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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA - UDESC

CENTRO DE ARTES - CEART


DEPARTAMENTO DE DESIGN - DDE
CURSO DE DESIGN - HABILITAÇÃO EM DESIGN INDUSTRIAL
DISCPLINA DE SISTEMAS E MEIOS PRODUTIVOS II

CADERNO DE ARTIGOS: AS ATAFONAS COMO ELEMENTO DE


VALORIZAÇÃO DA IDENTIDADE CULTURAL DE SÃO BONIFÁCIO, SC - UMA
VISÃO DE POSSÍVEIS OPORTUNIDADES PARA CONTRIBUIR COM O
DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL E SOLIDÁRIO.

FLORIANÓPOLIS, DEZEMBRO DE 2006


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SUMÁRIO:

Apresentação .................................................................................. 03
Artigo 1 ........................................................................................... 04
Artigo 2 ........................................................................................... 16
Artigo 3 ........................................................................................... 24
Artigo 4 ........................................................................................... 35
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APRESENTAÇÃO

Este Caderno de Artigos tem por objetivo divulgar os resultados obtidos nas saídas
de campo dos estudantes da disciplina de Sistemas e Meios Produtivos II do Curso de Design
da UDESC, bem como contribuir com a comunidade local através do nosso ponto de vista.
Estas saídas de campo foram dirigidas a quatro pequenas propriedades, nas quais elaborou-se
um diagnóstico rápido dos processos de moagem de milho em Atafonas - que são tecnologias
apropriadas muito importantes à cultura local e ao convívio social das pessoas do município
de São Bonifácio.
Esperamos com esse estudo dar uma real contribuição às tomadas de decisão, além
de incitar novas possibilidades de ensino, pesquisa, extensão e ações de caráter participativo
para o processo de empoderamento comunitário e desenvolvimento micro-territorial
sustentável do município em questão.
O Caderno está organizado e subdividido em quatro artigos que descrevem as
experiências realizadas em cada uma das propriedades visitadas. Reconhecemos que o ideal
neste caso, seria a construção de um trabalho com a integração dos diferentes contextos
diagnosticados, porém essa estruturação não foi possível, haja visto que este é o resultado de
um trabalho coletivo de vinte estudantes que tinham diversas outras demandas de natureza
curricular.
Registramos aqui os nossos sinceros agradecimentos por esta oportunidade a
EPAGRI, pela sua ótima articulação e responsabilidade na construção de uma nova realidade
local; a Equipe Local de Agricultura de São Bonifácio, pelo apoio nos deslocamentos e
alimentação; e, principalmente, aos agricultores familiares, atores sociais e comunitários,
“atafoneiros” e cidadãos, que nos receberam de portas e corações abertos e nos mostraram o
verdadeiro valor do ser humano.
Esperamos que este trabalho corresponda à expectativa de todos. Boa leitura!

Prof. Douglas Ladik Antunes


( douglasantunes@udesc.br / 48 3338 3808 )
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(ARTIGO 1)
AS ATAFONAS COMO ELEMENTO DE VALORIZAÇÃO CULTURAL NA CIDADE
DE SÃO BONIFÁCIO / VISITA A FAMÍLIA DOERNER

Elisa Strobel
( elisastrobel@terra.com.br )

Ivandro Ribeiro
( ivandroribeiro@hotmail.com )

Jamel Martins
( jamelmartins@hotmail.com )

Lorena Kreuger
( lorena.kreuger@gmail.com )

Mariana Westarb
( mariwestarb@yahoo.com.br )

RESUMO: O artigo apresenta uma pesquisa básica relativa a aspectos gerais do município de
São Bonifácio, focando o estudo da importância da atafona e da moenda do milho, ingrediente
principal do pão de milho, como itens de valoração cultural, social e ambiental para a cidade.
O estudo discorre através de pesquisas bibliográficas em livros e em publicações de órgãos
públicos e de famílias da região, bem como de visita à cidade e conversa com moradores.

PALAVRAS-CHAVE: São Bonifácio; Atafona, Participação.

INTRODUÇÃO
Este artigo tem o intuito de expor a importância de um sistema e meio produtivo
alternativo - não capital intensivo - , trazido pelos colonizadores do Brasil: a Atafona. Para
tanto, realizou-se uma saída de campo, baseada na observação participante buscando conhecer
o seu funcionamento, sua história e os benefícios que produziu produz à sua comunidade,
para que pudéssemos traçar a importância deste engenho como elemento de valorização de
identidade cultural.
Uma equipe de estudantes do Curso de Design Industrial da UDESC, 6a. fase, passou
um dia conhecendo uma família que possui uma atafona, ouvindo suas histórias,
compreendendo seu meio e estilo de vida. Esta pesquisa também pretende aliar a tecnologia
da atafona à produção e aprimoramento de um ícone da cidade de São Bonifácio: o pão de
milho. Paralelamente estão sendo desenvolvidos projetos por uma turma de Desenho Gráfico
da UDESC para valorizar os produtos da cidade, entre eles, as geléias, o mel, o pão de milho,
etc. Por fim, pretende-se estabelecer um paralelo entre as possíveis atividades de design com
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esta comunidade, com base nos princípios de participação social e cidadania deliberativa
colocados por Rozenberg e Tenório em Tecnologia e desenvolvimento social e solidário.

1. A CIDADE DE SÃO BONIFÁCIO


1.1 LOCALIZAÇÃO E GEOGRAFIA
O município de São Bonifácio está localizado no Estado de Santa Catarina ao longo
das nascentes do Rio Capivarí, na Bacia do Rio Tubarão, e tem uma altitude de 480 metros
acima do nível do mar. Segundo dados do IBGE a cidade possui 461 km² de extensão e 3.121
habitantes distribuídos entre os perímetros urbano e rural.
Pertencente à região metropolitana da Grande Florianópolis e se sita a 80 quilômetros
da Capital do Estado, fazendo divisas com os municípios de Águas Mornas e Santo Amaro da
Imperatriz, ao norte; com São Martinho, ao sul; com Paulo Lopes, ao leste e com Anitápolis,
ao oeste.
Localizada no Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, o município de São Bonifácio
tem cerca de 55% de seu território constituído por Mata Atlântica preservada, segundo o site
do Governo do Estado, e é famoso pela sua bela paisagem.

Figura 1: Localização São Bonifácio.


Fonte:www.mapainterativo.ciasc.gov.br

1.2 HISTÓRIA E FUNDAÇÃO


Os primeiros habitantes da região, onde hoje se localiza o município de São Bonifácio,
foram indígenas. Os colonizadores e fundadores da cidade são de origem alemã e chegaram à
região por volta de 1864. Inicialmente um grupo de famílias alemãs instalou-se nas
proximidades da Colônia de Teresópolis, da qual partiram quando tiveram a necessidade de
terras mais férteis, ao buscarem um novo lugar para se instalarem. As mulheres e crianças
ficavam em barracas improvisadas, enquanto os homens, na companhia de seus filhos mais
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velhos, partiam em busca de um local apropriado. Subindo a Serra do Rio Cubatão, acabaram
por alojar-se nas nascentes do Rio Capivari.
Segundo Lucas Hoepers, autor do texto referente à história da família em seu site, as
primeiras famílias a chegarem à região vieram da cidade Westafalen, Alemanha e foram:
Hoepers, Boing, Hemkemeir, Schmitz, Van der Linde, Schulter, Baumer, Buss e Doppelstein.
Em uma imigração posterior, poderemos citar: Degering, Warmeling, Exterkoetter,
Schmetter, Pottmeier, Willemann, Blomer, Probst, Wigger, Assing, Tenfen, Schneider,
Heidemann, Luchtenfels, Kromer, Locks, Bechauser, May, Schmoller, Wassing, Vandresen,
Klauman, Rolhing, Roesner, Merten, Eller, Moll, Rocker, Blatt, Rodius, Hawerroth e Nack.
O nome do município, São Bonifácio foi uma homenagem dos primeiros
colonizadores ao Santo Padroeiro de Westafalen e ao fato de uma criança da região ter
nascido, na época, no dia deste Santo, 05 de junho, recebendo o nome de Bonifácio, ainda que
tenha falecido dias depois. Não havendo mais ninguém com tal nome, batizou-se assim a Vila
de São Bonifácio do Capivarí.
Segundo Hoepers, em 1918, São Bonifácio foi elevado à categoria de Distrito e em 23
de agosto de 1962 emancipou-se do município de Palhoça, tornando-se um município
independente.

