalheria Medeiros,
a Ourivesaria Real, a Relojoaria Farret, entre outras, das quais se obteve conhecimento através
dos anúncios publicados em revistas locais da época e outras publicações, como o Guia Geral
do Município de Santa Maria, organizado por José Pacheco de Abreu, publicado em 1953 e
1962, cujos exemplares integram o acervo da Casa de Memória Edmundo Cardoso.
Sobre essas novas joalherias, Costa Beber (1998, p. 208) cita o artigo “As casas
comerciais de minha infância”, de autoria de Araci de Azevedo Klumb, para a uma revista da
CACISM104 da década de 1980, na qual a autora rememora as “casas de joias”, como a Honório
Magno, referenciada a seguir, na Figura 90, em um anúncio da revista Castalia, de 1927.

Figura 90 – Anúncio publicitário da joalheria Honório Magno, na revista Castalia, 1927.

Fonte: Revista Castalia, n. 1, ano II, 1927 – Acervo da Casa de Memória Edmundo Cardoso, Santa Maria (RS),
Brasil. Adaptada pelo autor.

De acordo com Costa Beber (1998), até metade do século XX, muitos comerciantes
começaram a abrir seus estabelecimentos na Avenida Progresso (atual Avenida Rio Branco)
em virtude da movimentação ocasionada pelo início do transporte ferroviário de passageiros.

103
Durante pesquisa ao acervo da Casa de Memória Edmundo Cardoso, o jornal republicano “O Combatente”
(1889-1896), cita, por meio de anúncios publicitários, alguns negócios que ofereciam serviços relacionados à
ourivesaria e relojoaria. Nas edições disponibilizadas para consulta constam alguns nomes de estabelecimentos,
como a Relojoaria Mechânica, de Germano Mieth; a Óptica Foernges, de Carlos Foernges; e a Officina de
Relojoaria de Hércules Drago.
104
CACISM: Câmara do Comércio e Indústria de Santa Maria, fundada em 29 de junho de 1897, é uma entidade
local de representação e defesa dos interesses da classe empresarial e da comunidade em geral. Informação
disponível em: <https://www.cacism.com.br/site.php?tpl=historico>. Acesso em: 23 fev. 2020.
144

Por essa razão, houve um novo deslocamento do eixo comercial da cidade, no qual muitas lojas
começaram a ocupar as redondezas da Praça Saldanha Marinho, abrangendo a Rua do
Acampamento, a Rua do Comércio e as galerias comerciais existentes nesses endereços.
Os anúncios publicitários da época ratificam essa informação, uma vez que as joalherias
Gaiger, Klotz, Troian e Exata localizavam-se todas na Avenida Rio Branco. A Figura 91 ilustra
um anúncio da Joalheria Troian, no qual é possível identificar a localização, os produtos e os
serviços oferecidos.

Figura 91 – Anúncio publicitário da Joalheria Troian, revista Castalia, 1927.

Fonte: Revista Castalia, n. 1, ano II, 1927 – Acervo da Casa de Memória Edmundo Cardoso, Santa Maria (RS),
Brasil. Adaptada pelo autor.

Na perspectiva de Brenner (2019) e Gaiger (2019), uma das mais importantes joalherias
de Santa Maria foi a Joalheria Pereyron, criada na década de 1920 por João Pereyron Mocelin.
De acordo com Costa Beber (1998, p. 220), a loja foi especializada em joias, relógios, cristais
e óptica, sendo sucedida por Pereyron & Filhos e finalmente assumida pelos irmãos Renan e
Fernando, “tornando-se uma das empresas de maior destaque no comércio de Santa Maria nos
seus quase 50 anos de existência”.
A Figura 92 ilustra a fachada da Joalharia Pereyron, na década de 1920, localizada na
1ª Quadra da Rua do Comércio, no lugar que atualmente é ocupado pela loja Eny Esportes, no
Calçadão Salvador Isaía.
145

Figura 92 – Fachada da Joalheria Pereyron, na Rua do Comércio, década de 1920.

Fonte: Acervo da Casa de Memória Edmundo Cardoso, Santa Maria (RS), Brasil. Adaptada pelo autor.

De acordo com Brenner (2019), a Joalheria Pereyron, além de oferecer joias e produtos
finos, também fabricava placas comemorativas e medalhas de ouro e prata, utilizadas nas
premiações dos clubes e agremiações da cidade – por exemplo, nas competições do Avenida
Tênis Clube. A Figura 93 ilustra um exemplar dessas medalhas de prata, que pertenceu a
Adolpho Lima, um dos vencedores do II Campeonato Interno, em 1921 (BRENNER, 2012).

Figura 93 – Frente (esq.) e verso (dir.) da medalha de prata, possivelmente produzida pela
Joalheria Pereyron, para o II Campeonato Interno, do Avenida Tênis Clube, 1921.

Fonte: Brenner (2012). Adaptada pelo autor.


146

Costa Beber (1998, p. 196) explica que, em 1920, o comércio de Santa Maria era
“grande e forte”, composto por cerca de 387 estabelecimentos, dos quais quatro eram joalherias.
Entretanto, na década de 1930, esse cenário muda, quando o comércio passa a sofrer efeitos
negativos, resultantes da instabilidade política, provocada pelas Revoluções de 1930 e 1932 e
pela crise mundial, no final da década de 1920.
Segundo o Almanak Laemmert, do acervo da Biblioteca Nacional, as joalherias
existentes em Santa Maria, em 1940, eram: Casa Gastal, na Avenida Rio Branco; a de
Guilherme Kentel; a de Luiz Augusto Schenckel; e a de Valdemar Amaral Oliveira Ilha, todas
na Rua do Acampamento, além das já citadas joalherias Pereyron e Mergener.
A retomada do crescimento acontece somente a partir da década de 1960, sendo a
implementação da UFSM um dos fatores que aumentou “extraordinariamente” o potencial do
comércio local. Na década de 1970, o município registrava 1.348 casas comerciais, sendo 88
relacionadas com o comércio ótico, relojoeiro e joalheiro (COSTA BEBER, 1998, p. 197).
Uma dessas joalherias surgidas na segunda metade do século XX, e que ainda hoje
mantém as suas atividades, sendo considerada a mais importante do gênero, é a Joalheria
Gaiger. Fundada em 1947, por Nair Franco Gaiger, esposa de Luiz Gaiger, a casa, especializada
em relógios e joias, foi estabelecida na Avenida Rio Branco. Em 1957, o filho do casal, Mário
Franco Gaiger, assumiu os negócios e transferiu a empresa para a Rua do Acampamento, n.º
365. Em julho de 1982, a empresa muda a sede para a primeira quadra da rua Dr. Bozano, n.º
1293, no Calçadão, estabelecendo-se em uma imponente galeria homônima, mantendo duas
filiais, uma na Rua do Acampamento n.º 352 e outra no Shopping Praça Nova, inaugurado
recentemente, em 2017, no bairro Patronato.
Sobre as joalherias mais recentes, em abril de 1976, foi fundada a joalheria e óptica
Silvio Joalheiro, outro importante nome do setor. O estabelecimento, que ainda mantém suas
atividades na atualidade, conta com quatro lojas, sendo a matriz na Rua do Acampamento, n.º
90, e três filiais, uma na Galeria Roth, no Calçadão, uma no Monet Plaza Shopping, localizado
no bairro Nossa Senhora de Lourdes, e outra no Royal Plaza Shopping, no bairro Nossa Senhora
das Dores. A Silvio Joalheiro possui laboratório ótico próprio, oferece manutenção de relógios
e dispõe de um ateliê de ourivesaria105, para a criação e conserto de joias.
Na atualidade, de acordo com a Relação de Empresas por Atividades, da Prefeitura
Municipal de Santa Maria (2019), existem, regularmente cadastrados junto a mesma, 90
estabelecimentos comerciais do setor, sendo quatro deles relacionados diretamente com a

105
Informação retirada do site oficial da Silvio Joalheiro. Disponível em: <http://silviojoalheiro.com.br/sobre/>.
Acesso em: 23 fev. 2020.
147

fabricação e conserto de joias. Com base na interpretação dos dados informados pela Secretaria
de Desenvolvimento Econômico, Turismo e Inovação, organizou-se um gráfico (Quadro 1),
que demonstra o crescimento do setor joalheiro de Santa Maria, em um recorte temporal que
abrange da década de 1970 à atualidade.

Quadro 1 – Crescimento do setor joalheiro em Santa Maria (1970-2019).

CRESCIMENTO DO SETOR JOALHEIRO EM SANTA MARIA


1970 - 2019
100
90 90
80
70
60
50 52
40
30
20 20
10 9 7
0 2
DÉCADA DE DÉCADA DE DÉCADA DE DÉCADA DE DÉCADA DE 2019
1970 1980 1990 2000 2010

Número de estabelecimentos

Fonte: Anderson Machado, 2020.

Conforme o gráfico, na década de 1990, o setor ótico, relojoeiro e joalheiro de Santa


Maria apresentou um pequeno recuo em relação às décadas anteriores. Porém, a partir da década
de 2000, com a abertura de novos estabelecimentos, verifica-se um crescimento106 considerável
do setor, que manteve o ritmo de desenvolvimento constante até o final da década de 2010. Os
números tão favoráveis não apenas evidenciaram o consumo de joias em Santa Maria, mas
favoreceram também a instalação de joalherias de outros estados107 e países108 , na cidade.
Diante dessas informações acerca do consumo de joias em Santa Maria, buscou-se,
através de um levantamento realizado em janeiro de 2020, descobrir quais estabelecimentos,
considerando joalherias e ateliês, oferecem serviços de ourivesaria artesanal (Quadro 2).

106
Sobre o crescimento do setor joalheiro de Santa Maria, é importante reconhecer os dados referentes ao potencial
de consumo de joias na cidade. De acordo com Neri (2012), um estudo da Fundação Getúlio Vargas revela que
Santa Maria ocupa a 28ª posição em um ranking que nomeia as cidades com o maior número de indivíduos nas
Classes A e B, que sãos as principais consumidoras de produtos de luxo.
107
Em setembro de 2019, a joalheria Vivara, cuja sede mundial localiza-se em São Paulo (SP), inaugurou uma
filial no Shopping Praça Nova, sendo esta a sua 5ª loja instalada no RS (ZOLIN, 2019a).
108
Em novembro de 2019, a joalheria dinamarquesa Pandora, a 2ª maior fabricante de joias do mundo, inaugurou
um quiosque próprio, no Shopping Praça Nova (ZOLIN, 2019b).
148

Quadro 2 – Serviço de ourivesaria artesanal em Santa Maria, RS.

