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COLEÇÃO

CADERNOS
DE FOLCLORE

O MUSEU DO FOLCLORE
DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS
uma breve história

FÁBIO MARTINS BUENO


MARIA SIQUEIRA SANTOS
EU SEI QUE SOU.
SOU PARTE DESTE LUGAR
SOU PARTE DESTE PAÍS
SOU PARTE DESTE PLANETA
SEI QUE SOU
E SÓ SEI DIZER ISSO,
COM O MEU JEITO DE SER...

angela savastano
CENTRO DE ESTUDOS DA CULTURA POPULAR CRÉDITOS DAS IMAGENS
2020
Acervo Associação para o Fomento da Arte e da Cultura

DIRETOR-PRESIDENTE DO CENTRO DE (AFAC)


ESTUDOS DA CULTURAL POPULAR Acervo Ecomuseu da Serra de Ouro Preto, MG
ricardo savastano
Acervo Ecomuseu dos Campos de São José
IDEALIZAÇÃO: Acervo Fundação Cultural Cassiano Ricardo (FCCR)
maria angela piovesan savastano Acervo Museu do Folclore
Acervo Pessoal de Dagmar Siqueira
GESTÃO DO MUSEU DO FOLCLORE DE
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS: Acervo Piraquara
francine maia Benedito Domingos dos Santos
PROJETO GRÁFICO E CAPA Chico Abelha
daó e instituto arado Danilo Ferrara
Doris Bonini
TRATAMENTO DE IMAGENS E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
daó Lídia Bernardes
Fábio Martins Bueno
REVISÃO
Flávia Diamante Munholi
joão campos
Manoella Horácio da Silva Mourão
ENTREVISTAS, PESQUISAS E REDAÇÃO Marcelo Magano
fábio martins bueno
maria siqueira santos Paulo Amaral
Roberto Munholi
PESQUISA DE APOIO Toninho Macedo
ingrid mancilha césar

IMPRESSÃO
allcor – gráfica e editora
são josé dos campos – sp

ficha catalográfica
elaborada por cíntia cássia soares – crb 8r/8848

B941m Bueno, Fábio Martins e Santos, Maria Siqueira.


O Museu do Folclore de São José dos Campos: uma
breve história / Fábio Martins Bueno e Maria Siqueira
Santos. São José dos Campos, SP: CECP; FCCR 2020.
136p. : il. ; 21x24cm.

1.Museu do Folclore de São José dos Campos, SP -


História 2. I.Título.

CDU:069:398(815.6)
CDD:069:398
COLEÇÃO CADERNOS DE FOLCLORE
26º VOLUME

OMUSEUDOFOLCLORE
DESÃOJOSÉDOSCAMPOS
uma breve história

FÁBIO MARTINS BUENO


MARIA SIQUEIRA SANTOS

SÃO JOSÉ DOS CAMPOS, SP


2020
Umolhar paraofuturo ricardo savastano
Presidente do CECP

A
obra apresentada pelos pesquisa- museu de referência, partícipe das ações da
dores Fábio Martins Bueno e Maria Comissão Nacional de Folclore.
Siqueira Santos nos permite, por Acredito que essa obra possa servir de
meio de uma leitura fácil e corrente, con- bússola aos integrantes dos diversos setores
textualizar toda a jornada que culminou com da cultura nacional, mostrando como uma
a criação do Museu do Folclore de São José ideia surgida do desejo de um pequeno gru-
dos Campos. po, pode se concretizar num projeto sério,
Fácil notar o espírito de todos os envol- merecedor de apoio das instituições gover-
vidos, direta ou indiretamente, na execução namentais e privadas; e ofertar ao público
desse projeto. Uma crença de que toda rea- um trabalho de excelência.
lização é possível, apesar das adversidades O desafio que se descortina à nossa frente,
encontradas, desde que haja comprometi- agora, é integrar cada vez mais o moderno
mento e vontade de realização. com as nossas raízes, fazendo ver a todos que
É com esse espírito que o Centro de Estu- sem cultura não somos ninguém. Aos autores
dos da Cultura Popular, atual e de longa data e pesquisadores desse volume, o meu muito
o gestor desse museu, se propõe a olhar o obrigado por sintetizarem tão bem essa pri-
futuro. Um futuro que já se desenhava nos meira etapa da nossa jornada.
primórdios da Comissão Municipal Setorial
de Folclore, da Fundação Cultural Cassiano
Ricardo, com a mostra de longa duração ‘Mi-
nha Cultura Mostra quem Sou’.
Respeitando tanto os detentores dos
saberes bem como todos os que contribuí-
ram para essa jornada, o CECP se orgulha
de manter em São José dos Campos, junto
à Fundação Cultural Cassiano Ricardo, um
A COMISSÃO MUNICIPAL SETORIAL
DE FOLCLORE DA FUNDAÇÃO
APRESENTAÇÃO
CULTURAL CASSIANO RICARDO
8 33

RAÍZES DE UMA
INICIANDO OS TRABALHOS:
TRADIÇÃO INTELECTUAL
OS PROJETOS DA COMISSÃO
11 DE FOLCLORE
39
O MUSEU DO FOLCLORE NO
PARQUE DA CIDADE: A CULTURA
A COMISSÃO DE FOLCLORE
POPULAR OCUPA A “CASA VELHA”
ALCANÇA PROJEÇÃO NACIONAL:
25 O SIMPÓSIO NACIONAL DE ENSINO
E PESQUISA DE FOLCLORE
57
OS ÚLTIMOS ANOS DA COMISSÃO
DE FOLCLORE E O PROJETO DE PROGRAMAS DO MUSEU
OCUPAÇÃO DA “CASA VELHA” DO FOLCLORE DE SÃO
69 JOSÉ DOS CAMPOS
103
O CENTRO DE ESTUDOS
DA CULTURA POPULAR OUTROS PROJETOS DO CECP
85 121

O ANO 2000: UM INTERLÚDIO OS AGRADECIMENTOS DE


89 ANGELA SAVASTANO
127
CONTINUANDO OS TRABALHOS:
O MUSEU DO FOLCLORE POSFÁCIO
SOB GESTÃO DO CECP 132
93
Apresentação fábio martins bueno
e maria siqueira santos

Q
uando iniciamos a pesquisa e escri- século XX, cidade de doença e de cura, da
tura deste livro, não sabíamos das criação poética de gente de vários locais
dificuldades que iríamos encontrar. exilada em pensões e hospitais sanatoriais;
Parecia simples escrever a história do Mu- aqui, onde foi instalado importante polo in-
seu do Folclore de São José dos Campos, dustrial brasileiro. No Vale, entre as Serras
ainda mais depois de oito anos trabalhando do Mar e da Mantiqueira, banhada pelas
em projetos do Centro de Estudos da Cultu- águas do rio Paraíba, ergueu-se São José
ra Popular, instituição que se liga à gênese dos Campos.
do Museu e que ainda hoje faz a sua ges- Uma cidade sui generis, habitada por gen-
tão. Porém, talvez como todas as histórias te de todos os lugares; cosmopolita, embora
quando vistas no detalhe, após as primeiras rural e prosaica. Aqui, na década de 1980, um
entrevistas começamos a perceber que não grupo de intelectuais, pesquisadores, músi-
se tratava de uma história apenas, mas de cos, escritores, bailarinos, fotógrafos, atores,
várias histórias imbricadas. A do CECP, a folcloristas se organizou para criar uma ins-
do Museu do Folclore, a da Comissão Mu- tituição de cultura democrática, horizontal e
nicipal de Folclore, a da Fundação Cultural gestada pela sociedade civil. Embora o mo-
Cassiano Ricardo, a de São José dos Campos. delo proposto não tenha prosperado, pois 12
Há diversas outras histórias, de pessoas e anos depois sua estrutura organizacional foi
instituições, mas vamos parar por aqui, que alterada e as Comissões Setoriais foram ex-
já são cinco histórias e esse livro passa por tintas, a Fundação Cultural Cassiano Ricardo
todas elas. foi, e ainda é, uma instituição múltipla, que
Aqui, onde ficavam os campos do terri- congrega diferentes linguagens culturais e
tório de Jacareí, o cerrado, a divisa com a apoia ações de uma gama de artistas e edu-
Mata Atlântica, a fronteira com os povos cadores da arte. Nessa esteira estruturou-se
e animais da floresta; aqui, onde num país a Comissão Municipal Setorial de Folclore,
agrícola nenhuma grande produção mono- que produziu vários e valiosos frutos, como
cultora vingou, nem mesmo o café; aqui, o Grupo Piraquara e o Museu do Folclore,
onde lavradores e tropeiros se encontravam apoiou diversas manifestações folclóricas e
para comercializar suas mercadorias; aqui, informou milhares de estudantes joseenses
onde foram tratados muitos tuberculosos do sobre a riqueza cultural das gentes que habi-
tam esta terra. O Centro de Estudos da Cul- ainda que não estejam literalmente citadas
tura Popular surgiu mais tarde, em decor- no texto. Agradecemos ainda a toda equipe
rência da extinção da Comissão de Folclore, de profissionais do Centro de Estudos da
e deu continuidade a tão valoroso trabalho, Cultura Popular, cujo trabalho foi indispen-
mantendo os projetos antigos e elaborando sável, direta ou indiretamente, para a elabo-
novos. São, ao todo, 35 anos de história. São ração deste 26º volume da Coleção Cadernos
muitas vidas envolvidas, muitas histórias, de Folclore. De maneira especial, deixamos
muitas vitórias e algumas derrotas. registrados aqui os nomes de Francine Maia,
Não é possível citar aqui todos os nomes Ingrid Mancilha César, Joseana Aparecida
que fizeram parte dessa história. No entanto de Souza Barreto, Janice Ribeiro de Aboim
é importante que todos que fizeram parte Chaves, Maria Angélica Perez Bellucci, Sâmi
dessa história sintam-se reconhecidos neste Cristian Baleeiro de Lima, Cíntia Cássia Soa-
texto. Esperamos que assim seja. Cabe-nos res, Avelino Israel, Tiane Tessaroto, Manoella
aqui, todavia, agradecer especialmente à An- Horácio da Silva Mourão, Ana Sílvia Bloise,
gela Savastano. Faltam palavras para dizer Renata Sparapan, Fábio Camargo e Andrelina
e mensurar a importância de seu trabalho Paiva de Souza Tomaz.
em prol do folclore em São José dos Campos, Nas páginas seguintes, o leitor encontra-
sua fé no ser humano enquanto ser criativo, rá, a princípio, um texto teórico, intitulado
capaz de encontrar soluções para os proble- Raízes de uma tradição intelectual, no qual
mas do mundo. Obrigados, d. Angela, foram são discutidas as influências filosóficas e
gerações de pessoas transformadas por suas conceituais que definiram as atividades da
ações. Mais uma vez, obrigados! Comissão de Folclore e, por extensão, do
Agradecemos também às pessoas que CECP. Em seguida, um breve relato históri-
compuseram a Comissão de Folclore e du- co acerca do Museu do Folclore de São José
rante tantos anos trabalharam, voluntaria- dos Campos, desde sua idealização até os
mente, na pesquisa e difusão da cultura dias de hoje, junho de 2020.
popular. Agradecemos às pessoas entrevis-
tadas por nós para a elaboração deste livro, Esperamos que gostem! Boa leitura.
as memórias de vocês foram ingredientes
indispensáveis para a execução desta tarefa,
13

Raízes deumatradição
intelectual

A
cidade de São José dos Campos é quadro é o papel das Comissões de Folclore
conhecida em âmbito nacional como (Municipal, Estadual e Nacional), organiza-
uma cidade tecnológica e a aviação é ções das quais a maioria dos pesquisadores
uma grande responsável por essa referência citados participava. Assim, observando a
no imaginário nacional. Mas o que muitos documentação e recortando um quadro es-
não sabem é que a mesma cidade, assim pecífico à cidade de São José dos Campos, é
como a região onde se encontra, o Vale do possível explicitar essas influências intelec-
Paraíba Paulista, é também repleta de ma- tuais. A mais à vista se refere aos conceitos
nifestações folclóricas. Essa peculiaridade de folclore e seus pressupostos.
atraiu o interesse de muitos pesquisadores Com continuidades e rupturas, ao longo
atuantes no campo de estudos do folclore, dos anos os conceitos utilizados pelos pes-
entre eles Rossini Tavares de Lima, Alceu quisadores folcloristas se transformaram,
Maynard Araújo, Julieta de Andrade, Cáscia em parte devido às condições do campo de
Frade, entre outros.1 Esses folcloristas, de pesquisa, em parte devido ao diálogo em-
projeção nacional, também despertaram in- preendido com a comunidade intelectual es-
teresses, formaram diretamente e indireta- tadual e nacional, que discutia e repensava
mente pesquisadores folcloristas locais para o conceito de folclore e sua produção social.
que eles atuassem no campo de pesquisa, Em vista dessa troca, ocorrida por décadas,
educação e difusão do folclore. Muitas in- é possível afirmar que, ao menos em dois
fluências intelectuais ocorreram por meio de momentos distintos, ocorreram em São José
cursos, palestras, cartas, livros e encontros dos Campos desdobramentos dialógicos com
entre os pesquisadores. Destacável nesse o Movimento Folclórico Nacional.

1. O folclore regional do Vale do Paraíba mobilizou pesquisadores cujas obras se tornaram referência na compreensão de
manifestações culturais, como Congada, Moçambique, Carpição, Figureiras, Sambas etc.
14 museu do folclore de são josé dos campos

O primeiro, entre as décadas de 1950 e 1980, quando o escritor e


jornalista Chico Triste, apelido de Francisco Pereira da Silva, parti-
cipava da Associação Brasileira de Folclore e da Comissão Paulista
de Folclore e, entre tantos meios, publicava na Revista Brasileira
de Folclore; o segundo, a partir da década de 1980, quando um
grupo de pesquisadores ligados à Escola de Folclore de São Paulo
orientou os trabalhos da Comissão Municipal Setorial de Folclore
da Fundação Cultural Cassiano Ricardo.
Assim, em São José dos Campos já existia, desde 1960, uma se-
mente do pensamento folclórico. Um olhar erudito sobre a cultura
popular, um olhar direcionado para as manifestações folclóricas
dos habitantes de São José dos Campos e região. Nesse cami-
nho, investigar a memória das pessoas que atuaram nas políticas
públicas culturais pode nos revelar importantes indícios, nomes,
narrativas, que, por sua condição de excepcionalidade, não sucum-
biram ao esquecimento.
Como exemplo, a ex-Presidente da Fundação Cultural entre os
anos de 1989 e 1990, a senhora Yolanda Borghoff, nos forneceu
uma importante indicação do pensamento folclórico manifesto na
cidade2. Em entrevista, citou, sem titubear, o nome de Chico Tris-
te, alcunha do professor e jornalista falecido em 1981, como uma
referência de estudioso de folclore antes do Movimento Folclórico
deflagrado na Comissão de Folclore.
Chico Triste, alagoano, atuou profissionalmente como professor
de língua portuguesa e literatura portuguesa no Vale do Paraíba.
Também marcou sua carreira profissional a atuação como jorna-
lista nas cidades de Caçapava e São José dos Campos, participan-
do da fundação e direção dos jornais O Valeparaibano, Roteiro de
Caçapava e Anuário Caçapavense. Em 1973, começou a escrever
crônicas para o jornal Agora, com sede em São José dos Campos.
Dessa atividade, resultou uma série de crônicas sobre o folclore
da região – “Santa Cruz”, “Salve a Capoeira, senhor”, “A viola de
meu Santo”, “Sabão de Cinza”, “Bebidas típicas do mês de São
João”, “Dito Rosa, mestre jongueiro”, “O pilão de ouro”, “Tempo de
2. Entrevista realizada em
Carpição”, “Época de papa-ventos”, “Agosto, mês do caiporismo”,
11 de agosto de 2019. “Batalhas de Buscapé”, “Coisas de Guerra”, “Festas do Povo” etc.
raízes de uma tradição intelectual 15


Essas e outras crônicas sobre o folclore foram organizadas pela


Comissão de Folclore na edição de nº 9 do Caderno de Folclore,
publicado em agosto de 1997 pela Fundação Cultural Cassiano Ri-
cardo3. Entre os textos reunidos por essa coleção, há uma carta
enviada ao Sr. Olímpio Santos Júnior, intitulada “Autobiografia”, em
que Chico Triste menciona como foi sua entrada no universo dos
estudos da cultura popular:

[...] Consagrei-me ao estudo da cultura popular e, em virtude de traba-


lhos escritos e divulgados pela imprensa comum e publicações es-
pecializadas, fui admitido ao Centro de Folclore de Piracicaba como
sócio colaborador, como integrante da Comissão Paulista de Folclore
(órgão regional do Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura
– IBECC, UNESCO) e também à Associação Brasileira de Folclore na
categoria de membro efetivo4.

Chico Triste é um pesquisador que deixou seu legado na cidade e


isso ocorreu de diversas formas, a mais difusa, no sentido da ampli-
dão comunicacional, talvez tenha sido a publicação de suas crônicas
em jornais. Mas o diletante professor publicou artigos na Revista
Brasileira de Folclore, o que mostra sua vinculação intelectual. Por
exemplo, no nº 32, publicado em 1972, escreve sobre “A Tontinha”,
uma dança que testemunhou em 1966 em São José dos Campos e que
era dançada no bairro Alto da Ponte: “[...] enquadra-se no esquema
da cana-verde; mas possui um sapateado parecido com o cateretê”5.
Também sobre o folclore da região, publicou os livros: Miçangas Fol-
clóricas, O Desafio Calangueado, Apontamentos de Folclore (didático),
Itinerários da Capoeira (folclore histórico), Moda-de-viola (literatura
oral no Vale do Paraíba), Dança do Povo Piraquara.
Nos cursos que ministrou, específicos sobre folclore, há uma dis- 3. SILVA, Francisco Pereira da.
cussão teórica sobre a Ciência do Folclore, metodologia definida por “Série Chico Triste”. Caderno
de Folclore, v. 1, nº 9, São
Rossini Tavares de Lima, que, anos depois, estará presente nas dis- José dos Campos: Fundação
cussões feitas pela Comissão de Folclore. Sobre esses cursos, pelo Cassiano Ricardo, 1997.
4. Idem, p. 81.
menos um deles resultou em uma publicação. Incialmente voltada 5. SILVA, Francisco Pereira da.
“Tontinha”. Revista Brasileira
para subsidiar um material didático para os alunos de cursos que de Folclore, nº 32, jan-abr
ministrou nas cidades de Jacareí, Guarujá e São José dos Campos, 1972, p. 63-65.
16 museu do folclore de são josé dos campos

em 1979, foi publicada, pela Prefeitura de São José, uma compilação


do material sob o título Apontamentos de Folclore.

Tais apostilas, convenientemente revistas e simplificadas, agora se


enfeixam no presente opúsculo, que resolvo editar pensando na utili-
dade que ele poderá ter, principalmente em mãos de professores de
primeiro e segundo graus. Ensino médio, enfim. Ou, pelo menos, pres-
tar momentânea assistência aos regentes dessa versátil disciplina
que é a “Educação Artística”6.

Em Apontamentos de Folclore, após realizar uma história do


conceito e seus pressupostos com base no material pedagógico da
Escola de Folclore do Ibirapuera, apontando que o professor Rossini
estava “difundindo atualmente conceituação nova [...]”, Chico Triste
analisa o trecho que diz que “Folclore é a ciência sociocultural que
estuda a cultura espontânea do homem dos campos e da cidade”.
Concordando com a concepção da Escola de Folclore e aderindo a
ela, afirma ainda que “[...] somente cultura, no seu aspecto espon-
tâneo, constitui objeto do folclore”. E acrescenta, ainda, que

[...] a cultura – sem adjetivo – assume, numa sociedade letrada, dire-


ções que a diversificam em cultura erudita, espontânea e populares-
ca. Tem-se por espontânea a cultura resultante da interação social e
livre de influências eruditas e popularescas. Funda-se na imitação e
aquisição inconsciente através da comunicação entre membros da
mesma sociedade. [...] Aceitação espontânea e coletiva é sempre
condição indispensável à vigência do fato folclórico7.

Chico Triste foi uma referência regional no campo de estudos do


folclore e seu trabalho contribuiu, mesmo que indiretamente, para
as concepções teóricas e temas abordados, posteriormente, pela
Comissão de Folclore e pelo Centro de Estudos da Cultura Popular
(CECP). Essa influência intelectual se deu por meio da difusão de
6. SILVA, Francisco Pereira da.
Apontamentos de Folclore. seus artigos e livros. O trecho citado acima é uma pequena parte
São José dos Campos:
PMSJC, 1979, p. 5.
do livro, todavia evidencia seu campo conceitual, muito semelhante
7. Idem, p. 18. ao que a geração de folcloristas posterior irá empreender em pes-
raízes de uma tradição intelectual 17


quisa. Porém, como é natural da vida, os conceitos também foram


sofrendo transformações e adaptações.
Outra influência na Comissão de Folclore foi o trabalho do pro-
fessor e folclorista Alceu Maynard Araújo. Em São José isso se deu
basicamente de duas formas. Uma ligada às publicações dos seus
livros, sendo os mais difundidos aqueles da série Folclore Nacional
I e II, que abordam manifestações folclóricas do Brasil e do Vale do
Paraíba8. Também em meados da década de 1970, Maynard atuou
como professor da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade
do Vale do Paraíba, São José dos Campos. No Centro de História e
Memória da Universidade do Vale do Paraíba há registros de sua
passagem num interessante relato sobre ele:

Vou citar o nome de um professor que eu tenho por ele uma admira-
ção muito grande, já faleceu, não era daqui, mas fez história em São
José dos Campos, tem uma escola aqui com o nome dele, professor
Alceu Maynard Araújo. Fantástico professor, que derramava lágrimas
de emoção na sala de aula quando ele falava sobre folclore, falava so-
bre o Brasil, né. Um professor fantástico! Então ele vinha de São Paulo
e ficava, digamos assim, uma quarta-feira com a gente, do começo
até meio-dia, das 7, 8 horas até meio-dia.
[...] O professor Alceu Maynard Araújo, esse eu lembro o nome com-
pleto [risos], do Alceu, grande professor, grande figura, até porque eu
também sou um apaixonado pela cultura brasileira e me identifiquei
muito com ele. Ele costumava dizer, no momento que iria, que entrava
na aula, que: “Vocês vão tomar um banho de Brasil”. E falava do nosso
folclore, da nossa cultura do Norte, Nordeste e eu, como sou do Norte 8. Em meados de 1947,
Maynard esteve no Litoral
da Amazônia, eu admirava muito ele, muito o trabalho dele. Competen- Norte, em Caraguatatuba
tíssimo, o professor Alceu Maynard Araújo. e Ilhabela, pesquisando,
entre outros assuntos, os
[...] me lembro dos momentos de emoção vividos nas aulas do profes- Congados. Também
sor Alceu Maynard Araújo. Quando eu te falo, te falei que nas aulas pesquisou manifestações
folclóricas em São Luiz
dele havia derramamento de lágrimas, era o próprio professor que se do Paraitinga
emocionava, tirava o lenço e enxugava as lágrimas quando falava de 9. SIMÕES, Alberto
de Souza. Entrevista
um Brasil com um potencial para ser explorado e infelizmente para concedida ao Cehvap
em 9 de maio de 2012.
ele não era valorizado, a nossa cultura, o nosso folclore, a nossa ve-
Disponível para consulta
getação. Enfim, o Brasil devia ser mais valorizado pelos brasileiros9. no acervo do Cehvap.
18 museu do folclore de são josé dos campos

O professor Alberto Simões foi aluno do curso de história, for-


mado em 1972. Também foi narrador esportivo, faleceu em 21 de
abril de 2016, aos 67 anos. A folclorista Angela Savastano, membro
da Comissão Municipal, também cita o professor Alceu Maynard
Araújo como quem despertou nela o interesse pelo folclore brasi-
leiro. Diz Angela:

Fui fazer minha faculdade depois de casada, pois eu tinha interrompi-


do meus estudos [...]. Bom, o professor Maynard foi meu professor. Eu
nunca tinha pensado em estudar Folclore, eu acho que sempre pensei
em Folclore como a maioria das pessoas pensam, que são só aquelas
coisas que a gente sabe de mito, o que a gente sempre aprendeu na
escola. Nunca olhei a importância do Folclore. E o professor Maynard
não era meu professor de Folclore. Não tem essa matéria na Faculda-
de, mas ele era professor, me parece, de História Geral. Durante a aula
dele, ele citava a importância da cultura popular ligada com a História.
E agora eu entendo que a História é uma parceira do Folclore. É atra-
vés da História que você estuda Folclore. [...]. Mas, enfim, eu me for-
mei e não tinha nenhum interesse por essa parte da cultura popular,
não tinha despertado ainda. [...] Depois de muito tempo parada, sem
estudar nada e cuidando da filhota, eu quis voltar a estudar. E daí eu
me lembrei do professor Maynard falando da cultura popular, da sua
importância. Ele era um folclorista. Fui ver se ainda tinha esse concei-
to de Folclore, que era uma coisa simples, uma coisa lúdica, que eu já
sabia... E eu vi esse anúncio da Escola de Folclore do Rossini, que era
como se fosse uma especialização [...]10.