1.3 A CIDADE, SEUS HABITANTES, SEUS COSTUMES


A cidade é visivelmente marcada pela influência da colonização alemã, e vários traços
desta cultura estão presentes: na arquitetura, na religião, no idioma (muitas pessoas na cidade
falam um dialeto alemão), nos costumes tipicamente germânicos, na alimentação e nas festas.
A economia do município se baseia, sobretudo, na agricultura e pecuária,
desenvolvidas em pequenas propriedades. Os principais itens produzidos são: o fumo, a
cebola, a mandioca, o feijão, o milho, a batata inglesa, as verduras e as carnes bovinas e
suínas. Também são fontes de renda para a cidade a apicultura, a avicultura, o beneficiamento
da madeira, a produção de carvão artesanal e as indústrias de laticínios.
E os principais atrativos turísticos são: a Usina Hidrelétrica do Rio do Poncho, a
Estância Hidromineral de São Bonifácio; o Museu “Praça Heróis de Combate da Serra da
Garganta”, as grutas e cachoeiras, entre outros.

2. ATAFONAS, HISTÓRIA E TECNOLOGIA


Atafonas são engenhos que funcionam como sistemas de moagem que utilizam mós
grandes e pesados, acionados por tração animal, sendo este conceito definido por muitos
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autores. Tal conceito pode ser estendido para moinhos acionados pela força da corrente da
água, como no caso das atafonas de São Bonifácio.
Segundo informações encontradas no site “Moinhos de Portugal”, a sua utilização
surgiu na Itália nos últimos séculos antes da era cristã, e estavam associados à grandes
sistemas de moagem industrial e comercial, assim como ao conseqüente fabrico do pão. Ainda
segundo estas informações, o seu surgimento deve ter ocorrido na Grécia no século III a.C.,
tendo se espalhado rapidamente por toda a região mediterrânea e regiões adjacentes. Em
Santa Catarina, este sistema teve uma grande importância, principalmente no sul do território.
Essas formas artesanais que utilizam equipamentos com tração de "roda d'água" ou a
força de um animal, oferecem pequena margem de ganho e baixa produtividade, se
comparadas ao modelo industrial ou com outras máquinas movidas pela energia elétrica.
Muitas vezes o equipamento antigo e tradicional é adaptado, substituindo a tração animal por
motores elétricos.

Definição de moinho
De acordo com o site “Arte ao Vento”, em latim o termo moinho é “molino” e
significa engenho para moer cereais, composto por duas pedras ou mós, acionadas pelo vento,
água ou motor, colocadas uma sobre a outra.
Os moinhos de São Bonifácio já não moem grãos para produzir farinha em maiores
quantidades e preços competitivos com o atual quadro econômico. Deste modo, o interesse
em relação aos moinhos artesanais em geral, se revela mais histórico e cultural.

3. ESTUDO DE CAMPO
3.1 AS ATAFONAS DE SÃO BONIFÁCIO
Existem atualmente quatro atafonas em propriedades do município de São Bonifácio,
sendo que apenas três ainda estão em funcionamento. Assim como o seu número, sua
importância em termos econômicos e de subsistência vem apresentando um decréscimo. Este
fato, conforme foi observado na visita realizada às propriedades, é visto com tristeza pelos
colonos proprietários destes moinhos de milho. Muitos apresentam uma forte ligação
sentimental com as atafonas, e estas são vistas como elemento de ligação com as gerações
passadas. Atualmente, é praticamente inviável praticar a moenda do milho nas atafonas para
fins de subsistência, esta atividade é hoje apenas uma maneira dos agricultores mais velhos
relembrarem o passado. A atafona sustentava toda uma cultura, gerava comunhão e saúde
para a população de São Bonifácio.
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Há alguns anos atrás, o sistema de atafonas costumava ser acionado todos os dias
pelos seus proprietários, sendo que havia fazendas-centro, onde uma atafona servia à várias
famílias. O manejo do moinho é ensinado de geração em geração, até os dias de hoje. O
produto mais importante que resulta da farinha de milho na região de São Bonifácio é o pão
de milho, que se tornou marca registrada da região, existindo inclusive, uma festa celebrando
sua importância.
Alguns dados observados nas conversas informais com os agricultores apontam para
uma desvalorização da “cultura da atafona” por influências do progresso tecnológico e
industrial que hoje atinge localidades rurais como São Bonifácio. Nota-se, por exemplo, que a
falta de chuva durante o ano prejudica o funcionamento dos moinhos, pois alguns deles são
acionados por força d´agua, provinda de açudes, que dependem desta para o seu
abastecimento. A estiagem resulta em açudes vazios e incapazes de mover uma atafona, se
utilizada para grande escala de proução. A falta de chuva neste caso pode ser um reflexo de
vários fatores, entre eles destacam-se a devastação das matas nativas, as mudanças nas
dinâmicas climáticas, entre outros fatores no âmbito local, regional e mundial.
Outro indicativo da adaptação das tecnologias é o fato de algumas atafonas em São
Bonifácio serem movidas por energia elétrica, e não mais por força d’água. A entrada dos
produtos industriais no comércio desta pequena cidade também contribuiu para a inviabilizar
o uso das atafonas como meio de subsistência, visto que atualmente grande parte dos
moradores tem acesso ao milho híbrido moído industrialmente, comprado no mercado da
cidade, e assim deixam de plantar milho e utilizar a atafona para moê-lo, como antigamente.

3.2 AS ATAFONAS E A FAMÍLIA DOERNER


3.2.1 SÃO BONIFÁCIO E SUAS RAÍZES
Os colonizadores da região de São Bonifácio vieram predominantemente da região de
Westfalen, Alemanha, a maioria dos moradores da cidade ainda preserva o idioma alemão.
Da Europa veio a cultura de trigo, que não prosperou no Brasil por conta do clima,
logo os imigrantes aprenderam com os índios a plantar o milho, que necessitava de cuidados
diferentes do cultivo do trigo, no qual é necessário apenas jogar os grãos. Os grãos de milho
precisam ser enterrados, grão por grão. O milho existe há 5000 a 8000 anos e foi
primeiramente cultivado no México pelas comunidades astecas, nos altiplanos, e depois pelos
Maias e Guaranis. Em São Bonifácio o trigo se tornou especiaria, por ser plantado apenas no
inverno, com uma produção muito pequena. Este era moído por duas grandes pedras de
granito sendo que a superior girava por cima de uma outra pedra, movidas a energia da água
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ou do vento, estas máquinas eram chamadas de atafonas. Após dominarem o processo de


plantio do milho, os colonizadores adaptaram a moagem do trigo por atafonas, e passaram a
moer o milho. As pedras de granito, para a construção das atafonas chegavam de navio da
Europa e eram roladas pelas estradas até o interior.
A região de São Bonifácio se sustenta com a agropecuária e com a venda de seus
produtos artesanais, como bolachas, pães, geléias, queijos e, inclusive, cachaças e licores. Na
linha de produção artesanal de São Bonifácio, existem papéis bem definidos em cada etapa:
1° Plantador de milho (“lavoureiros”); 2° Secador de milho (atende a 22 famílias); 3° Moedor
o milho (“atafoneiro”); 4° Fazedor de pão; e 5° Vendedor (Casa dos Produtos Coloniais,
CEASA, etc.).

