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Exposição

03 de novembro de 2021 a 23 de janeiro de 2022


Belo Horizonte - MG
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Desde 2006, a Casa Fiat de Cultura é uma ex-
pressão do compromisso da Fiat com o desenvolvimen-
to social, humano e cultural da sociedade que a abriga,
por meio da difusão da arte e da formação de público,
através da exibição de grandes exposições de padrão
internacional e de apoio a manifestações artísticas lo-
cais. Por meio de mostras e debates criativos, a institui-
ção vem apresentando obras representativas da melhor
arte produzida no mundo, do Renascimento ao Barroco,
do Futurismo e Modernismo à arte contemporânea.

Ao completar 45 anos de presença em Minas


Gerais, a Fiat, agora integrada na Stellantis, o quarto
maior grupo automotivo do mundo, apoia a Casa Fiat
de Cultura neste presente especial oferecido aos bra-
sileiros: o cuidadoso restauro de obras do mestre Alei-
jadinho (1738-1814). Três valiosas peças de autoria do
artista, que é ícone e orgulho de Minas, ganharam vida
nova à vista do público, que acompanhou o minucioso
trabalho dos restauradores. Além de preservar a riqueza
de obras de grande importância, a Casa Fiat de Cultura
uma vez mais conecta o local ao global, ajudando a pre-
servar para as futuras gerações a expressão mineira de
um movimento artístico europeu como o Barroco.

A Fiat e a Stellantis orgulham-se de comparti-


lhar este momento com todos vocês. Aos poucos, a ro-
tina social, cultural e econômica se restabelece, depois
de longo período de distanciamento social e isolamento
impostos pela pandemia. Ainda precisamos tomar to-
das as precauções para assegurar um convívio livre de
contágio, mas é gratificante poder retomar contato di-
reto com o belo.

ANTONIO FILOSA
Presidente da Stellantis para América Latina

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Após um longo e sentido hiato, reencontramos revela algo muito além de suas características e pe-
a oportunidade de celebrar a arte e a cultura da forma culiaridades, assim como da importância de seu gênio
que mais apreciamos: presencialmente (mas ainda com criador, o mestre Aleijadinho. Restaurar é respeitar o
muito cuidado e atenção). Há 15 anos, nascia a Casa passado e, ao mesmo tempo, reconstruir a esperança
Fiat de Cultura, com natural vocação ao diálogo, à me- no futuro. Ao oferecermos a oportunidade de o públi-
mória, à experimentação. Somos o primeiro espaço ex- co acompanhar um restauro ao vivo, e apresentarmos
clusivamente voltado às artes criado por uma empresa os conteúdos numa websérie inédita, estamos, uma vez
do setor automotivo: a Fiat, que, também neste momen- mais, a cumprir nosso papel de valorizar a cultura e os
to, festeja 45 anos de presença no Brasil. múltiplos saberes, formando públicos aptos a vivenciar
as muitas dimensões da arte.
Não poderíamos ser os mesmos depois de tudo
o que vivemos e aprendemos. Exatamente por isso, Seguimos, assim, com uma nova marca, que traz
sentimos, hoje, a necessidade de materializar desafios,
referências diretas de nossa origem italiana, mas tam-
vivências e transformações. Daí a ideia de, ao mesmo bém se revela conectada aos encontros contemporâne-
tempo, reverenciar o passado, respeitar as mudanças os, à promoção da diversidade e ao fomento de pontes
do presente e vislumbrar outros tantos legados às no-entre culturas. Se o Barroco provoca um diálogo com
vas gerações. o observador, desejamos o mesmo: uma programação
instigante, que estimule o diálogo entre passado, pre-
A escolha deste projeto para nossa reabertu- sente e futuro, de maneira a ampliar experiências e in-
ra não poderia ser mais inspiradora. Restaurar obras terações, nesta Casa renovada – e ávida – pelo mágico
do século XVIII, guardadas pelas montanhas de Minas, encanto do reencontro.

FERNÃO SILVEIRA
Presidente Casa Fiat de Cultura

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Poucos artistas compõem parte tão significativa cebidas. Promovendo, assim, uma apreciação renovada
do cenário artístico brasileiro quanto Antônio Francisco da beleza e da singularidade, que de outra forma po-
Lisboa, o Aleijadinho. O primor técnico e a qualidade ar- deriam ficar obscurecidas pela ação do tempo ou pela
tística com as quais esse mestre nos legou centenas de intervenção humana. Como exemplo da importância
obras primas, de tamanha expressividade, são inigua- desse processo, podemos relembrar que foi durante a
láveis. Estes aspectos transcendem o tempo, ao com- restauração da imagem de Sant’Ana Mestra, do po-
partir um momento da sociedade mineira dos séculos voado de Chapada de Ouro Preto, em 1961, que Jair
XVIII e XIX, mas que ainda hoje permanecem como ob- Afonso Inácio, conservador-restaurador do Instituto do
jetos de cultos, amplamente utilizados em festividades Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) teve a
e eventos religiosos. Dessa forma, a restauração das oportunidade de observar as características definido-
esculturas atribuídas ao Mestre Aleijadinho vai permi- ras do estilo que culminaram na atribuição da peça à
tir a perpetuação e difusão de um patrimônio cultural Aleijadinho.
significativo não somente no seu aspecto artístico, mas
como elemento identitário de uma sociedade. Agora, 60 anos mais tarde, a Casa Fiat de Cul-
tura, com colaboração do Iphan, oferece à comunidade
O processo de restauro é lento e necessita es- a oportunidade única de participar do processo de res-
tar apoiado em conhecimento científico especializado, tauração das obras do Mestre Aleijadinho. Ao observar
buscando respeitar e enfatizar as características esti- a restauração das obras em tempo real, o público apro-
lísticas da peça, enquanto ameniza os danos causados fundou sua própria percepção sobre os objetos, am-
pelo tempo. É durante o momento da restauração que pliando o olhar sobre a importância da preservação de
se cria a melhor oportunidade para conhecer a fundo seu patrimônio, aproximando assim a comunidade de
características técnicas que poderiam passar desper- sua própria herança cultural.

DEBORA DO NASCIMENTO FRANÇA


Superintendente do Iphan em Minas Gerais

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Mestre de muitas artes e muitos ofícios, Antônio culo XX Aleijadinho ganhou o status de gênio nacional.
Francisco Lisboa integra em sua obra talha, escultura O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
e arquitetura, espaço e paisagem, assim como a ele se (SPHAN), fundado em 1937, preservou suas obras, sua
mesclam nossas identidades, nossos mitos fundadores memória e o erigiu como um monumento da pátria.
e nossos imaginários nacionais. Complexa, multifaceta-
da, misteriosa, a arte de Aleijadinho se revela nas ca- Hoje, graças ao restauro dessas três imagens,
madas depositadas de tempo e de memória nas quais a promovido pela Casa Fiat de Cultura, temos a oportuni-
história se funde ao mito. dade de revisitar a obra de Aleijadinho e revelá-la ao pú-
blico, para que os contemporâneos possam reconstruir
Buscamos apresentar aqui a trajetória e a obra o legado do mestre e aprender mais sobre o processo
do mestre por meio do processo de restauro de três de restauro. Assim, acompanharemos, passo a passo, o
imagens: São Manuel, São Joaquim e Sant’Ana Mestra. reconstruir, por meio da compreensão histórica, e o re-
Por meio delas, contamos a história de Antônio Francis- velar, por meio do restauro dessas imagens, de maneira
co Lisboa, mas também desses santos católicos, da re- que as futuras gerações possam conhecer e zelar pela
ligiosidade popular que as envolve, das igrejas e capelas arte e pela cultura em Minas Gerais.
que as abrigam, das comunidades a elas devotas e que
ainda hoje permanecem como suas fiéis guardiãs. O que o legado de Antônio Francisco Lisboa nos
revelará no futuro? Podemos esperar por novas obras a ele
Se no século XIX Rodrigo Bretas revelou a ima- atribuídas, novos documentos acerca de sua tão misterio-
gem de um Aleijadinho trágico, “asqueroso e medonho”, sa trajetória, novas tecnologias que nos trarão mais infor-
atormentado pelas moléstias físicas, pelo temperamen- mações sobre sua arte e sua vida? Quanto ao legado de
to colérico, vivendo seus últimos anos em penúria, no sé- Aleijadinho, só podemos imaginar o que ele nos guarda.