Além do diálogo com a História, destacado por Angela, Maynard


declarava também a importância dos estudos geográficos para a
pesquisa em Folclore. “[...] o Folclore precisa da Geografia”.
Na Introdução de 1964 do livro Folclore Nacional I, Maynard
toma como referência o recorte territorial proposto por Joaquim
Ribeiro em Estudos do Folclore Brasileiro. Trabalha com o con-
ceito de área cultural, que coloca a cultura num plano territorial,
10. Entrevistas realizadas ao
ou seja, na delimitação de um espaço que apresenta uma certa
longo dos anos 2018 e 2019. homogeneidade cultural que o difere de outro. Tais áreas podem
raízes de uma tradição intelectual 19


ser “[...] delimitadas tanto pela presença como pela ausência de


elementos complexos”.

[...] Perscrutar os fenômenos evolutivos que as várias regiões vêm


sofrendo, onde o carro de bois passa gemendo por entre torres de
petróleo ou onde, ao lado de fábricas de automóveis, há feiras para
onde a mercadoria vem nos jacás e bruacas no lombo de lerdos as-
nos, onde o passado coabita com o presente.

Ao afirmar ser fundamental para o Folclore o diálogo com a


História e com a Geografia, Maynard afirma também, ou assim
faz seus alunos sentirem, que o Folclore é indispensável para os
estudos de História e de Geografia. No trecho citado acima, a sua
análise faz lembrar a cidade de São José dos Campos nos idos de
1960, 1970, quando ainda os lavradores e os comerciantes levavam
ao Mercado Municipal, em seus jacás, as mercadorias e as fábricas
de automóveis se instalavam às margens da Via Dutra.
Alceu Maynard, segundo Chico Triste, esteve no Vale e incenti-
vou a criação da “Sociedade da História e Folclore de Taubaté”, que
não se consolidou. Alguns Boletins, porém, foram publicados por
essa Sociedade, nos quais Maynard escreveu sobre as “Cavalhadas
em São Luiz do Paraitinga” e o professor Gentil Camargo sobre “As
Breganhas de Relógios de Taubaté”. Atuou também na cátedra de
Cultura Brasileira na Faculdade de Serviço Social da Universidade
do Vale do Paraíba, em São José dos Campos. Foi ali que Chico
Triste conheceu Maynard, “[...] um encontro a princípio cheio de
reservas”, Chico Triste escreveu quando da morte do folclorista.
Tais reservas o cronista atribuiu ao fato de que Maynard, “[...] va-
loroso trabalhador solitário da seara folclórica, não fazia boa liga
a qual falange me incorporo, liderada em São Paulo pelo professor
Rossini Tavares de Lima”11.
Maynard atuou como jornalista, escritor, professor. Tinha for-
mação universitária na Escola de Sociologia e Política de São Paulo,
participou de equipe de pesquisas do sociólogo Donald Pierson e
também do antropólogo Emílio Willems. Uma consideração muito
importante que Chico Triste fez com relação à ação de Maynard na 11. SILVA, op. cit., 1997, p. 23.
20 museu do folclore de são josé dos campos

cidade foi sobre sua tentativa de criar o Instituto His-


“O QUE OCORRE tórico e Geográfico do Vale do Paraíba, “[...] divulgan-
NUM CONTEXTO do um plano inicial de trabalho que abrangia cursos
de museologia, heráldica, numismática, antropologia e
FORTEMENTE técnicas de pesquisa histórica”12. Infelizmente, lamen-
INDUSTRIALIZADO tava o autor, não se sabe “que tangolomango atacou
ainda no berço esta entidade tão necessária [...]”.
(…) COM AS Na mesma década de 1970 em que Chico Triste mi-
nistrava cursos, publicava livros, artigos e crônicas,
TRADIÇÕES?” uma jovem pesquisadora se embrenhava nos bairros
— rurais de São José dos Campos, ávida por conhecer
cáscia frade as manifestações folclóricas pulsantes em uma cidade
de perfil industrial tecnológico. A pesquisadora Ma-
ria de Cáscia Nascimento Frade, professora de iniciação musical,
acompanhando seu marido, que viera trabalhar nas instalações do
oleoduto entre as cidades de São Sebastião e São José dos Campos,
aproveitou a ocasião de estar próxima da cidade de São Paulo e
procurou a Escola de Folclore do Ibirapuera, coordenada por Rossini
Tavares Lima, onde lecionava “o renomado pesquisador de folclore”.
Foi Rossini quem ministrou a primeira parte de seu curso.
Inquietava Cáscia no Museu de Folclore de São Paulo não existir
nada de específico sobre o folclore de São José dos Campos. Por isso,
voltou seu foco de pesquisa para a cidade. Em entrevista feita em
1972 pelo repórter Wagner, do jornal Agora, de São José dos Campos,
Cáscia Frade relatou que na cidade encontrou muitos tipos de ma-
nifestações: na Festa de São João da Vila Vicentina, conheceu uma
catira composta somente por crianças, cinco grupos de Moçambique,
“três deles em fase de desaparecimento”, Folias de Reis, Congada (na
área do Corintinha, perto do Jardim Paulista), Dança de São Gonçalo.
Segundo a pesquisadora, o Jongo de São José já estava extinto, o se-
nhor João do Carmo, na Vila São Pedro, era o “jongueiro que sobrou”.
O destaque da entrevista foi o culto à Santa Perna, realizado
havia “mais de um século”. Cáscia havia entrevistado um “velhi-
nho de 83 anos que ia com o pai para a Capela” e acrescentou que
a recepção de Rossini à sua pesquisa sobre essa manifestação foi
12. Silva, op. cit., 1997, p. 23. positiva: “O professor Rossini acha isso uma das coisas mais notá-
raízes de uma tradição intelectual 21


veis do folclore paulista [...]”. Sobre esse período em sua vida, nos
contou em entrevista:

Minha relação com os pesquisadores e o registro de rituais e de por-


tadores de folclore dessa cidade ocorreu no ano de 1972, quando fui
aí residir e pude, então, fazer o Curso de Especialização então exis-
tente na capital, mais especificamente no Museu de Artes e Tradi-
ções Populares, no Ibirapuera, sob orientação do prof. Rossini Tava-
res de Lima. Como deveria fazer um trabalho final para conclusão do
curso, decidi tentar reconhecer a identidade mais profunda da cida-
de que nos acolheu e, para responder a uma questão que sempre me
acompanhou: o que ocorre, num contexto fortemente industrializado
e, consequentemente, com alta tecnologia, com as tradições? Desa-
parecem? Se adaptam? Se enclausuram como forma de resistência?
É bem verdade que o próprio prof. Rossini já havia registrado algumas
manifestações existentes no Vale, especialmente na região de Tauba-
té. Sobre S. José ele registrou a arte em cerâmica produzida pela mãe
de Eugênia da Silva (não a conheci e não me lembro do nome dela) e
um Jongo no Jardim Paulista.
Foi por esses caminhos que iniciei meu trabalho. De carro, de cami-
nhão de leite, a pé, enfim, usando de todos os meios possíveis, fui me
encantando com esse povo e suas Folias de Reis, Catira, Festas Ju-
ninas, Modas de Viola, Moçambiques, Devoções, além do Jongo e do
Artesanato. O texto final foi entregue ao Museu e à Helena Weiss, que
aí conheci e se tornou uma quase irmã13.

Cáscia Frade, em diversos momentos, contribuiu significativa-


mente com o grupo que iniciou o projeto Museu do Folclore, a Co-
missão de Folclore, posteriormente o CECP. Por diversas vezes ela
esteve na cidade para ministrar palestras, cursos e lançamentos de
livros. Também foram com suas anotações de contatos da cidade
que as pesquisadoras de folclore Helena Weiss e Angela Savastano
retomaram um processo de pesquisa de folclore, nesse caso no âm-
bito da Comissão de Folclore, na década de 1980. Sua proximidade
com o grupo se deu também em razão de sua participação na rede 13. Entrevista realizada em 29
nacional de folcloristas. de setembro de 2019.
22 museu do folclore de são josé dos campos

Os textos de Cáscia são relevantes para cartografar os conceitos


que circularam entre os folcloristas da Comissão de Folclore. No livro
Para entender Folclore, publicado em 1991, por exemplo, a pesquisa-
dora constrói um texto panorâmico, evidenciando as transformações,
por vezes conflituosas, do conceito de Folclore e seus pressupostos, e
avalia a crítica do Folclore, afirmando que, ao longo dos anos, apesar
de enviesado por teorias de estratificação, compreensões filosóficas
evolucionistas e positivistas, o conceito manteve-se um corpus iden-
tificável, uma continuidade de referências intertextuais que atestam
a existência de uma tradição intelectual. Assim, propõe-se identificar
a cultura popular diferenciando-a de duas outras categorias de cul-
tura: cultura erudita e cultura de massa. Adiante na caracterização,
acrescenta outros pressupostos da teoria do folclore, todavia o ar-
ranjo conceitual é dado: folclore equivale a cultura popular.

[...] a cultura popular, configurada sobretudo pela forma de transmis-


são, absolutamente empírica e à margem dos sistemas formais de en-
sino. Seu estabelecimento vai se dar através das relações familiares,
de vizinhança ou de compadrio, e a aprendizagem ocorre por meio de
uma participação contínua, rotineira, absolutamente interativa. Não
há, consequentemente, delimitação de espaço para sua emergência:
sucede no âmbito da casa e da rua, nos clubes e praças, na Igreja e
nos bares, nos escritórios e nos quartéis. É uma cultura que minimiza
autorias porque é de domínio público e, pode-se dizer ainda que, ao
contrário da cultura de massa, a cultura popular não apresenta carac-
terística de domínio para além das fronteiras do grupo social que a
coletiviza. [...] É neste plano que se situa o Folclore, por isto também
denominado Cultura Popular14.

O trecho revela um franco diálogo com a Escola de Folclore.


No livro Escola de Folclore, pesquisa de cultura espontânea, Brasil,
publicado em 1983 pela editora da própria escola, Rossini Tavares
de Lima e Julieta de Andrade postulam na Introdução:

14. FRADE, Cáscia. Folclore.


Considera-se folclore a ciência sociocultural que estuda a cultura es-
São Paulo: Global, 1991, p. 21.
(Coleção para Entender, v. 3). pontânea do homem da sociedade letrada; cultura entendida como
raízes de uma tradição intelectual 23


manifestação do sentir, pensar, agir e reagir do homem; espontânea


porque é criada de maneira natural, aceita coletiva e espontaneamen-
te, sem a intervenção direta da comunicação erudita, popularesca
(chamada popular) e de massas. Sua comunicação efetiva-se de um
para outro membro do grupo através da interação social, pela imitação
ou condicionamento inconsciente. O folclore integra-se na expressão
cultural do homem porque ele imita o que os demais membros do gru-
po fazem, ou porque é levado a fazê-lo inconscientemente [...]15.

O trecho citado merece destaque porque explicita os con-


ceitos-chaves que regiam, naquele momento, a Escola de Folclore.
A definição conceitual do folclore como a “ciência sociocultural que
estuda a cultura espontânea do homem da sociedade letrada” foi
muito usada no movimento folclórico em São José. Angela Savastano
em artigo escrito com o professor Luiz Claudio Di Stasi, intitulado
“Folclore: conceitos e metodologia”, presente no livro Plantas me-
dicinais: arte e ciência, um guia de estudo interdisciplinar, explica:

Para se estudar a cultura do homem que vive em uma sociedade, há


sempre que se considerar que o aprendizado auferido no inter-re-
lacionamento entre os membros dessa sociedade ocorre de várias
formas: espontânea (cultura espontânea), erudita (cultura erudita)
ou pelos meios de comunicação de massa (cultura de massa). Desse
modo, é objeto de estudo do folclore todos os fenômenos culturais
relacionados ao que se denomina cultura espontânea, não excluindo
desses fenômenos os componentes que decorrem da cultura erudi-
15. LIMA, Rossini Tavares de;
ta (aquela baseada no aprendizado obtido nas escolas, universida- ANDRADE, Julieta. Escola de
Folclore: estudo e pesquisa
des, igrejas etc.) e da cultura de massa (aquela que surge das grandes de cultura espontânea, Brasil.
empresas e meios de comunicação)16. São Paulo: Escola de Folclore,
1983, p. 9.
16. STASI, Luiz Claudio;
Dos seus mestres Rossini e Julieta de Andrade, Angela Savastano SAVASTANO, Angela.
“Folclore: conceitos e
também se concentrou no estudo do folclore a partir das categorias metodologia”. In: STASI,
classificatórias propostas por eles. Em a Escola de Folclore, ainda na Luiz Claudio (Org.). Plantas
medicinais: arte e
Introdução, os autores mencionam que os 22 textos que compõem a ciência, um guia de estudo
interdisciplinar. São Paulo:
obra contêm, de forma resumida, as aulas do Curso Livre de Teoria Editora da Universidade
e Pesquisa de Folclore Brasileiro da Escola de Folclore, sobre os Estadual Paulista, 1996, p. 39.
24 museu do folclore de são josé dos campos

temas: Linguagem, Formas de Linguagem e Linguagem dos Gestos,


Usos e Costumes, Superstições e Crendices, Medicina, Literatura,
Casa, Indumentária, Comidas e Bebidas, Trabalho: coleta e ativida-
de extrativistas, Caça e Pesca, Agricultura, Pecuária e Avicultura,
Transporte, Religião, Festa, Rodas e Jogos, Teatro, Dança, Música e
Instrumentos, Arte e Artesanato – máquinas e ferramentas.
Esse livro foi e continua sendo utilizado em São José dos Campos
pelo grupo que se formou na Comissão de Folclore17. No entanto,
embora a classificação tenha se universalizado no grupo, nem todos
os pesquisadores formados pela Escola de Folclore de São Paulo
aderiram permanentemente ao conceito de espontaneidade. Cáscia
Frade, por exemplo, é crítica a ele.

A primeira vez que ouvi esse termo como caracterizador do folclore


foi na Escola de Folclore, defendido valentemente por Rossini e pela
profa. Julieta Andrade. De minha parte, acho complicada a afirmativa,
pois, se as tradições têm uma tradição histórica aliada à dinâmica da
vida social, ao imaginário, à visão de mundo, enfim, a uma infinidade
de fatores que apresentam também intencionalidade e consciência
do fazer, onde fica a espontaneidade? Confesso minha incompetên-
cia para entender essa caracterização de um saber. E para não cair
em erro, optei por não usá-lo.

O tempo parece ter impresso novas percepções nos pesquisado-


res, o que pode ter gerado em parte as ênfases em outros aspectos
do conceito de folclore e seus pressupostos: espontaneidade como
característica continuava sendo afirmada, mas é nas dimensões
culturais cotidianas dos indivíduos que se encontra o campo de
estudo do folclore, sua missão.
No ciclo de palestras “Atualização de Conceitos de Cultura”, rea-
lizado em 2001 em São José dos Campos, Julieta de Andrade registra
a máxima na apostila disponibilizada aos alunos: “não se produz
CULTURA, o agente da cultura é o próprio ser”. Julieta aproxima o
17. Além deste livro, outro do
mesmo autor é tomado como objeto de estudo do Folclore das dimensões interiores, da linguagem
referência nos estudos sobre
folclore no CECP, A Ciência
e da constituição do próprio ser, o ser enquanto linguagem. Um
do Folclore. convite para o autoconhecimento, em que o Folclore seria o estudo
raízes de uma tradição intelectual 25


que leva à consciência desse acervo de conhecimentos aprendidos


na vivência cotidiana, na linguagem das palavras diversas em ex-
pressões regionais, na linguagem dos gestos, nas superstições e
crendices, nas comidas e bebidas, na caça e pesca, nos ritos, usos
e costumes etc. A teleologia desse estudo, a produção social dele,
contribui para o Homem saber mais sobre si, ter maior consciência
de si por meio dos “traços de origem cultural”. Nessa perspectiva,
folclore é um dos campos de estudo que se propõe a representar
essa tomada de consciência cultural.
Após o falecimento do prof. Rossini, em 1987, Julieta de Andrade
se tornou a principal referência da Escola de Folclore na Comissão
de Folclore de São José dos Campos; seu nome está presente na
memória da geração e por vezes foi citado nas entrevistas realiza-
das para esta pesquisa. Ela contribuiu para o que Angela Savastano
menciona como o processo de formação em Folclore da própria Co-
missão e da rede de professores interessados no assunto na cidade.
27

OMuseudoFolclorenoParquedaCidade:
aCulturaPopular ocupaa“CasaVelha”

N
o dia 5 de dezembro de 1997, foi aber- funcionou o Mercado dos Operários e, por
to o Museu do Folclore de São José último, a loja de fábrica da Tecelagem.
dos Campos, no Parque da Cidade Ro- O espaço que foi destinado à instalação
berto Burle Marx. O parque, aberto ao públi- do Museu do Folclore era a nomeada “Casa
co em julho de 1996, no 229º aniversário da da Gerência”, pois ali moraram os gerentes
cidade de São José dos Campos, foi implan- da Tecelagem. Supõe-se que a casa tenha
tado na área de quatro imóveis da Tecelagem sido construída na década de 1920.
Parahyba S.A., desapropriados pela Prefeitu-
ra Municipal. Outras áreas da antiga fábrica [...] Quando o Sr. Olivo Gomes assumiu a ge-
de cobertores foram incorporadas ao patri- rência, residiu neste local, juntamente com
mônio do estado de São Paulo, bem como sua família. Permaneceu nele até a constru-
de outros credores. Uma parte, além disso, ção da residência principal. Após a mudan-
passou a ser administrada pela cooperativa ça para a nova residência, a Casa da Gerên-
formada pelos antigos funcionários, que con- cia se tornou casa para hóspedes, amigos,
tinuou a produção em pequena escala. parentes e empresários, recebendo da
Prédios e áreas do Complexo da Tecela- família o nome de “Casa Velha”. Permane-
gem foram, a partir de 1996, ocupados por ceu como casa de hóspedes até a década
órgãos municipais e estaduais: Fundação de 1970, quando se tornou novamente local
Cultural Cassiano Ricardo (FCCR), Arquivo de residência do gerente. Em setembro de
Público Municipal, Fundo Social de Solidarie- 1996, foi apresentado o projeto de ocupa-
dade, Secretaria de Urbanismo e Sustenta- ção da casa pelo Museu do Folclore, sendo,
bilidade (antiga Secretaria de Meio Ambien- no final de 1997, iniciadas as obras de recu-
te), CETESB, Polícia Ambiental, entre muitos peração do edifício. Hoje ela é a sede do
outros. O espaço ocupado pela FCCR foi o Museu do Folclore18.
prédio do antigo refeitório, onde também

18. SÃO JOSÉ DOS CAMPOS, SP. Plano Diretor do Parque da Cidade. 2016. Disponível em: https://www.sjc.sp.gov.br/
media/48139/plano-diretor-do-parque-da-cidade-2016.pdf. Acesso em: 18 maio 2020.
Em três meses a “Casa Velha” foi restaurada
para abrigar, a partir de dezembro de 1997, o
Museu do Folclore. A engenheira Lourdes Rossi,
que também participava da Comissão de
Folclore, foi quem acompanhou as obras.
o museu do folclore no parque da cidade: a cultura popular ocupa a “casa velha” 29


O programa de inauguração consistiu em dois dias de atividades,


5 e 6 de dezembro de 1997. O tema conceitual para a primeira expo-
sição foi “Minha cultura mostra quem sou”. No encarte produzido
para a ocasião, uma poesia de Angela Savastano:

Encarte para o programa de


inauguração com poesia de
Uma materialização de 12 anos de trabalho da Comissão de Angela Savastano ao centro.
Folclore, a sede do Museu do Folclore deu corpo e endereço às
pesquisas das manifestações folclóricas de São José dos Campos
e região empreendidas por membros da referida Comissão, que,
assim como as demais comissões, compunha, até 1998, o Conselho
Deliberativo da Fundação Cultural Cassiano Ricardo, dirigido pelo
Presidente da instituição.
Para receber os 353 convidados e público espontâneo nesses dois
dias, foi preparada uma exposição das peças do presépio de d. Lili
Figureira, como ficou conhecida d. Maria de Lourdes dos Santos,
uma das detentoras de saberes populares identificada e documen-
tada pelas pesquisadoras de folclore de São José dos Campos du-
rante este percurso de estudo e pesquisa, que já contava uma longa
história naquele mês de dezembro. Aproveitando ainda o momento
do ano, foi exibida, em audiovisual, a pesquisa de campo realizada
por Angela Savastano em 1992, quando foi documentada a Folia de
Reis do Jardim Paulista. Na noite do dia 5, além das autoridades da
cidade e da capital, membros do Grupo Piraquara, um dos projetos
30 museu do folclore de são josé dos campos

O encarte traz ainda


uma figura esquemática
do espaço do Museu,
enumerando as atividades
programadas para a
instituição: 1) Documentação
(Registro e Pesquisa); 2)
Transcrição (Fidedignidade
à Fonte); 3) Reserva técnica
(Acondicionamento do
Acervo); 4) Laboratório de
Conservação e Restauro
(Preservação dos Bens
Culturais); 5) Palestras e
Cursos (Difusão do Saber);
6) Multiuso (Vivência e
Experiência) e 7) Biblioteca
(Acesso ao Conhecimento).

criados e executados pela Comissão de Folclore desde 1987, estive-


ram presentes, vestidos a caráter, e houve a apresentação de uma
peça musical com o tema “Folia de Reis”, executada pelo músico
Sérgio R. F. Stacas. No dia 6 de dezembro, a atividade no Museu
do Folclore começou cedo, como mostra a seguinte programação:

[...] Café (passado no coador) e bolo servidos durante todo o dia aos
visitantes. O programa festivo esteve a cargo da banda de Santana,
grupo Djamberê, Bonecões do Piraquara e a presença da Folia de Reis
de São Luiz do Paraitinga que fez a homenagem ao presépio montado.
19. Trecho de Relatório Houve também dança espontânea de catira pelos catireiros presen-
elaborado por Angela
tes, comandados pelo mestre Zicão, de Taubaté19.
Savastano a respeito da
inauguração do Museu.
Cenas da abertura da sede do Museu do Folclore no
Parque da Cidade, nos dias 5 e 6 de dezembro de 1997.
32 museu do folclore de são josé dos campos

Idealizado para ser um centro de estudos e pesquisas em folclo-


re, para além das exposições de objetos folclóricos, pretendia-se que
o Museu fosse “[...] agente irradiador da cultura, polo de difusão
cultural e agente de formação e informação de cultura”. No encarte
de divulgação, já citado anteriormente, há um pequeno texto de
Maria Helena Weiss, na ocasião a coordenadora da Comissão de
Folclore (CF), que esclarece o objetivo desse projeto, assim como
todo o trabalho realizado no âmbito da Comissão ao longo de 12
anos, desde finais de 1985.

O Museu é de grande importância para a Comissão de Folclore, pois


ele representa a sua “ferramenta de trabalho”. Neste espaço pode-
remos executar nossos projetos e ao mesmo tempo difundir nossa
cultura. Para a Comissão é muito importante ter um espaço físico e
cultural definido para consultar e desenvolver suas pesquisas. [...]
[O Museu] vem para atender às crianças, professores, estudiosos e
todos aqueles que buscam a sua real cidadania através da cultura.
NECESSIDADE, SONHO, TRABALHO E REALIZAÇÃO.