3.2.2 A FAZENDA DE RIO ATAFONA II


A propriedade visitada se localiza no Bairro de Rio Atafona II e seus proprietários e
são moradores da fazenda: o Sr. Guilherme Doerner e sua esposa Erna Doerner, Valdemar
Oscar Scheidt e sua esposa Dilma P. D. Scheidt (filha de Guilherme e Erna) e a filha Daniela
Scheidt. Esta família se insere em várias atividades na linha de produção do pão de milho: o
plantio do próprio milho, é “atafoneira” e também produz o próprio pão.

3.2.3 O PLANTIO DO MILHO


O milho moído e plantado por esta família de Rio Atafona II é constituído por uma
variedade muito grande de espécies miscigenadas em suas lavouras, o que proporciona grande
qualidade ao produto por conta da troca genética das propriedades destas várias qualidades de
milho, como o roxo, o branco, o asteca e o ripa, os quais facilmente se distinguem dos grãos
coletados para o próximo plantio. Após a colheita, a família seleciona os melhores grãos para
o replantio na época certa; e não compram milho híbrido geneticamente modificado em
laboratório. Mesmo com estes cuidados a qualidade do seu milho, o Sr. Valdemar Scheidt -
atual administrador da propriedade - diz que já percebe a introdução destes grãos na plantação
por conta do cultivo nas propriedades vizinhas.

3.2.4 A ATAFONA DA FAMÍLIA


A atafona da família já não funciona no mesmo ritmo que antigamente, mas é mantida
por questão de tradição e pelo valor emocional que ela representa para o patriarca, o Sr.
Guilherme Doerner, sogro de Valdemar Scheidt. Segundo ele, ela sempre esteve no mesmo
lugar. Quem construiu esta atafona, toda em cedro praticamente, foram os avós de Erna
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Doerner, a esposa do Sr. Guilherme. Tal como foi relatado, esta atafona existe há mais de
quarenta anos, porém não há dados referentes à data precisa de sua existência. Contudo, a
atafona original, a primeira que pertenceu à família, foi desativada. A atafona atual foi
adquirida pelo Sr. Doerner de uma viúva, há poucos anos.
Esta “nova” possui mais de trinta anos e têm uma capacidade maior de produção, pois
mói mais rápido. A parte da atafona que se desgasta mais rápido são as peças de madeira e a
carenagem das pedras, devido ao atrito do pó de milho com as paredes, tanto é que esta parte
da atafona da família já foi reforçada com metal. Quanto mais devagar for a passagem do
milho pela atafona, mais fino sairá o fubá, que depois é recolocado na atafona para uma
segunda moagem e, por fim, é peneirado para retirar os pedaços de madeira que surgem do
desgaste da carenagem.
O proprietário relata que há trinta anos a moagem na atafona ocorria durante todo o
dia, sendo processado algo em torno de 60 kg de milho diariamente. Há 15 anos a atafona da
fazenda de Rio Atafona II ainda era utilizada como moenda de milho para o sustento de 45
famílias. Todos os dias estas 45 famílias traziam o milho que plantavam e para moê-lo na
atafona do Sr. Doerner. Isto gerava um círculo de relacionamentos e amizades, que deixou
muito saudosismo.

3.2.5 FATORES QUE LIMITARAM A PRODUÇÃO POR ATAFONA NA FAZENDA


Com a industrialização da farinha de milho e a proliferação do plantio do milho
híbrido, o processo se tornou mais caro em relação ao produto exposto nas prateleiras do
supermercado, já que o Sr. Doerner cobra R$ 0,20 por quilograma de milho moído. Assim, e
aos poucos esta produção foi caindo. Hoje a atafona da Fazenda de Rio Atafona II é acionada
no máximo três vezes por semana, para consumo próprio, ou esporadicamente para quem
quiser moer seu milho. Segundo o Sr. Scheidt, todas as semanas ainda há quem venha trazer o
seu milho para ser moído.
Outro fator limitante para o processo de moagem em atafona hoje, além da falta da
demanda, é a falta de água. A atafona pode funcionar por tração animal, água, energia eólica
ou com energia elétrica, e a da família Doerner funciona por roda d’água, sistema semelhante
as antigas rodas d’água, aperfeiçoado com partes metálicas e outras peças e sistemas
mecânicos que à noite também fornece energia elétrica para a residência durante 3 ou 4 horas.
Sr. Doerner conta que há 50 anos havia o dobro do volume atual de água, e agora foi
necessário construir um reservatório para armazenar a água, para que se tenha força suficiente
para mover as grandes pedras de granito da atafona.
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A água vinda do rio é armazenada em um reservatório construído pelos proprietários


da fazenda para servir como fonte de energia para o funcionamento da atafona. Quando o
reservatório fica acima do seu limite, a água excedente é transferida através de um filtro para
um lago, também construído pelos donos da atafona. Neste lago são criados peixes que o Sr.
Doerner trouxe de Santa Maria e São Bonifácio, os quais servem para consumo próprio e uma
pequena parte é vendida para quem quiser.

3.2.6 A ATAFONA E O SUSTENTO DA FAMÍLIA


A atafona já foi uma das principais fontes de sustento da família, mas atualmente o
sustento provém da aposentadoria dos mais velhos. A família mantém uma cultura de
subsistência, vendendo parte do que produz, principalmente aos vizinhos. Este produtor
possui animais, como porcos, galinhas e gado, porém não vende leite, pois recebe apenas R$
0,44 pelo litro, nem comercializa a carne, já que não é suficiente para vendas em maiores
quantidades.
Ultimamente, o Sr. Valdemar tem investido no cultivo da cana-de-açúcar e na
produção de melado, tanto para consumir quanto para vender para um produtor de cachaça.
No entanto, as vendas ocorrem praticamente apenas para os vizinhos, e 25 kg de melado são
vendidos a R$ 40,00, não representando ainda a maior parte da renda da família. Outro
produto que tem sido bastante vendido é o ovo de galinha caipira.

3.2.7 O DIA-A-DIA DA FAMÍLIA


O dia da família começa às 5:30h da manhã para que a neta possa ser levada até o
“puxador”, um transporte que a leva à escola. Assim começa a jornada de trabalho, que vai até
às 22 horas aproximadamente. As tarefas são divididas: geralmente a D. Erna cuida da casa,
cozinhando, limpando e passando roupas. Sua filha Dilma a auxilia em algumas destas
tarefas, porém sua maior ocupação é ajudar o seu marido, o Sr. Valdemar, na lavoura. O Sr.
Guilherme, o patriarca da família, faz alguns serviços mais leves, pois se encontra
fisicamente debilitado.

3.2.8 O PÃO DE MILHO


Quanto ao pão de milho, a família o produz apenas para consumo próprio, já que o
transporte dos pães às vendas e o armazenamento do produto custariam muito caro pó conta
da sua “perecibilidade”. Outro tubérculo que é cultivado para elaboração de pães é o Cará.
Quem produz o pão atualmente é a esposa do Sr. Guilherme, que “sabe todos os segredos para
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fazer um pão saboroso, sem o qual o marido e o genro não vivem”, declara a filha. Esta filha
também sabe fazer o pão de milho, mas atualmente não o faz muito porque precisa ajudar o
marido na lavoura.
O milho cultivado na família é destinado exclusivamente para produção do pão de
milho, que é feito quantas vezes for necessário na semana. Este pão é assado em forno de
lenha e não utiliza forma, já que é assado em folhas de Caeté - uma planta nativa da Mata
Atlântica. O forno demora uma manhã para estar pronto para uso e aquecido.

Figura 2: Ciclo de produção do pão de milho.


Fonte: Equipe de trabalho.