Estabelecimento Endereço(s) Ourivesaria


artesanal
Pontelli Joalheria e Ótica Rua do Acampamento, 235 Sim – próprio
Rua Dr. Bozano, 1178
Rua do Acampamento, 145
Shopping Praça Nova, Loja1136/1137
Bellart Óptica e Joalheria Rua do Acampamento, 436 Sim - terceirizado
Rua Venâncio Aires, 1831
Royal Plaza Shopping, loja 230
Gaiger - Ótica, Joias e Rua Doutor Bozano, 1293 Sim - terceirizado
Relógios Rua do Acampamento, 352
Shopping Praça Nova, Loja 1164
Silvio Joalheiro Rua do Acampamento, 90 Sim – próprio
Galeria Roth, Calçadão
Royal Plaza Shopping
Monet Plaza Shopping, Loja 48
Giovana Romana Av. Presidente Vargas, 2355 Não
(Policlínica Wilson Aita, loja 1004)
Joias Gallon Santa Maria Shopping Não
Airton Ótica e Joalheria Dr. Bozano, 1017 Sim – próprio
Rua Mal. Floriano Peixoto, 900
La Bella Joias Rua Ângelo Uglione, 1540 Sim – próprio
Relojoaria e Ótica Baggio Rua General Neto, 250 Sim – próprio
Costa da Luz Joias Shopping Praça Nova, Loja 1181 Sim – próprio
Artesanais
Vivara Shopping Praça Nova, Loja 1140/1141 Não
Pandora Shopping Praça Nova, Quiosque 06 Não
Vaine Joias Shopping Praça Nova, Loja 1129 Sim - terceirizado
Cleo Joalheiro (ateliê) Rua Dr. Alberto Pasqualini, 56 Sim – próprio
Tiane Joias (ateliê) Rua do Acampamento, 67 Sim – próprio
Gilvan Flores Mostardeiro Rua Dr. Alberto Pasqualini, 25 Sim – próprio
(ateliê)
Gonçalo Rodrigues da Rua Dr. Bozano, 1051 Sim – próprio
Silva (ateliê)
Sidinei Silva Pompeu Rua Duque de Caxias, 851 Sim – próprio
(ateliê)

Fonte: Anderson Machado, 2020.

A partir dos estabelecimentos pesquisados, verificou-se que 86,2% deles oferecem o


serviço de ourivesaria artesanal, de maneira própria ou terceirizada. Para o levantamento, foram
149

considerados apenas estabelecimentos109 de pequeno e médio porte, que são referência do setor
na cidade e que comercializam joias de ouro, prata e gemas.
Ressalta-se que, para além da criação de peças exclusivas, muitas das joalherias locais
utilizam a mão de obra de ourives terceirizados, para fazer ajustes, como correção de tamanho,
gravações e consertos. Acredita-se, então, que a demanda local não apenas legitima o trabalho
dos ourives, mas evidencia a relevância do ofício na cidade.

6. 1 RELATOS PROFISSIONAIS

Na pluralidade percebida no comércio joalheiro local, lojas de pequeno e médio porte e


pequenos ateliês de ourives movimentam esse nicho, geram oportunidades, emprego e renda e
contribuem sobremaneira com o desenvolvimento econômico, social e cultural de Santa Maria.
Muitos desses indivíduos estão no setor há gerações, enquanto outros estão apenas
começando. Alguns deram continuidade a tradições familiares, enquanto outros o fizeram
motivados por uma atitude empreendedora. Diante disso, com a finalidade de conhecer um
pouco da trajetória de vida dessas pessoas e, merecidamente, reconhecer o trabalho que prestam
à cidade, apresenta-se, a seguir, alguns relatos e depoimentos de profissionais do setor joalheiro.
Salienta-se que os relatos foram dispostos de acordo com a cronologia das entrevistas.
Os primeiros entrevistados foram o ourives Cidnei de Andrade e seu filho Dirceu Vieiro
de Andrade, que gerenciam um negócio familiar em que a produção de joias artesanais tem
muitos significados. A seguir, apresenta-se uma entrevista com o empresário Mário Franco
Gaiger, que está à frente da Joalheria Gaiger há mais de sessenta anos, uma das maiores
personalidades não apenas do setor joalheiro, mas da cidade de Santa Maria. Na sequência, o
entrevistado foi o ourives Gilvan Flores Mostardeiro, cuja trajetória de vida é marcada pelo
apreço à profissão, à família e ao ensino da ourivesaria. Para finalizar, o último entrevistado é
Airton Flores Medina, que iniciou a sua carreira como ourives, tornando-se outro importante
empresário do setor joalheiro santa-mariense.
Estes relatos tornam-se importantes, pois, além de servirem como um complemento para
os dados e números apresentados, permitem compreender perspectivas de diferentes
profissionais acerca do setor joalheiro local, ao mesmo tempo em que oportunizam conhecer
parte das histórias de vida e algumas memórias partilhadas pelos entrevistados.

109
Excluíram-se desse levantamento estabelecimentos que comercializam majoritariamente joias folheadas e
bijuterias. Da mesma forma, não participaram do estudo outros profissionais da cadeia produtiva, como designers
de joias (graduados ou autodidatas), que, embora sejam profissionais que conhecem o processo de produção
artesanal, não são considerados ourives.
150

6.1.1 Cidnei de Andrade e Dirceu Viero de Andrade – La Bella Joias

Localizada à Rua Ângelo Uglione, 1540, no centro de Santa Maria, logo adiante da
Praça Saldanha Marinho, está a joalheria La Bella Joias. Nela, Cidnei de Andrade, 59 anos,
exerce o ofício de ourives, em um dos mais completos ateliês de ourivesaria de Santa Maria. O
local possui três bancadas, todas equipadas com as principais ferramentas manuais e outras
complementares, e ainda conta com uma sala anexa, na qual encontram-se os equipamentos
maiores, utilizados para conformar os metais e dar acabamento às joias.
Segundo Dirceu Viero de Andrade (2020)110, 30 anos de idade, filho do ourives e atual
administrador da loja, a ideia de abrir uma joalheria surgiu em 2011, quando eles adquiriram a
parte de outro sócio, em outro investimento, organizando, assim, um negócio familiar111:

[...] o pai ainda trabalhava em outra empresa, tinha outra sociedade. Aí pra gente ter
mais a nossa mentalidade de empresa, ou o que a gente queria colocar e fazer,
questão de qualidade e preço também. Então, em um ou dois meses depois, o nosso
sócio que ergueu a loja com a gente quis sair e nós compramos a parte dele e, desde
então, estamos tocando o barco, sempre priorizando a boa qualidade e o bom
atendimento (ANDRADRE, D., 2020).

No início, a empresa abriu suas portas com a venda de bijuterias e joias folheadas. Mais
tarde, com a aquisição do maquinário, passou a oferecer o serviço de ourives, com a confecção
de joias em prata e consertos. Posteriormente, passou a produzir joias em ouro, passando a
terceirizar o serviço de consertos e ajustes para diversas outras joalherias de Santa Maria e da
região112. A respeito do ofício de ourives, Cidnei de Andrade (2020)113 compartilha:

nasci no distrito de Dilermando de Aguiar, Santa Maria. Já faz 47 anos mais ou


menos que moro aqui. No ofício de ourives eu já tô há 38 anos. Antes de eu ser ourives,
eu trabalhei como pedreiro, carpinteiro, eletricista, de tudo um pouco. Eu tive um
parente, um primo, que já trabalhava com ourivesaria, e foi ele quem me ensinou, me
deu as primeiras dicas. Então, é por aí que eu comecei a trabalhar com o ofício de
ourives e tocar em frente... (ANDRADE, C., 2020).

Sobre a sua trajetória profissional, o ourives comenta que, no primeiro ano, ele trabalhou
como empregado. Depois de aprender as principais técnicas, começou a trabalhar por conta
própria, em um ateliê muito simples, improvisado em sua casa, em 1983. A Figura 94 reproduz
uma fotografia do início da carreira do ourives, com 22 anos de idade na época.

110
Informação oral, concedida durante a entrevista realizada no dia 14 de fevereiro de 2020.
111
Além de Cidnei e Dirceu, Ilma Viero, esposa do ourives, também atua na joalheria, na parte de atendimento.
112
De acordo com Cidnei, os serviços de ourivesaria prestados pela La Bella Joias atendem aproximadamente 30
outras joalherias de municípios da região (Caçapava do Sul, São Sepé, Júlio de Castilhos, Tupanciretã e São Pedro
do Sul) e, ocasionalmente, de municípios da fronteira e da região metropolitana de Porto Alegre.
113
Informação oral, concedida durante a entrevista realizada no dia 14 de fevereiro de 2020.
151

Figura 94 – Cidnei de Andrade, no início da carreira, em 1983.

Fonte: acervo pessoal da família Andrade. Adaptada pelo autor.