Sem dúvida, um plano ousado, porém promissor. Especialmente


porque estava amparado em uma vasta documentação já realizada,
em um acervo já constituído, em cursos e palestras já realizados.
Não foi difícil, apesar dos diversos obstáculos que existiram pelo
caminho, para o Museu do Folclore de São José dos Campos cum-
prir a sua missão.
Antes, porém, de apresentar a história do Museu depois de sua
abertura no Parque da Cidade em 1997, é indispensável voltar alguns
anos e contar sobre a história da Comissão Municipal Setorial de
Folclore da Fundação Cultural Cassiano Ricardo.
35

AComissãoMunicipal Setorial deFolclore


daFundaçãoCultural CassianoRicardo

Artigo 7º – Estimular atividades visando a compunham o Conselho Deliberativo da Fun-


recuperação e a preservação da cultura dação, cuja função era propor e viabilizar a
espontânea do Município criando-se um Mu- execução de ações para a cidade nas diver-
seu do Folclore, mantendo-se paralelamen- sas áreas culturais. O Conselho era formado
te, um Registro de todas as manifestações pelos representantes dessas comissões, di-
folclóricas do Município, como fonte de con- vididas em: Artes Plásticas, Cinema e Vídeo,
sulta permanente, à disposição da Fundação Dança, Folclore, Fotografia, Literatura, Mú-
Cultural, assim como da comunidade20. sica, Teatro e Arquitetura23, e dirigido pelo
Presidente da casa. Esse modelo institucio-
A ideia de criar um Museu do Folclore em nal funcionou entre 1986 e 1998, quando as
São José dos Campos, cidade paulista marca- comissões foram destituídas, assim como o
da pela industrialização tecnológica avança- Conselho Deliberativo, e foi criado um novo
da e urbanização crescente, se desenvolveu Conselho, composto por 27 representantes
nas reuniões da Comissão de Folclore da de 16 categorias institucionais, modelo que
Fundação Cultural Cassiano Ricardo a partir vigora até hoje, 202024.
de 198621. A Comissão Municipal Setorial de O papel das Comissões era congregar os
Folclore22 era uma das nove comissões que cidadãos que tivessem interesse em dialogar,

20. Regimento da Comissão Municipal Setorial de Folclore e 23. A Comissão de Arquitetura foi criada posteriormente,
Tradições Populares, 1986. em 1994.
21. A Lei 3.050, aprovada em 4 de novembro de 1985, autorizava 24. Nesse novo modelo instituído pela Lei 5.280, de 9 de
a criação da Fundação Cultural de São José dos Campos. novembro de 1998, o Conselho Deliberativo passou a ser
A instituição, porém, foi juridicamente constituída em março composto por representantes de diversos segmentos da
de 1986, quando o então prefeito Robson Riedel Marinho sociedade: “instituições empresariais e culturais, Câmara
assinou em cartório a escritura de sua criação. Sua sede foi e Prefeitura do município, profissionais liberais, igrejas,
inaugurada e aberta ao público em 11 de abril desse mesmo personalidades de notável saber na área cultural, entre
ano, localizada na avenida Nelson D’Ávila, nº 423. O nome outros. A FCCR também possui um Conselho Fiscal que tem
Cassiano Ricardo foi oficializado e assim foi nomeada a a finalidade precípua de discutir, fiscalizar e sugerir melhorias
instituição em 9 de março de 1987, pela Lei Ordinária 3.216/1987. nas suas contas e submeter as mesmas ao Conselho
22. Como comprovam documentos posteriores, o termo Deliberativo”. Fonte: FUNDAÇÃO CULTURAL CASSIANO
“Tradições Populares”, que compunha o nome completo da RICARDO. Disponível em: http://www.fccr.sp.gov.br/index.php/
Comissão de Folclore, foi retirado. institucional/historico.html. Acesso em 21 maio 2020.
36 museu do folclore de são josé dos campos

propor ações, discutir projetos culturais para a cidade. De forma


representativa, cabia a elas dar direcionamento ao recurso público
disponibilizado pelo Município para o setor.
Em 1985, quando Hélio Augusto de Souza era vice-prefeito, An-
tônio Gervásio de Paiva Diniz25, responsável pelo Serviço Social do
Comércio (SESC) de São José dos Campos, a historiadora Nilvia
Frossard26, que trabalhava nos arquivos da Prefeitura, e algumas
outras pessoas acionadas pela gestão municipal foram convidadas
a se mobilizar e mobilizar pessoas interessadas na área cultural e
elaborar um regimento para a nascente instituição de cultura do
Município, bem como formar as Comissões Setoriais que deveriam
formar o Conselho Deliberativo da instituição. A ideia era criar 12
comissões, porém em 1985 foram criados 8 grupos, o 9º, a Comissão
de Arquitetura, só passou a vigorar em 1994.
Segue o relato de Nilvia,

O Hélio Augusto me chamou e falou: “Como você é muito bem relacio-


nada e sabe muitas áreas, eu quero criar uma Fundação com 12 divi-
sões de áreas culturais e, para essas áreas, você entrevista as pesso-
as, arranja uma diretoria e escreve o Regimento”. O que é que eu fiz?
Primeiro arranjei vários regimentos de entidades parecidas para po-
der compilar as informações. [...] Quem me ajudou muito nesta época
foi o seu Diniz, do SESC. Ele me ajudou muito a fazer o Regimento. [...]
Eu toda vida fui muito bem relacionada. Por exemplo, com os estudan-
tes do ITA que, naquela época, tinham um cinema que passava filmes lá
dentro [...]. Então a Yolanda Borghoff, que era do movimento de música
clássica, a Helena Weiss, junto com a menina do Folclore, a Angela. [...]
Eu convidava essas pessoas todas e conversava com elas para ver
se elas aceitavam participar do projeto e constituir a Diretoria com os
vários grupos. [...]
No Folclore, eu conhecia a Helena Weiss, mas quem uniu foi a Ange-
la. Eu nunca mexi com carnaval e nem diretamente com isso, mas as
duas eram participantes.
25. Entrevista realizada em 8
de fevereiro de 2020.
26. Entrevista realizada em 13
Com base nos documentos fornecidos por Angela Savastano27,
de dezembro de 2019. que foi a primeira coordenadora da Comissão de Folclore de São
a comissão municipal setorial de folclore da fundação cultural cassiano ricardo 37


José dos Campos, a primeira reunião da referida comissão ocorreu


ainda no ano de 1985 e, em 1986, a programação realizada pelo grupo
já foi bastante consistente. Além das reuniões semanais do grupo,
que se formou com cerca de uma centena de participantes, a CF
atuou na documentação de eventos, pesquisa de campo, atividades
diversas na comunidade, realização de cursos e palestras, atividades
internas para a formação dos próprios participantes das comissões,
reuniões e articulações com parceiros. De acordo com Angela,

tinha cento e poucas pessoas na Comissão, mas, quando essa Co-


missão se propôs a trabalhar em cima de uma realidade que precisa-
va, de uma pesquisa para saber o que era cultura, o que estava acon-
tecendo nessa cultura popular, metade saiu. Foi esvaziando, ficaram
umas dez pessoas, geralmente eram professores que ficavam e ar-
tistas também, artistas da cultura popular, mas estudiosos do folclore
eram poucos. Aí o que que eu consegui foi que os cursos que estavam
sendo ofertados em São Paulo, lá na minha escola, pudessem ser da-
dos aqui também. Eu estava fazendo minha especialização. [...] Foi na
minha especialização. Quando criou a Fundação eu estava fazendo
este curso lá, por isto que eu fui fazer parte da Comissão de Folclore,
foi a Nilvia que me convidou. A criação da Fundação partiu de um gru-
po de intelectuais daqui de São José [...], e ela sabia do meu interesse
pelo folclore.

Maria Angela Savastano, Maria Helena Weiss, Luiz Eduardo Patto


Romero, Rosangela Paes Leme, Nilvia Frossard, Fernando Fagundes
dos Santos, Everaldo Bispo de Souza Lobão, José Palmiro Masieiro
são os primeiros nomes relacionados à Comissão de Folclore ainda
em 1985. Outros tantos nomes compuseram essa comissão, que se
manteve atuante e produtiva até sua extinção, embora tenha sofrido
alteração em seus quadros, além de momentos de retração e outros
de expansão. Marisa Hirata, Dagmar Siqueira, Leila Grassi, Lourdes
Rossi, Geralda Alves Fagundes, Irma Cheminand Valiante, Lídia Ber-
nardes, Flávia Diamante Munholi, Jarbas Moura Rosa, Margarete
Machado, Regina Monteiro, entre tantas outras pessoas que em 27. Entrevistas realizadas ao
algum momento participaram das reuniões, discutiram propostas longo dos anos de 2018 e 2019.
38 museu do folclore de são josé dos campos

e executaram projetos da Comissão Municipal Setorial de Folclore


da Fundação Cultural de São José dos Campos.
Uma vez que o pessoal da CF já trabalhava o assunto anteriormen-
te, para além da instituição Fundação Cultural, o ano de 1986 foi já
um ano bastante produtivo. Lembrando também que o envolvimento
dessas pessoas era voluntário e os recursos materiais despendidos
para as pesquisas de campo e viagens para participar de palestras
Fac-símile da primeira de
seis páginas do Relatório
e eventos em outras cidades e estados eram de origem particular.
da Atividades da Comissão Em abril de 1986 aconteceu a primeira exposição pública dos re-
de Folclore no ano de 1986
e fac-símile da primeira sultados de pesquisa da CF, por ocasião da inauguração da sede da
de onze páginas de FUNC, como era costume se referir à Fundação, até porque o nome
transcrição da pesquisa
de campo realizada, em Cassiano Ricardo só passaria a vigorar em 1987. Foram expostas as
1986, por Angela Savastano primeiras peças coletadas em pesquisas de campo e que marcam a
e Helena Weiss sobre a
fabricação caseira do
açúcar instantâneo.
a comissão municipal setorial de folclore da fundação cultural cassiano ricardo 39


cultura popular do Vale do Paraíba: presépios e figuras


de barro das figureiras da cidade, toalhinhas de crochê,
arte na cuia de São Luís do Paraitinga, viola caipira,
colcha de fuxico, flores de papel, artesanato em taboa.
Nas paredes, reproduções de fotografias dos detentores
dos saberes: Eugênia da Silva, Maria Benedita Vieira, a
Mudinha, entre outros.
Embora o primeiro livro de Atas da CF tenha sido
extraviado no final do ano de 1987, a secretaria da Co-
missão se encarregou de registrar, no início do segundo
livro, todas as atividades realizadas nos anos de 1985,
1986 e 1987. O documento diz o seguinte:

Para que conste como dado histórico da Comissão de


Folclore, fica registrado aqui o seguinte: êste é o segundo
livro de Atas da Comissão de Folclore, que dá sequência
ao primeiro livro, aberto em fins de hum mil novecentos e
oitenta e cinco, quando dos primeiros movimentos para
a instalação da Fundação Cultural Cassiano Ricardo, e
que se acha, êsse primeiro livro, extraviado, desde outu-
bro de hum mil novecentos e oitenta e sete. O primeiro
livro encontrava-se guardado na sede da Fundação Cul-
tural Cassiano Ricardo e assim que foi detectada sua
falta, foi dada busca em todas as dependências da Fun-
dação. Não sendo encontrado, o mesmo foi considerado Maria Helena Weiss na
exposição de peças da
perdido. Foi colocada uma nota do jornal Valeparaibano, Comissão de Folclore
no dia quatro de março de hum mil novecentos e oiten- durante inauguração da sede
da Fundação Cultural, em
ta e oito nos seguintes termos: “A Comissão Municipal abril de 1986.
Setorial de Folclore, por meio de sua coordenadoria, tor-
na público o extravio do seu primeiro livro de Atas, onde
constam registradas diversas resoluções atinentes aos
trabalhos da Comissão, relativos aos anos de 1985, 1986
e 1987.” [...] (Foi mantida a grafia original do documento.)
41

Iniciandoos trabalhos:
os projetos daComissãodeFolclore

O
primeiro livro de Atas da Comissão Popular, Festa da Carpição de N. Sra. do Bom
Setorial de Folclore era de suma im- Sucesso são exemplos de temas tratados.
portância. Nele estavam, além das Além dessas ações de pesquisa e docu-
ações e articulações citadas acima, os ter- mentação, bem como de aquisição de acer-
mos iniciais de sua constituição, um marco vo em decorrência das doações feitas pelos
fundador. Porém, baseada nos Relatórios de entrevistados, logo nos primeiros anos a CF
Atividades dos anos anteriores, a secreta- iniciou o diálogo com as escolas do municí-
ria da CF pôde listar e deixar registradas, pio para discutir o assunto Folclore e ampliar
nas primeiras páginas desse segundo livro o entendimento do conceito pelos professo-
de Atas, as ações realizadas pelo grupo. Por res e, consequentemente, pelos estudantes.
esse motivo, pode-se verificar que em 1986 Participação nas reuniões da Diretoria de
foram documentadas cinco manifestações Ensino e Secretaria Municipal de Educação,
culturais pelos pesquisadores da Comissão: apoio com informações bibliográficas, rea-
Festa de São Gonçalo do Alto da Ponte, Ca- lização de palestras para alunos de Ensino
poeira do Mestre Gato, Fabricação caseira Fundamental e Médio, na época 1º e 2º graus,
do açúcar instantâneo, Festa da Carpição e apoio na realização de desfiles cívicos e
os Cem anos de Crochê em São José, com fo- eventos de lazer foram ações empreendidas.
tografias e cadastro dos participantes. Além Merecem destaque, nesse momento, os
disso, aconteceram mais de uma dezena de Cursos de Formação em Folclore que pude-
“atividades internas” da CF, ou seja, reuniões ram ser realizados em São José em decor-
em que seus membros compartilhavam e rência da mediação feita pela CF. É bom
discutiam suas pesquisas de campo ou suas lembrar que Angela Savastano e Dagmar
vivências em cultura popular. Festa de São Siqueira cursaram, em São Paulo, a Escola
Gonçalo em São Francisco Xavier, Apresen- de Folclore, dirigida inicialmente por Rossini
tações de Capoeira, Movimento Hippie e Ar- Tavares de Lima, que contava com um time
tesãos nos anos 60, Composição de Música de professores-pesquisadores de grande
42 museu do folclore de são josé dos campos

importância no contexto brasileiro, como Julieta de


Andrade, Fernanda Macruz, Marcel Thieblot e José
Gerardo Matos Guimarães, entre outros.
Ainda em maio, antes de completar um mês de inau-
guração da sede da Fundação, Fernanda Macruz, então
Presidente da Comissão de Folclore da Secretaria de
Cultura do Estado de São Paulo, a convite da CF, este-
ve em São José dos Campos para proferir a palestra
“Folclore e suas implicações teóricas”. No mesmo ano,
em setembro e outubro, vieram Cáscia Frade, Julieta
de Andrade, Marcel Thieblot, Erasmo D’Almeida Maga-
lhães, José Gerardo Matos Guimarães, Niomar de Souza
Pereira, Zilda M. Moreira Rangel e Vera Bittencourt.
Ao todo, já em 1986, mais de 100 pessoas participaram
dos cursos promovidos pela Comissão de Folclore e
Fundação Cultural, cujos objetivos eram:

ɏ Refletir sobre dados folclóricos e os fatores de acul-


Fac-símile de notícia, divulgada pelo jornal
Valeparaibano, sobre o Curso Livre de
turação neles implícitos e, assim, estudar o homem
Folclore, realizado em setembro de 1986. brasileiro em sua cultura espontânea;
ɏ Dar aos professores orientação sobre o ensino e
aproveitamento do Folclore na Escola;
ɏ Proporcionar reflexão – o que é folclore – expressão
da cultura espontânea;
ɏ Estimular o estudo e a pesquisa, enfatizando o ho-
mem portador e agente do folclore.

Assim, por conta do envolvimento de Angela Savas-


tano com a Escola de Folclore, São José dos Campos
pôde receber tais cursos, voltados a todos os interessa-
dos pelos estudos de Folclore, mas com foco principal
nos educadores e profissionais da Educação de forma
geral. Iniciados em 1986, os cursos aconteceram inúme-
ras vezes, durante todo o tempo de trabalho e dedicação
da Comissão de Folclore e, posteriormente, do Centro
de Estudos da Cultura Popular (CECP).
iniciando os trabalhos: os projetos da comissão de folclore 43


Fac-símile do folheto
de divulgação do curso
“Fundamentos de Folclore”,
ministrado nos dias 4, 11, 18 e
25 de outubro de 1986.

No ano seguinte, em 1987, a CF deu sequência aos cursos, inaugu-


rando uma nova temática: a dança. Entre 6 e 11 de abril, aconteceu
a primeira etapa do curso “Folclore vivo na Dança”, ministrado por
Antônio Teixeira de Macedo Neto, o Toninho Macedo. A Ata inau-
gural do 2º Livro de Atas, aquela que lista as ações de 1985, 1986 e
1987, escrita em 5 de março de 1988, diz:

[...] Em abril, de 6 a 11, primeira etapa do curso Folclore Vivo na Dança,


programado para ser ministrado em quatro etapas, com 48 alunos
inscritos, distribuídos em 2 turnos, diurno e noturno. Maio, dia 25, 2ª
etapa do Curso Folclore Vivo na Dança – Orientação para os trabalhos
em campo. [...] Junho, dias 16 e 17, terceira etapa do curso Folclore vivo
na Dança começando dos trabalhos realizados em campo e prepara-
ção para a apresentação. [...]

A 4ª e última etapa do curso ocorreu somente em outubro, mas


os próximos acontecimentos relatados na Ata nos dão luz sobre
os desdobramentos dessas três primeiras etapas, realizadas em
abril, maio e junho de 1987, que culminaram com uma finalização
incrível, que foi a primeira apresentação do Grupo Piraquara, no
SESC de São José dos Campos. No dia 19 de junho aconteceu uma
mesa-redonda sobre o tema Aproveitamento de Folclore. Em julho,
44 museu do folclore de são josé dos campos

no dia 23, iniciou-se o curso Aproveitamento de Folclore. Nesse


mesmo dia, segundo registro em Ata, deu-se o Aparecimento do
Piraquara. Na sequência, no dia 29 do mesmo mês, foi realizada a
aula aberta de técnica popular de modelagem e empapelamento,
que contou com a presença de 32 pessoas. Esses dois cursos juntos,
fortalecidos pelo interesse da comunidade, deram frutos fortes e
duradouros: a criação de um grupo de projeção estética do Folclore,
o Grupo Piraquara, e, em decorrência disso, houve o surgimento da
ideia e o início da produção do bloco de carnaval Pirô-Piraquara,
que teria sua primeira aparição pública no Carnaval de 1988.
Lourdes Massêo de Castro Rossi, que assistiu à primeira apresen-
tação do Grupo Piraquara no SESC, conta com entusiasmo sobre sua
participação no grupo, nos cursos e na Comissão de Folclore a partir
de então28. Ela, mineira, havia se mudado para São José em 1985. Tra-
zia em sua memória a lembrança das apresentações da Folia de Reis
e da Catira lideradas por seu pai, o senhor José de Castro Casimiro,
conhecido como “seu Zico”. Quando viu a apresentação do Piraquara
no SESC, identificou-se e passou a participar das aulas, participação
assídua até por volta de 1994. Segue um trecho de seu relato:

Nós tínhamos aula, era quase uma aula teatral. A gente tinha aula de
expressão corporal, tinha aula de soltura. Tinha um pouco de tudo. A
gente ensaiava o que a gente registrava, o que a gente queria apre-
sentar. “Então, vamos fazer uma Folia de Reis?” Daí a gente dançava,
ensaiava as músicas, ensaiava as danças para a gente fazer apre-
sentação nas escolas no Mês do Folclore, que era o que o Piraquara
estava destinado para ser. Tinha uma ação didática. Como toda esco-
la tem que trabalhar o mês do folclore, então uma das propostas do
Piraquara e da Comissão de Folclore era levar, em forma de teatro, o
Folheto de divulgação da cotidiano, as danças [...]. Como foi ficando grande o negócio, a gente
programação de outubro não ia mais para as escolas, as escolas iam para o teatro, entendeu?
de 1987 das atividades da
Comissão de Folclore. Então a gente agendava. Teve épocas que a gente começava as apre-
sentações do Mês do Folclore, que é agosto, mas a gente começava
em junho, de tanta escola que ia para assistir a gente. Toda segun-
da-feira tinha apresentação. Lotava o teatro de alunos da cidade. [...]
28. Entrevista realizada em 12
de outubro de 2019. Cada ano era uma coisa.
iniciando os trabalhos: os projetos da comissão de folclore 45


Folheto de divulgação do
Grupo Piraquara.
Segundo consta em Ata da CF, depois de sua primeira apre-
sentação no SESC, no dia 3 de outubro, o Piraquara se apresentou
mais quatro vezes ainda em 1987: na Fundação Valeparaibana de
Ensino, na Associação Esportiva São José, no Sesi e na “Praça de
Cultura”, como era denominada a praça Afonso Pena naquele tempo.
Nos anos seguintes, especialmente em agosto, Mês do Folclore, o
grupo realizou inúmeras apresentações para formar e informar
os professores e estudantes de São José dos Campos, indo até as
escolas e, posteriormente, recebendo os grupos de escolares nos
teatros da cidade, apresentando-se no Teatro Municipal e no Cine
Teatro Benedito Alves.
Dagmar Siqueira também participou das atividades da CF, do
Piraquara e, especialmente, dos cursos voltados às técnicas popu-
lares de empapelamento29. Ela, artista plástica conhecida na cidade,
iniciou sua participação na Fundação Cultural em 1985, a convite
de Nilvia Frossard, por intermédio da Comissão de Artes Plásticas,
mas logo enveredou-se pelos temas do folclore. Sobre a concepção Fotografia da apresentação
do Piraquara, Dagmar diz: Vale, Verde Vale.

[...] O primeiro movimento maior, sabe qual foi? O que alavancou a Co-
missão de Folclore? O que alavancou, o que fez assim o “BUM”? Foi o
29. Entrevista realizada em 27
Piraquara. O carro-chefe da propaganda “O que era cultura popular?” de novembro de 2019.
46 museu do folclore de são josé dos campos

foi o Piraquara. [...] Você estudava o fato folclórico, ia no local, aprendia


como é que era o pé de dança, conversava com o pessoal que tinha
aquele traço, no lugar que aquela pessoa estava. Havia essa auten-
ticidade, esse respeito. Você trazia isso e montava para, através de
uma apresentação, conscientizar o que era a expressão cultural do
folclore da região.

Assim como Lourdes Rossi, Dagmar ressalta o objetivo didático


do Piraquara, a intenção de facilitar o entendimento de professores
e estudantes acerca do conhecimento das manifestações populares
e fortalecer a identidade cultural de jovens e crianças.

Como é que a gente vai falar do folclore? Você faz um projeto e vai na
escola e diz: “Olha, gente, vim aqui conscientizar vocês da cultura po-
pular.” O que que é cultura popular? Então a gente pegava o traço, por
exemplo uma Folia de Reis, melhor, um Jongo. [...] O Jongo é comum
aqui da região. Então, o que é o Jongo? Eu explicava antes: “O jongo
é uma dança que existia pelos escravos, porque era proibido, mas aí
o senhor de senzala tinha que deixar eles se aproximarem, então aí
dava uma festa e vinham os tambores, onde eles rezavam, então...”.
Aí, contava a história e dizia: “Agora vocês vão ver”. Aí vinham as in-
gomas, que as pessoas identificavam, e aí começava a cantoria e a
dança de como era feita.

Além de participar, durante algum tempo, do Piraquara, Dag-


mar era quem desenhava e elaborava os figurinos do grupo, as
bandeiras de São Benedito, de Folia de Reis que eram utilizadas
nas apresentações.
Foi ainda no ano de 1987, durante os encontros do Grupo Pira-
quara e as oficinas de empapelamento, que surgiu a ideia de discu-
tir os elementos da cultura popular presentes no Carnaval. Entre
máscaras, bonecões e entrudo, surgiu o bloco Pirô-Piraquara, que
fez sua primeira aparição nas ruas de São José dos Campos no dia
11 de fevereiro de 1988, acompanhado da Banda de Santana e cente-
nas de adeptos. Consta em Ata do dia 23 do mesmo mês que “[...] o
grupo percorreu diversas ruas de São José e teve muito comentário
iniciando os trabalhos: os projetos da comissão de folclore 47


favorável nas páginas dos jornais joseenses”. No ano


seguinte, em 1989, o sucesso do Pirô foi ainda maior, a
começar pelos participantes das oficinas de bonecões,
máscaras e outras figuras. A informação, apresentada
em Ata síntese das ações daquele ano, escrita em 20
de março de 1990, diz:

[...] Em 10 de janeiro de 1989, início das oficinas de bone-


cões, máscaras e outras figuras para o entrudo – na Sala
Veloso. Essas oficinas duraram 14 dias e ficaram sob
orientação do professor Toninho Macedo. Oficinas aber-
tas ao público, adultos e crianças, com a frequência de
230 pessoas. Dia 17 de janeiro, início da oficina de más-
cara e outras figuras para o entrudo, na Vila Industrial,
sob a orientação de Angela Savastano e colaboração de
Tereza de Paula Santos. Oficina aberta ao público, com a
frequência de adultos e crianças. 30 pessoas frequen-
taram as oficinas. Dia 4 de fevereiro, apresentação do
Grupo Pirô-Piraquara em festa de entrudo – desfile pela
cidade encerrando com o grito de carnaval no SESC. [...]

Assim como no ano anterior, o sucesso do Pirô-Pira-


quara, bem como do Grupo Piraquara, foi enorme em
1989 (e nos anos seguintes). Além da saída do bloco e
das oficinas realizadas para preparação do Carnaval,
durante o ano todo aconteceram cursos de empapela-
mento na cidade e 12 apresentações do Grupo Piraqua-
ra, tanto em São José como em cidades vizinhas, por
exemplo, São Paulo, Caraguatatuba, Ilhabela e Jambeiro.
Grupo Piraquara se apresentando, durante
Flávia Diamante Munholi foi mais uma pessoa que o Ciclo de Natal, na praça Afonso Pena e na
adentrou a Comissão de Folclore pelas portas do Pira- Igreja de São Benedito nos anos de 1987, 1988
e 1989. Por último, Piraquara participando do
quara30. Ela conta que levou sua filha mais nova para Revelando São Paulo.
assistir a uma apresentação do Grupo e se encantou.
Era o ano de 1992 e, a partir daí, passaram a partici-
par dos encontros do grupo e ela acabou se inserindo 30. Entrevista realizada em 27
também no movimento da CF. de setembro de 2019.
Fotografias da primeira saída do Pirô-Piraquara, numa quinta-feira, 11 de
fevereiro de 1988, acompanhado pela Banda de Santana.