3.2.9 PROBLEMAS AMBIENTAIS


No ano de 2004 houve uma grande seca no local, resultando em prejuízo total da
produção de milho da família. Por conseqüência, a família atravessou dificuldades.
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4. PROCESSOS PARTICIPATIVOS
Para o desenvolvimento de uma proposta para a valorização das atafonas de São
Bonifácio, considerou-se importante ter como base os conceitos relacionados aos processos
participativos. O primeiro deles é a idéia de Gestão Social. Tenório, autor do artigo “(Re)
Visitando o conceito de Gestão Social”, publicado no livro Tecnologia e desenvolvimento
social e solidário, a gestão social deve ser entendida como:

(...) um processo gerencial dialógico, no qual a autoridade decisória é


compartilhada entre os participantes da ação (ação que pode ocorrer em
qualquer tipo de sistema social - público, privado ou de organizações não
governamentais). O adjetivo social, qualificando o substantivo gestão, será
entendido como o espaço privilegiado de relações sociais onde todos têm
direito a fala, sem nenhum tipo de coação.

O segundo conceito que precisa ser entendido é o de Cidadania Deliberativa, que


segundo Tenório é fundamentado na idéia de que a “(...) legitimidade das decisões deve ter
origem em processos de discussão orientados pelos princípios da inclusão, do pluralismo, da
igualdade participativa, da economia e do bem comum”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O designer deve trabalhar com a comunidade, auxiliando com os conhecimentos
técnicos adquiridos na Universidade nas intervenções dos sistemas produtivos locais,
melhorando-os e, conseqüentemente, ampliando a qualidade de vida das pessoas da
comunidade.
Desta forma, os acadêmicos de Design podem, em conjunto com a população de São
Bonifácio e seus órgãos públicos, fazer parcerias e co-operar os conceitos de participação,
participação social e cidadania deliberativa, propor estudos e sugestões para a valorização das
atafonas como elemento de integração social, cultural e ambiental.
A equipe, através deste estudo, conclui que, para a manutenção da tradição das
atafonas em São Bonifácio e das famílias que as possuem, é interessante resgatar o pão de
milho da região como ícone e elemento incentivador para dar continuidade ao uso das
atafonas; devendo valorizá-las como elemento cultural, que vem sendo perdido. Neste caso,
todo milho utilizado na confecção dos pães de milho para a Festa do Pão de Milho de São
Bonifácio, e também aquele que é vendido no município e região, pode utilizar o fubá
proveniente da moagem as atafonas (o que, segundo os relatos dos “atafoneiros”, atualmente
na em acontecendo).
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Propõe-se, também, que a comunidade seja incentivada a participar de uma rede de


moradores com a finalidade de promover mobilização e cooperação mútuas, onde as tarefas
da produção do pão de milho (como cultivo do milho, moagem, confecção do pão,
embalamento dos pães, escoamento da produção local transporte até os locais de venda, etc.)
sejam compartilhados conforme a disposição e a possibilidade de cada habitante.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LIANZA, S. & ADDOR F. (orgs.). Tecnologia e desenvolvimento social e solidário. Porto
Alegre: Editora da UFRGS, 2005.
MORAES, DIJON. Análise do Design Brasileiro: entre mimese e mestiçagem. São Paulo:
Edgard Blucher, 2006.
TEDESCO, JOÃO CARLOS. “O Artesanato Como Expressão de um Sistema de Autarcia
Econômico-Familiar no Meio Rural: Subsídios para uma História Econômica Regional” in:
Teoria e Evidencia Econômica. Passo Fundo: Edição especial. 2006.

REFERÊRNCIAS ELETRÔNICAS
ARTE AO VENTO. http://www.arteaovento.com.pt/index.php?id=4 (acesso em outubro de
2006).
FAMÍLIA HOEPERS. http://www.hoepers.com.br (acesso em outubro de 2006).
GOVERNO DO ESTADO DE SANTA CATARINA. www.sc.gov.br (acesso em outubro de
2006).
IBGE. http://www.ibge.gov.br (acesso em outubro de 2006).
MANEZINHO DA ILHA. http://www.manezinhodailha.com.br/Carrodeboi.htm (acesso em
outubro de 2006.
MAPA INTERATIVO. http://www.mapainterativo.ciasc.gov.br (acesso em outubro de 2006).
MOINHOS DE PORTUGAL. http://moinhosdeportugal.no.sapo.pt/PrincipalTipificacao.htm
(acesso em outubro de 2006).
PORTAL DA ILHA. http://www.portaldailha.com.br (acesso em outubro de 2006).
WEBVENTURE UOL. http:// www.webventureuol.com.br (acesso em outubro de 2006).
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ANEXO 1
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(ARTIGO 2)
ATAFONAS, HISTÓRIA E CULTURA DE SÃO BONIFÁCIO /
VISITA A FAMÍLIA HAWERROTH

Bruno Araújo
( brucaraujo@hotmail.com )

Edgard Iuskow

Luis Fernando Coelho

Ricardo Oliveira

Veronica O. A. Lemos

RESUMO: A elaboração deste artigo tem como intuito a observação e levantamento de novas
oportunidades de utilização das atafonas de São Bonifácio, gerando a valorização da cultura e
o desenvolvimento local do município acima citado. Um breve relato sobre o surgimento da
cidade e das atafonas é apresentado para que seja observada a importância desse tipo de
atividade, não só como forma de sustento, mas como forma de integração da cultura, origem e
costumes ao longo dos anos. Este documento relata o levantamento de informações para que,
futuros projetos, possam ser elaborados com um melhor embasamento.

PALAVRAS-CHAVE: Atafona; Turismo Alternativo; Valorização de Identidade Cultural.

INTRODUÇÃO
Este artigo é o resultado do estudo realizado durante a disciplina de Sistemas e Meios
Produtivos II, lecionada pelo Professor Douglas Ladik Antunes no Curso de Design Industrial
da UDESC, em parceria com a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa
Catarina - EPAGRI e a Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente de São
Bonifácio.
Os dados utilizados no artigo foram coletados em uma saída de campo no município
de São Bonifácio, em visita à uma das atafonas da localidade, com o intuito de propor
posteriormente possíveis intervenções de design e, com isso, produzir discussões e
alternativas que contribuam com o desenvolvimento deste local.
Foram investigados livros, artigos, documentos e sites relacionados com este
município, bem como houve visita de campo e entrevista com o proprietário de uma atafona
local; experiências estas essenciais para se construir este artigo com o intuito de colaborar
com a comunidade de São Bonifácio e, conseqüentemente, impulsionar o desenvolvimento da
economia do município, este estudo visa sugerir possibilidades de utilização da atafona de
São Bonifácio pelo seu proprietário.
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1. OBJETIVO GERAL
Levantar novas possibilidades de utilização das atafonas do município de São
Bonifácio como contribuição à valorização da identidade cultural e incremento do
desenvolvimento local.

1.1 OBJETIVOS ESPECÍFICOS


• Reconhecer o local e uma atafona;
• Entrevistar o proprietário da atafona;
• Levantar oportunidades de revitalização da economia local, tendo como principal
atração turística as atafonas de São Bonifácio; e
• Valorizar o patrimônio histórico e cultural e, conseqüentemente, sensibilizar a
comunidade para a importância das atafonas como forma de preservação da sua
identidade cultural e história.

2. SOBRE SÃO BONIFÁCIO


2.1 LOCALIZAÇÃO, ECONOMIA E CARACTERÍSTICAS GERAIS
São Bonifácio recebeu este nome por se tratar do mesmo nome do Santo Padroeiro da
Westphália, região de onde vieram os imigrantes que vieram para São Bonifácio e, também,
pela coincidência de ter nascido uma criança no mesmo dia do Padroeiro do município.
Localizado na região da grande Florianópolis, São Bonifácio é um município de
origem alemã. Sua população foi estimada em 3.218 habitantes (População e domicílios -
Censo 2000 com divisão territorial 2001 - IBGE), sendo que 75% da população encontra-se
no perímetro rural das seguintes comunidades: Santa Maria, Alto Capivari, Rio Sete, Rio do
Poncho, Santo Antônio, Rio Atafona e Rio Canudos. Segundo a administração do município,
esta população é composta de aproximadamente 75% de homens, com renda mensal familiar
de três salários mínimos em média. Devido a pequena oferta de empregos, o município
enfrenta atualmente um forte quadro de migração para outras localidades do estado. Nos
últimos anos, a população sofreu uma redução de 36% (EPAGRI).
A economia local está baseada na agricultura, com pecuária de leite e corte, apicultura,
avicultura, beneficiamento de madeira, plantação de fumo e recentemente vem ganhando
espaço as rotas de ecoturismo e turismo de aventura, graças ao tipo de relevo, rios e
cachoeiras em abundância. Por isto mesmo o município é conhecido como a “Capital das
Cachoeiras de Santa Catarina”. Com uma área de aproximadamente 577 km2, boa parte deste
território é do bioma da Mata Atlântica, um diferencial que pode impulsionar estas atividades
18

turísticas. Alguns atrativos turísticos de São Bonifácio são: a Estância Hidromineral São
Bonifácio, a Usina hidrelétrica do rio do poncho, seus rios, cachoeiras e algumas grutas.