Prof. Dr. LISZT VIANNA NETO


Curador

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Aleijadinho - Vida e obra 13
Índice

Os movimentos artísticos 31
A construção das identidades mineira e brasileira 39
Construção identitária, Modernismo e Barroco 43
As obras 47
O restauro 61
A ciência do restauro 66
O restauro na Casa Fiat de Cultura 73
Passo a passo 78
Antes e depois 84
O legado 91
Bibliografia resumida 96
Ficha técnica das obras 98
Ficha técnica Casa Fiat de Cultura 99
Ficha técnica exposição 100
Ficha técnica catálogo 102
Aleijadinho
Vida e obra
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• Aleijadinho - Vida e Obra •
Ainda que a obra de Antônio após o nascimento de Antônio “Aleijadinho”. É certo que, em sua
Francisco Lisboa seja única — e o Francisco Lisboa — tendo ele pos- maturidade, o mestre apresentava
próprio desenvolvimento da cultura sivelmente dois irmãos. Sobre seu problemas de locomoção, tendo de
artística e arquitetônica da Capita- pai, Manuel Francisco Lisboa, sabe- ser carregado ao local de trabalho,
nia de Minas Gerais seja repleto de mos bastante: português de Jesus e que suas ferramentas eram por
singularidades —, a trajetória desse de Odivelas, arcebispado de Lisboa, eles atadas às mãos. A partir de
mestre nos aproxima estreitamente homem branco que ascendeu como então, sua condição deteriorou-se
carpinteiro, mestre de obras, juiz de muito, o que não o impediu de tra-
do amplo universo social e cultural da
antiga Vila Rica em período colonial.ofício, avaliador de obras reais e balhar até cerca de dois anos an-
até avaliador teórico. Ao colaborar tes de sua morte, já em idade muito
Envolto em mistério desde o com a oficina de seu pai, Antônio avançada. Os possíveis diagnós-
início, Antônio Francisco Lisboa tem Francisco Lisboa foi influenciado ticos para o mal que o afligia va-
até mesmo sua data de nascimen- por diversos mestres, como seu tio, riaram amplamente ao longo dos
to como objeto de debate — entre Antônio Francisco Pombal, além de séculos. Contudo, a hipótese mais
1730 e 1738, sendo esta data ampla- Francisco Xavier de Brito, José Co- difundida popularmente, acerca da
mente reconhecida. Sobre sua mãe, elho Noronha e João Gomes Batista. hanseníase, seria a menos provável,
Izabel, mulher negra, escravizada, dado o estigma e o isolamento aos
sabemos muito pouco, exceto que Em dado momento de sua quais os afetados por essa doença
provavelmente tenha sido liberta trajetória, ganhou a alcunha de eram submetidos.

• Aleijadinho - Vida e Obra •


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Antônio Francisco Lisboa ostentarem fartas decorações, não
esteve no Rio de Janeiro, mas só po- deixaram de exibir o prestígio e o
demos imaginar quais experiências poder das ordens terceiras do perí-
e contatos artísticos ele teceu por odo colonial.
lá. Sabemos, no entanto, que teve
um filho com Narcisa Rodrigues da Quando abordamos as es-
Conceição, mas permaneceu soltei- culturas de Antônio Francisco Lis-
ro. Seu filho, batizado com o nome boa, nossa memória reporta-nos
do avô, Manuel Francisco Lisboa, imediatamente ao conjunto de
se estabeleceria posteriormente em Congonhas. Trata-se de uma obra
Ouro Preto e seguiria o ofício do pai.
complexa, que envolve narrativa, ar-
Manuel daria ao mestre um neto, ao quitetura e paisagem e que hoje é
casar-se com Joana Francisca de registrada como Patrimônio Cultu-
Araújo Corrêa — que cuidaria do so- ral Mundial pela UNESCO. É fasci-
gro em seus últimos anos de vida. nante como a paisagem composta
por Aleijadinho nos remete à Igreja
Curiosamente, o período de do Bom Jesus do Matozinhos em
maior desenvolvimento da obra de Braga, Portugal, cuja composição é
Aleijadinho, entre o século XVIII e construída ao ascender-se em dire-
XIX, coincide justamente com o de- ção aos Passos da Paixão, passan-
clínio da exploração do ouro em Mi- do pelas esculturas que ladeiam a
nas Gerais. Fica evidente na obra do escadaria que dá acesso à igreja —
mestre que as igrejas mineiras, ao como em Minas Gerais.
• Aleijadinho - Vida e Obra •

Detalhe do conjunto de Congonhas (MG),


um marco na vida e obra de Aleijadinho

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• Aleijadinho - Vida e Obra • 17
Umas das referências sobre Alei- mórdios de Vila Rica, a arquitetura risco para a igreja São Francisco de
jadinho mais recorrentemente do Estilo Chão, por vezes atrela- São João del-Rei, nota-se o avança-
abordadas por viajantes europeus da ao Maneirismo, era baseada na do uso da rocalha como o elemento
do século XIX remete a como o tradição das oficinas portuguesas, que mais se destaca no frontão.
mestre necessitava que Maurício, sendo marcada pelas superfícies
seu auxiliar preferido, atasse-lhe planas, pelas arestas angulosas, É difícil ter uma noção pre-
firmemente seus instrumentos de pela ornamentação externa conti- cisa da linguagem arquitetônica de
trabalho às mãos, ou como ne- da e pelas duas águas do telhado Antônio Francisco Lisboa, por serem
cessitava de Agostinho e Januário evidentes no frontispício (fachada relativamente poucas as obras do
na locomoção. Contudo, é notável principal de um edifício). mestre, havendo exemplos magnífi-
como suas dificuldades físicas não cos em Ouro Preto, Sabará, Tiraden-
afetaram seu delicadíssimo traba- O desenvolvimento da lin- tes e um risco para São João del-
lho de talha, tampouco sua graciosa guagem arquitetônica à época de -Rei. Vale destacar o exemplo único
assinatura em 1802 — contexto de Aleijadinho traz aos frontões as cur- do risco da fachada e da planta do
criação dos profetas de Congonhas. vas, contra-curvas e volutas. A partir açougue de Ouro Preto, que escapa
de então, as torres desenvolvem-se completamente da esfera religiosa.
As obras mais propriamente em direção ao arredondamento, co- Quanto às portadas, fontes, púlpitos,
arquitetônicas de Aleijadinho re- locando-se recuadas em relação relevos e outros elementos que fun-
presentam bem o desenvolvimento ao avanço da fachada — caracte- dem os elementos arquitetônicos
das Igrejas de Vila Rica na segun- rísticas bem expressas pela Igreja à decoração, temos um volume de
da metade do século XVIII. Nos pri- de São Francisco, de Ouro Preto. No obras bastante substancial.

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Vista da cidade de Ouro Preto (MG),
berço do barroco mineiro

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Conjunto completo de Congonhas (MG)
com as obras icônicas de Aleijadinho
A primeira obra que teria da elite, a formação dos aprendizes
participação de Antônio Francisco nas oficinas era pautada pela prá-
Lisboa seria a fonte no Palácio dos tica, desde tenra idade. O aprendiz
Governadores, em Ouro Preto, que ganhava experiência e conquistava
ganhou o risco de seu pai, Manuel, maiores responsabilidades antes de
em 1752. Outras fontes, como o bus- ser admitido como mestre, com sua
to no Chafariz do Alto da Cruz, e os própria oficina, por um juiz de ofí-
lavatórios parietais, como na Igreja cio. Tal cultura das oficinas guarda
do Carmo de Ouro Preto, apontam a semelhanças e permanências com
sensibilidade do artista para a inte- as corporações de ofício medievais
gração do espaço. De forma análoga, portuguesas, voltadas ao mecenato
seus imensos retábulos trazem ele- da esfera religiosa, as quais prescin-
mentos arquitetônicos talhados em diam de uma densa aproximação
madeiras que se integram ao espa- teórica e de exercícios livres.
ço do Altar-mor. As portadas se ex-
pandem ao baixo-relevo, integrando Antônio Francisco Lisboa
o óculo e tocando levemente as ja- aprimorou-se desde muito cedo ao
nelas, como na singular fachada de trabalhar na oficina de seu pai, com
São Francisco de Ouro Preto. Como seu tio, e com os mestres a eles as-
os demais aspectos da trajetória do sociados. Ainda criança, Aleijadinho
mestre, sua arquitetura não pode ser certamente teve lições de leitura e
desassociada do contexto no qual escrita, de matemática, de religião,
se insere. e talvez até algum domínio sobre o
latim, mas o restante de sua forma-
Quando pensamos em An- ção se deu na oficina desde cedo.
tônio Francisco Lisboa como artista Como vimos, Manuel Francisco Lis-
— entalhador, escultor e arquiteto —, boa ocupou postos de destaque no
corre-se o risco de projetar sobre o campo artístico de Vila Rica, como
passado o que entende-se hoje ser juiz de ofício e avaliador de obras re-
a formação acadêmica de um ar- ais, e não tardaria para que seu filho
tista, incorrendo em um grave ana- se tornasse ele mesmo um mestre.
cronismo. A concepção atual é pau-
tada pelas academias implantadas Mestre de sua própria ofici-
no Brasil no século XIX, que previam na, Aleijadinho estava cercado de
uma grade curricular abrangendo oficiais, aprendizes e trabalhadores
disciplinas teóricas, uma prática que se ocupavam de boa parte do
• Aleijadinho - Vida e Obra •