Quanto à sua rotina de trabalho, o ourives explica que faz diversos tipos de peças sob
encomenda, além de alguns reparos e consertos, e enfatiza que a atividade, por vezes, é bastante
exaustiva. Segundo ele, as peças mais solicitadas são os anéis de formatura, as alianças de
compromisso e casamento, correntes e outros modelos de anéis. A sua clientela é formada
principalmente por pessoas que apreciam presentear com joias em datas comemorativas e
eventos especiais, como formaturas, bodas de ouro e prata, noivados, nascimentos, entre outros.
Para criar as joias, o ourives conta que seu repertório criativo vem, na maioria das vezes,
da sua imaginação; em outros momentos, de referências, como fotos, revistas e desenhos
apresentados pelos próprios clientes no ato da encomenda. Quanto aos materiais utilizados na
confecção, além do ouro e da prata, o ourives utiliza brilhantes, gemas naturais e sintéticas114,
de acordo com cada projeto e com o valor que o cliente está disposto a investir.
Na perspectiva do ourives Cidnei, o trabalho em ourivesaria também pode ser
considerado um trabalho de arte, pois requer paciência, habilidade manual e, principalmente,
atenção aos detalhes. Para ele, a peça, além da beleza, precisa ter qualidade:

114
Cidnei acrescenta que antigamente, cerca de dez anos atrás, havia uma certa dificuldade de encontrar algumas
gemas mais específicas no mercado santa-mariense, precisando-se, então, recorrer às joalherias da capital, que,
por sua vez, muitas vezes também não tinham o produto, impossibilitando, assim, a realização da encomenda.
Entretanto, hoje, com a popularização das vendas por internet, o ourives comenta que se tornou muito mais fácil
adquirir gemas de outros lugares do Brasil. Nesse sentido, pode-se refletir sobre a adaptação do ofício de ourives
às atuais dinâmicas de mercado.
152

eu acho que meu trabalho tem muita qualidade, é um ofício necessário. Aqui em Santa
Maria, o pessoal não conhece muito o trabalho do ourives, já compram tudo de
fábrica, né? Às vezes a peça é até mais bonita, mas a qualidade não é aquela, como
se fosse feita manual, né? Artesanal... (ANDRADE, C., 2020).

A questão da qualidade é um assunto tratado com muita seriedade na joalheria La Bella


Joias. Os responsáveis pela loja creditam a esse fator o bom andamento dos negócios. Na
opinião de Dirceu, é a qualidade dos produtos e o bom atendimento prestado que fazem da loja
uma referência no setor, ressaltando que isso foi possível pelas indicações dos clientes, em um
tipo de marketing conhecido popularmente como “propaganda boca-a-boca”:

[...] esses dias nós estávamos comentando que o nosso principal marketing é o boca-
a-boca, né? A gente fala pra um, que conhece o serviço, gosta, pela qualidade, e daí
já indica pra outro, e vão indicando... Até em relação as outras lojas, né? É difícil
uma loja indicar outra loja, né... Mas as lojas do centro, quando não fazem algum
tipo de serviço ou fabricação, eles nos mandam aqui. O que é uma coisa bem difícil
de acontecer, né? Isso é algo bem bom pra nós. Por isso, a gente está sempre tentando
se atualizar, né? Tanto na produção quanto nos consertos (ANDRADE D., 2020).

Sobre a continuidade da profissão, o ourives Cidnei relata que, no momento, é a única


pessoa da família que desempenha o ofício, no entanto, acredita que seu filho Dirceu tem as
habilidades necessárias para dar continuidade ao seu trabalho. Quanto a esse assunto, comenta:

eu acho uma coisa muito boa! Passar de pai pra filho... Nós já estamos passando. O
meu filho já sabe uma boa parte sobre joias também. Eu acredito que, num momento
que eu não puder mais seguir com o ofício, ele vai continuar (ANDRADE, C., 2020).

O ourives comenta que, entre ourives conhecidos que fazem parte de seu grupo social,
todos estariam preparando os filhos para dar continuidade ao ofício, então, ao menos a próxima
geração de ourives já estaria garantida. Na opinião de Dirceu, filho de Cidnei, enquanto
existirem joias para reparar, a continuação do ofício de ourives está assegurada. Ele relata que,
apesar de tratar dos assuntos administrativos da joalheria, sempre que surge uma oportunidade,
procura sentar-se à bancada com o pai, para ir aperfeiçoando as técnicas que já conhece. A
Figura 95 reproduz uma fotografia do ano de 1996, na qual Dirceu, aos seis anos de idade, já
acompanha a rotina de trabalho de seu pai.
153

Figura 95 – O ourives Cidnei, trabalhando em companhia do filho Dirceu, 1996.

Fonte: acervo pessoal da família Andrade. Adaptada pelo autor.

Quanto à transmissão do ofício através do ensino, tanto Cidnei quanto Dirceu são
unânimes ao acreditar que Santa Maria carece de um curso técnico ou profissionalizante de
ourivesaria. Para eles, os cursos relacionados à joalheria na cidade estão mais relacionados à
criação de coleções do que à prática. Sobre esse assunto, Cidnei relembra uma situação:

[...] eu ensinei um outro rapaz, ele pegou uma boa parte de trabalhar, mas depois
acabou desistindo. Tem que ter bastante paciência pra trabalhar nessa parte... Então,
se não tem muita paciência, acaba por não querer continuar na profissão
(ANDRADE, C., 2020).

Na percepção de ambos, a oferta de um curso de ourivesaria em Santa Maria, além de


movimentar a economia local, com alunos vindos de toda a região, qualificaria a mão de obra
do setor, ao facilitar a contratação de funcionários com experiência.
Quanto às perspectivas sobre o mercado local, o ourives afirma que, no passado, a
profissão foi mais valorizada. Para ele, a concorrência das joias industriais e dos folheados,
assim como a alta valorização do preço do ouro, contribuiu com a redução do movimento,
diminuindo, em parte, o prestígio e a procura pelo ofício. Por essa razão, pai e filho acreditam
que o caminho para seguir competindo no mercado joalheiro é o constante aprimoramento. A
exemplo disso, a partir de 2019, a joalheria também passou a oferecer o serviço de ótica.
154

Figura 96 – Dirceu Viero de Andrade (dir.) e Cidnei de Andrade (esq.), os profissionais


joalheiros à frente da La Bella Joias.

Fonte: fotografia de Anderson Machado, 2020. Adaptada pelo autor.

Na Figura 96, acima, Dirceu e Cidnei posam para a foto, no interior da joalheria da qual
tanto se orgulham. Sobre as joias, ao final da entrevista, concluem: “a profissão do ourives é
muito bonita, não apenas por fazer a joia ou consertá-la, mas, sim, por estar realizando, muitas
vezes, o sonho de uma pessoa” (ANDRADE D., 2020).

6.1.2 Mário Franco Gaiger – Gaiger Ótica e Joalheria

Em uma galeria homônima, localizada no Calçadão de Santa Maria, encontra-se a ótica


e joalheria Gaiger. Com mais de 60 anos de existência, o estabelecimento inaugurado em 1957
se tornou, pela excelência dos serviços prestados, uma referência em todo o estado, sendo o
mais célebre e tradicional estabelecimento do ramo na cidade. À frente do estabelecimento está
o empresário Mário Franco Gaiger, 87 anos, dos quais 73 são dedicados ao trabalho no ramo
de joias. A Figura 97 reproduz um retrato do conhecido joalheiro.
155

Figura 97 – Mário Franco Gaiger

Fonte: acervo pessoal de Mário Franco Gaiger, 2020. Adaptada pelo autor.

De acordo com Gaiger (2020)115, ele iniciou sua carreira ainda muito jovem, trabalhando
na oficina de ourivesaria de seu pai:

o meu pai aprendeu o ofício com seu avô, que veio da Alemanha aqui para São
Francisco de Assis, e depois casou com uma senhora aqui de Santa Maria, onde teve
um filho, Francisco Gaiger, que se estabeleceu em Tupanciretã, trabalhando com
vários tipos de coisas, fazendo arreios de cavalo, em prata, que naquele tempo se
usava muito, as chapas de siricote e os arreios em prata. E o meu pai se aperfeiçoou
na joalheria, e como ele fez concurso e entrou para os Correios e Telégrafos, ele
trabalhava nas horas vagas em joalherias aqui de Santa Maria (GAIGER, 2020).

Sobre a sua experiência como aprendiz de ourives, Gaiger, explica:

[...]como o pai trabalhava para as joalherias de Santa Maria, e eu levava os serviços


pra elas, fazendo as entregas, eu fui gostando do ramo e comecei a trabalhar com ele
ajudando na oficina, e peguei algumas coisas também. Aprendi a fazer algumas
coisas em joias (GAIGER, 2020).

Segundo ele, naquele tempo, as joias eram abundantes em Santa Maria e, de modo geral,
usava-se muito mais joias do que hoje, inclusive exemplares da chamada Alta Joalheria,
confeccionados em platina e brilhantes. Quanto às joalherias do passado, Gaiger recorda
aquelas já destacadas na pesquisa e acrescenta:

115
Informação oral, concedida durante a entrevista realizada no dia 17 de fevereiro de 2020.
156

[...] aqui em Santa Maria tiveram joalherias muito fortes, muito grandes. Teve a
Pereyron que era uma joalheria modelo para todo o estado, que atendia a demanda
de joias para todos os estados e fazendas. Porque um dos filhos era piloto e levava
as joias de avião, para vendê-las nas fazendas. A Casa Mergener, tradicional em
Santa Maria, estava estabelecida na 2ª Quadra. Também em joias, se dedicavam
muito. Eram dois irmãos Mergener, os donos da empresa. Depois ficou para o genro,
quando os dois faleceram. E outra joalheria famosa de Santa Maria também foi a do
Kentel. A joalheria funcionava ali onde é o Hotel Piraju, na Avenida Rio Branco. O
Kentel também era especializado em joias e a outra joalheria daquele tempo que eu
me lembro é a do senhor João Oliveira Ilha, esse era mais especializado em relógios.
Era um ótimo relojoeiro, mas trabalhava também com joias. Ele era de Tupanciretã,
veio para Santa Maria e se estabeleceu na Rua do Acampamento. Esses eram os
antigos. Teve a Casa Magno também, seu Carlos Magno, que também foi uma
joalheria grande, que esteve estabelecida na Dr. Bozano, depois foi lá pra Avenida
Rio Branco. Essas são as joalherias antigas de Santa Maria, que eu peguei. E sei que
quando meu pai falava, não tinha nenhuma outra que substituísse essas daí, viu?!
(GAIGER, 2020).