2.2 LINHA DO TEMPO DA FAMÍLIA HAWERROTH


A colonização alemã no Vale do Capivari iniciou em 1865, proveniente da primeira
imigração de São Pedro de Alcântara em 1848, e se estendeu ao longo deste rio e seus
efluentes desde as nascentes até o atual município de Armazém, e compreende os municípios
de São Bonifácio e São Martinho, numa área de 577 km2 (SEYFERTH, 1974).
As famílias que povoaram o Vale do Capivari eram, na maioria, famílias novas com
alguns filhos nascidos na Alemanha e outros já nascidos na colônia. Uma dessas famílias era a
Hawerroth, que tinha como patriarca o Sr. Henrique Hawerroth (o primeiro proprietário da
Atafona visitada nº. 4, nesta disciplina).
Estes imigrantes conservaram seus costumes e tradições com o isolamento geográfico
em experimentaram por muitas décadas após a imigração, haja visto que São Bonifácio
encontra-se no coração do Vale do Capivari e no flanco leste da Serra do Tabuleiro, um local
de difícil acesso até recentemente. Por outro lado, eles tiveram de se adaptar também à nova
terra, adotando os costumes locais e criando novos hábitos de vida (SEYFERTH, 1974).
Em 1889 nasceu Francisco Hawerroth, filho de Henrique, em meio ao processo de
formação da colônia. Estas famílias viveram tempos difíceis, conseguindo apenas se manter
com uma agricultura de subsistência, principalmente através do plantio do milho, do qual
faziam a farinha artesanal nas atafonas. Estas atafonas foram trazidas pelos primeiros
imigrantes alemães (SEYFERTH, 1974).
Em meados de 1902 chega em São Bonifácio o Diretor da Colônia, juntamente com
um alto funcionário do Ministério da Agricultura do Rio de Janeiro, Dr. Galvão, e o interprete
do governo de Nossa Senhora do Desterro, o Sr. Trompowski. Assim, após esse encontro,
foram constatadas as dificuldades dos colonos e registradas suas reclamações em relação à
divisão e posse de terras da região, de onde grande parte das terras do Vale do Capivari foi
loteada e vendida aos colonos. Assim, gradualmente, deu-se o início da construção das
estradas e acessos (SEYFERTH, 1974).
Durante um bom tempo a população de São Bonifácio foi composta somente de
alemães e seus descendentes, os quais mantinham contatos esporádicos com indivíduos de
descendência lusa (portuguesa), sobretudo quando os pais de família dirigiam-se a
Florianópolis ou a Laguna para vender seus produtos agrícolas e comprar objetos de
necessidade doméstica (SEYFERTH, 1974).
19

Desde os primeiros anos da colonização os imigrantes e seus descendentes tiveram


dificuldades para educar seus filhos. Mesmo assim, salvo raras exceções, não havia
analfabetos entre os colonos. Os próprios colonos, sem ajuda oficial, construíam o edifício
escolar e contrataram uma pessoa da comunidade como mestre-escola (SEYFERTH, 1974).
Todavia, até 1914 o governo da Prússia prestou algum auxílio financeiro e material;
porém, com a eclosão da guerra, esses recursos foram suspensos. Em 1916 deu-se início aos
trabalhos na Atafona da família Hawerroth, com o Sr. Francisco Hawerroth (na época com 27
anos, conforme o título eleitoral) a frente dos trabalhos. Este, por sua vez, trabalhou duro e
consolidou sua atafona, moendo milho e produzindo farinha, pães, bolos, broas, polenta, etc.
Em 1920 o governo brasileiro assumiu as escolas de São Bonifácio, e muitos jovens
que estudaram no Colégio Santo Antônio em Blumenau se tornaram excelentes mestres-
escolas e líderes nas comunidades (SEYFERTH, 1974).
Em 1934 a Campanha de Nacionalização foi conduzida com violência e repressão (por
conta da II Guerra Mundial), e os descendentes desbravadores das florestas foram
abandonados à própria sorte e relegados ao isolamento. Nesta época fortaleceram-se a religião
e a religiosidade, assim como a política e a cidadania, cujos imigrantes trouxeram consigo
como uma sólida tradição. Em todas as comunidades de São Bonifácio, tão logo as condições
permitiam, construiriam capelas que às vezes também serviam de escola (SEYFERTH, 1974).
Os fiéis se reuniam para o culto dominical onde, além da oração (Andacht), os colonos
tratavam também dos negócios, discutiam os problemas e resolviam suas dificuldades locais,
bem faziam política, de modo que o congraçamento dominical era um fato essencial à vida da
localidade.
Quanto à economia, esta passou por várias fases. No início do século XX predominou
a criação de suínos e a produção e comercialização de carne e banha. Depois os colonos se
dedicaram a plantação de cana-de-açúcar e a respectiva produção de açúcar-mascavo e
melado. Entre as décadas de 40 e 50 houve a retomada da criação de suínos e o surgimento da
Fábrica de Banha. Atualmente ocorre a criação de gado leiteiro e as plantações de fumo. Na
história econômica e social do Vale do Capivari destacam-se as vendas.
Já na década de 60 o Sr. Francisco Hawerroth tinha dois filhos criados, o Sr. Leonardo
Hawerroth e o Sr. Mário Hawerroth. O Sr. Leonardo, pai de Toninho Hawerroth, trabalhou na
atafona uns 40 anos e, posteriormente, deixou-lhes a seguinte herança: Toninho herdaria a
parte da atafona que continha a roda d`água, a pedra de moagem e tudo que dizia respeito à
fabricação do fubá, enquanto que o outro filho, o Célio, herdaria a serralheria acoplada nesta
mesma atafona.
20

Toninho Hawerroth jurou ao pai, então, jamais misturar o milho de clientes diferentes
e nunca deixar de moer milho em atafona, para que este processo artesanal e tradicional não
fosse esquecido pelos seus sucessores.

2.3 A ATAFONA DO TONINHO


Construída em madeira, esta atafona exerceu atividades de moagem de milho e de
serraria de madeira, às quais inicialmente as máquinas eram movidas por rodas de água. Com
o passar do tempo e os problemas advindos do manejo do curso do rio, esta atafona foi
alterada, recebendo um motor elétrico de 1 hp e tornando-se, posteriormente, um processo
produtivo muito dispendioso financeiramente.
Esta atafona, na sua parcela de moagem, consiste em uma série de engrenagens, polias
e correias moídas por um motor elétrico que movimenta duas rodas de pedra com diâmetro
em torno de 120 cm, onde os grãos de milho colocados em uma tremonera no centro destas
rodas são moídos. Com a rotação destas pedras, o milho moído e expelido (por força
centrífuga) para as laterais internas de um cilindro de madeira, e, por sua vez, cai em um
depósito de onde novamente é re-inserido no processo a fim de obter-se a granulação ideal
para a produção de alimentos.
A moagem de milho nesta atafona atualmente só é feita apenas quando solicitado por
um cliente ou por alguma pessoa da comunidade que necessite do produto, já que este
trabalho não cobre os custos e os gastos elétricos, tornando-se inviável comercialmente.
Todavia, a seqüência de operações do funcionamento da atafona pode ser verificada
no fluxograma abaixo:
21

Figura 1: Clico de funcionamento do engenho de milho.