voltada aos exercícios historicistas trabalho, às vezes cabendo ao mes-


e ao desenho de observação. tre o risco, a supervisão e os detalhes
mais delicados. Tal trabalho coletivo
Mesmo que a educação uni- faz com que nossa ideia contem-
versitária em Coimbra, fora do cam- porânea de autoria seja muito dis-
po artístico, fosse uma possibilida- tinta da realidade da arte colonial.
de para os portugueses e colonos Felizmente, sabemos os nomes de

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• Aleijadinho - Vida e Obra •

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muitos dos oficiais e trabalhadores ria ser o ofício exclusivo de um único Por isso, os especialistas bus-
sob o mestre Aleijadinho: Luiz Fer- cam por estilemas (características
pintor: flores, frutos e guirlandas, fi-
reira da Silva, Faustino da Silva Cor- guras humanas, perspectiva e qua-estilísticas) mais frequentemente
reia, Henrique Gomes de Brito, entre associados a Aleijadinho e sua ofi-
dratura; dentre os ofícios da madei-
tantos outros. É razoável pensar que cina em obras atestadas, como as
ra, a carpintaria, a marcenaria e a
seu filho, Manuel Francisco Lisboa, de Congonhas. Alguns desses esti-
talha; dentre os ofícios da pedra, a
e seu meio-irmão, o sacerdote Félix lemas são mais gerais, como a pre-
construção, a cantaria e a escultu-
Antônio Lisboa, possam ter treinado ferência pelo panejamento anguloso
ra; além do risco, do douramento, da
e colaborado com o mestre. Conhe- carnação, etc. e esvoaçante, às vezes usando man-
cer tais oficiais e colaboradores nos gas dobradas e golas cônicas. Já
permite saber futuramente um pou- Um dos desafios ao se atri- algumas características podem ser
co mais sobre a produção da oficina buir uma peça a Antônio Francisco bastante específicas: o desenho dos
de Aleijadinho de forma mais ampla. Lisboa e sua oficina deve-se ao fato cabelos cacheados, estriados, ter-
das características mais notáveis minados por volutas, muitas vezes
Ainda que o trabalho das de suas obras remeterem à figura partidos de maneira característica.
oficinas fosse relativamente ho- humana — especialmente à face. Também são notáveis os desenhos
rizontal, aproximando o fazer dos Quando não temos esses elementos dos olhos, geralmente amendoados,
mestres ao de seus contratados, a humanos, a identificação torna-se com pronunciada distância entre
oficina reunia profissionais muito mais difícil, sobretudo porque tam- um e outro, e delicadas sobrance-
especializados. Por exemplo, na pin- bém são raros os documentos que lhas arqueadas. Os narizes tendem a
tura, cada elemento pictórico pode- remetem diretamente ao artista. ter um delineamento longo, estreito,

• Aleijadinho - Vida e Obra •


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assim como as pontas do nariz, do cedro preparado era muito utilizada,
queixo e da barba tendem a ser cla- ainda que se pudesse lançar mão
ramente divididas. Ainda assim, tais de outras madeiras disponíveis e de
características variam entre as fa- qualidade.
ses de desenvolvimento da lingua-
gem do mestre. Contudo, mesmo dentre as
técnicas e materiais utilizados por
O material mais utilizado Aleijadinho, não podemos encon-
para a cantaria e para a talha em trar uma “assinatura” exclusiva do
pedra das portadas, relevos e es- mestre, pois muitas técnicas de sua
culturas no exterior era a pedra-sa- oficina eram perfeitamente corren-
bão, por sua disponibilidade, maciez tes entre outros artistas. Podemos
e facilidade ao entalhar — por isso apenas esperar que o desenvolvi-
e pelo legado de Aleijadinho, o ar- mento futuro de novas tecnologias
tesanato mineiro ainda hoje se vale de análise possam apontar algum
deste material como elemento de elemento único de Antônio Francis-
identidade. Para as talhas em ma- co Lisboa e de sua oficina — tor-
deira dos retábulos, púlpitos e es- nando, assim, definitiva a atribuição
culturas no interior, a pintura sobre o de suas obras.
• Aleijadinho - Vida e Obra •

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• Aleijadinho - Vida e Obra • 29
Os movimentos
artísticos
Barroco

Em seu período de maturi- do desenvolvimento histórico da


dade, Antônio Francisco Lisboa no- Capitania de Minas Gerais a levam
tabilizou-se pelo “gosto francês” do a um contexto distinto do Barroco
Rococó, ainda que contemporanea- português, e até mesmo diferente
mente associemos frequentemente do Barroco do litoral. Tal distância
a sua obra ao Barroco Mineiro. faz com que azulejos e mármo-
res, trazidos de além-mar, sejam
Com o desenvolvimento his- praticamente ausentes em Minas
tórico da modernidade, a arte do Gerais. Outro fator de distinção do
alto Renascimento tem no Manei- litoral seria a proibição do esta-
rismo a transição que culminaria no belecimento das ordens religiosas
Barroco. O século XVI seria carac- regulares na Capitania, cabendo
terizado, no âmbito social, pelas re- às irmandades terceiras, laicas, a
ações católicas à Reforma Protes- construção e ornamentação das
tante, impelida por Martinho Lutero, igrejas e capelas.
que se expandiu, especialmente no
Norte da Europa. Ainda que o Barroco italiano
seja marcado pelo intenso pathos,
• Os movimentos artisticos •

Se na Europa o período Bar- ou seja, por uma emoção inconti-


roco é marcado pela Contrarrefor- da, na América Portuguesa o Bar-
ma, na América Portuguesa não há roco desenvolveu-se, inicialmente,
um embate direto com o protes- com expressões comedidas e pa-
tantismo, ainda que o Concílio de nejamento pouco movimentado, se
Trento alcançasse sua religiosidade. comparado à posterior leveza do
Inúmeras outras especificidades Rococó.

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• Os movimentos artisticos • 33
• Os movimentos artisticos •

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Devemos entender, no en- procissões religiosas. Tal teatralida- de cheios e vazios, gera o movimen-
tanto, que o Barroco, ao longo de de, em plena dialética com o espec- to na planta e especialmente nos
todo seu período histórico, não era tador, é expressa especialmente nos frontispícios (fachada principal de
denominado de tal forma. Se na Itá- tetos das igrejas pela quadratura um edifício).
lia muitos artistas e arquitetos do — pintura ilusionista de perspectiva
Barroco se consideravam ainda her- ou de “falsa arquitetura”. Nela, mais Por sua vez, surgida na Fran-
deiros do Renascimento, no Brasil o do que em qualquer outro elemento
ça, a linguagem do Rococó é base-
Barroco por vezes era associado a pictórico, o fiel constrói com o pró-
ada no desenvolvimento da Rocalha,
um “gosto gótico”. Podemos enten- prio corpo a espacialidade trama-
ou Rocaille, que deriva das conchas,
der que tal “gosto” derivaria do Bar- da pelo pintor ao se colocar em um
rochas e algas marinhas. Seu sur-
roco português, ou Estilo Nacional ponto específico no qual toda a ilu-
gimento é notável por se tratar de
Português, que apresentava arqui- são arquitetônica se revela. um novo elemento decorativo, muito
voltas no coroamento do retábulo, distinto das conchas do Renasci-
um douramento intenso e uma de- Tal demanda barroca por di- mento e ausente da tradição clássi-
coração complexa — elementos as- álogo com o observador se expres- ca greco-latina.
sociados à ourivesaria dos godos e sa também na integração do pro-
atribuídos à arquitetura românica e jeto arquitetônico à espacialidade Ainda que notoriamente
gótica medieval. escultórica — algo que Aleijadinho uma tendência francesa, por lá o
concebia com maestria. É inegável Rococó se desenvolveu na arte e
Uma expressividade mais que a decoração intensa, o horror ao arquitetura do meio laico, muito as-
teatral revela-se no período da re- vazio e o douramento intenso dos sociado à aristocracia e à opulência
gência de João V, no chamado espaços barrocos também colabo- real. Em Minas Gerais, o processo
Barroco Joanino, no qual dosséis e ram para tal efeito. No âmbito da é oposto: notamos um desenvol-
baldaquinos remetem às efêmeras arquitetura, o jogo de luz e sombras, vimento intenso desse “gosto” na