Os bonecões do Pirô-Piraquara.

Dagmar Siqueira finalizando a Antônio André da Silva, seu Toninho Bonequeiro, junto com seus
produção de Nhaquara, a bonecona bonecões. Seu Toninho foi um dos detentores de saberes mapeados,
pioneira do Pirô-Piraquara. divulgados e salvaguardados pela Comissão de Folclore.
iniciando os trabalhos: os projetos da comissão de folclore 49


Folhetos de janeiro e fevereiro


de 1998 com a programação
da Fundação Cultural Cassiano
Ricardo para o carnaval
daquele ano. Destaque para
as oficinas de bonecões e
máscaras, participação de
Toninho Bonequeiro e histórico
do Pirô-Piraquara.

[...] nisso, a Luara se interessou. Toninho já a convidou


para vir participar, daí já vou levar a Luara, não sei o que,
Em 2017, o Pirô-Piraquara comemorou seu
estou quase sempre ali na Fundação, levando a Luara. 30º aniversário, pois, embora o bloco tenha
estreado em desfiles em 1988, ele foi criado
Eram três vezes por semana. Aí eu já começo a me envol- em 1987. Nesta fotografia, Angela Savastano
ver também com o Piraquara na parte de música, na par- e Yolanda Borghoff, fundadoras da Fundação
Cultural e membros da Comissão de
te de pesquisa, já começo a me interessar, não sei o quê. Folclore, posteriormente sócias fundadoras
Aí fiquei, né? A Luara dançando, eu conheço o pessoal da do CECP, acompanhadas por Gerson Lins, do
Grupo Piracema.
Comissão de Folclore, conheço dona Angela Savastano.
[...] Daí eu fui conhecer a reunião, aí comecei a participar.

Para ela, foi muito importante esse encontro, pois


marcou uma mudança de percepção sua em relação à
cultura local, uma vez que, por exemplo, seus avós eram
devotos de São Benedito e ela nem sabia da existência
do grupo de Moçambique da cidade. Ela afirma que a
CF teve um papel relevante nessa questão, pois seus
50 museu do folclore de são josé dos campos

projetos eram trabalhados com cuidado, debatidos e analisados.


Flávia permaneceu na Comissão até 1998, quando o estatuto da
Fundação Cultural foi alterado e as comissões deixaram de existir.
Ela esteve presente na criação do Centro de Estudos da Cultura
Popular e continuou seu trabalho no Museu do Folclore/Piraquara
até 2014, dedicando-se à proposta de salvaguarda e divulgação do
folclore lançada pela Comissão de Folclore.
Documentação de peças
de d. Lili Figureira feita pela Voltando a 1987, conforme mostra o folheto de divulgação da
Comissão do Folclore. Na programação da Comissão de Folclore de outubro daquele ano,
fotografia, da direita para
a esquerda: Helena Weiss, no dia 14 foi lançada a série Cadernos de Folclore31. O lançamento
Flávia Diamante, Luara, ocorreu na sede da Fundação Cultural, então situada à avenida
Verônica e d. Lili.
Nelson D’Ávila. O objetivo da publicação era, e ainda é, produzir co-
nhecimento acerca do folclore para melhor compreensão da cultura
humana, sua relação com o meio, sua inventividade e criatividade, a
busca por soluções de problemas colocados pela realidade social e
natural. A proposta inicial, que se manteve ao longo de todos esses
anos de publicação da série, é reunir relatos de pesquisa e análises
científicas sobre o tema.
O primeiro volume da série, intitulado Azeite de mamona: um
ancestral recurso, foi resultado de pesquisa de campo realizada
por Angela Savastano e Toninho Macedo no bairro Lavras, na zona
rural de São José dos Campos.
A entrevista foi feita com Berbiana Catarina de Jesus, a Biana, na
época com 66 anos de idade, nascida e criada na roça, que aprendeu
a fazer o azeite depois de casada, observando o preparo feito por
outra senhora da vizinhança. Assim também outras pessoas apren-
deram com ela, observando, vendo os detalhes da feitura, testando
em casa. Em seguida, o texto discorre sobre a planta, sua origem,
sua abundância nas matas do Brasil. Trata também dos modos de
produção do azeite, dá detalhes do processo de depuração e obten-
ção do produto. Aponta seus usos práticos e medicinais e finaliza
31. Todos os livros da série
Cadernos de Folclore podem apresentando uma bibliografia.
ser acessados no site do Em 1988, a CF deu continuidade à publicação dos Cadernos de
Centro de Estudos da Cultura
Popular. Para tanto, ver link: Folclore. Nesse ano, inclusive, foram publicados dois volumes. O
http://cecpdesaojose.
blogspot.com/p/cadernos-
primeiro, preparado em janeiro e lançado em julho, intitulado Car-
de-folclore.html. ro de bois em Ibertioga, de autoria de Zuleika de Paula, e o outro,
iniciando os trabalhos: os projetos da comissão de folclore 51


Fotografias registradas por


Toninho Macedo durante pesquisa
de campo para documentação da
produção do Azeite de Mamona.

Capa do 1º volume da série


Cadernos de Folclore,
pesquisa realizada
e publicada em 1987.
Atualmente a Coleção está
disponível para consulta e
empréstimo na biblioteca do
Museu do Folclore de São
José dos Campos e também
pode ser acessada pelo site
do Centro de Estudos da
Cultura Popular.

publicado em setembro, com o título Laraoiê, Exu, de Hélio Moreira


da Silva. Ao longo de seus anos de atividades, a Comissão editou
e publicou 10 volumes dos Cadernos de Folclore32, sendo 6 escri-
tos por pesquisadores ligados à Escola de Folclore de São Paulo33,
dirigida por muitos anos pelo folclorista Rossini Tavares de Lima.
Um dos livros da série, Maria Peregrina, é fruto de pesquisa e re-
colhimento de memórias a respeito dessa personagem da história
32. Os 15 volumes seguintes,
de São José dos Campos feito por Benedito José Batista de Melo, publicados entre 1999 e 2019,
conhecido como seu Ditinho. Os volumes 9º e 10º são coletâneas de foram de responsabilidade
técnica e conceitual do
textos sobre folclore escritos décadas antes por Francisco Pereira CECP, que deu continuidade
da Silva, o Chico Triste. ao projeto criado e
desenvolvido pela CF.
Na apresentação do 5º livro da série, intitulado Folclore – Jogos, 33. Toninho Macedo e Angela

Brinquedos e Brincadeiras: subsídios para uma ação educacional, do Savastano, Zuleika de Paula,
Hélio Moreira da Silva, Marcel
pesquisador José Gerardo Matos Guimarães, Lourdes Rossi, então Jules Thiéblot, José Gerardo
Matos Guimarães e Maria
coordenadora da Comissão de Folclore, declara a que veio esse projeto: do Rosário de Souza Tavares
de Lima.
52 museu do folclore de são josé dos campos

[...] Com este 5º Caderno, a Comissão Municipal Setorial de Folclore


da Fundação Cultural Cassiano Ricardo vem dar prosseguimento
ao projeto de publicação anual de uma pesquisa na área de Folclore.
Pesquisa esta que não necessariamente se limita ao espaço físico de
São José dos Campos, mas que venha dar uma contribuição à melhor
compreensão do que é Folclore, abrindo horizontes deste campo de
conhecimento, bem como angariando simpatizantes para a área.

Folclore regional, traços culturais brasileiros, religiosidade afro-


-brasileira, folclore como recurso didático-pedagógico, medicina
popular, lendas e mitos, crônicas com temáticas folclóricas. Foram
diversificadas e instigantes as publicações da CF.
Esse folheto divulga o lançamento do 8º volume dos Cadernos de
Folclore, intitulado Saci, de autoria do folclorista José Carlos Rossato.
Divulga também mais um dos projetos da Comissão de Folclore, exe-
cutado desde 1987 e oficializado em 1990: o Mês do Folclore.
iniciando os trabalhos: os projetos da comissão de folclore 53


Desde 1967, o mês de agosto foi instituído por lei, no estado de


São Paulo, pelo Decreto 48.310/67, do governador Abreu Sodré, como
o Mês do Folclore, em complemento ao Dia do Folclore, comemorado
no dia 22. Desde então surgiu uma demanda imensa por parte dos
educadores para apresentar conteúdo sobre o folclore nacional
para os alunos durante o mês de agosto. Para tentar suprir a con-
tento essa demanda, a Comissão de Folclore passou a organizar a
programação do mês de agosto com foco nas escolas, pois, além da
questão curricular, havia uma necessidade, no entender da CF, de
ampliar o entendimento da população sobre a ciência do folclore.
Em 1987, a Comissão preparou uma série de cursos e palestras
durante o mês de agosto; em 1988, a programação já estava mais
encorpada, com exposição de artistas e fotógrafos do Vale e lança-
mento do 2º Caderno de Folclore, O Carro de Bois em Ibertioga, bem
como com apresentação do Grupo Piraquara de Danças Folclóricas.
A programação já começava a se espraiar pela cidade, com dois
endereços para acesso do público: a Igreja de São Benedito e o Cine
Teatro São José. Em 1989, manteve-se a proposta de lançamento de
mais um volume da série Cadernos de Folclore, além de uma expo-
sição sobre o tema na sede da Fundação Cultural e demonstração
da técnica popular de enrolar folhas de fumo pela plantadora Nair
Mira. Houve também oficinas de empapelamento na Delegacia de
Ensino, exposição sobre festas de candomblé, apresentação do Pi-
raquara e palestras diversas.
Em 1990, conforme registros em Ata da CF, os planos para o Mês
do Folclore foram mais elaborados e estruturados. Consta em Ata
do dia 16 de abril daquele ano:

[...] Dando início à reunião, a coordenadora colocou para ser analisado


e aprovado o projeto do Mês do Folclore a ser desenvolvido no mês de
agosto próximo. Este projeto, que já faz parte da programação anual
da Comissão de Folclore, foi sugerido pelo professor Toninho Macedo,
que o elaborou segundo sugestões da Comissão. Consta no programa:
continuidade ao lançamento dos Cadernos de Folclore, exposições,
apresentações do Piraquara, palestras em escolas e atendimento a
alunos da rede escolar particular, municipal e estadual, devidamente
54 museu do folclore de são josé dos campos

inscritos, com projeções de slides e debates. A Comissão decidiu que


o público a ser alcançado deveria ser os professores. Maior ênfase
a informação aos professores que, por sua vez, passarão aos alunos.

Desde então, o mês de agosto em São José dos Campos conta


com uma vasta programação, iniciada pela CF e continuada pelo
CECP, que envolve milhares de alunos e dezenas de professores todo
ano. A cada edição, um tema diferente, uma abordagem nova. Inte-
ressante notar que até 1997 a programação do Mês do Folclore era
itinerante, ocupando vários locais da cidade. Com a instalação do
Museu do Folclore no Parque da Cidade, a programação de agosto
ficou concentrada naquele local, variando ainda de acordo com os
recursos disponibilizados para sua produção.

Folder de divulgação do Mês


do Folclore de 1997.
iniciando os trabalhos: os projetos da comissão de folclore 55


Em 1997, no mesmo ano da restauração e abertura do Museu do


Folclore no Parque da Cidade, a CF, juntamente com a Comissão de
Música, articulou uma ampla programação pela cidade. A abertura
da programação ocorreu no Shopping Colinas, com exposição de
bonecões e máscaras e recital do Madrigal Musicaviva. De 11 a 31
de agosto, mais 10 locais da cidade, desde igrejas a teatros e casas
de cultura, foram palco para as atividades programadas. Entre elas,
o lançamento do 9º Caderno de Folclore, o volume 1 da série Chico
Triste, apresentações do Piraquara, recitais, encontro de grupos
de Moçambique, demonstração de saberes e exposição de artesa-
nato, oficina de percussão para temas folclóricos, teatro, exibição
de registro em vídeo do grupo de Jongo Os Filhos de Angola, de
Barra do Piraí.
Em 1998, o último Mês do Folclore promovido pela Comissão34 foi
também muito amplo. Ocorreram encontros de capoeira em várias
regiões da cidade, apresentações do Piraquara, oficinas de Danças
Folclóricas, encontro de violeiros, lançamento do 10º Caderno de
Folheto de divulgação do
Folclore, o volume 2 da série Chico Triste, apresentação do grupo Mês do Folclore de 1998.
musical Bola de Meia, palestras com especialistas em Cultura Po-
pular e encontro de Catira e de Moçambique. De toda essa progra-
mação, três eventos ocorreram na sede do Museu do Folclore, no
Parque. No dia 18 de agosto, às 19:30 horas, uma apresentação da
folclorista Angela Savastano sobre o trabalho da Comissão do Folclo-
re em São José dos Campos, com exposição de peças das figureiras
da cidade; o dia 22, sábado, Dia do Folclore, foi um dia para soltar
pipa no Parque e, mais tarde, participar de uma roda de capoeira.
Durante toda a sua trajetória, a Comissão realizou pesquisa de
campo e documentação de manifestações culturais em São José
dos Campos e região com objetivos claros: 1) mapear, cadastrar e
documentar o acervo vivo do folclore regional; 2) tomar conheci-
mento dos grupos e detentores, verificar suas necessidades para a 34. Em novembro de 1998 as
Comissões Setoriais da
manutenção da manifestação e apoiar ações para sua revitalização. Fundação Cultural Cassiano
Desde 1986, portanto, a CF empenhou energia e recursos em pro- Ricardo foram extintas pela
Lei 5.280/98. Houve grandes
mover os detentores e seus saberes das mais diferentes maneiras, alterações no Estatuto da
instituição, modificando a
como exposição de saberes, apoio para a realização da Festa de espinha dorsal de sua
São Benedito, promoção do Ciclo Natalino, com a participação de estrutura organizacional.
56 museu do folclore de são josé dos campos

grupos de Folia de Reis. Lourdes Rossi, que foi coordenadora da


Comissão em duas gestões, traz um exemplo de como era feito o
apoio aos grupos:

[...] acho que nós fomos ajudar esse grupo, eles precisavam de al-
guma coisa. Mas a gente não ajudava com dinheiro, a gente ajudava
com roupa, com apoio. Como aqui tinha a Faculdade de Odontologia,
nós fizemos uma campanha para conseguir sapatos brancos, roupas
brancas para o Moçambique, entendeu? A gente fazia esse tipo de
ajuda. [...] Nós fizemos campanha para vários grupos, não foi só para
esse, para outros e outros bairros também.

Encerrando a década de 1980 com um histórico de produtividade


brilhante, a CF colocou em prática cinco das seis propostas feitas
à Fundação Cultural ainda em 1986, que eram:

1. formação de um grupo de projeção estética de folclore – Grupo


Piraquara;
2. publicação anual de uma pesquisa de folclore – Cadernos de
Folclore;
3. apoio e revitalização de grupos de manifestação folclórica – pes-
quisa de campo, documentação e divulgação das manifestações;
4. formação de acervo e documentação de festas cíclicas: cívicas
e religiosas;
5. desenvolvimento e realização de cursos, palestras, simpósios
e seminários.
6. a 6ª proposta, a criação de um Museu do Folclore, demoraria
dez anos para se materializar, porém, ao desenvolver todas as
demais iniciativas, a Comissão de Folclore iniciava sua longa e
complexa gestação, fazendo alguns ensaios nesse meio-tempo.
Toninho Bonequeiro, seu José Marques, seu João de Barros, seu Váder, a
Mudinha, d. Lili; o Moçambique, a Dança de São Gonçalo, o Jongo e a Folia
de Reis são exemplos de manifestações culturais e detentores de saberes
que, ao longo dos anos de pesquisa e ações da CF, foram estimulados à
manutenção de suas práticas e valorizados em suas memórias.
59

AComissãodeFolclorealcançaprojeção
nacional: oSimpósioNacional deEnsinoe
PesquisadeFolclore

P
oucas pessoas se lembram de que o coisas. [...] Eu mandei a relação, consegui
Museu do Folclore já funcionou na o espaço com o padre João e queria levar
centenária Igreja de São Benedito, as coisas para lá porque eu queria que as
numa época em que ela ainda era frequentada professoras pudessem levar seus alunos
por devotos da irmandade de São Benedito, lá para usar. [...] Nós queríamos que aquele
catequistas e outros fiéis. Em meados de 1987, objeto servisse de exemplo para mostrar
duas pesquisadoras, participantes da Comis- que aquilo era patrimônio, mas a gente não
são de Folclore, Angela Savastano e Helena falava com essas palavras.
Weiss, iniciaram um diálogo com o padre João
acerca do uso da Igreja para sede do Museu A atitude de se aproximar do padre e pro-
do Folclore, idealizado pela CF. Em 1991, a ar- por a ele a ideia foi uma demanda da CF,
ticulação com o padre João se fortaleceu e na medida em que as pesquisas de campo
passou a contar com a presença da Fundação em folclore cresciam e, na mesma medida,
Cultural, na pessoa de sua então Presidente, cresciam os objetos doados aos pesquisa-
Maria de Fátima Manfredini. A negociação foi dores pelos detentores de saberes e fazeres
frutífera e, em 13 de maio de 1991, foram ins- folclóricos. Em sua maioria, eram moradores
taladas cerca de 200 peças do acervo formado de zona rural que, simpáticos ao interesse
pela CF na Igreja de São Benedito. Diz Angela da CF, doavam seus objetos de uso cotidiano,
Savastano sobre esse momento: fabricados por eles, por alguém da família
ou da comunidade próxima. Assim, produ-
[...] Fizemos um relatório, uma relação de zindo um acervo inerente ao seu fazer, as
tudo o que a gente já tinha conseguido com pesquisadoras começaram a levá-lo para as
a nossa pesquisa da cultura popular. Eram dependências da FCCR, depois de já acumu-
220 peças, se não me engano. Tinha puleiro lar objetos em suas casas. A necessidade de
de galinha, tinha não sei o que de galo, tinha um espaço físico, mas não apenas isso, a ne-
pescaria, tinha lúdico, tinha uma porção de cessidade de um espaço para comunicação
60 museu do folclore de são josé dos campos

com os cidadãos, especialmente para com os professores, era fun-


damental para que a Comissão do Folclore cumprisse seu objetivo,
expresso no artigo 7º do seu Regimento, de criação de um Museu
do Folclore.
Auxiliada pela Escola de Folclore de São Paulo, a Comissão do
Folclore de São José dos Campos criou uma organização e classifi-
cação dos objetos com o objetivo de comunicar aos professores e
estudantes os traços folclóricos da população joseense.
A relação das peças do acervo da Comissão de Folclore era
a seguinte:

Nº DE PEÇAS COMPLEXOS CULTURAIS Nº DE PEÇAS COMPLEXOS CULTURAIS

86 Artesanato Folclórico 4 Usos e costumes

26 Caça e pesca 6 Profissões folclóricas

29 Utensílios domésticos 11 Avicultura

24 Jogos, brinquedos e brincadeiras 16 Pecuária

16 Superstição e crendice 26 Teatro

9 Medicina folclórica 2 Agricultura

14 Máquinas e ferramentas 3 Instrumento musical

10 Religiosidade 3 Artesanato popular

O próximo passo era expor e promover a troca de informação


sobre a cultura popular. Angela já fazia parte da Comissão Paulista
de Folclore e da Comissão Nacional de Folclore e sempre levava
para seus mestres e pares questões conceituais a fim de que eles
apoiassem tecnicamente a constituição de um Museu do Folclore
em São José dos Campos. Segue um relato de Angela sobre esse
intercâmbio de ideias:

Quando eu fazia parte da Comissão Paulista de Folclore e fazia parte


também da Comissão Nacional de Folclore, eu fui ao Rio de Janeiro
conhecer Cáscia Frade, que também estava no Rio. Ela era amiga da
a comissão de folclore alcança projeção nacional: 61
o simpósio nacional de ensino e pesquisa de folclore

Helena e me ajudou muito. Ela viu que a gente estava pegando ma-
terial. A Cáscia conseguiu agendar com a Cláudia Márcia [do Museu
do Folclore Edison Carneiro], eu fui lá conversar com ela. Uma menina
maravilhosa, eu fui com o material lá. Quem veio? Ricardo, que era mu-
seólogo no Rio de Janeiro. Ele veio e montou a exposição [...], as fotos
eram do Toninho Macedo e da Helena Weiss.

Ricardo Gomes Lima, antropólogo, pesquisador do Museu do


Folclore Edison Carneiro, no Rio de Janeiro, gerido pelo Centro
Nacional de Folclore e Cultura Popular/IPHAN, foi consultado pela
Comissão de Folclore de São José dos Campos para a montagem da
exposição na Igreja de São Benedito. Ele relembra os momentos de
tensão e impasse, pois tratar de temas populares, de religiosidade
popular e/ou afro-brasileira dentro de uma igreja causava cons-
trangimentos e dificuldades.

[...] A primeira coisa era uma definição do que que a gente poria ali den-
tro, esse museu deveria retratar o quê? O povo de São José dos Cam-
pos. Mas quem era esse povo? Quais as suas origens? E eu me lem-
bro que a gente começou com os primeiros habitantes do território de
São José. Definimos, num primeiro setor, a coisa regional, territorial, e
aí tinha umas urnas funerárias, algumas coisas tupis encontradas na
região, que abriam a exposição falando do indígena e depois traba-
lhavam com esse tripé: do índio, negro e o branco. Naquele momento
essa era uma discussão importante. Da definição, da formação do
povo brasileiro. E aí dividimos a exposição. Tinha uma parte de ritos de
passagem, religiosidade, tinha o culto da Santa Perna, isso eu me lem-
bro muito, que era uma coisa forte para a exposição, uma parte ligada
a alimentação, a produção de farinhas, engenhos de cana-de-açúcar.
Tinha um altar de religião, a cerâmica de São José, evidentemente, as
manifestações, como Congada, Moçambique. [...] Mas a gente conse-
guiu montar o primeiro museu, foi um pontapé inicial. Hoje, quando eu
vejo o Museu de São José dos Campos, como ele é, eu fico feliz de
saber que a gente conseguiu enfrentar as primeiras barreiras, derru-
bá-las e criar um museu que tem o resultado que tem hoje aí.
62 museu do folclore de são josé dos campos

Informativo Cultural divulgando abertura


do Museu Municipal, em julho de 1991. Texto do prof. José Gerardo M. Guimarães para divulgação, no
Informativo Cultural, do 1º Encontro de Folclore, realizado em
julho de 1991.

No entanto não apenas a Comissão de Folclore necessitava de


um espaço físico, as demais Comissões também. A solução encon-
trada pela FCCR foi agregar diversos acervos num mesmo local e
criar o Museu Municipal35. Por essa razão, outros acervos foram
incorporados à Igreja de São Benedito, que passou a congregar
não o Museu do Folclore, mas o Museu Municipal de São José dos
Campos. A inauguração oficial do Museu aconteceu em julho de
1991, durante o 1º Encontro de Folclore.
A inauguração do Museu Municipal na Igreja de São Benedito
foi realizada em julho de 1991, durante comemorações do aniver-
sário da cidade. Segundo informa o jornal, houve Missa Sertaneja,
celebrada pelo padre João, Orquestra de Viola e Coral de Jambeiro
liderados pelo seu Zé Mira. Essa programação era parte de um
evento maior, com duração de três dias, 26, 27 e 28 de julho: o 1º
Encontro de Folclore de São José dos Campos.
Com uma programação consistente, o Encontro congregava pes-
quisadores do Rio de Janeiro, São Paulo, Ilhabela, Guarujá, Gua-
ratinguetá, Ubatuba, Jacareí, Taubaté e São José dos Campos. As
35. A lei que regularizou a conferências, proferidas pelas pesquisadoras e professoras Cáscia
criação do Museu Municipal
foi promulgada somente em
Frade, do Rio de Janeiro, e Fernanda Macruz, de São Paulo, trataram,
1993, Lei 4.447/1993. respectivamente, de Folclore e Educação e Pesquisa em Folclore.
a comissão de folclore alcança projeção nacional: 63
o simpósio nacional de ensino e pesquisa de folclore

Folheto de divulgação da
apresentação da Orquestra
Foram quatro mesas-redondas, três apresentações de Grupos de de Viola Caipira, em julho de
Aproveitamento de Folclore, duas projeções de documentações em 1992, durante o Simpósio
Nacional de Ensino e
slides e vídeos e, para encerrar, visita ao Museu do Folclore da Pesquisa em Folclore.
Fundação Cultural, apresentação de grupos folclóricos ao ar livre
e quermesse na Praça Afonso Pena. O Encontro produziu ainda um
documento a ser encaminhado ao 1º Simpósio de Pesquisa e Ensino
de Folclore, previsto para ser realizado naquele mesmo ano em
Ubatuba, mas que acabou acontecendo em São José dos Campos
no ano de 1992.
Em 1991, ainda outros novos projetos foram criados pela Comis-
são de Folclore. O Mês do Folclore e os demais projetos continuavam
sendo executados. O Piraquara agregava um grupo grande de vio-
leiros, contando também com a presença de seu José Mira e Braz
da Viola. Lourdes Rossi era então coordenadora da CF e motivou
o desenvolvimento de uma orquestra de viola, a 1ª Orquestra de
Viola Caipira do Brasil.