Fonte: Equipe de trabalho.

Na serralharia acoplada nesta atafona o processo se dá pelo mesmo processo de


produção, onde o motor elétrico, engrenagens, polias e correias se diferenciam apenas pelo
fato de que na extremidade do eixo há um disco de metal (serra) para o corte de madeiras.
Portanto, trata-se do mesmo equipamento que realiza estas duas atividades distintas, com
pequenas variações.

2.4 OPORTUNIDADES E PROPOSTA: VALORIZAÇÃO CULTURAL


Há uma alternativa relacionada ao turismo que podem viabilizar a atividade da atafona
e ao mesmo tempo valorizar a identidade cultural da comunidade de São Bonifácio, onde, em
locais e espaços propícios aos visitantes, se pode oferecer hospitalidade, gastronomia,
paisagens, cachoeiras, etc.
22

Este atrativo inicia já na estrada de acesso à Sã o Bonifácio, vislumbrando-se lindas


paisagens de Mata Atlântica, animais silvestres, cachoeiras e rios. Com forte vocação para o
turismo alternativo, a região de São Bonifácio pode ser bem explorada, de um modo
consciente. A beleza natural da região, com seus vales e cachoeiras, também pode exercer
grande fascínio para o turismo de aventura.
Outra possibilidade de investimento relacionado com o turismo se relaciona com a
identidade cultural do município. São Bonifácio é um local que possui várias características
históricas, e ainda preserva os costumes do início da sua ocupação. Neste sentido, as atafonas
são um ótimo exemplo desta cultura preservada, bem como podem funcionar tal como foram
instaladas. As pedras utilizadas para a moagem do milho ainda estão no município em boas
condições de funcionamento, embora tenham mais de 100 anos.
Todas estas características preservadas correspondem a um significativo potencial e
forte diferencial que deve ser explorado pelo turismo através de uma ação coordenada da
parceria entre a prefeitura, pousadas, atafonas, comércio e agências de turismo. Esta iniciativa
é uma grande possibilidade de impulsionar o turismo alternativo a economia local, gerando
trabalho e renda para uma população carente de empregos, onde os agricultores familiares,
restaurantes, pousadas, lojas e agências podem ser potencializados com baixos investimentos
do governo municipal, estadual e federal ao mesmo tempo que pode oportunizar trabalho para
projetistas do design.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O intuito deste artigo era o de gerar discussão e possibilidades de revitalização das
atafonas na comunidade de São Bonifácio, visando a preservação do patrimônio histórico da
comunidade e estimular a presença de turistas interessados em conhecer um pouco a mais as
tradições alemãs de Santa Catarina, proporcionando, enfim, uma gradativa melhora da
qualidade de vida da comunidade e a divulgação da suas potencialidades.
Com base nesta pesquisa, podemos perceber que esta é uma comunidade com grande
potencial de crescimento e de desenvolvimento, sobretudo com o turístico. Sua localidade
com vales e rios é privilegiada e deslumbra visitantes com paisagens lindas. Além disso, São
Bonifácio se encontra bem próximo da capital do Estado - Florianópolis - , tornando possível
uma visita turística agradável de uma “escapadinha do trânsito e estresse da capital” em
apenas uma hora de viagem. A sede do município é linda, pitoresca e tem pessoas receptivas,
conta com vários locais para passeios e descontração, comidas saborosas e tradicionais.
23

Como designers constatamos vários pontos com grande potencial para um


desenvolvimento turístico e cultural, principalmente com a valorização da identidade cultural
o município, visando sempre o bem-estar da sua comunidade. Este artigo é, então, um
documento que poderá servir futuramente para auxiliar novas propostas de revitalização e
melhorias para São Bonifácio.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Lei Orgânica do Município de São Bonifácio - SC / 1990 - Livros - Acervo 54950, São
Bonifácio. A lei orgânica do município de São Bonifácio promulgada em 05 de abril de 1990.
São Bonifácio: Prefeitura Municipal, 1990.
Plano Municipal de Desenvolvimento agropecuário de São Bonifácio - SC. - / 1990 - Livros -
Acervo 54969. São Bonifácio: Prefeitura Municipal, 1990.
A Colonização alemã no vale do Itajaí-Mirim: um estudo de desenvolvimento econômico /
174 - Livros - Acervo 9256. São Bonifácio: Prefeitura Municipal, 1974.
SEYFERTH, Giralda. A colonização alemã no vale do Itajaí-Mirim: um estudo de
desenvolvimento econômico. Porto Alegre: Movimento, 1974.

REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS
http://64.233.161.104/search?q=cache:JEPnwpkdKGEJ:portal.an.com.br:8000/1998/fev/11/0a
ne.htm+tafona+moinho&hl=pt-BR&gl=br&ct=clnk&cd=4
http://www.sierramaestra.cu/esp/especiales/franciasantiago/galeria/images/tahona2.gif
http://www.portaldailha.com.br/cidades/saobonifacio.php
http://www.quinzedenovembro.pop.com.br/blos.htm
http://www.portaldailha.com.br/cidades/saobonifacio.php (1 of 3)23/10/2006 12:19:04
http://www.turismocatarinense.tur.br/saobonifacio/saobonifaciopontosturisticos.htm (2 of
3)23/10/2006 12:23:51
http://www.clicengenharia.com.br/praiagrande/historias/lembrancas_07.htm
http://www.ufpa.br/alipa/teses_mestrado/londrina/parte2~1.pdf
24

(ARTIGO 3)
ATAFONA SANTO ANTÔNIO / VISITA A FAMÍLIA BUSS

Barbra Muller
( barbramuller@yahoo.com.br )

Daniel Scotti da Silva


( danielscottisilva@yahoo.com.br )

Marta da Cruz Alves


( martacralves@gmail.com )

Paulo Rogério Decker


( pc_decker@yahoo.com.br )

Tatiana Silva Duran


( tatiduran@yahoo.com.br )

RESUMO: O presente artigo focaliza uma atafona - engenho tradicional utilizado para moer
milho - o contexto histórico de Santa Catarina, desde seus primórdios até a atualidade da
família Buss, no município de São Bonifácio. Demonstra-se, assim, o seu funcionamento
passo-a-passo até a obtenção do produto final, a farinha de milho. Este produto também é o
principal insumo de uma festividade, a Festa do Pão de Milho de São Bonifácio. O artigo
também pretende apontar outros aspectos culturais relacionados com a atafona, os quais
envolvem desde o uso da mesma como uma possível fonte de renda familiar ou uma
expressão da identidade histórico-cultural de São Bonifácio. Resgata-se, deste modo, o
interesse das famílias são bonifacenses em preservar suas atafonas e o modo artesanal e
tradicional do seu uso, transmitindo essa cultura de pai para filho e de filhos para netos.

PALAVRAS-CHAVE: São Bonifácio; Atafona; Milho.

INTRODUÇÃO
Através do conhecimento da atafona tem-se logo o interesse em valorizar a integração
social, cultural e ambiental da região de São Bonifácio, haja visto que a atividade de moer o
milho em atafona - para produção de farinha e a fabricação do pão de milho - é uma atividade
que está se extinguindo gradualmente. s dados deste artigo foram coletados através de visitas
à cidade de São Bonifácio e à fazenda Santo Antonio, onde os proprietários de uma atafona -
o Sr. Simão e a Sra. Apolônia - - nos atenderam por intermédio da EPAGRI1.