• Os movimentos artisticos •
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arte e arquitetura religiosas. Tal fato Podemos associar o Roco- guesa se deu por meio de tratados
ressalta o caráter muito específico có à leveza e à claridade, às vezes e impressos completos, mas prin-
da cultura artística mineira, posto expressas por transparências e re- cipalmente por meio de gravuras
que na Europa o Rococó religioso flexos, assim como espaços planos avulsas usadas pelas oficinas como
se desenvolveu de forma compará- e claros, ou leves tons pastel, mas referência. Outra forma de circu-
vel apenas nas províncias católicas que herdam os elementos do de- lação de tal “gosto” seria o contato
da Europa Central. senvolvimento do Barroco, desta- direto entre artistas. Além das obras
cando e valorizando ainda mais as europeias que chegavam à América
O Rococó representa o “gos- formas com o douramento delicado, Portuguesa, mestres e artífices de
to francês” pelo qual Aleijadinho se a assimetria e as superfícies bran- Portugal também chegavam à colô-
notabilizou em sua maturidade. Em cas. Destaca-se também nessa lin- nia, como é o caso de João Gomes
sua obra escultórica, tal linguagem guagem o mestre Manuel da Costa Batista. Sobre a viagem de Aleijadi-
• Os movimentos artisticos •

se expressa no panejamento esvo- Ataíde, pintor colaborador de Antô- nho para o Rio de Janeiro, só pode-
açante, que gera intrincadas e ele- nio Francisco Lisboa em muitas de mos conjecturar qual impacto teve
gantes dobras, e na leveza expres- suas maiores obras. para sua aquisição de novos voca-
siva das graciosas figuras humanas, bulários a partir dos contatos que
com sorrisos sutis e misteriosos, É razoável imaginar que boa possa ter estabelecido por lá.
bem representados nas figuras an- parte da circulação e difusão do
gelicais infantis. “gosto francês” pela América Portu-

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• Os movimentos artisticos •

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A construção das
identidades mineira
e brasileira

O século XIX marcou a inau- flexível e mutável das construções


guração de um discurso embrionário identitárias, chegando a afirmar
acerca dos conceitos de mineirida- que tais processos configuram ce-
de e brasilidade, essenciais para a nários em permanente estado de
construção das nossas identidades transformação.
nacional e regional. Essa elaboração
surge de uma necessidade estra- Em uma perspectiva crítica,
tégica de se afirmar uma suposta emergem tradições populares, es-
unidade territorial em meio a um truturações familiares, práticas e
processo de consolidação econômi- questões religiosas e, claro, o con-
ca, política e cultural que acontecia texto da escravidão e suas reverbe-
em um cenário de fragmentação de rações sociopolíticas que permeiam
ideários e interesses. Neste contexto, toda a nossa história, inclusive a
a afirmação das diversidades regio- nossa contemporaneidade.
nais colaborava para a construção
de um imaginário identitário simpá- Além disso, sob a luz das
tico à ideia de um território plurali-
referências fluidas e conceitos

• Os movimentos artisticos •
zado porém coeso. fragmentados da pós-modernida-
de, podemos considerar também
Obviamente, boa parte das o processos de interculturalidade
percepções que sustentavam este e internacionalização da cultura no
discurso foram se transformando. processo latente da construção das
Afinal de contas, o próprio Boa- identidades mineira e brasileira.
ventura Santos defende o caráter

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• Os movimentos artisticos •

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Construção
identitária,
Modernismo
e Barroco

A partir da década de 1920, ção de referências estéticas estran-


no Movimento Modernista, princi- geiras, considerando o impacto do
palmente pela voz de Mário de An- processo de colonização na cons-
drade, o conceito de identidade trução das nossas manifestações
nacional foi conectado ao Barroco identitárias.
Mineiro, que passou a ser interpre-
tado como a primeira manifestação Neste sentido, o nosso bar-
estética genuinamente brasileira, roco emerge como resultado poten-
dentro de sua própria multiplicidade cializado da miscigenação, na medi-
(artes plásticas, arquitetura, músi- da em que parte de uma referência
ca, literatura, etc.). Trata-se de uma europeia construída dentro de um
perspectiva ainda bastante contro- conceito de estratégia colonizadora
versa dentro do campo da historio- e catequizadora, adquirindo carac-
grafia da arte nacional, o que não terísticas bastante diferenciadas
diminui a importância e o valor da a partir das influências indígenas
originalidade das obras produzidas e afrodescendentes, ainda que no
ainda no contexto colonial, princi- contexto da escravidão.

• Os movimentos artisticos •
palmente se consideradas as fortes
influências estilísticas europeias. Por tudo isso, principalmente
a partir da década de 1930, o Barro-
Já no Manifesto Antropofá- co Mineiro assumiu um papel essen-
gico de 1928, Oswald de Andrade cial de referência estética dentro da
lança o conceito de antropofagia, construção do pensamento iden-
que resumiria a absorção e degluti- titário nacional, sendo incorporado

43
a um discurso político-ideológico conservadorismo, a precariedade e
que visava minimizar os conflitos o subdesenvolvimento. O que pode
envolvidos nas relações de domi- ser mais barroco que o famoso “Pa-
nação entre a presença europeia rangolé” de Hélio Oiticica?
e as populações nativas, afrodes-
cendentes e de origem multiétnica, Enfim, o Barroco não se con-
muito presentes no contexto colo- figura apenas como um estilo ou
nial. Assim, o barroco foi alçado a vertente estética, mas como todo
ferramenta chave dentro do pro- um modo de viver e de pensar, po-
cesso de configuração da identi- voado por alegorias, metáforas, ex-
dade cultural brasileira. posição de idiossincrasias e con-
tradições que englobam desde os
Anos depois, no final da dé- festejos religiosos de rua até o nos-
cada de 1960, o Movimento Tropi- so mais que profano carnaval.
calista, em período de intenso fervor
nacionalista, reeditou, à sua própria Ainda que o pensamento
maneira, a referência antropofágica crítico seja essencial para manter a
• Os movimentos artisticos •

para justificar o mix de contrastes cultura viva e plena em suas potên-


entre o nacional e o internacional, cias transformadoras, reverenciar
misturando o samba e o rock, so- o passado nem sempre implica em
noridades urbanas e rurais, refe- ratificar tendências conservadoras
rências das culturas pop e erudita. tradicionalistas. Afinal de contas,
O movimento buscou nas alegorias o que fomos também faz parte de
barrocas inspirações para criticar o cada um de nós.