[...] Aí nasceu a 1ª Orquestra de Viola do Brasil, em 91, final de 91. Na mi-


nha casa, conversando com Brás, ele dando aula de viola para mim. Aí
eu falei: “Brás, nós temos já algumas pessoas que tocam viola. Vamos
fazer uma orquestra de viola”? Aí começamos a fazer. Eu acho que
foi em junho, em junho de 1990, 1991, por aí. [...] O Brás foi para o Mato
Grosso, fez uma pesquisa com as violas de cocho, trouxe a viola de
64 museu do folclore de são josé dos campos

cocho para nós. Acho que trouxe uma meia dúzia de violas de cocho
para nós, nós fizemos uma apresentação linda com violas e violas de
cocho misturadas, ficou super bonito.

Também nesse ano a CF estabeleceu uma parceria com a UNI-


VAP no projeto Universidade do Idoso. Os alunos desse projeto
passaram a ter aulas de teoria do Folclore e foram incentivados e
orientados a realizar a documentação de manifestações culturais,
iniciando seus trabalhos pela observação e registro dos Ciclos de
Natal, Páscoa, Semana Santa e Ciclo Joaninho.
No ano seguinte, no final de junho de 1992, a Câmara Munici-
pal de São José dos Campos emitiu um documento, assinado pelo
vereador Bérgamo Pedrosa, parabenizando e cumprimentando a
Fundação Cultural Cassiano Ricardo, a Comissão Nacional de Fol-
clore/IBECC/UNESCO e a Comissão Municipal Setorial de Folclore
pela realização, no mês seguinte, do Simpósio Nacional de Ensino
e Pesquisa de Folclore.
De fato, foi um evento e tanto! Podem-se ver, no texto de Apre-
sentação de Bráulio do Nascimento, então Vice-Presidente da Co-
missão Nacional de Folclore, o entusiasmo e a mobilização que o
encontro provocou em pesquisadores do Brasil todo e a importância
desse evento para o Ensino e Pesquisa de Folclore. Segundo Bráulio,

[...] reuniram-se, em São José dos Campos, representantes de 17 Es-


tados da Federação, abrangendo 13 Universidade federais e estadu-
ais (áreas de Folclore, Antropologia, Sociologia, Literatura, Linguística,
Comunicação, Música), 11 Comissões Estaduais de Folclore, vincula-
das à Comissão Nacional, 7 instituições das áreas federal, estadual
e municipal ligadas ao Folclore, além de numerosos pesquisadores e
do Representante do Ministério de Educação e Cultura da Argentina,
Professor Felix Coluccio36.

36. NASCIMENTO, Bráulio do. O Simpósio de 1992 entrou para a história do Movimento Folclórico
“Apresentação”. Anais do
Simpósio Nacional de Brasileiro, sendo citado em trabalhos acadêmicos ou não acadêmicos
Ensino e Pesquisa de
Folclore. São José dos
de pesquisa em Folclore e tendo marcado o início de uma nova etapa
Campos: FCCR, 1992, p. 9. na história da Comissão Nacional de Folclore. Além disso, os Anais
a comissão de folclore alcança projeção nacional: 65
o simpósio nacional de ensino e pesquisa de folclore

do evento, lançados ainda no ano de 1992, tornaram-se


referência bibliográfica fundamental para os estudos de
Folclore, pois ali se concentraram dezenas de textos de
especialistas na área.
Alguns dias antes do evento, o Informativo Esfera,
da FCCR, divulgou uma nota em que destacou a fala da
folclorista Cáscia Frade acerca da realização do Sim-
pósio e, mais ainda, da relevância de ele acontecer em
São José dos Campos, “[...] dada a importância socioe-
conômica do município no contexto nacional”. Segue
trecho da reportagem:

A professora lembra que as análises, reflexões, debates


que ocorrerão no âmbito do Simpósio oferecerão parâ-
metros de avaliação da convivência entre a cultura e a
tecnologia, entre as tradições populares e o progresso Jornal de agosto de
1992 relata o sucesso
industrial, entre a modernização e a preservação de va- do Simpósio.
lores que compõem o mapa cultural da comunidade.

Essa questão da convivência entre tradições popula-


res e progresso industrial, muito cara para a professora
Cáscia, conforme ela já havia declarado em 1972 para
o jornal Agora, de São José dos Campos, certamente
pairou sobre o conclave, porém, segundo Luís Rodolfo
Vilhena, antropólogo que se dedicou ao Movimento Fol-
clórico Brasileiro em seus estudos, a posição chave des-
se Simpósio foi uma tentativa de retomar, requalificar
a Comissão Nacional de Folclore e “[...] convidar estu-
diosos da área de vários estados do país para produzir
um diagnóstico sobre a situação atual do campo37”.
Em formato de livro, os Anais do Simpósio Nacio-
nal de Ensino e Pesquisa de Folclore, lançados ainda
em dezembro de 1992, trazem a compilação das falas 37. VILHENA, Luís Rodolfo.
Projeto e missão: o
dos convidados e apresentadores das comunicações. movimento folclórico
brasileiro 1947-1964. Rio
Antes, porém, insere-se o texto de apresentação de de Janeiro: Funarte/FGV,
Bráulio do Nascimento, anteriormente citado, que traz 1997, p. 40.
66 museu do folclore de são josé dos campos

informação sumarizada acerca dos debates que acontecerem em


São José naqueles dias.

Durante dois dias, em tempo integral, no Teatro Benedito Alves da Sil-


va, foram apresentadas em mesas-redondas, 34 comunicações, além
de comunicações livre, em que foi examinada a situação do ensino do
Folclore no país, identificando-se os cursos vigentes, realizados em
Universidades e outras instituições de ensino de 1º e 2º graus, bem
como cursos avulsos em Fundações, Autarquias e Museus. Deu-se
especial atenção aos programas, duração dos cursos, títulos outor-
gados, locais de realização, reunindo-se um acervo de informações
de grande relevância. Foram igualmente focalizadas as pesquisas de
folclore nas Universidades e em outras instituições, assim como as
pesquisas individuais nos diversos pontos do Brasil38.

Assim como no 1º Encontro de Folclore, em 1991, ao final do Sim-


pósio de 1992 foi elaborado um Documento, discutido e aprovado
em assembleia geral, com os dados apresentados pelos pesquisa-
dores e com recomendações para ampliar o ensino e intensificar a
pesquisa em cultura popular. Esse documento final versa sobre os
seguintes tópicos: I – Quanto à demanda profissional; II – Quanto
ao ensino; III – Quanto à pesquisa.
Entre os textos dos Anais que merecem destaque está o artigo
intitulado “Atividades da Comissão de Folclore da Fundação Cul-
tural Cassiano Ricardo”, de autoria de Angela Savastano39. Nele,
a autora faz um histórico das ideias, práticas e desafios locais.
Traz uma reflexão para pensar com os estudiosos presentes no
Simpósio, e com o futuro leitor, a respeito da relação entre os es-
tudos do folclore e a prática educacional. Relata, com preocupação,
que, embora a Comissão de Folclore de São José tenha realizado
inúmeras atividades ao longo de seus anos de existência, embora
tenha promovido palestras e cursos consistentes e bem frequen-
38. Op. cit., 1992, p. 9-10 tados, embora tenha formado e informado sobre Folclore centenas
39. SAVASTANO, Angela.
“Atividades da Comissão de alunos e professores, além dos detentores dos saberes e seus
de Folclore da Fundação
Cultural Cassiano Ricardo”.
familiares, não havia alcançado os objetivos propostos, pois a co-
Idem, p. 212-217. munidade, de forma geral, continuava pedindo informações sobre
a comissão de folclore alcança projeção nacional: 67
o simpósio nacional de ensino e pesquisa de folclore

“danças típicas” para apresentação dos alunos “COMO UM


no Mês do Folclore e continuava “lastimando a
morte de nosso folclore”, sem compreender que
COMPORTAMENTO
o folclore é cultura viva. Angela destaca, assim, FOLCLÓRICO
a necessidade de inserir na formação específica
de professores os estudos de Folclore, pois a
INTERFERE-INTERAGE
formação complementar não estaria sendo su- DENTRO DE UM SISTEMA
ficiente para ampliar as práticas didático-peda-
gógicas nas escolas. ECOLÓGICO? COM UM
[...] Não está devidamente considerada a interre-
COMPORTAMENTO
lação da ciência do folclore com as outras ciên- ECONÔMICO? COM O
cias na análise do desenvolvimento do homem.
Por exemplo: como um comportamento folclóri-
SISTEMA SOCIAL DE
co interfere-interage dentro de um sistema eco- UMA COMUNIDADE?”
lógico? Com um comportamento econômico?
Com o sistema social de uma comunidade? Com —
a educação? Com a medicina? Com a história Angela Savastano
e com a geografia? Com a política? O folclore
não é assim analisado nas escolas de modo geral. Pelo contrário (e
até mesmo pela interpretação da lei), só é citado no mês de agosto
e trabalhado só pelos professores de educação cívica e educação
artística. Alunos e professores não são estimulados a analisar suas
próprias manifestações culturais, o seu próprio folclore, e quando so-
licitados a apresentarem trabalhos referentes ao assunto, sem subsí-
dios, se perdem procurando “não se sabe o que, nem onde”40.

Discutir a atualidade desse assunto cerca de 30 anos depois


requer tempo e oportunidade, talvez seja hora de um 2º Simpósio
Nacional de Ensino e Pesquisa de Folclore em São José dos Cam-
pos. As cartas enviadas a Fátima Manfredini, então Presidente da
Fundação Cultural, corroboram o sucesso do encontro. Destacam-
-se duas delas; a primeira, do Museu de Folclore Rossini Tavares
de Lima, enviada a Fátima Manfredini e assinada por Fernanda
Macruz, e a segunda, da Comissão Nacional de Folclore, enviada a
Angela Savastano e assinada por Bráulio do Nascimento. 40. Idem, p. 215.
68 museu do folclore de são josé dos campos

Na carta de Fernanda Macruz, então Diretora-Presidente do


Museu de Folclore de São Paulo, é possível perceber que o Simpósio
tinha o caráter de uma reunião da Comissão Nacional do Folclore,
uma oportunidade para os folcloristas se reunirem e debaterem
sobre as questões circundantes ao estudo e uso do folclore. Diz o
segundo parágrafo da carta de agradecimentos: “Por tudo isso, que
garantiu o bom êxito da reunião, para nós, folcloristas, importantís-
sima, quero cumprimentá-la e agradecer a eficiência do trabalho seu
e de toda a equipe”. Ao final da carta, em post scriptum, um sinal
para a continuidade das relações institucionais entre o Museu de
Folclore da capital e a Fundação Cassiano Ricardo: “Fica, também,
o convite para nos visitar e conhecer o nosso trabalho”.
Além da importância histórica para São José dos Campos em
sediar esse Simpósio, a cidade teve a oportunidade de mostrar para
pesquisadores do país elementos materiais e imateriais de sua his-
tória. Além da cidade em si, da paisagem do Banhado, dos prédios
históricos, os visitantes conheceram elementos da cultura local por
meio de apresentações do Grupo Piraquara e da Orquestra de Viola
Caipira, bem como na exposição de peças do Museu do Folclore,
aberta ao público na Igreja de São Benedito. A importância desta
exposição fica clara nesta fala de Angela Savastano41:

[...] Eu tinha muita dificuldade de discutir este conceito de Folclore na


cidade, na Fundação. Eu pensava que quanto mais pessoas viessem
para discutir, trazer novas cabeças, seria melhor. Na época a Fátima
Manfredini estava como presidente da Fundação e ela trouxe o Con-
gresso para cá. Mas daí o que aconteceu com aquela exposição que
estava lá na Igreja de São Benedito? Além das escolas visitarem, de
ter uma conversa entre as escolas e a Comissão de Folclore, vieram
os estudiosos de Folclore da Comissão Nacional para São José, para
discutir a mesma coisa. E eles visitaram essa exposição lá na Igreja.

41. Entrevista realizada em 26


de julho de 2018.
Demonstração semelhante de afeto e gratidão é
lida na carta enviada pelo Vice-Presidente da CNF.
71

Os últimos anos daComissãodeFolclore


eoprojetodeocupaçãoda“CasaVelha”

T
erminado o Simpósio, o trabalho da I – criar e manter o Museu do Folclore no mu-
CF continuou em São José dos Cam- nicípio [...]
pos, ora mais vibrante, ora mais en-
fraquecido, dependendo do contexto. Foram Os objetivos seguem e vão até o 8º. Todos
realizados cursos e palestras, manteve-se eles são, assim como esse primeiro, anuncia-
o Grupo Piraquara, produziram-se eventos dos pela CF desde 1986, com a diferença que
em parceria com as demais comissões, rea- apresentam uma formatação mais jurídica
lizou-se o Mês do Folclore, editaram-se os neste documento. De qualquer forma, tra-
Cadernos de Folclore etc. ta-se de criar e manter, além do museu, um
Embora no folheto de divulgação do 1º banco de dados/acervo, apoiar os grupos de
Encontro de Folclore, em 1991, tenha sido manifestações folclóricas, realizar cursos e
anunciada a inauguração oficial do Museu palestras, entre outros. O que chama a aten-
Municipal e também uma “visita ao Museu ção aqui é que, embora o Museu do Folclore
do Folclore da Fundação Cultural Cassiano já fosse considerado aberto ao público, ele
Ricardo” e em 1992 tenha sido publicada, no não tinha garantias legais para existir, o que
Informativo Esfera, da FCCR, uma fotografia deixava a inciativa à mercê dos contextos
de “simposistas visitando o Museu do Folclo- políticos locais. De fato, em 1993, foi promul-
re”, o Regimento da Comissão de Folclore, gada a lei de criação do Museu Municipal, in-
reelaborado em 1992, dizia, no artigo nº 2 do cluindo como parte de seu acervo o material
Capítulo I – Das Finalidades: da CF, localizado na Igreja de São Benedito. A
Comissão, por sua vez, continuou seu traba-
A Comissão Municipal Setorial de Folclore, lho, realizando seus projetos e lutando pela
daqui por diante, neste instrumento, também concretização do Museu do Folclore de São
denominada simplesmente de Comissão de José dos Campos e reivindicando o acervo
Folclore, atuará junto aos outros órgãos da da Igreja de São Benedito.
Fundação Cultural para a concretização dos Um manuscrito datado de 1994 indica as
seguintes objetivos: direções da CF para aquele ano. Na pauta,
72 museu do folclore de são josé dos campos

continuava-se enfatizando o registro das manifestações


existentes na cidade e região. Porém, com uma reco-
mendação muito interessante: “Não se preocupar com
o que aconteceu. O folclore é dinâmico, atual (ex.: meu
gesto ao falar).” E segue reforçando a necessidade de
envolver professores e alunos no trabalho de campo,
uma vez que as escolas concentram grande parte da
população de uma cidade e, portanto, são locais fecun-
dos para o levantamento de dados, bem como para a
transmissão de conteúdo. Importante frisar que a Co-
missão tinha como foco os educadores, não os alunos.
Certamente pela dificuldade logística de alcançar, pelas
próprias pernas, a totalidade deles, mas também pelo
papel de agentes multiplicadores exercido pelos profes-
sores, que se formariam no assunto folclore e estariam
aptos a mapear e transmitir conhecimento folclórico.
Chama a atenção no manuscrito uma observação a
respeito do objetivo da Comissão. Em letras maiúscu-
Carta enviada a professores e demais las, destaca-se a frase: “A COMISSÃO NÃO QUER CRIAR
interessados para divulgar o curso de Técnica
e Metodologia do Folclore, ministrado por FOLCLORE, MAS REGISTRAR O FATO EXISTENTE”. Essa
Angela Savastano, em 1994. A CF, mesmo
enfraquecida, realizava suas atividades.
frase se liga ao assunto Cadernos de Folclore, que esta-
va sendo discutido para aquele ano e demonstra uma
preocupação, ao menos da coordenadoria da CF, com a
criação de tradições por estudiosos da cultura popular.
Ou melhor, sobre a diferença entre relatar um fato e
criar um fato. O folclore, na acepção da CF, é espontâneo,
cria-se na vida, na vivência, não poderia ser criado pela
Comissão ou por sujeitos externos ao fato folclórico.
Como no ano anterior, em 1994 a CF não publicou o
Caderno de Folclore anual. Mas realizou cursos, man-
teve o Piraquara, a pesquisa de campo e a exposição
aberta na Igreja de São Benedito, recebendo alunos e
professores, além do público espontâneo. Em 1995, po-
rém, a exposição do acervo da Comissão de Folclore foi
desmontada, provocando desgastes e retrocessos no
trabalho de pesquisa de campo e coleta de objetos da CF.
os últimos anos da comissão de folclore e o projeto de ocupação da “casa velha” 73

A partir do desmonte da exposição na Igreja de “A COMISSÃO NÃO


São Benedito, a CF intensificou a negociação com a
diretoria da Fundação Cultural por um espaço físico
QUER CRIAR FOLCLORE,
definitivo para a instalação do Museu do Folclore. MAS REGISTRAR O
Com a desapropriação da Fazenda da Tecelagem em
1996 e a intenção de transformá-la em um Parque FATO EXISTENTE”
Municipal, abriu-se a possibilidade de a Comissão

do Folclore ocupar uma das estruturas do local. As- manuscrito datado de 1994 que indica as
sim, superado o problema do espaço físico, o desafio direções da CF para aquele ano
seguinte era conseguir recursos para a empreita-
da, pois a FCCR não poderia aumentar os recursos já destinados à
Comissão de Folclore para que esta realizasse, além das ações já
desenvolvidas anualmente, a reforma do espaço e a instalação de
exposições, programas e atividades diversas.
A solução debatida e aprovada em reunião do Conselho Delibera-
tivo da FCCR foi que a Comissão do Folclore elaborasse um projeto
para submeter à Lei de Incentivo Fiscal (LIF), criada três anos antes42,
para tentar obter autorização para captação de recursos de incentivo
fiscal. Assim foi feito. A CF idealizou, discutiu e escreveu o projeto.
Porém, devido às suas limitações jurídicas, a Comissão não podia
assinar a proposta. Angela, que havia dezenas de anos participava
do Lions Clube Centro, reuniu-se com as lideranças dessa entidade,
apresentou o projeto, embora todos já conhecessem de longa data
o trabalho da CF, e solicitou que o Clube encampasse a proposta. E,
assim, o projeto de instalação do Museu do Folclore, gestado por 12
anos pela Comissão Municipal Setorial de Folclore, foi empreendido
entre 1996-1999 pelo Lions Clube Centro de São José dos Campos,
sob coordenação de Angela Savastano e gerenciamento de Flávia
Diamante. Nesse período, Maria Helena Weiss ocupava o cargo de
coordenadora da Comissão de Folclore.
No final do ano de 1996, a Presidente interina da Fundação Cultu-
ral, Elizabeth Brait Alvim, dirigiu o ato solene de criação do Museu
do Folclore, orientando a Secretaria Executiva do Conselho, a Secre-
taria Geral e a Assessoria Jurídica da FCCR para “[...] juridicamente 42. Lei Complementar 94, de
concretizar a existência do museu ora criado”. Entre as pessoas 13/12/1993, revogada pela Lei
Complementar 192, de 30 de
que estavam presentes nessa solenidade, destacam-se os nomes de setembro de 1999.
74 museu do folclore de são josé dos campos

Sérgio e Helena Weiss, Wilson e Maria Helena Lacaz Ruiz, Vera Maria
Costa, Irma Maria Cheminand Valiante, Geralda Fagundes, Benjamin
e Maria Tereza Bueno, Rubens e Angela Savastano, Ricardo Savas-
tano, Marcelo Magano, Toninho Macedo, Jair Pereira, Itamara de
Moura, Nilton Blau, José Vitório de Faria, Flávia Diamante e Carlos
Vicente Andrade. Nos meses seguintes, criou-se uma Comissão Pró-
-Instalação do Museu do Folclore, composta por representantes da
Comissão Municipal de Folclore, Fundação Valeparaibana de Ensino,
Associação Comercial e Industrial de São José dos Campos, Lions
Clube, Departamento de Patrimônio Histórico/FCCR, comunidade
joseense e um assessor jurídico.
O projeto apresentado à Fundação Cultural para concorrer à LIF
previa, além da restauração do imóvel, a manutenção de todos os
projetos da Comissão de Folclore. Nesse momento, uma das seis
propostas lançadas em 1986, o Projeto Museu do Folclore, deixou de
ser mais um dos projetos da CF e passou a ser o guarda-chuva dos
demais, tendendo a centralizar as ações da CF na sede, localizada no
Parque da Cidade Roberto Burle Marx.
Em janeiro de 1997, durante Reunião do Conselho Deliberativo
da Fundação Cultural Cassiano Ricardo, o Diretor Cultural, Oswaldo
Ferreira de Almeida Júnior, representando o então Presidente Antônio
Gervásio de Paiva Diniz, apresentou o resultado da LIF para o ano.
Foram aprovados 18 projetos culturais, sendo o Museu do Folclore
um deles. Um momento de muita alegria e preocupação, pois, embora
tivesse sido aprovada a captação de recurso para o projeto, o corte
no valor solicitado era de 64%.

[...] Foi o Projeto apresentado à Fundação Cultural Cassiano Ricardo


sob o nº 026/97, com o valor total de $200.000,00. Esse valor cobriria
a restauração da casa, a compra de equipamentos e a execução dos
projetos culturais. O projeto foi aprovado, mas em apenas 36% do to-
tal. [...] A data de aprovação do Projeto foi em janeiro de 1997. A partir
desta data fomos em busca de novos patrocinadores43.
43. Trecho de Relatório
elaborado por Angela
Savastano a respeito da
Com o valor aprovado, a CF remodelou o Projeto e saiu em bus-
inauguração do Museu. ca de patrocínio. Segundo os membros da Comissão de Folclore
os últimos anos da comissão de folclore e o projeto de ocupação da “casa velha” 75

A CF executou as obras de
restauração do prédio da
“Casa Velha” e do Viveiro em
entrevistados, essa foi uma tarefa muito difícil, pois não era fácil apenas três meses.

para os empreendedores terem acesso às empresas e fábricas


que possivelmente patrocinariam o projeto. Além dessa questão
do contato, havia dificuldade em comunicar, fazer os empresários
entenderem e apoiarem a proposta. De janeiro a julho a CF traba-
lhou na captação dos recursos. Em agosto de 1997, faltando apenas
quatro meses para o encerramento do prazo da LIF, começaram a
ser recebidas as primeiras parcelas significativas para a execução
da reforma. Em setembro as obras foram iniciadas. Em dezembro,
o Museu foi aberto ao público. Em janeiro de 1998, começou a
funcionar com atendimento à comunidade.
Podemos ver, no folheto de Abertura do Museu do Folclore, as
empresas patrocinadoras do Projeto: Segvap, Hotel Urupema, Sergio
Porto Engenharia, Clínica São José, McQuay do Brasil. A JAC Editora
apoiou a produção do folheto e de muitas outras peças gráficas do
Museu. Figuram como apoio institucional a Prefeitura Municipal
76 museu do folclore de são josé dos campos

de São José dos Campos, a Fundação Cultural Cassiano Ricardo, a


Comissão Municipal de Folclore e o Lions Clube.
No dia 14 de setembro de 1997, o jornal Valeparaibano publicou
uma nota anunciando o início das obras de restauração da Casa
da Gerência e a futura inauguração do Museu do Folclore. Angela
Savastano foi entrevistada e comentou sobre os objetivos do Mu-
seu, ressaltando que a CF havia idealizado um local de pesquisa e
estudos, não restrito a exposições de objetos. Acompanha a nota
uma foto de um grupo de Folia de Reis da cidade, com a seguinte
legenda: “Grupo de Folia de Reis de São José dos Campos; a mani-
festação popular é fonte de pesquisa do Museu do Folclore”.
As obras de recuperação do prédio do Museu foram iniciadas
pelo encanamento. A engenheira Lourdes Rossi, que conhecia de
perto o trabalho da CF, pois havia sido sua coordenadora cerca de
cinco anos antes, assumiu o serviço e a supervisão dos trabalhos.
As condições do imóvel quando as obras se iniciaram eram terríveis.
A “Casa Velha” já estava fechada havia muitos anos e sem nenhum
tipo de manutenção. Segue relato de Angela Savastano sobre isso:

[...] estava tudo inabitável, o pedreiro teve que fazer um buraco pelo
fundo e teve que trabalhar deitado para arrumar o encanamento em
cima. [...] Onde é hoje a sala das panelas era um depósito de lixo de
onde tiramos nove sacos de livros podres. Então, era um depósito de
coisas velhas, móveis velhos, sem telhado [...].