1. O ESTADO DE SANTA CATARINA


Santa Catarina é um Estado conhecido pelo seu belo litoral e suas maiores cidades
interioranas, todas cheias de belezas. Sua capital, Florianópolis, é conhecida pelo seu estilo de
vida privilegiado. Com uma área de 95.346.181 quilômetros quadrados, o Estado possui 293

1
Destaca-se a participação do Engenheiro Agrônomo Giovani e de outros técnicos desta instituição.
25

municípios e uma população estimada em 5.866.568 habitantes (IBGE). Povoada inicialmente


no litoral pelos Vicentistas, deu-se origem a uma população com costumes agropastoris. Mais
tarde Santa Catarina estimulou a colonização do seu interior por espanhóis, em seguida
alemães, italianos e eslavos, através de uma economia voltada à agricultura familiar
(Governo de Santa Catarina).
A economia catarinense é formada basicamente pela agricultura, pecuária, pesca,
turismo, extrativismo e indústria, sendo o setor agroindustrial a principal fonte de riquezas do
Estado. O principal produto agrícola de Santa Catarina é o milho, e é cultivado em várias das
suas regiões. Nesse contexto está São Bonifácio com os seus cultivo de milho e o pão de
milho (WIKIPEDIA).

1.1 O MUNICÍPIO DE SÃO BONIFÁCIO


1.1.1 CARACTERÍSTICAS
São Bonifácio é um município catarinense situado a 80 km de Florianópolis. É
reconhecido como a Capital Catarinense das Cachoeiras (Governo de Santa Catarina), se
localiza nas proximidades do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro e foi fundada em 23 de
agosto de 1962. O município é repleto de belezas naturais típicas da Mata Atlântica. Com uma
área de 452 km2, possui uma população de 3.218 habitantes e foi formada por imigrantes de
origem alemã, e as suas principais atividades econômicas estão na agricultura, com o plantio
de fumo, olericultura2, pecuária de leite e corte e apicultura, preservando a tradição e os
costumes germânicos dos primeiros imigrantes, como alimentação típica, idioma, cantos e
religiosidade.
Os índios foram os primeiros habitantes do local e os primeiros colonizadores
chegaram na região apenas em 1864. O município também é conhecido pela tradicional Festa
do Pão de Milho de São Bonifácio, devido à cultura das atafonas pertencentes à região.

2
A olericultura é o ramo da horticultura que abrange a exploração de um grande número de espécie de plantas,
comumente conhecidas como hortaliças e que engloba culturas folhosas, raízes, bulbos, tubérculos e frutos
diversos.
26

Figuras 1, 2 e 3: Localização do Estado e Santa Catarina e


do município de São Bonifácio
Fonte: www.sc.gov.br.

1.2.2. CULTURA
São Bonifácio caracteriza-se pela identidade cultural alemã, e principalmente por um
povo receptivo e acolhedor. Quando se chega na sua sede, nota-se uma arquitetura com traços
germânicos nas suas igrejas e nas casas com estruturas aparentes de madeira e tijolos à vista.
A tradição e costumes germânicos também são destaque no artesanato e principalmente na
culinária local. Além da cultura do pão de milho, existem outros produtos artesanais, como a
cuca com farofa e os produtos da Casa de Produtos Coloniais, tais como queijos, salames,
bolachas, suco de uva, dentre outros.
27

Neste ambiente é que o município realiza a tradicional Festa do Pão de Milho de São
Bonifácio, valorizando a cultura alemã existente, embora não priorize o uso das atafonas
como elemento principal de moagem do milho servido nesta Festa. A comunidade ainda faz
uso de uma estufa comunitária para secagem do milho utilizado na produção da farinha de
milho.

1.2.3. FAZENDA SANTO ANTÔNIO


A fazenda Santo Antônio, localizada na zona rural de São Bonifácio, possui uma área
total de 81 hectares, dispõem de plantação, criação de animais e a casa da família Buss. Seu
proprietário, o Sr. Simão Buss, recebeu estas terras a quase 100 anos como herança de seus
pais, que eram imigrantes alemães. Atualmente reside no local com sua esposa, D. Apolônia,
seu filho Sérgio, a nora Aparecida e a neta Mayara.
Os ganhos familiares são provenientes principalmente da aposentadoria dos
proprietários da fazenda, da venda do leite produzido semanalmente, da venda de gado,
quando é necessário, e da venda de balaios. Outros produtos são comercializados de acordo
com a procura da vizinhança, sendo que a família trabalha durante o dia na lavoura com a
finalidade suprir as necessidades da família e o alimento dos seus animais.

2. A ATAFONA
O engenho da família é movido à roda d´água, tecnologia esta que tem origem na
antiga Grécia e, mais tarde, foi difundida pelos romanos do século II d.C. Mais tarde estas
atafonas adquiriram novos elementos e novas formas, em toda a Europa. A atafona é
basicamente um engenho de grãos, e desde a sua origem tem duas pedras que se movimentam
independentemente para moer grãos. Essas pedras, conhecidas até hoje como mós - ou Mill
Stones - são de granito esculpidas até formarem sulcos (reentrâncias ou canaletas) para
acomodar e moer grãos. As fontes de energia que movimentam as mós tradicionais podem ser
de tração humana ou animal, rodas d´água ou força eólica. No caso das atafonas de São
Bonifácio, elas operam através de rodas d´água, onde um eixo principal gira e movimenta as
engrenagens que proporcionarão o movimento das pedras.
28

Figura 4: Mó da atafona.
Fonte: Equipe de trabalho.

A metodologia usada pelo grupo nesta visita de campo da atafona da família Buss foi
baseada na observação participante, e o contato direto com uma parcela das atividades diárias
da família, desde o café da manhã até a moagem do milho e o preparo da farinha utilizada na
produção de pão de milho. Com este contato direto com os membros da família ao longo
destas atividades estabelecemos uma relação de troca não só de informações técnicas, mas
também de um vínculo mais pessoal. “A observação participante, ou observação ativa,
consiste na participação rela do conhecimento na vida da comunidade, do grupo ou uma
situação determinada. Neste caso o observador assume, pelo menos até certo ponto, o papel de
um membro do grupo” (Gil, 1999).
A atafona visitada foi adquirida pelo Sr. Simão Buss em 1961, e trazida de Angelina 3.
Atualmente só é utilizada pelo proprietário. O engenho do Sr. Buss funciona à força de um
riacho da propriedade, o qual foi represado para dar maior pressão. Com a pressão desta água,
a roda d´água, que é ligada a um sistema de transmissão por correias chatas, faz funcionar a
atafona e outros equipamentos. A força d´água transforma a energia mecânica cinética da roda
d´agua em energia elétrica, e, potencializada por um gerador, fornece energia elétrica para a
casa ou pode fazer funcionar uma serra circular ou uma debulhadeira de milho.

3
Angelina, município de Santa Catarina colonizado por alemães cuja a base econômica é a agricultura, com
ênfase também no turismo religioso.
29

Foto 1: Atafona da Fazenda Santo Antônio.


Fonte: Equipe de trabalho.

2.1 O MILHO E O USO NA ATAFONA


O milho utilizado na fabricação da farinha não é híbrido. Milho híbrido é utilizado
apenas para alimentar os animais. Para confecção do pão de milho há uma plantação
específica de milho comum, que após colhido e seco é expurgado com o inseticida Gastoxim.
Expurgar consiste em colocar o milho ainda no sabugo ao sol sobre uma lona, vedado, onde
são adicionadas as pastilhas de inseticida que liberam gases que vão evitar que o mesmo
mofe. Após de um período de duas horas, deve-se fazer uma pequena passagem na lona para
que os gases sejam liberados na atmosfera; este procedimento deve ser feito longe da
propriedade, de animais domésticos e das nascentes dos rios, para evitar contaminação.
Depois de expurgado o milho é estocado em um galpão da propriedade, ficando protegido de
umidade e totalmente isolado do milho híbrido. Para ser utilizado na atafona, o milho deve ser
debulhado.

Foto 2: Milho estocado para atafona.


Fonte: Equipe de trabalho.