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• Os movimentos artisticos • 45
As obras
• As Obras •

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As imagens que tivemos em Maria — e, por extensão, os valores rada padroeira dos mineradores.
exposição e em restauro - represen- da educação e da formação, espe- Quando a figura de Sant’Ana e Ma-
tando São Manuel, São Joaquim e cialmente moral e religiosa. ria tem incluída a imagem do menino
Sant’Ana Mestra - carregam con- Jesus, tratamos da iconografia das
sigo uma diversa constelação de A iconografia de Sant’Ana “Santas Mães”, reforçando a ima-
significados devocionais, históricos Mestra que vemos neste catálogo gem de Sant’Ana como mãe, guia e
e iconográficos. Sant’Ana Mestra é composta pela santa, geralmente mestra da mãe de Jesus. Quando a
e São Joaquim se associam cla- sentada, ensinando sua filha, Maria, imagem de São Joaquim é incluída,
ramente a Maria, mãe de Jesus, na ainda criança, as escrituras sagra- trata-se da iconografia da “San-
chamada “Santa Parentela”. São das — às vezes representadas em ta Parentela”, que nos remete mais
Manuel se destaca desta narrati- trechos delicadamente pintados. Há, uma vez à “Sagrada Família” de Ma-
va por ser uma imagem atribuída à entretanto, outra iconografia muito ria e José.
juventude de Aleijadinho com exce- semelhante, Sant’Ana Guia, que re-
lente integridade pictórica, e por ser
presenta a santa, geralmente de pé A imagem que vemos neste
um santo do Oriente, exótico, mas e sem a tradicional cadeira, condu- catálogo é da Capela de Sant’Ana,
objeto de grande devoção em Por- zindo o caminho da filha, ambas de padroeira do distrito Chapada de
tugal e na América portuguesa. mãos dadas ou mesmo com Maria Ouro Preto (MG). Dada a sua qua-
no colo. lidade e erudição, especula-se que
Se é possível sintetizar a tenha sido produzida na maturidade
imagem de Sant’Ana em poucas Muito popular na Capitania de Aleijadinho, na virada do século

• As Obras •
palavras, podemos dizer que ela re- de Minas Gerais, Sant’Ana, além de XVIII e do século XIX, sendo possivel-
presenta o modelo maternal da filha, protetora dos partos, era conside- mente contemporânea às imagens

49
de Congonhas. Ainda que Sant’Ana A iconografia tradicional as- de Aleijadinho, do Museu Arquidio-
apresente elementos muito próximos sociada a São Joaquim o represen- cesano de Mariana, que original-
a linguagem de Aleijadinho, devemos ta idoso, calvo, com barba e cabe- mente se encontrava na Igreja de
destacar que a Virgem Menina tem los brancos, tendo como atributo o Bom Jesus do Matozinhos de Con-
uma fatura diferente de Sant’Ana, e cajado, e mais raramente um cesto gonhas. O São Joaquim de Congo-
que alguns elementos, como a ca- com pombos. Tal cajado remete ao nhas apresenta um movimento que
deira e o panejamento, indicam o tema do casamento com Sant’Ana Germain Bazin descreveu como um
trabalho de um outro artista — talvez
e à paternidade de Maria, enquanto “rodopiar de alegria”. Apesar das se-
um oficial do mestre Aleijadinho. os pombos remetem à oferenda ao melhanças, a posição dos pés da
templo, em agradecimento à gravi- imagem em exibição é mais estável
Se comparado à Sant’Ana, dez de sua mulher já madura. Como e oposta à postura da outra, que por
São Joaquim parece eclipsado, não nas imagens de “São José de Botas”, sua vez exibe um panejamento mais
sendo a devoção a ele tão popular a iconografia de São Joaquim tam- movimentado.
e prevalente quanto à sua esposa, bém descreve que o santo chegaria
nem sendo representado tão proxi- à Jerusalém Celeste em montaria Tanto quanto graciosa, a
mamente à jovem Maria. O lugar de para reencontrar a esposa. imagem de São Manuel é misterio-
Joaquim em evangelhos apócrifos, sa: um santo oriental, vindo da Pér-
ante o culto a Maria, parece curio- Nesta imagem, pertencente sia, que surge somente em textos
samente semelhante ao lugar de à Igreja Nossa Senhora da Concei- apócrifos — estranhos aos textos
São José: São Joaquim também é ção de Raposos (MG) e que fazia par canônicos da Igreja Católica —, mas
representado como um homem ma- com uma Sant’Ana Mestra em nicho que conquista fiéis em Portugal e
duro e sua esposa também recebe o lateral, Joaquim é representado à alcança a religiosidade da capitania
anúncio do anjo Gabriel. semelhança de outro São Joaquim de Minas Gerais.
• As Obras •

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• As Obras • 51
Enviado com seus irmãos, beça, um resplendor de prata. Toda iconográfico: mesmos elementos
Jabel e Ismael, como diplomata per- a composição é bastante serena e de martírio, postura e composição.
sa a Roma, Manuel é bem recebido vertical, exceto pelos braços, pés eCertamente, a imagem que obser-
em sua missão de paz pelo Impe- cravos diagonalizados. vamos aqui se destaca pela erudi-
rador Juliano. Entretanto, ao se re- ção, notável em suas proporções
cusarem a presenciar os sacrifícios A imagem cujo processo de corporais, nas expressões faciais e
pagãos do Imperador, eles são pre- restauro testemunhamos é prove- no panejamento que envolve a cin-
sos e martirizados. niente da Igreja de Nossa Senho- tura — sendo as demais imagens
ra do Bonsucesso de Caeté (MG), e possivelmente produzidas a partir
Em seu martírio, Manuel e os conjectura-se que faça par com a de da referência do grande mestre.
irmãos são torturados e finalmen- Santa Luzia da mesma igreja — pela
te degolados. Na representação de semelhança em tamanho, fatura e Ainda que nos pareça uma
Aleijadinho, São Manuel tem o cor- até mesmo representação da face. figura exótica, oriental, de uma re-
po perfurado por cravos, que atra- gião geralmente pouco associada
vessam seus ouvidos e as laterais Como essa, muitas outras aos primeiros séculos do cristianis-
do peito, e traz no pescoço a marca imagens de São Manuel existem em mo, sabemos que São Manuel con-
de sua decapitação. Em pé e com coleções particulares, sendo algu- tava com uma devoção muito inten-
as mãos postas, leva à cintura um mas mais ou menos contemporâ- sa em Portugal — o que parece ter
pano belamente drapeado e, à ca- neas e seguindo o mesmo programa se estendido à América Portuguesa.

• As Obras •
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• As Obras • 55
• As Obras •

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• As Obras • 59
O restauro
Restaurar significa a ação A partir da definição básica tados. O contato com a peça e a
de intervir em um bem cultural ou do que é uma restauração, já se evi- análise neste momento são realiza-
artístico danificado de forma a de- dencia que, antes de ser iniciada a dos por exame organoléptico (a olho
volver sua integridade física, suas exposição na Casa Fiat de Cultura nu, com lupas de mão e de pala). A
características estilísticas, sem nas três peças atribuídas a Aleija- peça é fotografada em várias posi-
alterar os elementos pertinentes dinho e sua Oficina, foram necessá- ções, enfocando detalhes com vis-
à autoria, idade, procedência ou rias etapas prévias. tas a identificar suas especificida-
qualquer outro que remeta à identi- des e cada um de seus danos.
dade e reconhecimento dos valores A princípio houve o trabalho
que lhe são intrínsecos. É essencial in loco, em Raposos, Caeté e Maria- De posse desse material é
que o trabalho seja elaborado pela na, sucessivamente, onde foi anali- então feito o levantamento biblio-
leitura do objeto em questão a par- sada cada uma das peças em seu gráfico, os estudos estilísticos a
tir de seus aspectos histórico, es- local de permanência. A situação à partir de análises composicionais,
tético, matérico e mesmo socioló- qual a peça está submetida muitas modulações, cânones, bem como
gico, tornando-se assim o restauro vezes diz muito sobre as degrada- as análises iconográficas, hagio-
uma função interdisciplinar com a ções identificadas. O diagnóstico é lógicas, que vão auxiliar nas pro-
participação, além do profissional feito baseado nos danos percebidos posições da intervenção a ser re-
conservador/restaurador, do his- e nas possíveis causas que os pro- alizada. Amparado ainda nas mais
toriador, bem como do químico, do vocaram. A indagação direta à co- de 40 Cartas de Patrimônio que
físico, do biólogo, do sociólogo, en- munidade que a resguarda, os fatos contêm conceitos e diretrizes que
tre tantos outros que venham pos- históricos ou mesmo folclóricos que norteiam as restaurações e são re-
sibilitar o desvendamento de todos lhe dizem respeito; a relação dos fi- conhecidas internacionalmente, o
os elementos significantes de sua éis com tal representação e muito projeto é elaborado com o mapea-
existência. mais são aspectos também levan- mento dos danos e o procedimen-
• O Restauro •