Quanto ao início da empresa da família, Gaiger (2020) revela que ela foi registrada no
nome de sua mãe, Nair Franco Gaiger, pois, como o pai era funcionário público, não poderia
abrir uma joalheria. Assim, em 1947, a loja foi inicialmente estabelecida na Avenida Rio
Branco, n.º 405, e depois “foi mudando de lugar, até chegar no prédio onde era o antigo Hotel
Piraju de Santa Maria, que marcou época na cidade” (GAIGER, 2020).
Naquela época, Mário Gaiger trabalhava na empresa da mãe, ao mesmo tempo que
estudava para fazer a faculdade de Medicina. No entanto, decidiu deixar a ideia de cursar a
graduação de lado, optando por fazer um curso de ótica em Porto Alegre. Quando retornou,
criou uma seção de ótica na loja da mãe e, mais adiante, abriu a sua própria ótica:

[...] tempos depois, uns 10 anos depois, então, eu abri a minha própria ótica aqui em
Santa Maria. Então me estabeleci lá na Rua do Acampamento, e como eu era o único
proprietário que era ótico, então eu resolvi especializar a loja, em tudo que fosse da
área, a evolução da ótica (GAIGER, 2020).

Desse modo, começou a participar de diversos eventos nacionais e internacionais da


área de ótica e oftalmologia, como, por exemplo, o I Congresso Nacional de Ótica, realizado
em São Paulo, na década de 1960, fazendo-se presente, também, em diversas edições
posteriores realizadas em outros estados. A esse respeito, Gaiger (2020) comenta: “em todos eu
procurei participar, buscar, a partir daquele pessoal que vinha do exterior, e das grandes
empresas aqui do Brasil, saber como é que era a ótica”.
A exemplo disso, ele conta que, em contato com o diretor das Óticas Fluminenses, do
Rio de Janeiro, conseguiu lançar em Santa Maria as lentes multifocais, quando elas apareceram
como inovação tecnológica nos anos de 1980. Segundo ele, na cidade, a novidade não foi muito
bem recebida por alguns médicos. Por essa razão, ele trouxe do Rio o diretor da empresa de
157

multifocais, que tinha sido presidente da Associação Brasileira de Oftalmologia, para capacitar
dezenove médicos oftalmologistas:

[...] mesmo assim, alguns custaram muito tempo para querer receitar essa novidade.
Que de fato, no início, apresentava algumas peculiaridades, mas era superior ao que
tinha, com algumas deficiências ainda. Mas a evolução foi levando, que hoje é a lente
que domina o mercado (GAIGER, 2020).

Mário Gaiger comenta que sua empresa sempre esteve na vanguarda, quando o quesito
era inovação no setor, e credita isso não apenas ao ideal da sua marca, mas também à toda a
ajuda que recebeu de colegas de profissão, como, por exemplo, a joalheria e ótica Klotz, que
lhe cedeu a utilização do maquinário para o trabalho com as lentes, no início da sua carreira. A
Figura 98 ilustra a vitrine da consolidada joalheria, na década de 1980.

Figura 98 – Fachada da joalheria Gaiger, no Calçadão da Bozano, nos anos 1980.

Fonte: acervo pessoal de Mário Franco Gaiger, 2020. Adaptada pelo autor.

A diligência e as ideias avançadas de Mário Gaiger também repercutiram no comércio


de joias:

[...] eu me interessei por joias e participei do primeiro grupo de joalheiros do Brasil.


Era um grupo de empresários que tinham fábricas de joias. Então eu conheci todas
as fábricas de joias, inclusive, a convite, eu participei dos congressos todos, das
exposições, visitando, inclusive fábricas fora do Brasil, na Itália, que é o lugar onde
as joias são mais aperfeiçoadas. A exposição internacional de joias sempre era lá na
Europa. Além de mim, meus filhos também participaram. Na ótica também, participei
de todos os congressos de ótica na Europa. E através das empresas de lá, conheci as
maiores firmas de ótica de toda Europa, da Itália, até Alemanha e Tchecoslováquia.
Impressionante o que eram aquelas fábricas. Até porque naquele tempo, não era
como agora, tinha uma parte onde tudo ainda era feito manual. Inclusive estive em
158

fábricas de joias da antiga Alemanha Oriental. Tive funcionários que também mandei
para a Europa, para terem uma noção do que era essa produção (GAIGER, 2020).

Gaiger (2020) observa que, no passado, o trabalho com joias oferecia maiores vantagens
e lastima que hoje, devido à violência, a utilização desses objetos, em vias públicas, torne-se
inviabilizado. Ele pontua que, apesar da redução da quantidade de joias em circulação, a
tradição de adornar-se se mantém viva, através da utilização de joias mais simples, como
alianças, pulseiras e joias comemorativas, embora enfatize que ainda existem pessoas que têm
preferência por joias finas116. A Figura 099 ilustra o interior da joalheria, no início dos anos de
1980, na qual é possível observar os consultores mostrando as joias à clientela.

Figura 99 – Comercialização de joias na Gaiger, na década de 1980.

Fonte: acervo pessoal de Mário Franco Gaiger, 2020. Adaptada pelo autor.

De acordo com Mário Gaiger, as peças comercializadas pela sua loja são, geralmente,
provenientes das fábricas localizadas na região de São José do Rio Preto (SP) e são selecionadas
pela sua filha, Cláudia Bopp Gaiger, que é a responsável pelo setor de compras da loja. Segundo
ele, a filha se especializou na compra de joias e, seguindo os seus passos, está sempre em busca
de inovação. Por essa razão, ela participa, sempre que possível, de feiras e eventos nacionais e
internacionais do ramo de joalheria, objetivando manter atualizado o mercado de joias santa-
mariense, com as principais tendências e lançamentos do setor.

116
A esse respeito, Gaiger (2020) explica que há um tempo surgiu em Santa Maria uma modalidade de venda de
joias de alto padrão, em domicílio. Segundo ele, quem comercializa essas joias procura diretamente o cliente,
como, por exemplo, nos consultórios médicos, fazendo com que esse cliente, com alto poder aquisitivo, deixe de
frequentar as joalherias, impondo, assim, um novo tipo de concorrência.
159

Quanto à ourivesaria artesanal em Santa Maria, Gaiger (2020) comenta que existem
poucos ourives em atividade na cidade e lamenta que o ofício esteja se perdendo no tempo, em
razão das burocracias, que na opinião dele dificultam a injeção de investimentos e o interesse
dos profissionais em oferecer, por exemplo, o ensino do ofício.
Nesse contexto, o empresário que sempre foi engajado117, atuando em instituições e
causas que visam promover o desenvolvimento de Santa Maria, considera que o comércio e as
indústrias da cidade precisam ser mais incentivados e valorizados, para que a cidade possa
continuar crescendo, progredindo, tornando-se um lugar com mais oportunidades.
Sobre a própria trajetória de vida, Mário Gaiger se considera uma pessoa realizada, pois
o trabalho iniciado junto à família não apenas prosperou e lhe tornou um sujeito bem-sucedido,
mas também permitiu oferecer oportunidades a outras pessoas, para que estas também
pudessem “buscar o seu caminho”. Ele recorda, expressando admiração e orgulho, a passagem
de muitos funcionários pela loja, que hoje se projetaram na vida, “alguns no ramo da joalheria
e outros noutras áreas, pois tiveram a oportunidade de estudar” (GAIGER, 2020).
A sabedoria e a generosidade, percebidas a cada relato feito por Mário Gaiger durante a
entrevista, revelam a personalidade visionária de um empresário que, através de ideias
arrojadas, sempre esteve muito à frente do seu tempo. As joias, que ele define como “um
patrimônio que fica, que não perde o seu valor e não se termina”, são tão preciosas quanto o
legado inestimável de pioneirismo, excelência e tradição, que ele e sua família vêm construindo
ao longo dos anos, para a cidade de Santa Maria.

6.1.3 Gilvan Flores Mostardeiro – GM Joias

No alto do Edifício Ouro Preto, um dos prédios comerciais da rua Alberto Pasqualini,
no centro de Santa Maria, trabalha o ourives Gilvan Flores Mostardeiro. Em seu ateliê, chamado
por ele de “oficina”, o ourives de 64 anos possui não apenas uma vista privilegiada da cidade,
mas também uma trajetória interessante, em que sua profissão, a vida familiar e o ensino da
ourivesaria se entrelaçam.

117
Nas últimas décadas, Mário Gaiger participou de vários projetos e campanhas, que incluem a construção do
Itaimbé Palace Hotel, a criação da Fundação de Apoio à Tecnologia e Ciência (Fatec), ligada à Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM), da qual foi o primeiro presidente; a criação da Fundação Educacional e Cultural
para o Desenvolvimento e Aperfeiçoamento da Educação e Cultura (Fundae) e o Movimento de Cursilhos. Na área
empresarial, foi presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) em três ocasiões, integrou a diretoria do
Conselho de Desenvolvimento de Santa Maria (Codesma), que atuou na criação e instalação do Distrito Industrial;
e fez parte da diretoria da Câmara de Comércio, Indústria e Serviços de Santa Maria (Cacism) e do Conselho
Superior da UFSM. Fonte: UFSM na Mídia. Disponível em: <http://coral.ufsm.br/midia/?p=35053>. Acesso em:
22 fev. 2020.
160

Nascido em São Pedro do Sul, cidade vizinha de Santa Maria, Gilvan Mostardeiro
desempenha o ofício de ourives há pelo menos 40 anos. Muito simpático e conversador, quando
perguntado sobre o início de sua carreira, prontamente responde:

meu pai era amigo do Silvio Joalheiro118, eles pescavam juntos. Aí eu vinha visitar o
Silvio e via aqueles caras trabalhando nos relógios. Então, eu me apaixonei por
aquilo, pelos relógios. Nessa época, eu vim para Santa Maria e fiz o vestibular para
Economia, então, tinha que trabalhar e estudar aqui, pois meu pai não tinha
condições de me manter aqui. Aí eu pedi para o Silvio, se ele não tinha uma vaga, se
ele não me arrumava um emprego de relojoeiro. Aí ele me disse “de relojoeiro eu não
tenho, mas eu tenho de ourives!”, foi bem assim! (MOSTARDEIRO, 2020,
informação oral119).