A Comissão de Folclore, assim como a diretoria do Lions e o


DPH/FCCR, acompanhou de perto o trabalho, pois a reforma havia
de se pautar pelas regras de Preservação do Patrimônio Históri-
co e Cultural. As exigências do DPH fizeram com que Angela e os
pesquisadores da CF observassem os pedreiros e iniciassem com
eles uma documentação:

Eles tinham muita sabedoria para resolver estes problemas, as di-


ficuldades da construção. Não eram engenheiros, mas eram muito
criativos. Eu observei o processo do trabalho deles como um tema de
análise da profissão do pedreiro. Então, isto a gente documentou aqui
os últimos anos da comissão de folclore e o projeto de ocupação da “casa velha” 77

também. [...] Foi muito rico porque a gente viu que eles tinham, além de
uma linguagem própria, as ações, as técnicas que eles usavam, como
subir no telhado, o que faziam para se proteger. Quando eles come-
çaram a levar as telhas, como eles levavam as telhas, tinha o som,
rei, rol. Eu nunca tinha visto uma equipe de pedreiros que tinha esta
habilidade. Até a parte da comida deles. Eles traziam e faziam uma es-
pécie de fogareiro. Isto tudo foi documentado e eles viram como isto
era importante. Perguntávamos: quem foi que te ensinou isto? Um dos
operários, o mais velhinho, ele ficou sendo nosso guardião. Ele ficava
para abrir e fechar a porta.

A partir das obras foram iniciados os primeiros contatos com


as pessoas envolvidas e com o público do Parque. O pai de Lourdes
Rossi, seu Zicão, era mestre de Folia de Reis e catireiro, não tardou
que ele fosse visitar as obras coordenadas por sua filha.

O pai da Lourdinha [relata Angela Savastano] era mestre de Folia de


Reis. E ele veio ver as obras e a gente já começou a registrar o conhe-
cimento dele, porque aqui era o lugar onde este conhecimento preci-
sava ser visível para todo mundo que passasse pelo Parque. Então, o
objetivo era o público que passava por aqui, mas também as escolas.
Daí abrimos também para as escolas e elas começaram a trazer os
alunos ainda nessa fase de reforma. [...] As crianças sentavam eu co-
meçava a conversar com elas, aqui será o Museu do Folclore [...].

Embora a CF estivesse, em 1997, completando 12 anos de exis-


tência, a urgência por iniciar o trabalho no Parque da Cidade era
grande. Angela e outros membros da Comissão não queriam perder
uma oportunidade sequer de levantar informações sobre a cultura
popular ou informar sobre o assunto. Assim que começaram as
obras, além da pesquisa e troca de informação com os pedreiros,
iniciou-se uma série de conversas com os transeuntes que por ali
passavam. Ainda antes da inauguração oficial do Museu, foram
feitos até alguns atendimentos às escolas.
78 museu do folclore de são josé dos campos

Quando ganhamos este dinheiro através da LIF, nós já abrimos as


portas e começamos a conversar com estas pessoas que estavam
andando pelo Parque. O Parque já era frequentado. Aí eu chamava,
muitos paravam para saber o que seria ali, as pessoas chegavam e
perguntavam “o que vai ser aí?” Tinha pedreiros, pessoas trabalhan-
do. Eu dizia: “Isto daqui será Museu do Folclore”. Aí, sentava e conver-
sava. Eu tenho fotos dessas conversas.

Não demorou quase nada entre o início das obras e a abertura


do Museu do Folclore de São José dos Campos. Em dezembro de
1997, dando continuidade às atividades de Natal da Comissão de
Folclore, o espaço foi aberto ao público, ainda sem acervo, pois as
Angela Savastano, peças da CF continuavam na Igreja de São Benedito, sem biblioteca,
Lourdes Rossi e pedreiros
recebendo alunos antes da
pois o acervo de Maria Amália Corrêa Giffoni, doado pelo Museu
inauguração do Museu no Rossini Tavares de Lima a Angela Savastano em 1996, continuava
Parque da Cidade.
em São Paulo. Mesmo assim, contando com a presença do Grupo
Piraquara, do Grupo Djamberê, da Banda de Santana, da Folia de
Reis de São Luiz do Paraitinga, da Catira do mestre Zicão, do pre-
sépio da D. Lili, do músico Sérgio Stacas, e de tantas outras pessoas
Reportagem da Folha de São que até ali já faziam parte dessa história, a Comissão de Folclore
Paulo, sessão Vale do Paraíba, da Fundação Cultural Cassiano Ricardo e o Lions Clube Centro de
em 4 de dezembro de 1997,
noticiando a inauguração do
Museu do Folclore.
os últimos anos da comissão de folclore e o projeto de ocupação da “casa velha” 79

São José dos Campos continuaram uma longa e impor-


tante história de pesquisa, valorização e difusão do
patrimônio cultural material e imaterial de São José
dos Campos e região.
Para dar sequência à implantação do Museu no
ano de 1998, a Comissão de Folclore, por intermédio
do Lions Clube, reenviou um projeto para a LIF. Nova-
mente o projeto foi aprovado, novamente sofreu cortes,
novamente se deu a busca por patrocínio. Nesse ano,
além da Segvap, patrocinaram o Museu do Folclore o
Novotel e a Kodak. O recurso foi utilizado para dar
continuidade aos projetos da CF, como o Mês do Fol-
clore, a publicação Cadernos de Folclore, o Ciclo de
Natal, o Grupo Piraquara, a pesquisa de campo e sua
documentação e, por fim, os cursos. Além dessas ati- Divulgação da Exposição Permanente “Minha
vidades, enquanto era mantida a exposição de longa cultura mostra quem sou”.

duração “Minha cultura mostra quem sou”, foi montada


a exposição temporária “Bonecões e bonequeiros, o
imaginário está nas ruas”, ambas com curadoria de
Ricardo Bogus. Em março de 1998 foi iniciada a 2ª parte
Cartaz de divulgação do Curso de Restauração
da recuperação do imóvel, o prédio anexo. e Conservação de figuras em barro.
O ano de 1998 foi decisivo para o Museu do Folclore.
Ou melhor, foi um ano decisivo para a Fundação Cultu-
ral e, consequentemente, para todas as suas comissões.
Durante todo o ano, a FCCR recebeu uma série de acu-
sações do legislativo, provocando instabilidade e dú-
vidas acerca da continuação dos projetos. Em novem-
bro, depois de muita discussão entre representantes
políticos e representantes da sociedade civil joseense,
foi promulgada a Lei 5.280, que alterou a estrutura de
funcionamento da FCCR, extinguindo as nove Comis-
sões Setoriais e criando um novo Conselho Deliberativo.
Apesar disso, a CF deu continuidade aos seus pro-
jetos e executou diversas atividades ao longo do ano,
cumprindo com o planejamento anual. No encerramen-
to do ano, para comemorar o primeiro aniversário do
Episódios do ano de 1998, da esquerda para a direita e de
cima para baixo: Visita de membros do Lions Clube ao Museu
do Folclore; Inauguração da Exposição de Curta Duração
“Bonecões e bonequeiros, o imaginário está nas ruas”; Alunos
sendo recepcionados no Museu do Folclore; Angela Savastano
durante atividade do Mês do Folclore – Roda de Capoeira no
Parque da Cidade; Documentação fotográfica feita por Lídia
Bernardes de apresentação do Moçambique de Eugênio de Melo.
os últimos anos da comissão de folclore e o projeto de ocupação da “casa velha” 81

Museu do Folclore no Parque da Cidade, foi realizada a programação Folheto de divulgação


do Ciclo de Natal do ano
intitulada Ciclo do Natal, que contou com a participação de onze de 1998. Repare que não
aparece mais a referência
Corais da cidade apresentando repertório de músicas natalinas, à Comissão de Folclore.
além da abertura do Presépio de Douglas Silva Lopes.

O ocaso da Comissão de Folclore afetou, como era de se esperar,


o andamento das atividades no Museu do Folclore. O ano de 1999 foi
difícil e muito incerto. Novamente o Lions Clube enviou o projeto para
a LIF e, pela terceira e última vez, teve um resultado positivo, embora
com grande corte no valor do recurso. Os membros da antiga CF se
organizaram e criaram uma Organização da Sociedade Civil (OSC)
chamada Centro de Estudos da Cultura Popular (CECP), cujo objetivo
era captar recursos para dar continuidade ao Museu do Folclore.
Nesse ano foram criados os programas Vivência e Aprendizado,
que ocorria durante a semana, e Museu Vivo, aos finais de semana.
Ambos intencionavam aproximar o público do Museu dos estudos
do folclore, proporcionando a vivência e a experiência da cultura
popular, aproveitando o espaço ao ar livre e as possibilidades de
trocas culturais que o encontro entre o público e os detentores de
saberes e fazeres poderia provocar. Vivência e Aprendizagem era
voltado aos estudantes da rede municipal, estadual e particular de
ensino e enfatizava os meios de transporte estudados pelo Folclore.
82 museu do folclore de são josé dos campos

“EU PROPUS Com esse foco, discutia assuntos mais amplos, como: profissão,
usos e costumes, papéis e funções, religiosidade, crendices. Já o
COMO SE Museu Vivo trazia elementos da Exposição “Minha cultura mostra
quem sou” para o pátio, ou seja, considerando as categorias Música,
FOSSE UM Culinária, Lúdico, Religião, Arte e Artesanato, pessoas portadoras de
MUSEU VIVO” saberes relacionados a elas eram convidadas a mostrar sua prática
ao vivo, compartilhando-a com o público espontâneo do Parque.
— O depoimento de Angela Savastano sobre a idealização dessa
Angela Savastano atividade é bastante interessante:

Eu propus como se fosse um Museu Vivo [...]. Comecei a trazer as pes-


soas da cidade numa espécie de feira, como se fosse um Museu Vivo.
No final de semana, todo final de semana, eu não lembro o nome que a
gente deu para isto. Aí a Fundação me cedia este negócio, o cavalete.
Com umas madeiras velhas, a gente fez umas mesas. Isto foi no co-
meço, já tinha o Museu. Pensei em convidar as pessoas que sabiam
da história de São José para vir contar estas histórias nos domingos.
Entendeu? Com objetos, com o material do imaterial. Eu selecionei
famílias que vieram espontaneamente. A família Faustino D’Ávila,
família Porto, família Venezianni, estas famílias que eu tinha conhe-
cimento, famílias tradicionais. Elas vinham aqui e traziam objetos e
contavam o porquê tinham aqueles objetos, como a mãe lidava com
aquilo, quem cuidava disto. [...] Cada um da família ficava ali na mesa
perto do objeto para contar sua história. Era um Museu Vivo, só que ao
invés de fazer alguma coisa, eles traziam os objetos prontos. Entre os
objetos que as famílias trouxeram estavam coisas como um aparelho
de cirurgias pulmonares, da família D’Ávila. A família Porto trouxe os
objetos que a mãe utilizava no quarto, a família Weiss trouxe peças do
casamento, a família Vilaça trouxe objetos da Revolução de 1932 [...].

Nesse mesmo ano aconteceu ainda o Torneio de Truco, em no-


vembro, e, em dezembro, o lançamento do 11º Caderno de Folclore,
uma coletânea de textos sobre o Ciclo de Natal, de autoria da pes-
quisadora Maria Graziela Brígido dos Santos.
Apesar das dificuldades enfrentadas naquele 2º aniversário do
Museu do Folclore, sem Comissão de Folclore, sem recurso para
Atividades do ano de 1999.
84 museu do folclore de são josé dos campos

continuar os projetos, sem saber se suas portas continuariam ou


não abertas, as palavras de Bráulio do Nascimento, então Presiden-
te da Comissão Nacional de Folclore, traziam um grande alento e
recompunham as forças para seguir o caminho:

A importância deste Museu de Folclore, que desejamos que se amplie


sempre e sempre, para que represente o retrato vivo da cultura popu-
lar da região, está no que ele possa recolher, guardar e preservar das
manifestações folclóricas, como documento fundamental, impres-
cindível para o conhecimento de relevante parcela da cultura nacio-
nal. Essa importância vai além da tarefa de preservação e torna-se
um centro de estudos, com uma função pedagógica complementar
da rede de ensino, objetivando desenvolver, entre a juventude, o senti-
mento do valor intrínseco dessas peças, como elemento de identida-
de cultural e demonstração da capacidade criadora do povo44.

44.NASCIMENTO, Bráulio do.


Discurso proferido em
ocasião do 2º aniversário do
Museu do Folclore de São
José dos Campos.
87

OCentrodeEstudos
daCulturaPopular

E
mbora a Lei 5.280, que alterava a es- nadores ou membros das extintas Comissões
trutura da FCCR, tenha sido promul- havia a possibilidade de se enquadrarem em
gada em novembro de 1998, a dis- algumas dessas instituições, especialmente
cussão no plenário da Câmara Municipal as nomeadas “instituições culturais”.
já vinha sendo feita desde o início do ano. As Comissões, em termos práticos, fo-
Depois de muita polêmica e argumentação, ram substituídas por “áreas de atuação da
ficou definido o seguinte: a Diretoria Execu- Fundação Cultural Cassiano Ricardo”, sendo
tiva ficaria composta de Diretor Presidente, prevista a contratação de técnicos concur-
um Diretor Administrativo e um Diretor de sados para conduzirem os trabalhos nessas
Cultura e Patrimônio. Isso significa que o nove áreas, a saber: Cinema e Vídeo, Teatro,
cargo de Diretor do Patrimônio Cultural fi- Música, Folclore, Artes Plásticas, Fotografia,
cava extinto, e o Diretor de Cultura assumia Literatura, Dança e Arquitetura. Isso porque
também a área do Patrimônio, mantendo-se os membros das Comissões, além de parti-
o Departamento de Patrimônio Histórico. ciparem da elaboração da política cultural
A alteração mais profunda, porém, se deu do município, executavam voluntariamente
no campo da representatividade do Conselho suas atividades de coordenadoria e mobili-
Deliberativo, que deixou de ser formado por zação, sendo a FCCR, até ali, uma instituição
9 representantes das Comissões Setoriais essencialmente administrativa.
de Cultura e passou a ser composto por 27 Ora, se desde o primeiro semestre de 1998
representantes de instituições culturais, so- a Câmara Municipal já discutia os termos da
ciais, religiosas, comerciais, profissionais, lei que regia a Fundação Cultural, pode-se su-
universitárias, públicas, educacionais e es- por que a tensão no Conselho da Instituição
portivas da cidade. A função do Conselho, era anterior. Verificou-se, por meio de relatos,
todavia, permaneceu a mesma: “elaborar a que os conflitos na FCCR já vinham acirrados
política cultural do município”. Aos coorde- desde 1997. A documentação da Comissão de
88 museu do folclore de são josé dos campos

“SUA FINALIDADE (…) É Folclore também indica que a dissolução das


Comissões já era esperada desde o início do ano
PROMOVER O ESTUDO, de 1998.
Observando os fatos, a CF passou a discutir
A PESQUISA, A DIFUSÃO, alternativas para a continuação dos trabalhos
A VALORIZAÇÃO E O realizados naqueles últimos 13 anos. Assim, no
dia 12 de março de 1998, aconteceu a “1ª Reu-
ESTÍMULO DE TODOS nião para a criação de uma Organização para

OS PATRIMÔNIOS manter o Museu do Folclore”. A missão primor-


dial dessa organização, segundo consta em Ata,
MATERIAIS E IMATERIAIS era: “[...] dar sequência aos objetivos da antiga
Comissão de Folclore, tais como abranger ati-
E TODA A EXPRESSÃO vidades culturais (pesquisa, cursos, documen-
DA CULTURA POPULAR” tação, edição de Cadernos de Folclore etc.)”.
Interessante observar que a reunião acon-
— teceu em março, mas a CF já era tratada como
Estatuto Social do Centro de Estudos “antiga”. Estavam presentes membros da Co-
da Cultura Popular
missão de Folclore, da Comissão de Música e
da Comissão Pró-Instalação do Museu com o
objetivo de verificar as possibilidades legais de organização da so-
ciedade civil para conseguir recursos para dar continuidade ao
Museu do Folclore. A solução encontrada foi a formação de uma
Organização Não-Governamental (ONG), também chamada de Or-
ganização da Sociedade Civil (OSC), cujo nome seria Centro de
Estudos da Cultura Popular – CECP. Ficou escolhida e nomeada a
seguinte Diretoria Provisória: Presidente – Angela Savastano; Vice-
-Presidente – Yolanda Borghoff e Diretora Administrativa – Helena
Weiss. Os demais presentes na reunião foram nomeados sócios-
-fundadores do CECP. São eles: Ricardo Savastano, Lourdes Rossi,
Nívea Lopes e Flávia Diamante.
O ano seguiu e a Comissão continuou com atividades no Museu
e em outros locais da cidade, especialmente devido à programação
descentralizada do Mês do Folclore. No dia 22 de agosto de 1998, o
Dia do Folclore, foi realizada uma Assembleia Geral de Fundação e
Aprovação dos Estatutos do Centro de Estudos da Cultura Popular.
Somente no ano seguinte, em abril de 1999, o CECP foi juridicamente
o centro de estudos da cultura popular 89

fundado, continuando uma história de 13 anos e construindo mais 22


anos de existência até agora. Sua finalidade, segundo seu Estatuto
Social, é promover o estudo, a pesquisa, a difusão, a valorização e
o estímulo de todos os patrimônios materiais e imateriais e toda a
expressão da Cultura Popular, assim entendida como aquela defi-
nida na Carta do Folclore Brasileiro. Além disso, o Estatuto define
que tais finalidades serão alcançadas por meio de ações realizadas
de forma individual pelo CECP ou em conjunto com órgãos e entes
da administração pública e empresas privadas, desde que visem ao
mesmo fim que a instituição.
91

Oano2000:
uminterlúdio

Ainda que o CECP já estivesse ativo ju- Nesse ínterim, Angela, Flávia e Nívea, que
ridicamente, não havia tido tempo para a estavam à frente do CECP, receberam a no-
captação de recursos e, sem os recursos da tícia de que haveria, em maio de 2000, uma
LIF, o Museu ficava à deriva. Assim começa- importante reunião em Santa Cruz, subúrbio
vam os anos 2000. do Rio de Janeiro, sobre ecomuseus e museus
Angela vinha sinalizando e comunicando comunitários, com representantes de várias
a Diretoria da FCCR sobre a situação que partes do mundo. Interessadas em pensar
estava por vir desde agosto de 1999. Mas e propor alternativas ao Museu do Folclore
qual seria o futuro do Museu? A Comissão de São José dos Campos, embarcaram para
já havia se transformado em CECP, porém lá para participar do conclave. No dia 17 de
quais seriam e de onde viriam os recursos maio saiu uma nota no Valeparaibano:
para continuar? Tudo indicava que não ha-
veria recursos. Angela Savastano, Flávia Diamante e Nívea
No dia 30 de janeiro de 2000, o Vale- Lopes – ex-coordenadoras do Museu do Fol-
paraibano publicou a seguinte manchete clore de São José – estão no Rio de Janeiro
“Fundação vai gerenciar o Museu”. Assim, participando do 2º Encontro Internacional
a saída para o impasse financeiro foi a FCCR de Ecomuseus – Comunidade, Patrimônio e
assumir a execução do Projeto, designando Desenvolvimento, que acontece até dia 20.
funcionários da instituição para abrirem e Elas estão representando a ONG Centro de
fecharem o Museu diariamente. Segundo a Estudos da Cultura Popular.
reportagem, seriam abertos concursos pú-
blicos para provisão dos cargos de museo- Novo milênio chegando e, junto com ele,
logia, monitoria e produção cultural. Mas, novas perspectivas e conceitos. A ideia de
de fato, o Museu teve as atividades diárias ecomuseu trouxe para o CECP o nascente
suspensas, sendo realizados alguns eventos conceito de Patrimônio Cultural Imaterial,
esporádicos durante o ano. que dialogava de forma propositiva com o
92 museu do folclore de são josé dos campos

conceito de Folclore estudado e desenvolvido em São José desde os


tempos da Comissão. Além disso, a possibilidade de aproximar ainda
mais o Museu das comunidades a fim de agir no desenvolvimento
local estava de acordo com a proposta de ativação da cidadania que
o grupo joseense vinha trabalhando havia tantos anos. A aproxi-
mação com o grupo liderado, no Brasil, pelo casal Odalice e Walter
Priosti certamente fortaleceu a proposta museológica do CECP.
Depois desse evento no ano 2000, o Centro de Estudos da Cul-
tura Popular esteve representado nos próximos três Encontros
Internacionais de Ecomuseus e Museus Comunitários, em 2004,
2012 e 2015; e nas quatro Jornadas de Formação em Museologia
Comunitária, em 2009, 2011, 2014 e 2016, sediando, inclusive, a III
Jornada, realizada em 2014. A proposta apresentada por Hugues de
Varine e pelo casal Priosti e executada pela Associação Brasileira de
Ecomuseu e Museus Comunitários (ABREMC) reverberou no CECP
e, embora a gestão do Museu do Folclore tenha sido logo retomada
pelo grupo, as ideias de implantar uma proposta ecomuseológica
em São José dos Campos continuaram sendo discutidas e foram,
aos poucos, amadurecendo.
Em 2009, durante a I Jornada em Santa Cruz, as três represen-
tantes do Museu do Folclore de São José providenciaram um Mu-
seu Vivo, compartilhando com os participantes do Brasil todo, da
França, do México a sabedoria valeparaibana de feitura do bolinho
caipira. Na ocasião, Angela contou a história do bolinho caipira de
São José dos Campos, recolhida por ela durante pesquisa de campo.
Segundo Antônio Álvaro de Toledo, os joseenses comiam o bolinho
caipira na Semana Santa, durante vigília da Sexta-Feira Santa para
o Sábado de Aleluia, quando os devotos passavam a noite orando
pelo Senhor Morto na Igreja Matriz. Para saciar a fome, comiam
nas barraquinhas montadas atrás da Igreja, onde eram servidos
bolinhos fritos, feitos de farinha de milho umedecida com água
temperada e recheados com um peixinho cru, o lambari. Com a
industrialização e a mudança dos costumes religiosos, bem como
com as transformações ambientais, o bolinho parou de ser consu-
mido na Semana Santa. Passou a ser encontrado nas Festas Juninas
da cidade, recheado, porém, com carne moída crua. Atualmente,
o ano 2000: um interlúdio 93

há uma grande variedade de recheios de bolinho caipira, de carne


frita a cogumelo. Além disso, essa tradição da culinária popular se
espalhou para diversas cidades do Vale do Paraíba paulista, tor-
nando-se, inclusive, patrimônio cultural imaterial registrado na
cidade de Jacareí.

Angela, Flávia e Nívea durante preparação do bolinho caipira no NOPH


Ecomuseu de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, em 2009.

Fotografia de encerramento da III Jornada de Formação em


Museologia Comunitária, realizada em 2014, em São José dos Campos.
95

Continuandoos trabalhos: oMuseu


doFolcloresobgestãodoCECP

E
m 2001 os ventos mudaram novamen-
te e o CECP retomou os trabalhos no
Museu do Folclore de São José dos
Campos. Desde fevereiro algumas ações
foram sendo realizadas, mas a reinaugura-
ção aconteceu no dia 27 de julho, no dia do
aniversário da cidade, com a abertura da
nova Exposição de Longa Duração, intitulada
“Traços de Cultura”. Convite para a Exposição “Traços de Cultura”. Criação
gráfica de Roberto Munholi, responsável pelo desenho
Angela, Flávia e Nívea, assim como a equi- gráfico dos materiais do Museu do Folclore por cerca de 10
anos. Sua produção ajuda a localizar o folclore no tempo
pe do Museu do Folclore, composta em gran- presente, trazendo para a comunicação das ações do Museu
de parte por voluntários, tiveram bastante uma dimensão industrial e urbana de São José.
trabalho para realizar em bem pouco tempo
e com pouquíssimo recurso a retomada do
espaço. Segundo a reportagem de O Vale, o
“[...] Museu estava de volta com nova pro-
posta, após firmar convênio com a Fundação Agenda de comemoração do aniversário da cidade no ano
de 2001, publicada no jornal no dia 22 de julho.
Cultural Cassiano Ricardo, que garante de
maio a dezembro uma verba de $ 28.000,00”.
Importante chamar a atenção aqui que o con-
vênio não fora firmado com o Museu, que é
um projeto da própria Fundação criado pela
Comissão de Folclore, mas com o CECP, uma
organização responsável por administrar
os recursos para a realização de atividades,
cursos, projetos, publicação de livros etc. na
96 museu do folclore de são josé dos campos

área do folclore/cultura popular. Os trabalhos de recuperação se ini-


ciaram em maio. Segundo relatos de Angela, os livros da Biblioteca
Maria Amália C. Giffoni tiveram de ser, um a um, higienizados, a
reserva técnica foi recuperada, a exposição foi reelaborada, enfim,
foram dois meses de muito trabalho.
Segundo Nívea Lopes, museóloga responsável, junto com Angela,
pela curadoria da Exposição, e sócia fundadora do CECP, a monta-
gem dessa exposição foi emocionante45:

Aquela foto com o Cildo me fez lembrar que trabalhamos mais de 30


horas sem parar. Passamos a madrugada inteira montando a expo-
sição e com os pintores dando o retoque final no Museu. As come-
morações do aniversário da cidade iniciariam pela reinauguração
do Museu. Os rapazes que estavam pintando ficavam brincando
com a gente, dizendo: “andem rápido, pois a esta hora o prefeito já
está escovando os dentes!”. E a gente entrava em pânico, pois falta-
va muita coisa!