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• O Restauro •

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to a ser adotado diante de cada as condições climáticas e de ilumi- A exposição-vitrine de um
um dos problemas identificados. nação exigidas), é a hora de fazer o trabalho de restauro em curso é
Aqui é detalhada a ação com de- seu traslado. uma eficiente forma de educação
finição de testes, exames específi- patrimonial, hoje reconhecida como
cos, materiais a serem utilizados e Para a retirada são realiza- uma das principais iniciativas para
a maneira como serão realizados das pequenas atitudes relativas à possibilitar a preservação dos pa-
os procedimentos. manutenção de cuidados para o trimônios históricos e artísticos
transporte, que são fixações pon- mundiais.
O projeto com os textos, es- tuais de desprendimentos mais
tudos esquemáticos e fotográficos graves de pinturas ou cuidado com Na Casa Fiat de Cultura, o
é encaminhado para os órgãos de partes que porventura possam estar que pôde ser observado foi a curio-
patrimônio responsáveis, no caso com risco de se soltar do conjunto. sidade e o interesse demonstrados
das três peças é o Patrimônio Fede- A peça é cuidadosamente embala- pelo significativo número de vi-
ral – Iphan para aprovação. Segue da com papéis neutros e macios e sitantes, especialmente nas visi-
também para as arquidioceses pro- acomodada em caixa de madeira tas mediadas, quando surgiram as
prietárias do acervo – de Belo Hori- forrada com grossa camada de es- perguntas mais surpreendentes, o
zonte e de Mariana. puma. Ela deve ser posicionada de que torna lícito reconhecer a impor-
forma a não se movimentar durante tância da iniciativa diante de tão
Após as devidas liberações o percurso, mas ao mesmo tempo grande demanda apresentada. O
e definidas as condições apropria- não sofrer nenhum tipo de pressão diálogo profícuo certamente deixa-
das de recepção das peças (levando que possa expô-la a novos estragos. rá um legado didático de extrema
em conta o seguro das mesmas e os O processo começa a ser documen- relevância, não só para a profissão
espaços para execução do trabalho, tado, com filmes e fotografias des- do restaurador, como para o nosso
que além de espaço expositivo pas- de esse início. Elas são transporta- importante acervo artístico cultural,
sa a ser um ateliê de restauro, com das em caminhão baú fechado. tombado ou não.

• O Restauro •
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A ciência
do restauro

O fluxo de trabalho em um Para conhecer mais as obras


restauro, por mais meticuloso que atribuídas a Aleijadinho - Sant’Ana
seja, é dinâmico e complexo nas Mestra, São Joaquim e São Manuel
perspectivas da interdisciplinarida- - são necessárias algumas etapas
de e da composição das informa- justamente utilizando técnicas e
ções e conhecimento para a toma- processos científicos. Com isso, são
da de decisões. Dentre as diversas realizadas fotos científicas, raio X e
estruturas e conceitos utilizados descupinização para conhecer as
estão algumas etapas que trazem peças além do que os olhos enxer-
uma leitura mais completa do obje- gam e a história conta.
to que suportará as intervenções do
restaurador. Diante disso, a ciência, Ao chegarem na Casa Fiat
que nos últimos dois anos ganhou de Cultura, local do ateliê de restau-
popularidade com a corrida para a ro vivo, as três obras começaram a
produção de vacinas contra a Co- passar por esse período de estudo,
vid-19, contribui para o restauro, em nessa abordagem com o uso da ci-
processos que, guardadas as pro- ência. As fotos científicas são mais
porções, mostram o quão a ciên- do que simplesmente registro de
cia não apenas se faz presente em imagens: são utilizados luz ultravio-
melhorar a vida das pessoas, mas leta, que permite perceber a presen-
• O Restauro •

também em manter o patrimônio ça de pinturas de diferentes perío-


artístico-cultural produzido pela dos; o uso de infravermelho também
humanidade. se faz presente para mostrar uma

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• O Restauro •

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leitura do desenho subjacente, ou esfera densa de vidro. Além disso, o oxigênio e hermeticamente vedada.
seja, o que está embaixo da pintu- raio X mostra como são as formas São instaladas válvulas para inserir
ra atual. O resultado é uma foto em de união dos blocos de madeira, nitrogênio e para deixar o oxigênio
preto e branco com o detalhamento pois o tórax de uma imagem pode sair totalmente. O controle é feito
de linhas mais evidentes. ser único e os membros de braços, por meio de medidores específicos
por exemplo, serem de outra blocos quanto a umidade e nível de oxigê-
Já o outro importante exa- e encaixados por meio de cravos nio e, conforme necessário, são co-
me feito nos objetos é o raio X. ou cavilhas de madeira (antiga- locadas gotas de água em uma um
Com ele, é possível ver o interior da mente não se tinha pregos como material poroso que fica dentro da
peça e notar, por exemplo, o tipo os de hoje e eram então produzidos mesma bolsa para controlar a umi-
de olhos de vidro das obras, já que pelos próprios escultores). dade. O nitrogênio é reintroduzido
nesse caso, duas delas – São Joa- sempre que o nível de oxigênio so-
quim e São Manuel – têm olhos de Por fim, a parte científica bre. Todo o processo de descunipi-
vidro. Só por meio desse processo aqui tratada também proporciona zação é monitorado durante trinta
é possível perceber que a de São uma outra importante etapa: descu- dias para que não apenas os cupins
Manuel tem apenas uma calota de pinização, processo para eliminar os sejam eliminados, mas também os
vidro, uma “casquinha” para fazer insetos xilófagos, conhecidos como ovos dessa espécie. Após aberto, é
o papel de olho. Por sua vez, na de cupins. O processo consiste em co- feito um trabalho de barreira quími-
São Joaquim é possível notar que é locar a peça dentro de uma bolsa ca que serve como imunizante para
uma “bolota” branca, ou seja, uma de plástico especial de barreira de evitar uma nova infestação.

• O Restauro •
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• O Restauro • 71
O restauro
na Casa Fiat
de Cultura

A Casa Fiat de Cultura foi foi feito pela empresa especializa-


palco para o ateliê de restauro vivo da Grupo Oficina de Restauro, com
de três importantes obras atribuí- a coordenação de Rosangela Reis
das a Aleijadinho: Sant’Ana Mes- Costa e acompanhamento do Ins-
tra, pertencente a comunidade de tituto do Patrimônio Histórico e Ar-
Chapada de Ouro Preto (MG), São tístico Nacional (Iphan).
Joaquim, do acervo da Paróquia de
Nossa Senhora da Conceição, de O trabalho começou, con-
Raposos (MG) e São Manuel (MG), tudo, antes mesmo dos objetos
da Paróquia de Nossa Senho- chegarem à Casa Fiat de Cultu-
ra do Bonsucesso, de Caeté (MG). ra. A equipe de restauro visitou os
O público pôde conferir por meio de três locais de origem – que no caso
conteúdo online e presencialmente. de Sant’Ana Mestra aconteceu em
O complexo trabalho de restauro Mariana (MG), já que a obra fica
foi desenvolvido ao longo do se- sob guarda do Museu de Arte Sacra.
gundo semestre de 2021 e conclu-
ído em fevereiro de 2022, de acor- Passada a etapa de projeto,
do com os diferentes estágios de estudo e consolidação, as obras fo-
conservação e as necessidades de ram submetidas a processos cien-
intervenções específicas a cada tíficos e então testes para definir
uma delas. Todo o processo técnico, os materiais para limpeza, preen-

• O Restauro •
que fez parte da iniciativa “Aleijadi- chimento e pintura. Nas obras em
nho, arte revelada: o legado de um questão o que se viu foram três si-
restauro na Casa Fiat de Cultura”, tuações distintas.

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São Manuel não teve inter- massa branca de preparação para
venção anterior de maior grau. A a reintegração cromática, feita com
pintura se mostrou sendo a origi- tinta preparada a base de pigmento
nal, mas com a necessidade de re- e verniz, próprio para este fim. Isto
alizar limpeza com diferentes tipos resulta na dissimulação das perdas
de produtos específicos para tal. A de forma a oferecer uma leitura o
limpeza da carnação, que represen- mais íntegra possível da peça.
ta a cor da pele, se mostrou mais
fácil proporcionalmente a do pane- No caso de São Joaquim
jamento, que é a forma pela qual foi identificado que a pintura mais
o artista representa as roupas das antiga foi totalmente removida
figuras, obtendo efeitos plásticos restando esta atual que foi realiza-
de suas cores, texturas e movimen- da há 100 anos, conforme pode ser
to. Paralelamente foi feito o preen- conferido no registro na parte de
chimento com resina própria para trás da obra datado de dezembro
reparar as junções de madeira, as de 1921. Mesmo não sendo original,
fissuras e rachaduras que ocorre- é uma pintura que também tem his-
ram com o tempo. Ao final do pre- tória e, por isso, o trabalho foi manter
enchimento, foram revestidas com essa pintura centenária.
• O Restauro •

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• O Restauro • 75
• O Restauro •

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Por sua vez, a imagem de
Sant’Ana Mestra já tinha um histó-
rico de restauração feito na década
de 1960. Porém, a técnica utilizada
à época era de reintegração en-
cáustica, que era uma tinta à base
de cera e que atualmente não se
usa. Na Casa Fiat de Cultura ela foi
a última a ter o processo de restau-
ro finalizado por se tratar de uma
obra maior, com mais elementos
e pela necessidade emergente do
processo de descupinização. O raio
X revelou cravos, formas não vistas
à olho nu. Mostrou ainda uma forma
de cabelo em Sant’Ana sobre a tes-
ta da imagem que, graças ao raio
X, se tornou uma descoberta rele-
vante ao projeto de restauro. Além
disso, descobriu-se um padrão de
pintura três camadas abaixo da
que estava aparente.