Ele relata que, naquele momento, ele não sabia exatamente o que era um ourives. Silvio
lhe explicou que se tratava “de um cara que trabalha com ouro e fabrica joias”
(MOSTARDEIRO, 2020), e ele prontamente aceitou a oportunidade:

eu lembrei que na minha família, os Mostardeiro, eles sempre foram


“enjambrador120”, se pegam uma coisa para fazer, eles fazem, eles quebram o galho.
Entendi que aquilo ali [a ourivesaria] era uma coisa de muita criatividade, algo
muito interessante. Então eu respondi que eu tinha interesse sim, pois precisava me
sustentar na cidade (MOSTARDEIRO, 2020).

A partir dessas primeiras tratativas, ele comenta que foi encaminhado pelo seu
empregador para um ourives mais experiente, que era considerado um professor de ourivesaria,
Juvenil Nunes Pereira da Silva (já falecido). Gilvan o acompanhava, numa espécie de “estágio
remunerado”, a fim de aprender o ofício, para depois assumir a vaga na joalheria de Sílvio, que
no início dos anos 1980 não possuía ourives, apenas relojoeiros.
Quando questionado sobre como foi ter essa vivência de aprendiz junto ao professor de
ourivesaria, Gilvan compartilha uma memória que considera engraçada:

como naquela época eu cursava Economia, eu sempre estava com meus cadernos.
Daí eu pensei “bom, eu vou levar esse caderninho para eu copiar o que o cara vai
me ensinar”. Então, eu cheguei lá com o caderninho, o Juvenil me olhou, riu e me
disse: “isso daqui não é nada pra caderninho! Tu vai pegar no martelo e nos ferros
aqui, não em caderninho” e dava risada [risos]. Assim, cada dia que eu chegava, ele
brincava “Ó, chegou o homem do caderninho!” (MOSTARDEIRO, 2020).121

118
Referência a Silvio Beuren, proprietário da Joalheria Silvio Joalheiro.
119
Informação oral, concedida durante a entrevista realizada no dia 27 de maio de 2020.
120
Na gíria dos ourives, o termo “enjambrador” refere-se a todo sujeito que sabe consertar algo ou solucionar um
problema prático de forma inusitada, criativa ou improvisada.
121
Nesse sentido, é interessante ressaltar o que cita Resende (2010, p. 23): “durante o aprendizado do ofício de
ourives a prática dos chamados trotes, sobre os jovens aprendizes é comum”. Segundo a autora, tratam-se de
brincadeiras que são como rituais de recepção, aplicados por trabalhadores antigos aos novatos, visando a
descontração e a inserção do aprendiz no novo ambiente de trabalho.
161

Após finalizar o seu tempo de aprendizado, Gilvan conta que, em aproximadamente oito
meses, assumiu o posto de ourives na oficina de Sílvio, na qual trabalhou durante três anos.
Nesse mesmo tempo, com o intuito de aperfeiçoar seus conhecimentos, especialmente para a
confecção de bombas de chimarrão, ele conta que também trabalhou, concomitantemente, como
assistente de Luiz Gaiger, pai do joalheiro Mário Gaiger, por cerca de três meses. Na condição
de empregado, Gilvan Mostardeiro relembra que também trabalhou como ourives por,
aproximadamente, cinco anos na extinta Ótica Visão, que pertenceu ao também ourives Nereu
Medeiros, localizada na Avenida Rio Branco, em frente à Catedral Metropolitana.
No final da década de 1980, já experiente, ele decidiu trabalhar por conta própria,
através dos atendimentos particulares, pois, segundo ele, estes lhe possibilitaram aumentar seus
ganhos, se comparados aos valores que recebia como empregado. Então, com o apoio de Sirlei
Dalla Lana122, que lhe cedeu o local e o telefone sem custos, abriu uma pequena oficina, na Rua
Roque Calage. Em 1988, mudou a oficina para a Rua Alberto Pasqualini, onde segue, há trinta
e dois anos, na criação de joias e na realização de consertos.
Sobre a produção no seu ateliê, Mostardeiro (2020) considera suas próprias criações e
peças que são desenhadas por designers, especialmente aquelas elaboradas pelo filho, Vinicius
Bortoluzzi Mostardeiro. O filho de Gilvan possui severas limitações físicas, devido à distrofia
muscular e, apesar disso, esse fator não foi impedimento para que se graduasse em Design, pela
Universidade Franciscana, em 2013.
Gilvan Mostardeiro conta que o filho desenha desde pequeno e que o seu sonho era sair
do país para estudar design de automóveis. Porém, considerando as reais possibilidades, como
o bem-estar do filho frente ao avanço progressivo da doença, eles optaram pela realização do
curso em Santa Maria, o que resultou na parceria criativa entre pai e filho. As criações de
Vinicius são bastante diferenciadas e já estiveram em exposição em diversas ocasiões e eventos
(MOSTARDEIRO, 2020).
A Figura 100 ilustra um conjunto criado por Vinicius e executado por Gilvan. Inspiradas
na flora do bioma pampa, as joias lembram, através das formas estilizadas e das cores das
gemas, as pétalas da planta Herbertia lahue, conhecida popularmente como “bibi” ou “flor-de-
quero-quero”.

122
Sirlei Dalla Lana é advogada e uma importante referência local. Foi secretária de município, vereadora (1997-
2000) e é reconhecida como a primeira mulher presidente de um clube profissional de futebol no Brasil, o Esporte
Clube Internacional de Santa Maria, na década de 1980 (MOSTARDEIRO, 2020).
162

Figura 100 – Pingente e brincos em ouro, citrino e ametistas, de Vinicius Mostardeiro, 2013.

Fonte: acervo pessoal de Gilvan Flores Mostardeiro, 2020. Adaptada pelo autor.

De acordo com Gilvan, os materiais mais utilizados por ele em sua oficina são a prata e
majoritariamente o ouro. Quanto à sua clientela, assegura que é diversificada:

eu tenho clientes em diferentes lugares do Brasil e do mundo, três ou quatro fregueses


fora do país. Em São Paulo... Na Itália... Tem uma menina de Restinga Seca, designer,
que mora na Itália que, nas férias, traz as criações dela para eu executar. Mas a
maioria é na região mesmo. Caçapava do Sul, São Pedro do Sul... Restinga Seca
bastante, pois minha família é de lá, meus pais e irmãos moram lá. Aqui em Santa
Maria, faço só atendimentos particulares, não atendo lojas (MOSTARDEIRO,
2020).

O ourives esclarece que, ao criar uma peça, utiliza como fator de diferenciação a
qualidade e primor na execução da joia, pois entende que, apesar das transformações
tecnológicas visíveis no setor, ainda “existem muitas pessoas que preferem expressar a sua
personalidade através de uma joia artesanal” (MOSTARDEIRO, 2020). Para ele, “fazer uma
joia é uma arte, pois é preciso ter muita criatividade”:

eu sempre faço uma brincadeira, que se existisse uma faculdade de “emjambrador”,


eu seria doutor. Pois o ourives tem que ser criativo, tem que ser ousado. Ele tem que
ver ali, saber o que fazer, mudar os detalhes... A gente tem que ter uma habilidade,
mas isso vai da natureza e da experiência de cada um (MOSTARDEIRO, 2020).

Nesse sentido, ele credita parte do seu desenvolvimento profissional ao contato com a
criatividade, proporcionado pela sua profissão; seja através do seu repertório pessoal de ideias,
ou através dos conceitos que ele aprende com alguns designers que o procuram, com a intenção
de aprender algumas técnicas do ofício de ourives, para produzirem suas próprias joias.
Ele observa que as joalherias daqui, em sua maioria, oferecem produtos industriais, da
região de Guaporé (RS) e São José do Rio Preto (SP). Por isso, em sua perspectiva, a joalheria
163

artesanal tem se mantido em Santa Maria graças aos ourives que recebem demandas de criação
e consertos e aos designers que integram o setor. Sobre o mercado joalheiro de Santa Maria,
pondera:

acho que o mercado de joias de Santa Maria é variado, acontece uma


comercialização nas joalherias e nas oficinas de ourives. Ela não é grande, mas
também não é pequena. Acho que isso tem muito a ver com a região, né? Por exemplo,
aqui é o fazer artesanal, têm as faculdades que ensinam o design de joias. Mas faz
falta uma fábrica ou algum outro incentivo para alavancar o setor
(MOSTARDEIRO, 2020).

O ourives também chama a atenção para um detalhe importante no arranjo joalheiro


local. Segundo ele, existe em Santa Maria uma rede de integração e ajuda entre os ourives.
Nesse espírito de cooperação e não de competição, uns sempre ajudam os outros: “se eu não
tenho um material ou algum maquinário, eu posso pedir emprestado, e vice-versa. É algo bem
positivo, especialmente no início da carreira” (MOSTARDEIRO, 2020).
Quando questionado sobre outras realizações importantes enquanto profissional, Gilvan
Mostardeiro relembra, com vestígios de saudade e emoção, do tempo em que atuou como o
ourives do laboratório de joias do curso de Design, da Universidade Franciscana, de 2014 até
2015. Sobre esse período, ele relembra:

se tem uma coisa que eu me senti muito bem e realizado, foi quando eu fui ensinar as
pessoas a passar do desenho para a prática. Foi pouco tempo, dois anos. Eu me senti
muito bem, pois, um dom que eu não sabia que eu tinha era de ensinar bem a minha
profissão para pessoas que nunca viram uma serra, né?! Aquilo ali para mim foi um
teste, de ter que ensinar os alunos a minha profissão de uma vida toda em alguns
meses. Um semestre né? Então eu fiquei muito feliz de ver a produção daqueles
alunos, que em pouco tempo viam o trabalho deles, o design deles, sendo feito e
apresentado. A alegria das pessoas vendo aquelas joias nas exposições que tinham lá
na faculdade era indescritível, né? De tu ter aquele momento e saber “eu ajudei
aquele aluno a manusear as ferramentas, a fazer aquilo ali” (MOSTARDEIRO,
2020).