Cildo de Oliveira foi o responsável pelo desenho dessa exposição,


que teve como enfoque a múltipla formação étnica brasileira, nossa
herança cultural. Formaram os povos do Brasil: indígenas, africa-
nos, portugueses e, também, italianos, espanhóis, judeus, árabes,
ciganos, libaneses, japoneses, alemães, holandeses e tantas outras
nações. Durante séculos convivendo aqui, esse caldeirão cultural
está vivo na população, na sabedoria que as pessoas têm e usam
para viver e realizar suas manifestações diárias de cultura, nos
objetos e ferramentas que elas criam para expressar seus gostos
e necessidades.
Foram preparadas seis salas temáticas que discutiam os se-
guintes assuntos: profissões, usos e costumes, arte e artesanato,
festas e religiosidade, lúdico e culinária caipira. Na Sala do Tra-
balho, objetos de sapateiros, sorveteiros, piraquaras e de outras
profissões folclóricas, aprendidas cotidianamente, na observação
da realização desse mesmo trabalho feito pela mãe, pai, irmão
45. Diálogo realizado no dia
mais velho, tia, avó, avô, vizinho, madrinha etc. Na Sala dos Usos e
20 de maio de 2020. Costumes, informações sobre medicina popular, rezas, simpatias;
continuando os trabalhos: o museu do folclore sob gestão do cecp 97

na Sala Arte e Artesanato havia objetos que remetiam às figureiras


de São José dos Campos, à pintura Naïf, aos enfeites e ornamen-
tos domésticos e religiosos; na Sala das Festas e Religiosidades, o
público encontrava objetos referentes às manifestações religiosas
festivas, como a Festa do Divino Espírito Santo, a Folia de Reis,
a Festa de São Benedito; na Sala do Lúdico, referências às brin-
cadeiras de todos os tempos, transmitidas de pais para filhos, de
avós para netos, que agregam as diferentes gerações. Por fim, na
Sala das Panelas, localizada no Anexo do Museu, uma réplica de
uma cozinha caipira, com a instalação de um fogão a lenha feito
pelo seu Zé Mira, prateleiras enfeitadas com barrado de papel
picotado, panelas e utensílios comuns desse mágico cômodo de
uma residência.

Inauguração da Exposição “Traços de Cultura”. Na primeira foto, equipe do Museu do Folclore e contratados fazendo a
montagem da exposição. As demais foram tiradas no dia da reabertura do Museu. Nelas, vê-se o prefeito da época, Emanuel
Fernandes, e sua mulher, Juana Blanco; Angela e Rubens Savastano recepcionando visitantes; Zé Mira e Flávia Diamante
conversando com o prefeito.
98 museu do folclore de são josé dos campos

Nota-se, no folheto de divulgação da exposição, grande influên-


cia das discussões em torno da museologia comunitária, pois, para
além das parcerias entre Museu e instituições de ensino, havia ali
uma preocupação em comunicar com o público de maneira direta,
simplificada, um esforço de promover a aproximação entre Museu
e comunidade. Diz o texto:

Às vezes pensamos que museu é um casarão que guarda coisas velhas


e empoeiradas, não tendo nada a ver com a nossa vida. Este Museu do
Folclore quer mostrar a você que não é assim. Ele foi pensado para aju-
dar você a olhar em volta e descobrir quanta riqueza existe nas coisas
mais simples que a gente sabe fazer. Às vezes são coisas feitas debaixo
do nosso nariz e a gente nem tinha reparado. O museu é só uma pequena
amostra disso tudo, das coisas que estão vivas e se transformando lá
fora. [...] É por essa razão que o Museu do Folclore existe, para conhecer,
registrar e mostrar essa cultura. Aqui você vai descobrir que também é
um portador de tudo isso que faz o nosso jeito de ser e de saber.

Essa exposição permaneceu aberta ao público até 2006, quando


foi substituída pela exposição intitulada “Patrimônio Imaterial:
folclore e identidade regional”, que teve a curadoria do museólogo
Raul Lody e funciona até os dias atuais. Essa exposição conta com
oito ambientes que retratam objetos e imagens referentes à cultu-
ra popular regional: Sala São José dos Campos, em que figuras de
barro representam a cidade, os edifícios históricos, as praças, as
pessoas; Sala das Tecnologias, cujo foco está no trabalho folclórico,
como a produção de farinha de mandioca, a pescaria, a carpinta-
ria, a sapataria, os artesanatos; Sala Religiosidade, que retrata os
símbolos de diferentes matrizes religiosas: judaísmo, islamismo e
cristianismo; Sala Santos de Fé, que enfoca os Santos negros sin-
cretizados no Brasil: santos católicos e orixás; Sala Festas, que traz
referências às festas populares e manifestações culturais comuns
no Brasil e, especialmente, no Vale do Paraíba, como Folia de Reis,
Festa de São Benedito, Festa do Divino Espírito Santo, Carnaval;
Sala Identidades, em que cada visitante se reconhece como porta-
dor de cultura e parte desse imenso caldeirão cultural, e, por fim,
continuando os trabalhos: o museu do folclore sob gestão do cecp 99

Sala Brasil, que faz referência a expressões da cultura popular de


todo o país. No espaço anexo, continua a Sala Panelas do Vale, uma
réplica da tradicional cozinha caipira46.
No folheto de divulgação e comunicação da Exposição, Raul Lody
explica o conceito proposto:

Compreender o direito cultural como um lugar social da pessoa e da


sua comunidade e possibilitar o pleno exercício da liberdade em mani-
festar, por variadas linguagens, formas e estilos de identidades. Este
é o conceito e o olhar que orientam a presente Exposição. Patrimônio
Imaterial: Folclore e Identidades Regionais busca mostrar e sensibili-
zar sobre as diferenças e como estas diferenças de modos de viver,
de comunicar fé, festa, técnica, escolhas estéticas, comida, música,
dança são revelações de memórias antigas que convivem com novas
e atualizadas memórias. Pois o Folclore é o sentimento experimentado
mais autoral, pessoal e ao mesmo tempo regional, nacional e universal.

Em 2003, o CECP, que dialogava com a Fundação Valeparaibana


de Ensino desde os tempos da Comissão de Folclore, retomou os
contatos e articulações com a instituição, realizando, em parceria
com a UNIVAP, o Seminário Tradições Populares Hoje: o oral, o
escrito e o turismo cultural. O propósito do evento era aproximar
o folclore do tempo presente, discutindo elementos da cultura po-
pular comum no cotidiano da cidade. Participaram do Seminário,
além dos professores da casa, outros da USP, PUC, UNESP, UERJ,
Faculdade Mozarteum, Universidade de Buenos Aires, Universidade
de Vigo e pesquisadores do Ribatejo. Entre os pesquisadores pre-
sentes, seguem alguns nomes: José Gerardo, M. Guimarães, Cáscia
Frade, Américo Pellegrini Filho, Angela Savastano, Dagmar Siqueira,
Maria Aparecida C. R. Papali, Alberto Ikeda, Neide Gomes e Valter
Cassalho. Durante os dias do Seminário, os participantes puderam
ver e ouvir uma apresentação de Catira e um Calango e degustar
um delicioso “café com iguarias regionais”.
46. É possível realizar um
O folheto de divulgação, bastante discursivo, pois certamente tour virtual dessa exposição
por meio do site do
tinha no público universitário seu interlocutor, apresenta uma in- Museu do Folclore:
trodução e os objetivos, que eram: www.museudofolclore.org.
Cenas de visitação da Exposição
Patrimônio Imaterial: folclore e identidade
regional. Na ocasião, Fábio Camargo era
responsável pela mediação com o público.
continuando os trabalhos: o museu do folclore sob gestão do cecp 101

ɏ Criar a oportunidade para se fazerem comunicações e debates


sobre a problemática da tradição nos dias de hoje: como ocor-
rem mudanças em traços culturais tradicional-populares, com
exemplos específicos, na passagem dos séculos XX e XXI;
ɏ Criar oportunidade para se estudar como determinados traços cul-
turais tradicional-populares passam por processo de atualização;
ɏ Criar oportunidade para se estudarem meios de comunicação
popular por via escrita;
ɏ Permitir que assuntos específicos de Patrimônio Cultural sejam
valorizados e ao mesmo tempo despertar o interesse de profes-
sores e estudantes para eles;
ɏ Estudar caminhos de aproveitamento correto de recursos ofe-
recidos pela cultura popular para Turismo e para Educação.

Folheto de divulgação do
Seminário de Tradições
Populares Hoje.
102 museu do folclore de são josé dos campos

Com a curadoria de Américo Pellegrini, da Escola de Artes e


Comunicação da USP, e Angela Savastano, o Seminário abriu as
portas para a elaboração de um curso de pós-graduação em Cultura
Popular. Foi iniciada uma série de conversas a esse respeito entre
CECP e UNIVAP, ficando a cargo do prof. Pellegrini a elaboração
da ementa do curso e a definição do seu corpo docente. O curso
foi lançado em 2005 e deveria ter acontecido na UNIVAP do Jardim
Aquarius, porém, devido ao seu alto custo, não teve grande procura
e não formou turma.
Somente em 2009, depois de se rever a ementa do curso e adap-
tá-la para o contexto local, CECP e UNIVAP lançaram novamente
o Curso de Cultura Popular Brasileira, agora sob a coordenação
da professora Zuleika Stefania Sabino Roque. Na página virtual
do curso47, encontram-se informações sobre ele, bem como seu
histórico, fazendo referências à Comissão de Folclore, Fundação
Cultural Cassiano Ricardo e Centro de Estudos da Cultura Popular.
O objetivo do curso é problematizar os conceitos relativos à cultu-
ra popular, folclore, manifestações tradicionais. Com abordagem
multidisciplinar, dialoga com referenciais teóricos da História, An-
Folheto de divulgação tropologia, Sociologia, Arte, Produção Cultural, Linguagens, entre
do Curso de Cultura
Brasileira ofertado pela outras áreas do conhecimento.
UNIVAP em 2005.

[...] O repertório oferecido pelo curso, pensado de modo interdiscipli-


nar, irá colocar em foco as práticas culturais existentes a fim de criar
ferramentas para se pensar sobre as formas de produzir conheci-
mento, para se conhecer a amplitude das expressões culturais ditas
populares propiciando, assim, uma visão crítica sobre a relação do
homem com a cultura e sociedade.

Algumas das disciplinas ofertadas no curso: Cultura: um campo


interdisciplinar; Educação, Cultura e Patrimônio; Cultura Popular
47. Para navegar na página na Literatura; Artes Plásticas na perspectiva da Cultura Popular;
do curso, acessar o seguinte Religiosidade popular e manifestações cíclicas; Museus e Ecomu-
link: https://www.univap.br/
universidade/pos- seus: perspectivas e abordagens; Folkcomunicação.
graduacao/lato-sensu/
cursos-posgrau/cultura-
popular-brasileira.html.
Turma de 2017 do Curso de Especialização em Cultura Popular
Brasileira, realizado pela UNIVAP em parceria com o CECP. Alunos
participaram de uma vivência com indígenas que visitavam
a cidade e, em outra ocasião, foram conhecer a comunidade
participante do Ecomuseu dos Campos de São José.
105

Programas doMuseudoFolclore
deSãoJosédos Campos

A
lém das parcerias e articulações também assíduos frequentadores do Museu,
para estabelecimento de diálogo com especialmente aos domingos, quando acon-
universidades e escolas, promoven- tece o Museu Vivo. Diversos outros cidadãos
do cursos, palestras e seminários, o CECP e profissionais se somaram nessa história
continuava tocando os projetos da Comis- do Museu do Folclore, desde quem esteve
são de Folclore: Mês do Folclore, Cadernos ali para trabalhar, quanto quem foi para pas-
de Folclore, Vivência e Aprendizado, Museu sear, para estudar, para conversar, para brin-
Vivo, atendimento às escolas, apoio aos gru- car, para cantar, para cozinhar, para rezar,
pos folclóricos, manutenção da Biblioteca. para descansar.
Variando o grau de envolvimento, o núcleo Também outros projetos foram sendo
da Comissão de Folclore da antiga FUNC se pensados e criados, como Terças com Fol-
manteve no CECP: Angela Savastano, Helena clore, Terças Especiais, Quartas com mu-
Weiss, Dagmar Siqueira, Leila Grassi, Yolan- seologia, Ouvindo por acaso, Ciclo de Natal,
da Borghoff, Maria de Fátima Manfredini, Brinquedoteca do Museu, Dialogando com
Flávia Diamante. O empenho do Lions Clube o Folclore e participação nas Semanas e
Centro também se manteve nesse processo Primaveras de Museus, além do desenvol-
de construção do Museu do Folclore, com vimento do Setor Educativo do Museu e dos
membros participando da diretoria do CECP projetos com públicos especiais.
desde o início. Além de propor e executar as atividades
O Museu se tornou uma referência regio- com os recursos da Fundação Cultural, o
nal e alcançou estabilidade enquanto projeto CECP, em contrapartida, buscou recursos
da Fundação Cultural Cassiano Ricardo. As para executar outras propostas, todas elas
escolas do município o têm como referên- em diálogo e somando com a proposta do
cia e muitos frequentadores do Parque são Museu do Folclore, e ampliou seu time de
106 museu do folclore de são josé dos campos

profissionais. Assim, por meio de editais de seleção de projetos


culturais, o CECP conseguiu instalar, por exemplo, a Brinquedo-
teca do Museu (PROAC-2013) e fazer a modernização do acervo
(PROAC-2019)48.
Desde sua gênese, o Museu do Folclore de São José dos Campos
foi pensando para ser um centro de estudos e pesquisa cujos re-
sultados alimentariam seu acervo e suas exposições museológicas,
instrumentalizado por meio de Planos Museológicos que estrutu-
ram e planejam as atividades realizadas. O documento atual, que
abrange os anos de 2018 a 2022, foi elaborado pela museóloga Ana
Silvia Bloise e define como Missão do Museu:

O Museu do Folclore de São José dos Campos desenvolve ações de


salvaguarda, divulgação, formação e informação, que levam à valori-
zação do folclore e do patrimônio cultural imaterial de São José do
Campos e Região do Vale do Paraíba. Preservando um rico acervo
museológico, bibliográfico, sonoro e audiovisual, o Museu desenvol-
ve ações educativas que visam contribuir para o fortalecimento da
identidade cultural e formação da cidadania49.

Mantendo os objetivos ambicionados pela Comissão de Folclore,


o CECP vem dando seguimento a um projeto duradouro e consis-
tente. São hoje 12 programas instituídos pelo Plano Museológico:
48. A relação institucional
entre a Fundação Cultural
Cassiano Ricardo e o Centro 1. Programa Salvaguarda do Folclore, que inclui as ações denomi-
de Estudos da Cultura nadas Ciclo de Natal e Museu Vivo.
Popular muda conforma
mudam as leis do setor. 2. Programa de acervos, que organiza e gerencia os diferentes
Atualmente essa relação
está amparada na Lei 13.019,
tipos de acervos da instituição – museológico, arquivístico
conhecida como Marco e bibliográfico.
Regulatório das
Organizações da Sociedade 3. Programa de Pesquisa, onde está inserida a publicação da Co-
Civil. Em 2014 e 2018 o CECP leção Cadernos de Folclore.
participou de editais de
chamamento público para a 4. Programa de Exposições, que abrange as exposições de curta
gestão do Museu do Folclore e longa duração.
de São José dos Campos.
49. Trecho do Plano 5. Programa Arquitetônico, que se atenta às questões relativas ao
Museológico do Museu do
Folclore de São José dos
patrimônio material, o edifício aonde está localizado o Museu,
Campos, 2018-2022. 6. Programa Institucional.
programas do museu do folclore de são josé dos campos 107

7. Programa educativo e cultural, em que se encontram o atendi-


mento feito à rede escolar, os projetos Dialogando com o Folclore,
Mês do Folclore e os Projetos Socioeducativos.
8. Programa de Biblioteca, que inclui os projetos Ouvindo por Acaso
e Brinquedoteca.
9. Programa de Comunicação.
10. Programa de Segurança.
11. Programa de Financiamento e Fomento.
12. Programa de Gestão de Recursos Humanos.

BIBLIOTECA MARIA AMÁLIA CORREA GIFFONI


Em 1996 o Museu de Folclore Rossini Tavares Lima, da Associação
Brasileira de Folclore, com sede em São Paulo, intermediou a doação
de acervo da professora e folclorista Maria Amália Correa Giffoni à
Angela Savastano. O documento que atesta essa doação, redigido no
ano 2000, é assinado por Niomar de Souza Pereira e Dirce Guerra
Botalho, ambas do Museu de Folclore de São Paulo. Também Angela
Savastano e Helena Weiss fizeram doações de seus livros sobre fol-
clore para o acervo Maria Amália Correa Giffoni. Com o passar dos
anos, o CECP empenhou recursos do convênio com a FCCR para a
aquisição de novas obras para compor o acervo da Biblioteca.

Antes e depois do Acervo Maria


Amália C. Giffoni.
108 museu do folclore de são josé dos campos

MÊS DO FOLCLORE

Luiz Paulo Costa50 relata que, em 1963, colaborou com Chico


Triste para a produção do Mês do Folclore em São José dos Cam-
pos. Provavelmente a primeira iniciativa desse caráter na cidade,
pois apenas três anos antes, durante o Congresso Internacional de
Buenos Aires, havia sido lançada a proposta de instituição do mês
de agosto como o Mês do Folclore. Conta o sr. Costa que a progra-
mação foi composta de:

[...] Seminário na Escola Normal do Colégio “Cel. João Cursino” e de


exposição de arte popular na rua 15 de Novembro. Aqui estiveram
grandes nomes do folclore nacional como Renato de Almeida, Alfredo
João Rabaçal, Maria de Lourdes Borges Ribeiro e Rossini Tavares de
Lima, com demonstrações práticas de fatos folclóricos do município.

Não foi possível verificar se existiram outras produções de Mês


do Folclore por Chico Triste e Luiz Paulo Costa, ou melhor, pela
Associação Cultural “Edward Simões”, criada por eles. Desde 1987,
porém, a Comissão de Folclore, e posteriormente o CECP, celebrou o
Mês do Folclore em São José dos Campos. Antes do estabelecimen-
to do Museu no Parque, a programação do mês de agosto ocorria
em vários locais da cidade, como Teatro Benedito Alves, Shopping
Colinas, Casas de Cultura, Igrejas. Além disso, não havia uma deli-
mitação do público, podendo a programação ser frequentada por
qualquer cidadão interessado. Com a definição do espaço físico do
Museu, as atividades do Mês do Folclore tenderam a acontecer na
sede e a atender as escolas agendadas. A cada ano foi realizada uma
proposta diferente, com o objetivo de instrumentalizar os alunos
participantes acerca da sabedoria popular, dos usos e costumes,
da história cultural de cada um deles.

50. Ver Editorial: https://web.


archive.org/
web/20151116153830/http://
ideias.ovale.com.br/
artigo-a-sua-bencao-chico-
triste/.
Cenas de atividades do Mês do
Folclore, que envolvem milhares de
alunos anualmente.
programas do museu do folclore de são josé dos campos 111

CADERNOS DE FOLCLORE

A série continuou sendo publicada pelo CECP,


porém não necessariamente durante a programa-
ção do mês de agosto. Os temas foram variados,
todos eles buscando o objetivo inicial, que era Lançamento do volume 13 da série
Cadernos de Folclore, História de Onça, da
fomentar a divulgação de pesquisas na área do professora e folclorista Ruth Guimarães.
folclore e ampliar os olhares sobre esse campo do
conhecimento. Embora não tenham sido publicados
todos os anos, os Cadernos de Folclore encorpa-
ram, ganharam páginas e cores, mas, principal-
mente, tornaram-se referência na comunicação
do estudo da cultura popular. Devoção, supersti-
ção, costumes linguísticos, jogos e brincadeiras,
literatura popular, educação, culinária tradicional, Lançamento do livro De já Hoje, da
estudiosa em assunto de folclore Darcy
medicina popular são exemplos de temáticas tra- Breves, da cidade de Caçapava. Darcy
tadas ao longo dos 25 volumes da série, publicados passou a compor, desde 2002, o Núcleo da
Comissão Paulista de Folclore da região
entre 1987 e 2019, inicialmente pela Comissão de Vale do Paraíba nomeado Iça-Bitú. O
Núcleo Iça-Bitú compreende os municípios
Folclore e, depois de 1999, pelo Centro de Estudos de Caçapava, Jacareí, Santa Branca,
da Cultura Popular. Igaratá, São José dos Campos;

O 15º Caderno de Folclore, Santo de Casa faz Milagre: Folheto de divulgação do lançamento do 15º Caderno de Folclore Pedra-de-
a Devoção à Santa Perna, da professora Cáscia Raio: uma superstição universal, escrito por José Gerardo M. Guimarães.
Frade, folclorista mineira de nascimento e fluminense Nesse evento aconteceu a abertura da exposição “Pedras-de-Raio:
de morada, que pesquisou o folclore joseense na Tempestades, Raios e Relâmpagos no Imaginário Popular”, um dos primeiros
década de 1970 e que tem grande influência sobre a trabalhos da museóloga Ana Silvia Bloise no Museu do Folclore;
constituição do Centro de Estudos da Cultura Popular;
112 museu do folclore de são josé dos campos

Folheto de divulgação do lançamento do Américo Pellegrini e Angela Savastano durante A professora Maria Thereza Lemos de Arruda
22º Caderno de Folclore; lançamento do 24º volume, Carapicuíba: uma aldeia Camargo autografando o livro Medicina popular das
mameluca, de autoria do primeiro; Caatingas do GeoparkAraripe, Ceará, lançado em
2019.

MUSEU VIVO

O programa Museu Vivo promove a salvaguarda do patrimônio cultu-


ral de natureza imaterial. Oferece espaços e promove a apropriação
desse patrimônio para a manifestação de expressões tradicionais,
por meio de encontros abertos ao público que destacam o conheci-
mento construído no cotidiano, estimulam a transmissão informal do
saber popular e valorizam os detentores do saber popular51.

Passeio de charrete.
Um dos primeiros projetos do Museu do Folclore após o seu
estabelecimento no Parque da Cidade, o Museu Vivo nasceu como
extensão do Projeto Vivência e Aprendizado, que em 1998 já en-
cantava as crianças com a oportunidade de dar uma voltinha de
charrete pelo Parque da Cidade.
O resultado inicial da interação entre o público do Museu Vivo
fez com que ele se tornasse uma atividade fundamental na progra-
51. Texto de apresentação do
Programa Museu Vivo no mação do Museu do Folclore. Com 20 anos de existência, com altos
Blogspot do CECP: http://
cecpdesaojose.blogspot.
e baixos, o Programa Museu Vivo segue cumprindo sua missão de
com/p/museu-vivo.html. informar sobre o folclore e transmitir cultura a quem por ele passar.
Cenas do Programa Museu Vivo.
114 museu do folclore de são josé dos campos

OUVINDO POR ACASO

Utilizando o acervo sonoro da Biblioteca Maria Amália Giffoni,


o Projeto Ouvindo por Acaso possibilita, desde 2006, que visitantes
do Museu e transeuntes que frequentam o Parque da Cidade ouçam
canções folclóricas de acordo com cada época do ano. Ou seja, as
canções reproduzidas se adequam às manifestações cíclicas, como
Carnaval, Semana Santa, Festas Juninas, Ciclo de Natal, além de
outras datas comemorativas ao longo do ano. Para que o visitan-
te, além de ouvir, enriqueça seu conhecimento, o Museu distribui
folhetos que informam sobre a manifestação a que a canção faz
referência.