O conceito fundamental do
restauro se baseia na continuidade
da história da peça, sendo assim a
linha de raciocínio prevalente é de
que no futuro outras pessoas po-
derão fazer o mesmo processo. Este
não é um trabalho pretensioso que
se imagina ser melhor até mesmo
frente a futuras novas tecnologias
de restauro. O processo e o traba-
lho de restauro são semelhantes
à ação na Casa Fiat de Cultura: é
vivo. Portanto, a restauração permi-
te o máximo de leitura possível para
que futuros restauradores possam
ter informações e descobertas im-
portantes de hoje para usar a ino-

• O Restauro •
vação que só o futuro poderá dizer
quais e como serão.

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Passo a passo

O processo de restauro co-


1 PESQUISA meça na pesquisa das informações
E COLETA históricas do objeto a ser restaura-
do, matéria, forma, estilística, ico-
nografia dentre outros pontos para
produzir o projeto de restauro. A
partir disso, é feita a coleta da obra
• O Restauro •

em seu local de origem, com os de-


vidos cuidados.

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Depois de chegar ao ateliê
2 ANÁLISE de restauro, as imagens foram es-
CIÊNTIFICA tudadas já com amparo científico,
aparatos de análise de imagens,
principalmente: fotos científicas, uso
de ultravioleta e imagens em raio X.
Tudo isso possibilita conhecer a
peça por dentro e por fora, com

• O Restauro •
suas características de montagem,
desenhos, dentre outras possíveis
descobertas.

79
3 DESCUPINIZAÇÃO Uma parte importante do
tratamento é o da descupinização.
Nas três peças foi identificado, em
um nível maior ou menor, algum ata-
que dos insetos xilófagos, os cupins.
As obras ficam em uma bolsa de
plástico específica. Esse tratamen-
to consiste na introdução do nitro-
gênio através de válvulas e com as
outras abertas a expulsão de todo o
oxigênio do interior da bolsa. As es-
culturas devem permanecer dentro
do ambiente de anóxia, sem oxigê-
nio nenhum, por trinta dias. Ao retirar
• O Restauro •

as obras da bolsa, é feita a barreira


química (imunização) com produtos
especiais.

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4 TESTES DE Nessa etapa são realizados
LIMPEZA testes para saber exatamente qual
produto será utilizado para fazer a
limpeza dos objetos em restauro, a
remoção de alguma repintura ou de
um retoque de alguma intervenção
inadequada. Para isso, são utilizados
solventes e uma espécie de cotone-
tes swab em cada parte das obras,
seja na carnação, que é a parte da
pele, ou no panejamento, que é a re-
presentação da roupa da imagem.
Cada teste é catalogado e analisa-
do com lupa.

• O Restauro •
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5 PREENCHIMENTO Paralelamente é feito o pre-
E PINTURA enchimento com massa própria
– pó de serra de madeira com as
resinas próprias – das pequenas re-
parações entre as junções da ma-
deira, das fissuras e rachaduras que
ocorreram com o tempo. Com isso,
é feito o acabamento com massa
branca de preparação que é possí-
vel nivelar a área e fazer a aprte da
apresentação estética com a tinta
propriamente dita, sempre que ne-
cessário. O processo de restauro é
concluído com a aplicação de uma
• O Restauro •

camada de verniz de proteção com


brilho rebaixado atendendo as ca-
racterísticas próprias das peças.

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Antes e
depois
• Legado •

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• Legado •

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• Legado •

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O legado
Antônio Francisco Lisboa A obra de Aleijadinho floresceu da
suscita-nos a trajetória não de um estreita margem de autonomia que
gênio fora de seu tempo, que repre- a sociedade de Vila Rica tanto al-
sentaria a “nação antes da nação”, mejava alcançar.
mas de um homem pardo, filho de
uma mulher negra escravizada e de Ao longo do século XX, o mito
um mestre português em Vila Rica. de Aleijadinho expandiu-se das notí-
Como outros homens pardos de sua cias de Rodrigo Bretas de 1858 para
época, conseguiu destacar-se na rí- os círculos dos modernistas. Mário de
gida estratificação social da Améri- Andrade, Oswald de Andrade, Manuel
ca Portuguesa através da arte. Bandeira, Carlos Drummond de An-
drade, entre tantos outros literatos,
Assim, para a História da dedicaram obras a Aleijadinho, em-
Arte no Brasil, Antônio Francisco Lis- preendendo diversas viagens a Ouro
boa representa uma matriz artística Preto — novo epicentro do culto mo-
e arquitetônica fundamentalmente dernista. Germain Bazin, historiador
mestiça, em vez de simplesmente da arte e curador do Museu do Lou-
colonizada e atrelada diretamente vre, não poupou elogios ao mestre,
aos mestres portugueses ou às gra- considerando-o como o “último dos
vuras dos demais países europeus. grandes imagistas cristãos”.
• Legado •

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• Legado • 93
A partir de 1937, o Serviço reconhecimento da importância da
do Patrimônio Histórico e Artísti- obra de Aleijadinho e da arte colo-
co Nacional (SPHAN) tornou-se o nial mineira em âmbito mundial.
grande responsável pela atribuição
e conservação das obras de Aleija- Desconstruir o mito de Alei-
dinho, das igrejas que as abrigavam jadinho visa apenas à reconstrução
e até das cidades coloniais mineiras. de sua história — e da identidade da
Contudo, o SPHAN também impul- população mineira. Uma identidade
sionou o mito, instrumentalizan- que já não carece de nacionalismos
do-se da memória de Aleijadinho, mal colocados, de mitos fundadores,
nutrindo a conveniência política do de gênios “fora de seu tempo”, mas
nacionalismo. que também não habita apenas os
arquivos e museus. Tratamos de um
Há, contudo, um porvir em Aleijadinho vivo, que ainda reside
Aleijadinho que podemos ainda nas igrejas e capelas que são abra-
construir: ao conservar e restaurar çadas pelas comunidades e que
suas obras, visamos preservar seu compõem nossas paisagens. Com
legado para as próximas gerações. este restauro e com esta exposi-
O registro, por parte da UNESCO, do ção, a Casa Fiat de Cultura contri-
conjunto de Congonhas como Pa- bui com a identidade, a memória e o
trimônio Cultural Mundial denota o futuro dos mineiros

• Legado •
95
Bibliografia
resumida

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Francisco Lisboa, o Aleijadinho: DANGELO, André Guilherme Tadeu da Silva e Guacira Lopes
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Aleijadinho : informação biográfica. Monumenta, 2006. VASCONCELOS, Diogo de. História
Belo Horizonte: UFMG, Centro de antiga das Minas Gerais. 3. ed. Belo
Estudos Mineiros, 1968. OLIVEIRA, Myriam Andrade Horizonte: Itatiaia; Brasília: Instituto
Ribeiro de; SANTOS FILHO, Olinto Nacional do Livro, 1974.
LIMA JUNIOR, Augusto de. Rodrigues dos; SANTOS, Antônio
O Aleijadinho e a arte colonial. Fernando Batista dos. O Aleijadinho VASCONCELOS, Silvio de. Vida e
São Paulo: Edição do Autor, 1942. e sua oficina: catálogo das obra de Antônio Francisco Lisboa,
esculturas devocionais. 2. ed. Rio de o Aleijadinho. São Paulo: Comp. Ed.
MARIANNO, José. Antônio Janeiro: Capivara, 2008. Nacional; Brasilia: INL, 1979.
Francisco Lisboa. Rio de Janeiro:
1945. PANOFSKY, Erwin. Significado VELOSO, Caetano. Verdade tropical,

• Bibliografia resumida •
nas artes visuais. 3. ed. São Paulo: São Paulo: Companhia das Letras,
MENEZES, Ivo Porto de. Antônio Perspectiva, 2009. 1997.
Francisco Lisboa. Belo Horizonte:
C/Arte, 2014. SANTOS, Boaventura de Sousa. .
Pela mão de Alice.São Paulo: Cortez,
OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro 1997.