Ele explicou que, apesar de sentir um receio inicial de não se fazer entendido ou de não
saber transmitir seus conhecimentos, hoje se sente realizado, ao ver muitos dos alunos que
passaram por ele fabricando suas próprias joias e abrindo seus próprios negócios:

são poucos, mas é algo que me faz sentir bem. Lembro que eu não media esforços e
os alunos também não mediam. Até me emociono quando falo disso. A gente vê
quando as pessoas fazem aquilo que gostam. Eu ia explicando, e eles iam executando
junto comigo. A gente fica muito feliz, quando aquilo que a gente faz para ajudar e
ser ajudado, tem um retorno positivo. Como é legal essa troca, quando tu vê o
progresso das pessoas, e trabalhos que nem o teu sendo feitos. Isso é muito
importante! (MOSTARDEIRO, 2020).
164

O ourives é bastante otimista quanto à possibilidade futura de dar continuidade às suas


experiências de ensino do ofício. Segundo ele, quando se aposentar, planeja criar um curso livre
de ourivesaria, não apenas para aumentar a quantidade de ourives na cidade, mas aproveitar o
potencial criativo “dessa gurizada que tá por aí, que, ao invés de ficar ociosa, exposta a riscos,
vai aprender uma profissão e mantê-la viva” (MOSTARDEIRO, 2020).
Sobre a sua trajetória, o ourives divaga:

apesar de tudo o que a gente passa na vida, vale muito a pena ajudar, tchê! Eu tinha
uma certa preocupação que os ourives estivessem terminando. Mas assim como um
senhor me ensinou, eu também pude ensinar outras pessoas. Aliás, a única coisa que
fica é o que a gente faz pelos outros (MOSTARDEIRO, 2020).

Ao final da entrevista, em sua bancada, enquanto posava para o registro fotográfico


apresentado na Figura 101, Gilvan (2020) arremata: “a nossa profissão é assim, segue o ritmo
da vida, tem que ir fazendo, refazendo, reinventando. Tá bem, meu guri?!”.

Figura 101 – O ourives Gilvan Flores Mostardeiro, em sua bancada.

Fonte: fotografia de Anderson Machado, 2020. Adaptada pelo autor.

6.1.4 Airton Flores Medina – Airton Ótica e Joalheria

Com dois estabelecimentos do ramo, um localizado à Rua Floriano Peixoto n.º 900 e
outro à Rua Doutor Bozano n.º 1040, Airton Flores Medina, 59 anos, representado na Figura
102, também é um profissional do setor joalheiro e referência na cidade de Santa Maria, onde
atua há mais de trinta anos.
165

Figura 102 – O empresário e ourives Airton Flores Medina.

Fonte: fotografia de Anderson Machado, 2020. Adaptada pelo autor.

Airton Medina, que é natural de Santa Maria, começou a sua carreira como ourives no
início dos anos 1980 a partir da influência de primos que eram joalheiros em Santa Maria e em
Caçapava do Sul:

trabalhei uns 4 ou 5 anos com esses meus primos. Depois, veio um joalheiro de Porto
Alegre, que trabalhava para a joalheria Pérola, na Galeria Seibel. E daí ele me
convidou para trabalhar com ele. Por intermédio de um funcionário da joalheria, eu
tive essa oportunidade para buscar mais conhecimento (MEDINA, 2020, informação
oral123)

Segundo Medina (2020), esse joalheiro de Porto Alegre dominava outras técnicas de
ourivesaria e esse contato, que durou aproximadamente três anos, permitiu-lhe aumentar, de
maneira significativa, o seu repertório de conhecimentos. Quando aquele retornou para Porto
Alegre, em 1986, Airton Medina assumiu o cargo de ourives responsável pela Joalheria Pérola,
permanecendo no estabelecimento durante sete anos.
Após isso, no início da década de 1990, começou a realizar atendimentos particulares
em uma oficina de prestação de serviços, localizada em frente ao Colégio Marista, na rua
Floriano Peixoto, até 1996, quando abriu o atual estabelecimento:

123
Informação oral, concedida durante a entrevista realizada no dia 28 de maio de 2020.
166

posteriormente eu abri essa loja aqui, consegui adquirir esse ponto aqui, em 1996.
Daí eu comecei aqui, onde estou com a joalheria. E fazem 10 anos que também
ofereço o serviço de óptica. Além de prestar o trabalho aqui, tenho uma equipe, e
uma loja na Doutor Bozano, e na ourivesaria nós prestamos serviços para outras
joalherias, inclusive fora da cidade, na região de Agudo, Faxinal, Restinga Seca, São
Gabriel, Nova Esperança, Vila Nova, Cacequi, tem mais... (MEDINA 2020).

A joalheria de Airton Medina possui uma oficina de ourivesaria implementada, na qual


uma equipe de quatro ourives atua na criação e no conserto de joias. O espaço é conhecido,
também, por oferecer a possibilidade da realização do estágio curricular obrigatório para alunos
de graduação em Design interessados em joalheria. Segundo ele, todos os anos recebe
acadêmicos da UFSM e da Universidade Franciscana para o estágio.
Airton Medina, enquanto um bem-sucedido empresário, comanda todos os
departamentos do seu negócio, da administração até os processos criativos. Quando
questionado sobre ainda exercer o ofício de ourives, Airton explica:

eu exerço a função de vez em quando, se precisar, quando tem muito serviço. Daí eu
trabalho na bancada também. Ajudo eles em tudo o que precisar. Passo a parte toda
de ligas, distribuição de serviços. Tipo um faz tudo, nessa parte de relojoaria também,
como tu viu ali agora a pouco. E na ótica também. Ou seja, tenho que pegar junto em
tudo, e não ficar apenas na administração (MEDINA, 2020).

Sobre a produção artesanal de joias em sua loja, Medina (2020) relata que as principais
matérias-primas utilizadas são o ouro e a prata, sendo o primeiro o material mais requisitado.
Quanto às joias, criam-se todos os tipos de peças, desde aquelas mais tradicionais até criações
muito diferenciadas. Além disso, o empresário aponta que seus ourives têm autonomia na
criação, mas que, dependendo da peça, existem alguns designers que atuam junto com o cliente:

a gente pede, às vezes, alguma orientação para os designers que estagiaram aqui.
Então, às vezes, a gente procura fazer esse intercâmbio, quando a pessoa quer uma
peça muito diferenciada. Ou a pessoa traz a referência, uma imagem de revista ou
internet. A gente também procura estar sempre alinhado com as tendências, com o
que está na moda atualmente, né?! (MEDINA, 2020).

Na percepção de Airton Medina, a clientela da joalheria é bastante diversificada. Ele


observa que o perfil principal dos seus clientes é composto por pessoas de 30 até 70 anos de
idade, em sua maioria de classe média e alta:

na atualidade, em Santa Maria, existe um proeminente comércio de joias, embora o


produto joia não seja algo de primeira necessidade. Sejam joias mais acessíveis ou
de valor mais elevado, as pessoas adquirem. Peças com diamantes, mais
diferenciadas, tem pessoas com poder aquisitivo para isso (MEDINA, 2020).

As joias comercializadas em seu estabelecimento são adquiridas pelos clientes para


uso diário e, também, para as celebrações do cotidiano, como noivados, formaturas,
167

nascimentos, entre outros. Um detalhe interessante, apontado por Medina (2020), é o fato de as
pessoas trazerem até sua loja joias para serem desmanchadas e transformadas em outros
modelos, sendo costumeiro também o conserto de peças conhecidas como “joias de família”:

aqui em Santa Maria é forte a tradição das joias de família, que passam de geração
em geração. Seguido eu recebo joias que estão acompanhando famílias há quase um
século. A gente acostuma a ver isso, as joias de família. Os ourives daqui trabalham
com essa questão dos reparos nessas peças, pois o ouro e prata também têm desgaste.
Então, a gente procura deixar da melhor maneira que o cliente quiser (MEDINA,
2020).

Na opinião dele, a joia é uma ideia ou a subjetividade de alguém que toma forma, e
que são os detalhes que fazem a diferença: “uma joia pode estar equilibrada, bem-feita, mas se
o acabamento não for o diferencial, não dá certo. A perfeição é o acabamento” (MEDINA,
2020).
No que se refere às transformações ocorridas no setor, Airton Medina pondera que se
exige tanto no setor quanto do profissional, a adaptação a essas mudanças, principalmente no
tocante às tendências e tecnologias. De acordo com a sua visão, sempre é preciso “ter um
diferencial”.
O trabalho com os metais nobres e gemas, assim como as próprias joias, são
considerados por ele uma arte, “tanto pela inspiração, quanto pela experiência necessárias
para realizá-lo”. Em suas palavras,

a joia é uma arte milenar. A joalheria e o ofício do ourives são uma arte que
percorrem o tempo, relembra os antepassados. Não há nada mais recompensador de
ouvir do cliente que tal peça ficou magnífica, belíssima, isso gratifica o ourives como
um artista (MEDINA, 2020).

Sobre a continuidade do ofício de ourives, acrescenta:

o joalheiro que é artesão dificilmente irá acabar. Dificilmente vai se perder, acredito
que vai ter sempre serviço. A indústria lança muita coisa, mas a joalheria artesanal
já tem seu espaço consolidado, e vai existir por muito e muito tempo. Como a
joalheria é uma arte milenar, eu imagino que ela vai existir para sempre, pois o
serviço artesanal é muito diferenciado (MEDINA, 2020).