TERÇAS COM FOLCLORE, TERÇAS ESPECIAIS E DIALOGANDO COM


O FOLCLORE

Com o objetivo de manter pulsante o diálogo com educadores dos


mais diversos níveis escolares, o CECP realiza, por intermédio do
Museu, colóquios, encontros e rodas de conversa. Por muitos anos o
projeto aconteceu semanalmente, sendo que uma vez por mês havia
um encontro com um especialista em Folclore (Terças Especiais).
Participaram das Terças Especiais, além de José Gerardo, Ruth
Guimarães, Carlos Rodrigues Brandão, Cáscia Frade, entre outros. Na
José Gerardo Guimarães mesma proposta foi desenvolvido o Dialogando com Folclore, encon-
durante o Dialogando com tros e palestras esporádicas que visam a ampliar o conhecimento de
Folclore do ano de 2015.
professores e demais interessados na pesquisa em cultura popular.

Divulgação da palestra do
folclorista José Gerardo
Guimarães sobre jogos e
brincadeiras.
programas do museu do folclore de são josé dos campos 115

Dialogando com Folclore


no ano de 2019, ciclo de
palestras sobre o tema
“Saberes tradicionais e
saberes científicos: pontos
de aproximação e conflito”.

SEMANA E PRIMAVERA DE MUSEUS

Em maio de 2004 aconteceu a II Semana de Museus, uma ativida-


de promovida pelo IBRAM em parceria com vários Museus do Brasil.
Desde então o Museu do Folclore, assessorado pelo museóloga Ana
Silvia Bloise, participa dessa programação anual, passando também
a fazer parte da Primavera de Museus, que compreende o mesmo
tipo de proposta da referida instituição federal, porém durante a
Semana da Primavera, em setembro.

Folheto de divulgação da primeira participação do Museu do Folclore na Divulgação virtual em site da FCCR e blogspot do
Semana de Museus, em 2004. Na ocasião, aconteceu uma mesa-redonda CECP sobre a Programação do Museu do
sobre a Cultura Intangível no Museu do Folclore, com a participação de Folclore na 12ª Semana Nacional de Museus e 7ª
Angela Savastano, Ana Silvia Bloise e Hélio Moreira da Silva. Primavera de Museus, em 2013 e 2014.
116 museu do folclore de são josé dos campos

BRINQUEDOTECA DO MUSEU

Reportagem publicada no site da Fundação Cultural Cassiano


Ricardo em maio de 2020 traz informações sobre a Brinquedoteca
do Museu do Folclore de São José dos Campos, lembrando que, em-
bora fechada ao público em decorrência da pandemia de Covid-19,
ela completava sete anos de existência. Quanta gente brincou por
ali! Quanta criança! Quantos sorrisos, quantas lembranças!
Foi no dia 15 de maio de 2013, depois de uma apresentação do
Espetáculo de Mamulengos Folia Brasileira, com Waldeck de Gara-
nhuns, que a Brinquedoteca do Museu foi inaugurada. Na cerimônia
de abertura estavam, entre outros, Alcemir Palma, então Presidente
da Fundação Cultural, Lúcia Yunes, coordenadora técnica do Centro
Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP), Helen Rose San-
tos, professora do SENAC e articuladora da Rede Social, Yolanda
Borghoff, do CECP.
Os recursos para execução desse projeto foram alcançados pela
mobilização dos profissionais do CECP, que, com o passar do tempo,
foram adentrando o campo da captação de recursos públicos e pri-
vados para Organizações da Sociedade Civil. Desde a LIF, em 1996,
as leis de incentivo fiscal, os editais de chamamento púbico são,
para o CECP e para as demais entidades do Terceiro Setor, mecanis-
mos de aporte financeiro. Assim, em 2012, a entidade concorreu ao
Edital de Apoio a Projetos de Difusão de Acervos Museológicos no
Estado de São Paulo, uma categoria do Programa de Ação Cultural
da Secretaria de Estado da Cultura, e foi um dos cinco vencedores.
Para finalizar a reportagem de aniversário da Brinquedoteca,
uma análise desses seus sete anos de atividade:

A brinquedoteca está em constante desenvolvimento e visa estimular


a criatividade, a convivência, a sociabilidade, a apropriação e o respei-
to pelo patrimônio material (brinquedo) e imaterial (brincar). Voltada,
52. Para reportagem
completa, acessar o link: inicialmente, para o público infantil, ao longo dos anos a brinquedote-
http://www.fccr.sp.gov.br/ ca também cativou adultos e idosos52.
index.php/em-
destaque/7002-
brinquedoteca-do-museu-do-
folclore-completa-sete-anos-
de-existencia.html.
Fotos da inauguração da Brinquedoteca do Museu do Folclore.

Cenas na Brinquedoteca.

Apresentação da Brinquedoteca do Museu


em maio de 2013, na Semana Mundial do
Brincar, Encontro: A importância do Brincar
na Infância, no SESC de São José dos
Campos.

Em 2019, a Brinquedoteca do Museu do Folclore teve a oportunidade de encantar mais


crianças durante a programação da Festa Literomusical do Parque Vicentina Aranha, a FLIM.
programas do museu do folclore de são josé dos campos 119

CICLO DE NATAL

A Chegada das Bandeiras de Folia de Reis é um evento que acon-


tece no mês de janeiro para encerrar o Ciclo de Natal. Essa ação,
desenvolvida desde a época da Comissão de Folclore, foi retomada
e mantida pelo CECP durante todos esses anos de atividades no
Parque da Cidade. O Ciclo tem início em dezembro e coincide com
as festividades de aniversário do Museu do Folclore no Parque. Na
ocasião, algumas Folias de Reis da cidade se apresentam e é feita
a abertura do Presépio do Museu, que fica em exposição durante
os meses de dezembro e janeiro. No final de janeiro, para não atra-
palhar as festividades espontâneas dos devotos dos Santos Reis, é
encerrado o Ciclo, com a apresentação de cerca de 20 Folias de Reis
de São José dos Campos e de toda a região do Vale do Paraíba, Lito-
ral Norte e Sul de Minas Gerais, como Paraibuna, Jacareí, Caçapava,
São José do Barreiro, Conceição do Rio Verde e São Lourenço.

Alguns folhetos de Divulgação


dos Ciclos de Natal.
Momentos marcantes do Ciclo de Natal.
123

Outros projetos doCECP

A
o longo desses anos, o CECP deu
continuidade à sua proposta de
identificação e valorização da cultu-
ra popular regional lançando mão de outras
ferramentas para alcançar tal objetivo. Se-
guem alguns dos projetos realizados pela
instituição:

PROJETO PIRAQUARA 2012-2014


Depois de anos adormecido, o Grupo de bonecões e palestras sobre os ciclos fes-
Piraquara teve uma reedição em 2012, fi- tivos anuais, bem como o desfile do Bloco
cando sob gestão do CECP até 2014. Nesse Pirô-Piraquara.
pequeno intervalo de tempo, porém, mui-
tas coisas aconteceram. Foram retomados
os estudos de aproveitamento de folclore
e preparou-se um espetáculo intitulado “O
Vale Encantado do Paraíba”, cuja narrativa
recuperava inúmeras referências à cultura
popular valeparaibana, como a devoção aos
Santos, as superstições, as festas, danças e
contos populares, escrito e dirigido por Ca-
lixto de Inhamus. Também foi trabalhado e
apresentado o espetáculo “Marombo – o Rei
da Folia”, com a temática da Folia de Reis,
sob direção de Carlos Rosa. Foram realizadas
oficinas de empapelamento, de máscaras e
Momentos do Grupo Piraquara sob gestão do
CECP, entre 2012 e 2014.
outros projetos do cecp 125

ECOMUSEU DOS CAMPOS DE SÃO JOSÉ

Em março de 2015, o CECP iniciou, com o patrocínio da Petro-


bras/Governo Federal, a execução do Projeto “Ecomuseu: um ter-
ritório, um patrimônio, uma comunidade”. Esse projeto, aprovado
em seleção pública pelo Programa Petrobras Socioambiental 2014,
já estava sendo elaborado desde o início dos anos 2000, quando
Angela Savastano, Flávia Diamante e Nívea Oliveira iniciaram sua
participação nos Encontros Internacionais de Ecomuseus e Museus
Comunitários (EIEMCs) e nas Jornadas de Formação em Museologia
Comunitária, realizados pela Associação Brasileira de Ecomuseus
e Museus Comunitários (ABREMC) para discutir e possibilitar a
troca de experiências nessa área de atuação.
Assim, em diálogo com a ABREMC e amparado nas reflexões
do museólogo francês Hugues de Varine, bem como numa série
de métodos de pesquisa de manifestações culturais (Espelho, es-
pelho meu, de Julieta de Andrade; Questionários apresentados no
livro Ciência do Folclore, de Rossini Tavares de Lima; e material
disponibilizado pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional – IPHAN), o CECP objetivou, com esse projeto, valorizar
saberes e fazeres para fortalecer os patrimônios culturais locais e
dar sustentação às ações coletivas de moradores para promover o
exercício da cidadania.
Dialogando na perspectiva da Nova Museologia e traçando um
percurso de renovação e ampliação das coleções, exposições e
ações, o CECP, em sua prática museológica, propôs, tal como o
Centro Nayarit do Instituto Nacional de Antropologia e de História
do México:

Em primeiro lugar, pensamos que a nova museologia se insere no


conceito de Educação Popular, um processo teórico-metodológico
de educação não formal, que um grupo social ou uma comunidade
cria e recria para estudar, conhecer, analisar e transformar a realida- 53. LUGO apud VARINE,

de socioeconômica, política e cultural que os caracteriza a um dado Hugues de. As raízes do


futuro: o patrimônio a
momento e em um espaço determinado. Por analogia, estamos con- serviço do desenvolvimento
local. Trad. Maria de Lourdes
vencidos de que o museu comunitário e o ecomuseu territorial são,
Parreiras Horta. Porto Alegre:
antes de tudo, indiscutivelmente, espaços de educação popular53. Medianiz, 2013, p. 190.
Atividades do Ecomuseu dos Campos de São José
realizadas desde 2015 nos bairros Campos de São José,
mais tarde no Jardim Americano e Jardim Diamante.
outros projetos do cecp 127

Rodas de conversa, mostras de artes e saberes, oficinas de co-


municação para jovens, plantio em áreas de recuperação ambien-
tal, hortas comunitárias, campanha de separação de resíduos e
construção de hortas pedagógicas em escola pública são exemplos
de ações realizadas desde 2015 no bairro Campos de São José e, a
partir de 2018, também no Jardim Diamante e no Jardim Americano,
todos eles na Zona Leste de São José dos Campos, pelo CECP, por
meio do Ecomuseu dos Campos de São José.
Em 2020 foi publicado o livro Ecomuseu dos Campos de São José:
entre Memórias e Perspectivas, em que constam as histórias da
formação urbana dos três bairros envolvidos no Projeto54.

Há tantas outras histórias que não foram contadas aqui neste


livro. Por falta de espaço, por falta de tempo, porque não é possí-
vel escrever no detalhe 35 anos de atividades em prol da educa-
ção cultural em São José dos Campos. Projetos antigos, projetos
novos. Parceiros de longa data, parceiros de mais agora. Gente
que passa, outros que ficam. Inventários de Referências Culturais,
Galeria dos Fazeres, cursos, palestras, curadorias, exposições.
A história continua...

54. Para ler o livro do


Ecomuseu, acessar o link:
https://pt.calameo.com/read/
001012672996195dbc7b2.
Acesso em: 24/08/2020.
129

Os agradecimentos de
AngelaSavastano

D
esejo que estas palavras traduzam o ram suas valiosas parcelas de competência
meu agradecimento àqueles que pro- e sabedoria, se sintam, todos, “amazonas”,
puseram, idealizaram, aprovaram e todos guerreiros. Obrigada, amigos.
escreveram este livro. É o vigésimo sexto A proposta deste livro é registrar o his-
volume da série Cadernos de Folclore, porém tórico do Museu do Folclore de São José dos
não é um livro sobre uma pesquisa de fol- Campos. Como nasceu, como foi pensado,
clore, mas sobre um sonho que está se tor- sonhado, os caminhos percorridos, o tempo
nando uma realidade; e, para escrever este vivenciado, enfim, todas as etapas neces-
livro, houve, sim, muita pesquisa... Eu, um sárias para se desenvolver e cumprir um
dos personagens, ao ler o livro, me senti uma projeto como foi a criação desse Museu, e
“amazona”, uma guerreira. Me fez refletir isso, tenho certeza, sob a competência dos
o que é lutar pelo que se sonha. É não se redatores foi concretizado. Eu, ao ler tudo
deixar abater com as dificuldades. Aprender o que foi escrito, me emocionei e essa emo-
com os erros e reconhecer que não somos ção sentida despertou em mim lembranças...
os únicos capazes de realizar, sozinhos, uma Coisas, palavras, temores, expectativas, um
parte desse sonho. Precisamos de muitos mundo de momentos que, agora, depois de
sonhadores... Por isso quero deixar aqui tantos anos vivenciados no Museu, não sei
escrito que tudo que já aconteceu e o que, se teria a mesma conduta, a mesma dispo-
espero, ainda vai acontecer só foi e será pos- sição, a mesma coragem... mas uma coi-
sível com a contribuição desses sonhadores, sa, naquela época, há 30 anos, eu já tinha:
dessas pessoas especiais, todas juntas. De parceiros. Aqueles que compartilharam os
cada um, algo mais. Sempre algo importante, mesmos sonhos, não se abateram com as
valioso, contribuindo para o melhor, para o dificuldades, não “voaram” com as vitórias
sucesso do resultado. Desejo que todos vocês e não abandonaram os sonhos. Como isso
que estiveram juntos nesse caminhar, que aconteceu? Aconteceu como acontece com
em algum momento e de alguma forma de- todo propósito que busca algo útil para o
130 museu do folclore de são josé dos campos

outro, para seu semelhante, para o local onde ele vive. Então, nas
grandes e pequenas dificuldades, sempre havia alguém que tinha
um gravador, uma máquina fotográfica, uma condução e tempo dis-
ponível para sair a campo, que tinha espaço na própria residência
para “guardar” o material colhido nas pesquisas; alguém que ar-
ranjava tempo para transcrever os depoimentos gravados... Enfim,
todos dando o melhor de si e não descuidando nunca da própria
bagagem de conhecimentos da ciência do folclore. Foi com todo esse
cuidado, no trato dessa área, com método e orientação dos Mes-
tres estudiosos de Folclore que começamos a concretizar nossos
sonhos. Estamos já colhendo alguns frutos, executando projetos,
que foram nascendo devagar, atendendo ao interesse das pessoas
que, espontaneamente, descobrem que são “donos” de muitos sabe-
res, que têm um patrimônio cultural valioso e que esse patrimônio
pode e deve ser usado para o equilíbrio das relações do Homem
que vive em sociedade. No Museu, a proposta é pensar nisso: quem
somos nós? Nós somos pessoas e precisamos ter consciência do
papel e função das pessoas nessa relação humana. Consciência de
que podemos usar nossa rica e diversa cultura, nosso patrimônio
cultural, para vivermos juntos em harmonia e paz. Somente cons-
cientes desse patrimônio, trazendo essa reflexão às pessoas, é que
podemos viver um mundo melhor, encontrar soluções sábias e já
vivenciadas para sanar as dificuldades e os desafios que são pre-
sentes durante toda nossa vida. A herança cultural acumulada e a
capacidade humana de criar precisam estar presentes em toda a
relação dos homens que vivem em sociedade. Continuo sonhando…
131
134

POSFÁCIO
LISTA DE PRESIDENTES DA FCCR, COORDENADORES
DA CF E DIRETORES DO CECP

ANO PRESIDÊNCIA FUNDAÇÃO CULTURAL COORDENAÇÃO CF DIREÇÃO CECP

1986 Antônio Gervásio de Paiva Diniz Angela Savastano —


Antônio Gervásio de Paiva Diniz
1987 Angela Savastano —
Talmir Canuto Costa
1988 Talmir Canuto Costa Maria Helena Weiss —
Marisa Hirata
1989 Yolanda Nadyr Keller Borghoff —
Angela Savastano
Leila Grassi
1990 Maria de Fátima Manfredini —
Lourdes Rossi
1991 Maria de Fátima Manfredini Lourdes Rossi —
1992 Maria de Fátima Manfredini Lourdes Rossi —
1993 André Luiz Cardoso Freire Maria Tereza Amarante —
1994 André Luiz Cardoso Freire Geralda Alves Fagundes —
Geralda Alves Fagundes
1995 André Luiz Cardoso Freire —
Irma Maria Valiante
1996 André Luiz Cardoso Freire Irma Maria Valiante —
1997 Antônio Gervásio de Paiva Diniz Maria Helena Weiss —
1998 Antônio Gervásio de Paiva Diniz Maria Helena Weiss Angela Savastano
1999 Antônio Gervásio de Paiva Diniz — Angela Savastano
2000 Antônio Gervásio de Paiva Diniz — Angela Savastano
2001 Edmundo Carlos de Andrade-Carvalho — Maria Helena Weiss
2002 Edmundo Carlos de Andrade-Carvalho — Maria Helena Weiss
2003 Edmundo Carlos de Andrade-Carvalho — Dagmar Siqueira
2004 Edmundo Carlos de Andrade-Carvalho — Dagmar Siqueira
2005 Antonia Caracuel Roim Corsatto Varotto — Lucio Antônio de Carvalho
Lucio Antônio de Carvalho
2006 Antonia Caracuel Roim Corsatto Varotto — Leila Grassi
2007 Antonia Caracuel Roim Corsatto Varotto — Jubel Raimundo Cardoso
2008 Antonia Caracuel Roim Corsatto Varotto — Jubel Raimundo Cardoso
2009 Mario Domingos — Jubel Raimundo Cardoso
2010 Mario Domingos — Jubel Raimundo Cardoso
2011 Mario Domingos — Angela Savastano
135

ANO PRESIDÊNCIA FUNDAÇÃO CULTURAL COORDENAÇÃO CF DIREÇÃO CECP

2012 Mario Domingos — Angela Savastano


Vera Maria Almeida
2013 Alcemir Palma — Rodrigues da Costa
Vera Maria Almeida
2014 Alcemir Palma — Rodrigues da Costa
2015 Alcemir Palma — Angela Savastano
2016 Alcemir Palma — Angela Savastano
2017 Aldo Zonzini — Ricardo Savastano
2018 Aldo Zonzini — Ricardo Savastano
2019 Aldo Zonzini — Ricardo Savastano
2020 Aldo Zonzini — Ricardo Savastano

LISTA DE SIGLAS

ABREMC Associação Brasileira de Ecomuseus IBRAM Instituto Brasileiro de Museus


e Museus Comunitários
IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico
CECP Centro de Estudos da Cultura Popular e Artístico Nacional
CETESB Companhia Ambiental do LIF Lei de Incentivos Fiscais
Estado de São Paulo
NOPH Núcleo de Orientação e Pesquisa
CEHVAP Centro de História & Memória da Univap Histórica de Santa Cruz
CF Comissão Municipal Setorial de Folclore ONG Organização não-Governamental
da Fundação Cultural Cassiano Ricardo
OSC Organização da Sociedade Civil
CNL Comissão Nacional de Folclore
PROAC Programa de Ação Cultural
DPH Departamento de Patrimônio Histórico do Estado de São Paulo
ECA Escola de Comunicação e Artes SENAC Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial
EIEMC Encontro Internacional de Ecomuseus
e Museus Comunitários SESC Serviço Social do Comércio
FCCR Fundação Cultural Cassiano Ricardo UNESCO Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura
FLIM Festa Literomusical do Parque
Vicentina Aranha UNESP Universidade Estadual Paulista
FUNC Fundação Cultural (antes de se UNIVAP Universidade do Vale do Paraíba
chamar Cassiano Ricardo)
USP Universidade de São Paulo
IBECC Instituto Brasileiro de Educação,
Ciência e Cultura
136

COLEÇÃO CADERNOS DE FOLCLORE

A Coleção Cadernos de Folclore é um projeto do 17º VOLUME (2006) – FCCR E CECP


Educação e Folclore – Histórias Familiares dando Suporte
Museu do Folclore de São José dos Campos, publica- ao Conteúdo / Leila Gasperazzo Ignatius Grassi
da pela Fundação Cultural Cassiano Ricardo (FCCR) 16º VOLUME (2006) – FCCR E CECP
e pelo Centro de Estudos da Cultura Popular (CECP), Santo de Casa Faz Milagre: A Devoção
e tem o propósito de informar e divulgar a cultura a Santa Perna / Cáscia Frade

popular, para melhor compreensão e valorização do 15º VOLUME (2004) – FCCR E CECP
Pedra-de-raio – Uma superstição Universal /
homem na sua realidade social. J. Gerardo M. Guimarães
A coleção reúne importantes contribuições de 14º VOLUME (2003) – FCCR E CECP
pesquisas científicas e relatos de experiências nas De Já Hoje / Darcy Breves de Almeida
áreas do folclore e da cultura popular, sendo uma 13º VOLUME (2002) – FCCR E CECP
rica fonte de consulta e um estímulo à reflexão e à Histórias de Onça – Ruth Guimarães

pesquisa; além de oferecer subsídios para futuros 12º VOLUME (2001) – FCCR E CECP
Curiosidades Folclóricas sobre o inseto / Hitoshi Nomura
investigadores da sabedoria popular.
11º VOLUME (1999) – FCCR E CECP
Todos os 26 volumes estão disponíveis em for- Ciclo de Natal – Coletânea de Textos /
mato digital (E-Book e PDF) e podem ser acessados Maria Graziela B. dos Santos
pelo site do Museu do Folclore (www.museudofol- 10º VOLUME (1998) – FCCR E COMISSÃO MUNICIPAL DE FOLCLORE
clore.org). Os livros impressos estão à disposição Chico Triste II – Coletânea de Textos / Francisco Pereira da Silva

de interessados na biblioteca do CECP, no Museu do 9º VOLUME (1997) – FCCR E COMISSÃO MUNICIPAL DE FOLCLORE
Chico Triste I – Coletânea de Textos / Francisco Pereira da Silva
Folclore. Confira os volumes já lançados:
8º VOLUME (1996) – FCCR E COMISSÃO MUNICIPAL DE FOLCLORE
Saci / José Carlos Rossato
7º VOLUME (1995) – FCCR E COMISSÃO MUNICIPAL DE FOLCLORE
26º VOLUME (2020) – FCCR E CECP
Cobras e Crendices / Maria do Rosário
O Museu do Folclore de São José dos Campos – Uma breve
de Souza Tavares de Lima
história / Fábio Martins Bueno e Maria Siqueira Santos
6º VOLUME (1992) – FCCR E COMISSÃO MUNICIPAL DE FOLCLORE
25º VOLUME (2019) – FCCR E CECP
Maria Peregrina / Benedito José Batista de Melo
Medicina popular das caatingas do Geopark
Araripe Ceará / Maria Thereza L. A. Camargo 5º VOLUME (1990) – FCCR E COMISSÃO MUNICIPAL DE FOLCLORE
Jogos, Brinquedos e Brincadeiras / J. Gerardo M. Guimarães
24º VOLUME (2016) – FCCR E CECP
Carapicuíba – Uma Aldeia Mameluca / Américo Pellegrini Filho 4º VOLUME (1989) – FCCR E COMISSÃO MUNICIPAL DE FOLCLORE
Fumos e Fumeiros do Brasil / Marcel Jules Thieblot
23º VOLUME (2013) – FCCR E CECP
O Saber e o Fazer no Museu do Folclore II / Fábio 3º VOLUME (1988) – FCCR E COMISSÃO MUNICIPAL DE FOLCLORE
Martins Bueno e Maria Siqueira Santos Laraoiê, Exu / Hélio Moreira da Silva
22º VOLUME (2012) – FCCR E CECP 2º VOLUME (1988) – FCCR E COMISSÃO MUNICIPAL DE FOLCLORE
O Saber e o Fazer no Museu do Folclore / Fábio Martins Bueno Carro de Boi / Zuleika de Paula
21º VOLUME (2011) – FCCR E CECP 1º VOLUME (1987) – FCCR E COMISSÃO MUNICIPAL DE FOLCLORE
Folia de Reis, Sambas do Povo / Alberto T. Ikeda Azeite de Mamona / Toninho Macedo e Angela Savastano
20º VOLUME (2010) – FCCR CECP
Objetos: percursos e escritas culturais / Ricardo Gomes Lima
19º VOLUME (2009) – FCCR E CECP
O saber, o cantar e o viver do povo / Carlos Rodrigues Brandão
18º VOLUME (2008) – FCCR E CECP
O Milho e a Mandioca – Nas Cozinhas Brasileiras, Segundo
contam suas Histórias / Maria Thereza L. A. Camargo
Este livro foi composto com as famílias tipográficas
FreightMacro Pro, Forma DJR Text e Acumin. Impresso em
setembro de 2020 pela Allcor – Gráfica e Editora em papel
ofsete 120g/m² (miolo) e Cartão Supremo 250g/m² (capa).
REALIZAÇÃO

ISBN 978-65-87109-02-2

9 786587 109022

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