97
Ficha técnica
das obras

Sant’Ana Mestra (séc. XVIII) São Joaquim (séc. XVIII) São Manuel (séc. XVIII)
Atribuída a Atribuída a Atribuída a
Antônio Francisco Lisboa, Antônio Francisco Lisboa, Antônio Francisco Lisboa,
o Aleijadinho o Aleijadinho o Aleijadinho

Madeira policromada Madeira policromada Madeira policromada


78,0 x 45,5 x 36,0 cm e olhos de vidro e olhos de vidro
57,0 x 35,5 x 18,5 cm 103,0 x 36,5 x 24,0 cm
Capela de Sant’Ana –
• Ficha técnica •

Chapada de Ouro Preto, MG Paróquia de Nossa Senhora da Paróquia de Nossa Senhora


Arquidiocese de Mariana, MG Conceição – Raposos, MG do Bonsucesso – Caeté, MG
Arquidiocese de Belo Horizonte, MG Arquidiocese de Belo Horizonte, MG

98
Ficha técnica
Casa Fiat de Cultura

Conselho Deliberativo Coordenação de Conteúdo Coordenação de Produção


Presidente e Comunicação Ludmilla Dourado
Antonio Filosa Bia Starling Produtores
Conselheiro Colaboração Bernardo Oliveira
Massimo Cavallo Bruno Torquato Tábata Nocchi
Cacá Duarte Colaboração
Diretoria Fernanda Blom Bárbara Rafaella Moreira Silva Neves
Diretor Presidente Mariana Gonzaga
Fernão Silveira Assessoria de Imprensa
Diretores Coordenação do Programa Educativo e Relações Públicas
Carlos Kitagawa Clarita Gonzaga Personal Press
Frederico Battaglia Educadoras Polliane Eliziário
Márcio de Lima Leite Ana Carolina Ministério Marinha Luiza
Flávia Salvador Raquel Braga
Empresas Mantenedoras Naíra Duarte
Stellantis Taiane Costa
FCA Fiat Chrysler Automóveis
Brasil Ltda. Gestão Administrativa -
FCA Fiat Chrysler Participações BR Financeira e Produção
Brasil Ltda. (FDB) Hertz Alves
FCA Fiat Chrysler Rimaco Brasil
Corretagem de Seguros Ltda. Administrativo-financeiro

• Ficha técnica •
Camila Lessa
Gestão da Experiência Cultural Estagiário
Ana Vilela Bruno Vinícius Ferreira

99
Ficha técnica
exposição
Aleijadinho: Arte Revelada
o legado de um restauro na Casa Fiat de Cultura

Realização LACICOR: Laboratório de Ciência- Audiovisual


Ministério do Turismo da Conservação - CECOR - EBA/ Studio Cerri
Casa Fiat de Cultura UFMG* Alessandro Cerri
Coordenador Alexandre Perdigão
Pesquisa histórica e Curadoria Luiz Antônio Cruz Souza Cleuri Souza Lopes
Liszt Vianna Neto Técnicos Léo Fontes
Cláudio Nadalin Rodrigo Oliveira de Medeiros
Restauro José Raimundo de Castro Filho Thalisson Fontes Pinto
Grupo Oficina de Restauro *CECOR: Centro de Conservação Magrelo Starling
Coordenadora e Restauração de Bens Culturais Móveis Wal Moraes
Rosangela Reis Costa EBA: Escola de Belas Artes
Restauradoras UFMG: Universidade Federal de Minas Gerais Videowall e projeção
Giulia Alcântara Cavalcante Audiovisual Criativo
Roseli Aparecida Alves Cota Projeto de expografia Ian Lara
Maria Tereza Dantas Moura Drawa Arquitetura
Paulo Waisberg Plotters
Análise e Documentação Científica Diogo Carvalho Artwork
iLAB - Laboratório de Documenta- Miriam Waisberg Júlio Abreu
ção Científica por Imagem - CE-
COR - EBA/UFMG* Execução da expografia Iluminação
Coordenador Fala Cenários! Beligth
Alexandre C. Leão Antônio Oscar Samuel Betts | Projeto de Luz
• Ficha técnica •

Fotógrafos
Alexandre Costa Identidade visual Multimídia e Sonorização
Danielle Luce Cardoso Yannick Falisse Estúdio Preto e Branco

100
Luiz De Franco Neto Agradecimentos Juliana Almeida
Murilo Celebrone Ana Brant Júlio Cecílio Pereira
Ana Carolina Neves Miranda Luiz Antunes
Música Ana Conceição Guimarães Liliana Gonzaga Jayme
Música do Barroco Mineiro, Andréia Rosa Marcus Brier
Álbum 2021 Angelo Oswaldo de Araújo Santos Maria de Lourdes Oliveira
Antonio Carlos de Magalhães – Capela de Sant’Ana - Chapada de Maria Goretti Gabrich Fonseca
Cravo Ouro Preto, MG Freire Ramos
Carlos Antonio Barbosa Maria Margareth Monteiro
Tour Virtual Christian Coelho Museu de Arte Sacra de Mariana
VIU360 Cibele Andrade Natália Azevedo
Leo Lachini Côn. Nedson Pereira de Assis Paróquia de Nossa Senhora da
Diego de Paula Silva Conceição – Raposos, MG
Transporte Dom Airton José dos Santos Paróquia de Nossa Senhora do
Mudanças Damasceno Dom Walmor Oliveira de Azevedo Bonsucesso – Caeté, MG
Eliete Amaral de Andrade Pe. Fernando Lima Almeida
Seguro Ellen Dias Pe. Nilson Moreira Santana
Liberty Seguros Fabiana Martins Souza Rafaela Vieira
Corretora Fiat Chrysler Rimaco Fabricio Biondo Roberto Baraldi
Fernanda Batista Gomes Silvanir Silva
Instituições Emprestadoras Gustavo Redó Sandra Regina Lucas da Silva
Arquidiocese de Belo Horizonte Humberto Luiz Peixoto Secretaria Municipal de Cultura e

• Ficha técnica •
Arquidiocese de Mariana Ilza da Conceição Ribeiro dos Anjos Patrimônio de Ouro Preto
Mitra Arquidiocesana de IPHAN-MG - Instituto do Patrimô- Ubirajara Teixeira
Belo Horizonte nio Histórico e Artístico Nacional

101
Ficha técnica
catálogo

Edição e Produção
Casa Fiat de Cultura

Coordenação editorial
Ana Vilela

Pesquisa histórica, textos e curadoria


Liszt Vianna Neto

Texto O restauro
Grupo Oficina de Restauro
Rosangela Reis Costa

Revisão
Bia Starling
Bruno Torquato
Clarita Gonzaga
Fernanda Blom
Marinha Luiza
Raquel Braga

Fotografias
Studio Cerri
Breno Saturnino (página 17)
Pedro Carrilho (página 18)
12 Cliques (Página 21)

Produção e Projeto Gráficos


Yannick Falisse
• Ficha técnica •

Impressão e acabamento
Rona Editora

102
Acompanhe a Casa Fiat de Cultura nas redes sociais e
assista a websérie da exposição no YouTube por meio do link:
https://bit.ly/WebserieAleijadinhoCFC

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Brasil. Ministério do Turismo


Aleijadinho, arte revelada : o legado de um
restauro na Casa Fiat de Cultura / organização
Casa Fiat de Cultura ; curadoria Liszt Vianna
Neto. -- Belo Horizonte, MG : Casa Fiat de Cultura,
2022.

ISBN 978-85-94442-01-7

1. Aleijadinho, 1728-1814 2. Arte barroca -


Brasil 3. Artes plásticas - Exposições - Catálogos
4. Arte - Exposições - Catálogos I. Casa Fiat de
Cultura. II. Vianna Neto, Liszt. III. Título.

22-98515 CDD-709
Índices para catálogo sistemático:

1. Artes plásticas : Exposições : Catálogos 709

Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129 ISBN: 978-85-94442-01-7

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