Nesse sentido, ele observa que iniciativas como as desta pesquisa, são necessárias para
a divulgação e manutenção da história dos ourives que atuam em Santa Maria:

espero que [a pesquisa] chegue num contexto geral, público, para os consumidores e
admiradores de joias terem uma ideia de como tudo funciona. Essa ideia é
importante, pois tem muita gente que só enxerga o trabalho pronto, mas não imagina
todos os processos por trás da criação. A nossa profissão é uma coisa muito bonita,
mas as pessoas não conhecem ainda (MEDINA, 2020).
168

Quanto às expectativas futuras, Airton Medina espera ainda estar ativo por muitos
anos, trabalhando ao lado do filho, dando prosseguimento ao ofício até o final da vida, como
muitos outros ourives fizeram. Sobre a sua trajetória, finaliza: “eu aprendi a gostar dessa arte
que é a ourivesaria. Defino como tudo pra mim. Tudo o que eu consegui nessa vida devo ao
meu ramo joalheiro” (MEDINA, 2020).
169

7 PRODUTO

Com o objetivo de divulgar a pesquisa e o trabalho dos ourives de Santa Maria, propôs-
se a publicação de um livro derivado da dissertação, previsto para ser lançado, a priori, através
de concorrência pública, como, por exemplo, no edital da Lei do Livro124, da Câmara Municipal
de Vereadores de Santa Maria e/ou por meio de outros certames que destinem recursos para
projetos com finalidades educativas e culturais, e/ou ainda através de patrocínio da iniciativa
privada.
Como diretriz para a formatação do livro, considerou-se o último edital referente à
edição do concurso da Câmara Municipal de Vereadores, do ano de 2019. O referido documento
dispõe sobre as condições gerais para a participação e aponta, dentre elas, as configurações
exigidas para a redação do texto, nas quais exige, por exemplo, “formatação eletrônica no
programa Microsoft Word; fonte Times New Roman tamanho 12; espaço entrelinhas 1,5;
tamanho do papel A4; margens: superior 2,5 cm, inferior 2,5 cm, direita 3 cm e esquerda 2 cm;
com mínimo de 80 páginas e máximo de 250 páginas” (CÂMARA MUNICIPAL DE
VEREADORES DE SANTA MARIA, 2019, p. 1).
Diante dessas predefinições, realizou-se um projeto editorial para um possível livro,
intitulado “Os ourives em Santa Maria, RS”, no qual o conteúdo da dissertação foi sintetizado,
para adequá-lo às condições do edital. Além disso, optou-se por manter figuras junto ao texto,
pois o auxílio de imagens, ilustrações e fotografias ampliam, traduzem e organizam o
significado do texto e contribuem para a criação de uma narrativa visual (PLAZA, 1982).
Quanto às seções, o projeto da publicação foi organizado da seguinte forma: (a)
Introdução, oferece ao leitor informações gerais sobre a metodologia, objetivos e importância
da pesquisa na área do patrimônio cultural, com destaque para a valorização da ourivesaria
local, divulgando, também, a produção do Programa de Pós-Graduação em Patrimônio Cultural
da Universidade Federal de Santa Maria; (b) Parte I, introduz a história da joalheria da
antiguidade ao presente; (c) Parte II, enfoca a história local da ourivesaria, apresentando os
primeiros ourives e como a atividade se desenvolveu na cidade no percurso histórico; (d) Parte
III, apresenta brevemente a trajetória de alguns profissionais do setor, através dos relatos
registrados; e (d) Parte IV, informa as referências e informações técnicas do livro.

124
No ano de 2004, a Câmara de Vereadores de Santa Maria aprovou a Resolução Legislativa n.º 22/04, que
determina a publicação de, no mínimo, um livro anualmente. Para estar apta à publicação, a obra que pretende
participar da seleção deve enfocar temas regionais ligados à cultura santa-mariense, nos gêneros poesia, crônica,
romance ou história. Fonte: Câmara Municipal de Vereadores de Santa Maria. Informação disponível em:
<https://bit.ly/2F9vP7D>. Acesso em: 12 dez. 2019.
170

Além do texto, foi anexada ao produto uma prévia da capa e contracapa da obra, pois,
de acordo com o edital, estas são de responsabilidade do autor. A composição gráfica final
pretende remeter às joias e aos ofícios manuais, por isso, combinaram-se cores, elementos
textuais e tipográficos, a fim de criar uma correlação do livro com a pesquisa. Além da capa e
contracapa, criaram-se abas para a apresentação do livro e do perfil do autor. Uma prévia da
capa encontra-se ilustrada na Figura 103. Optou-se por suprimir o projeto editorial do corpo da
pesquisa, a fim de manter o ineditismo do material.

Figura 103 – Projeto para capa do livro.

Fonte: Anderson Machado, 2020.

Acredita-se que o projeto editorial atinge integralmente os objetivos da pesquisa e


cumpre um importante papel social, que não apenas abrange a divulgação da atividade joalheira
no contexto cultural e turístico, mas também prevê a utilização do livro como subsídio em
atividades educacionais, ao mesmo tempo em que presta merecida homenagem e
reconhecimento ao trabalho dos ourives e demais profissionais joalheiros em Santa Maria.
171

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao propor uma investigação sobre a história da joalheria e do ofício de ourives, a


pesquisa buscou estabelecer um diálogo multidisciplinar entre os campos do Design, da História
da Arte e do Patrimônio Cultural. Valendo-se de uma metodologia que conjugou pesquisa
bibliográfica e documental com a técnica da entrevista, o estudo evidenciou que, dentre tantos
artefatos produzidos pelos seres humanos, as joias se destacaram desde os primórdios como
artefatos capazes de refletir, em diversos aspectos, os valores, os ânimos e os rumos tomados
por diferentes sociedades, em espaços de tempo distintos.
O trabalho de inúmeros artífices, artistas, ourives e joalheiros, apresentado ao longo da
pesquisa, reforça a ideia de que a ourivesaria sempre refletiu o espírito, a moda e os costumes
do seu tempo. Isso pôde ser verificado nas inúmeras vezes em que a estética das joias se
encontrou com as vanguardas artísticas e acadêmicas, com os estilos arquitetônicos, com fatos
históricos, expressando, através de valores artísticos, estéticos e simbólicos, os traços da
personalidade, do pensamentos e do desejo humano, remetendo, também, ao universo dos
ofícios tradicionais, dos saberes e fazeres artesanais.
No percurso histórico traçado pela pesquisa, mostrou-se que, independentemente da
época, a ourivesaria refletiu os modos de ser, pensar e viver das sociedades, pela forma como
cada povo representou suas próprias características na confecção de joias, adornos e objetos
utilitários e sacros. Nesse sentido, as joias tornaram-se representações do cotidiano, em um
contexto que envolve questões sociais, como as religiosidades e as distinções socioculturais.
Por essa razão, a joia também pode ser compreendida como uma espécie de “documento”, visto
que muitos desses objetos representam um importante e valioso testemunho dos vestígios
culturais, que remetem às memórias e identidades das sociedades.
Sempre foram as mãos e a subjetividade humana as responsáveis pela criação dos mais
variados tipos de joias e adornos e, assim como o conhecimento humano, as joias também foram
se desenvolvendo com o passar do tempo, tornando-se cada vez mais aprimoradas. Com a
descoberta dos metais e das gemas, e com o aperfeiçoamento das técnicas para manusear esses
materiais, iniciou-se uma perceptível transformação no sistema produtivo, em que, através do
surgimento dos primeiros ofícios, a joia também passa a remeter ao universo do trabalho.
Quanto ao surgimento do ofício de ourives, verificou-se que na Antiguidade, devido à
falta de registros, a maioria desses indivíduos criativos, conhecidos inicialmente por artesãos
ou artífices, ficaram no anonimato. Apesar disso, os artefatos encontrados em escavações e
expedições científicas não deixam dúvida de que tais criações, pela primazia da execução, são
172

peças de arte. Na Idade Média, os artífices foram elevados à condição de artistas, por estarem
a serviço do clero e da nobreza. Nesse período, a ourivesaria europeia tornou-se um ofício
sagrado, sendo considerada a maior das homenagens que poderia ser oferecida para Deus, para
a Virgem Maria e para os Santos padroeiros, especialmente Santo Elói, o patrono dos ourives.
Durante a Renascença, o trabalho dos ourives atingiu um novo patamar, quando, ao
afastar-se das religiosidades e aproximar-se das ciências, das inovações e das outras expressões
artísticas, atingiu o seu ápice. Com os investimentos do mecenato, a ourivesaria foi comparada
às outras expressões das Belas Artes. Nesse contexto, os ourives que estavam a serviço dos
monarcas e das cortes europeias deixaram um vasto legado de criações, profissionalizado o
ofício de maneira admirável, retratada através da criação de organizações trabalhistas e do
surgimento das primeiras marcas e grandes casas joalheiras, das quais muitas ainda hoje se
encontram em atividade.
Apesar de Europa e Estados Unidos terem sido os locais onde aconteceu o
desenvolvimento da joalheria de maneira mais vigorosa, outros lugares do mundo também
tiveram, à sua maneira, seus marcos e manifestações próprias. No Brasil, a ourivesaria – que,
aos moldes europeus, também estava a serviço da Igreja e da Coroa – intensificou-se a partir
do século XVII, com a descoberta das regiões auríferas. Nessa época, abriu-se caminho para o
surgimento de uma produção joalheira que, a princípio, reproduzia as tendências europeias.
Com o passar do tempo, todavia, essa produção começou a transformar a sua estética, devido
às contribuições e referências advindas da miscigenação dos povos que habitavam o país e que
exerciam o ofício de ourives, destacando-se os artesãos negros e indígenas, que o aprendiam
com mestres europeus.
Os trabalhos realizados pelos primeiros ourives brasileiros e estrangeiros que aqui
residiram encontraram nas peculiaridades da fauna e da flora e no gosto local de cada uma das
regiões os motivos para serem utilizados nas peças, distanciando-se dos modelos europeus. Isso
pode ser observado, por exemplo, na exuberância das joias de crioulas, utilizadas pelas escravas
forras da Bahia, e nos artefatos de ouro e prata, ricamente adornados para o chimarrão, no sul
do Brasil. Ao mesmo tempo, a ourivesaria considerada “erudita” floresceu na ornamentação de
objetos sacros e utilitários, para as igrejas, residências e palácios.
A profusão de ouro e peças de ourivesaria no Brasil colonial ficou registrada nos relatos
de viajantes e pintores que viveram naquela época. Como visto, o fausto era tanto que houve
até mesmo iniciativas da Coroa Portuguesa para coibir a produção dos ourives, entre as quais
se destacaram as elevadas tributações, os testes de aptidão e até mesmo a proibição do ofício.
173

Apesar das dificuldades impostas, a ourivesaria artesanal brasileira manteve seu


esplendor até os primeiros anos da Proclamação da República, quando começou a declinar
devido ao princípio industrial que surgia. Esse desenvolvimento histórico levou ao surgimento,
no século XIX, das primeiras casas joalheiras, especializadas no comércio de joias artesanais e
industriais, nacionais e importadas, principalmente da França.
Uma vez localizada próxima às regiões auríferas e nos grandes centros da época, a partir
do século XX, a produção joalheira nacional passa a se estabelecer em outras partes do país,
como em São Paulo e Rio Grande do Sul. Assim como aconteceu em outros setores, a mão de
obra estrangeira dos imigrantes que se estabeleceram no Brasil contribuiu significativamente
para o desenvolvimento da atividade. Dentre esses povos, destacaram-se os japoneses,
libaneses, sírios, alemães, entre outros.
A industrialização do setor joalheiro no Brasil teve a sua expansão mais notória entre as
décadas de 1960 e 1980, através da atuação de grandes industriais dos estados de São Paulo e
Rio de Janeiro. Paralelo a isso, na ourivesaria artesanal, a figura do ourives é reduzida à força
de trabalho nas fábricas, com exceção daqueles que mantiveram o exercício do ofício em suas
oficinas, especialmente nas cidades do interior. Nesse período, não havia uma identidade
nacional no design de joias, mas apenas a imitação dos estilos internacionais.
No início dos anos de 1990, a joalheria brasileira passou a conviver com a concorrência
estrangeira. Os produtos nacionais, que até então eram insuficientes em termos estéticos,
especialmente qualidade no acabamento, passam por uma reformulação. O setor acaba
recebendo incentivos do governo e de entidades privadas, em termos de investimentos e
estratégias, especialmente na área do design e no aperfeiçoamento de pessoal. Nessa época,
valorizaram-se as gemas nacionais e os elementos da cultura brasileira, como, por exemplo, a
fauna e a flora, para agregar valor às joias, fato que contribuiu para o produto se diferenciar e
começar a se projetar no mundo, especialmente através do recente surgimento da internet, que
passou a diminuir as distâncias entre produto e consumidor. Esse período trouxe novas
perspectivas para o setor joalheiro, especialmente para a joalheria artesanal, na medida em que
artistas e ourives retomaram o desenvolvimento de peças únicas, cujo valor agregado fixou-se
no material utilizado e na relação com a exclusividade.
No novo milênio, a produção joalheira, então já consolidada, alcançou notoriedade tanto
na produção industrial quanto na artesanal, através da aproximação com os consumidores, por
meio das tendências de moda e das novas necessidades, promovidas em grande parte pelo
modelo de consumo vigente. Apesar da industrialização, na contemporaneidade também há
espaço para a produção e o consumo de joias artesanais. Em localidades menores e afastadas
174

dos grandes centros, é possível identificar a produção de inúmeros ourives e mestres-joalheiros,


como é o caso da cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
A produção joalheira em Santa Maria deu seus primeiros passos no início do século
XIX, com a chegada dos primeiros imigrantes alemães. Motivados pelas políticas de imigração
vigentes na época, eles trouxeram, entre tantas outras profissões, o ofício de ourives para a
pequena localidade.
A literatura consultada mostrou que os primeiros estabelecimentos, além de joias finas
e objetos decorativos, comercializavam adereços e equipamentos para montaria. Além disso,
revelou que os ourives daquela época eram profissionais que desempenhavam o ofício com
grande maestria, tendo transmitido a profissão a seus descendentes e a outros interessados.
Assim, tornaram-se personalidades muito reconhecidas e respeitadas à sua época. É interessante
observar que muitos dos negócios desses indivíduos prosperaram a ponto de muitos deles
participarem da elite local, ao ocuparem posições relevantes nos cargos políticos e militares e
ingressarem em grupos bastante específicos daquela sociedade, como a maçonaria.
Mais tarde, pode-se perceber que Santa Maria acompanhou o ritmo de desenvolvimento
do setor joalheiro, ocorrido nos primeiros anos do século XX no Brasil. Isso pôde ser verificado
com a abertura de diversos estabelecimentos. Muitas dessas casas joalheiras se tornaram
memoráveis, como a Casa Mergener, a joalheria da família Niederauer e a Joalheria Pereyron,
mencionadas diversas vezes, tanto na literatura consultada quanto nas entrevistas, como
joalherias grandes e fortes, que atendiam a todo o estado do Rio Grande do Sul.
Um fator importante que propiciou a abertura de novos estabelecimentos comerciais –
entre estes, as joalherias – foi o início do transporte ferroviário, ocorrido em Santa Maria na
metade do século XX. Com maior fluxo de pessoas na cidade, muitas casas joalheiras foram
abertas na região da Avenida Progresso (atual Av. Rio Branco), visando oferecer os serviços e
produtos para as pessoas que chegavam ou estavam de passagem pela cidade. Apesar do
proeminente desenvolvimento, com joalherias abrindo em diversos pontos da cidade, o setor
joalheiro local acompanhou as flutuações da economia da época, sofrendo com os efeitos das
instabilidades provocados pela crise mundial no final dos anos 1920 e pelas Revoluções
ocorridas em 1930 e 1932.
A partir da década de 1950, o setor iniciou uma gradual retomada do crescimento, que
foi acelerada com a implementação da Universidade Federal de Santa Maria, em 1960. Muitas
das casas joalheiras daquela época seguem com suas portas abertas. É o caso da Óptica e
Joalheria Gaiger e da Silvio Joalheiro, duas importantes referências locais. Atualmente, o
175

mercado joalheiro de Santa Maria é formado por joalherias, que oferecem também os serviços
de ótica e relojoaria, oficina de ourives e pequenos empreendimentos de designers de joias.
Sobre a atuação dos ourives em Santa Maria, as entrevistas realizadas demonstraram
que, nesta cidade, a produção de joias artesanais ocorre nas oficinas de joalherias e ateliês de
ourives autônomos. O estudo realizado também demonstrou que a maioria dos ourives em
atividade possuem ou atuam em estabelecimentos localizados no centro da cidade, seja em lojas
próprias ou em edifícios comerciais.
A demanda existe, tanto para a criação de joias como para o seu conserto e manutenção.
Conforme os relatos, os maiores consumidores de joias são os indivíduos da classe média,
seguidos da alta classe. As entrevistas mostraram que, apesar dos perfis dos entrevistados serem
bastante diferentes, alguns pontos são comuns a todos – por exemplo, o aprendizado do ofício,
que aconteceu após o contato com pessoas que já eram mais experientes no setor. À exceção de
um, que vem de uma família com tradição em joalheria, os demais iniciaram seus negócios a
partir da necessidade de aprender uma profissão para a própria subsistência.
O olhar dos profissionais entrevistados para a produção joalheira de Santa Maria é
unânime e bastante otimista, no sentido de que acreditam na continuidade da profissão, devido
ao potencial que esse nicho econômico apresenta. Entretanto, todos acreditam serem
necessários maiores incentivos no setor. Para eles, o próprio interesse acadêmico em pesquisar
o ofício de ourives e joalheiros é uma iniciativa que se constitui como uma forma relevante para
a divulgação do trabalho, que pode vir a impactar positivamente no desenvolvimento do setor.
A produção dos ourives em Santa Maria é diversificada. Peças tradicionais e
diferenciadas são produzidas para uma freguesia que preza pelo acabamento excepcional e
confiabilidade que uma joia artesanal transmite. Os ourives são considerados profissionais de
confiança, especialmente pela clientela mais antiga, que demanda encomendas com maior
frequência.
O trabalho com fontes orais possibilitou conhecer de forma mais aprofundada as facetas
pessoais e profissionais de representantes de um importante setor da economia local. Ao
relacionar as práticas do ofício de ourives em Santa Maria aos conceitos de Patrimônio Cultural,
percebeu-se que o assunto ainda carece de maior documentação e registro, por isso, considera-
se pertinente que essa temática possa vir a ser explorada e aprofundada em pesquisas futuras.
Espera-se que este estudo e o produto dele derivado possam incentivar novas pesquisas
locais relacionadas à temática, na qual contextos artísticos, históricos e criativos possam ser
valorizados. Outrossim, que também seja possível permitir à sociedade a apropriação desses
conhecimentos, de forma a levá-la a reconhecer e valorizar os profissionais da joalheria. Das
176

suas bancadas, os ourives de Santa Maria contribuem não apenas com o desenvolvimento
econômico da cidade, mas sobretudo, ao realizarem seu trabalho, criam memórias, tradições e
legados, que assim como as joias, acrescentam brilho e valor à história da cidade.
177

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183

APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO E


AUTORIZAÇÃO PARA USO DE IMAGEM E/OU OUTROS RECURSOS
AUDIOVISUAIS
184

APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OURIVES

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA


CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PATRIMÔNIO CULTURAL

ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OURIVES

IDENTIFICAÇÃO
Nome:
Idade (em 2019):
Estado civil:
Escolaridade:
Local de trabalho: ( ) empresa ( ) ateliê/oficina ( )residência com ateliê
Endereço do trabalho:

PERGUNTAS SOBRE ORIGENS DO OFÍCIO


1) Onde você nasceu?
2) Há quanto tempo reside e exerce o ofício em Santa Maria?
3) Antes de ser ourives, você exerceu (ou ainda exerce) outras profissões? Qual/Quais?
4) Como você aprendeu o ofício/ Quem lhe ensinou?
5) Quais tipo de trabalho você realiza?
6) Mais alguém da sua família desempenha o ofício?

PERGUNTAS SOBRE O TRABALHO


1) Quais materiais (metais/pedras/outros) você mais utiliza na confecção das joias?
2) Quais as técnicas que você mais emprega?
3) Quem é sua clientela principal?
4) Você registra de alguma forma (fotos, vídeos, desenhos, etc.) os trabalhos que realiza?
5) É possível prover as suas necessidades apenas com o trabalho de ourivesaria?

OUTRAS PERGUNTAS
1) Onde você busca inspiração para criar uma joia?
2) Como você percebe as transformações que vem acontecendo na produção joalheira, devido aos
avanços da tecnologia e da competitividade de mercado de bijuterias?
3) Uma joia muitas vezes é considerada um trabalho de arte. Qual a sua percepção sobre isso?
4) A profissão de ourives muitas vezes trata-se de um conhecimento que passa de geração em
geração, de pai para filho. O que você pensa sobre a continuidade da profissão?
5) Como você define o seu trabalho?
6) Para você, qual é o significado de uma joia?
185

ANEXO A – RELAÇÃO DE EMPRESAS POR ATIVIDADES


(1/6)
186

(2/6)
187

(3/6)
188

(4/6)
189

(5/6)
190

(6/6)

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