Os grãos de milho são colocados na atafona através de um funil, e após uma primeira
moagem, o milho é separado da casca. Esta casca serve de alimento para os animais, e não
30

deve ser triturada com a farinha, pois fica com um gosto amargo. Ao final deste primeiro
processo se tem uma farinha mais grossa e, num segundo momento, o milho é recolocado na
atafona para se obter uma farinha intermediária que também é peneirada. Esta farinha já pode
ser utilizada para o pão de milho, mas, segundo o proprietário, não é tão saborosa. Na terceira
e última moagem a farinha se torna mais fina e, depois de peneirada, está pronta para
consumo, resultando em um pão mais leve e macio.

Foto 3: Fubá da atafona.


Fonte: Equipe de trabalho.

Em virtude do uso das atafonas trazidas para a região e o cultivo do milho, introduziu-
se uma cultura familiar do “pão de milho”, a qual, posteriormente, deu origem a uma festa
regional.

2.2 PÃO DE MILHO


O pão de milho deve ser feito com a farinha recém moída, para que se conserve o seu
sabor característico. Também se faz uso do cará, uma raiz do tipo rizoma com alto valor
energético e propriedades digestivas. O uso do cará junto com a farinha de milho dá uma
melhor consistência na liga da massa do pão de milho.
Depois de pronta, a massa deve descansar duas horas e, mais tarde, será assada em
forno de lenha transformando-se em pão de milho. Este procedimento será repetido em função
da necessidade da família, que normalmente se situa em uma vez por semana. A farinha
utilizada desta fazenda é moída pelo Sr. Simão Buss, já que ele e seu filho Sérgio apreciam o
pão de milho por fornecer maior valor energético, auxiliando-os no trabalho da lavoura.
31

Foto 4: Pão de milho.


Fonte: Equipe de trabalho.

2.3 FLUXOGRAMA DE PRODUÇÃO DO PÃO DE MILHO

Figura 5: O ciclo produtivo do pão de milho.


Fonte: Equipe de trabalho.

2.4 MEIO AMBIENTE


A fazenda Santo Antonio tem uma fonte de água natural que serve ao consumo da
família e o preparo de alimentos. O riacho corta a propriedade e foi represado para o melhor
funcionamento da atafona. Para tanto a mata ciliar foi retirada, bem como grande parte das
árvores nativas, cedendo espaço para pastagem e lavoura.
32

A família usa agrotóxicos de forma moderada e, segundo eles, são aplicados na


lavoura dos sues alimentos. O uso inadvertido destes defensivos pela família tem ocasionado
alguma contaminação do solo e do lençol freático da fazenda.

Foto 5: Desmatamento local.


Fonte: Equipe de trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A maioria das famílias que ainda possuem atafona já não tem grande interesse em
manter a atividade. É o patriarca da família visitada que normalmente faz a usa como
instrumento de lazer, moendo milho apenas para o próprio consumo, e nenhum rendimento
extra. O lento processo de produção artesanal da farinha de milho faz com que o seu preço
dobre em relação à farinha produzida industrialmente, não sendo compensatório para as
famílias que ainda possuem este tipo de equipamento. Deste modo, a atafona deixou de ser
essencial à produção comercial de farinha de milho.
O design, mesmo sendo uma atividade industrial, também busca valorizar a cultura
local e os aspectos que evidenciam estas características da comunidade, sobretudo quando
estão relacionadas com os modos de produção tradicionais. Ou seja: não se deve buscar fora
da comunidade os elementos de bom potencial e, sim, destacar as qualidades que a
comunidade possui em relação aos seus modos de produção e levar seus produtos tradicionais
à outros centros com um modelo diferenciado de design. “(...) pode-se dizer portanto que a
solução para o design na periferia reside não em buscar se aproximar do que é percebido
como centro mas, antes, em se entregar de vez para o que ele tem de mais periférico”( Denis,
2000).
A família visitada não comercializa a farinha produzida na sua atafona. O Sr. Buss se
mostrou bastante interessado em compartilhar histórias de sua vida, tanto dos momentos da
sua juventude quanto das suas dificuldades e das suas vitórias, bem como da importância em
33

preservar o local onde escreveu a história da comunidade, sempre acompanhado da família, o


que demonstra grande respeito pelas próprias raízes.
Assim, é importante ter em consideração os valores culturais da população local e a
manutenção dos costumes deste processo de colonização alemã, as tradições familiares
passadas de pai para filho e netos, as atividades típicas do município, como a Festa do Pão de
Milho de São Bonifácio - que por sinal se baseia no conhecimento milenar dos engenhos
artesanais - , a solidariedade dos indivíduos e a celebração da coletividade de São Bonifácio
envolvida no processo de produção da farinha de milho por esta e outras famílias.
Acreditamos, portanto, que a preservação destas tradições pode elevar a auto-estima
dos moradores do local, uma vez que eles sentem muito orgulho do trabalho que realizam na
atafona e do modo como o fazem, com muito capricho e dedicação. Valorizar a própria
cultura, as tradições vindas da colonização e as potencialidades daí associadas pode ser uma
estratégia de desenvolvimento local que parte da Festa do Pão de milho e elevar o
conhecimento e valores da população do município de São Bonifácio e de outras localidades
com características similares, demonstrando o que este artefato e respectivos conhecimentos
representam para cada uma destas famílias. A atafona é um elo entre pais, filhos e netos, um
eixo entre o passado e o presente, e pode ligar pessoas de diferentes culturas e tradições, e o
que deve ser preservado e transmitido são as experiências de vida e a troca das pessoas em
relação ao cotidiano, seja ele urbano ou rural.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Denis, Rafael Cardoso. Uma Introdução à História do Design. São Paulo: Edgard Blücher,
2000.
GIL, A. C. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999.
Casagrande Jr, Eloy Fassi. Inovação Tecnológica e Sustentabilidade: possíveis
ferramentas para uma necessária interface. Artigo

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
http://www.sc.gov.br/portalturismo
http://www.ibge.gov.br/estadosat/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Santa_Catarina
http://www.seag.es.gov.br/olericultura.htm
http://alpha.dickinson.edu/carlisle/barnitz/therriault.html
http://www.walthamwindmill.co.uk/page20.html
http://www.cnpms.embrapa.br
34

http://en.wikipedia.org/wiki/Millstone
http://pt.wikipedia.org/wiki/Moinho
http://saobonifacio.sc.cnm.org.br
http://www.santur.sc.gov.br
http://webventureuol.uol.com.br/destinoaventura
35

(ARTIGO 4)
ATAFONA - OPORTUNIDADES PARA A CULTURA LOCAL /
VISITA A FAMÍLIA DERO

Alexandre Santos Turozi

Flávio Nardelli

Marcos Strelow

Marta Tie de Castilho


( martatie@hotmail.com )

Thiago Bittencourt

RESUMO: Este artigo foi elaborado com o intuito de verificar as oportunidade e demandas
de aproveitamento da atafona ou tafona como forma de colaborar para o desenvolvimento do
município de São Bonifácio. Será apresentado um breve relato sobre as origens da atafona,
discorrendo sobre a própria cidade e apresentando oportunidades não só para a restauração da
atafona pesquisada, através de PPP’s (Parcerias Público Privadas) ou Leis de Incentivo à
Preservação do Patrimônio Histórico ou Valorização da Cultura Local. Trata-se de um
levantamento de informações para que possíveis projetos possam ser desenvolvidos com
maior facilidade.

PALAVRAS-CHAVE: Atafona; Ecoturismo; Valorização da Cultura Local.

INTRODUÇÃO
O presente artigo é fruto de um estudo realizado na disciplina de Sistemas e Meios
Produtivos II, lecionada pelo Professor Douglas Ladik Antunes do Curso de Design da
UDESC, em parceria com a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão rural de Santa
Catarina - EPAGRI. Durante um semestre letivo foi realizada uma saída de campo ao
município de São Bonifácio, onde visitamos uma propriedade do Rio do Poncho, sendo
recebidos pelo seu proprietário, Sr. Ingo Dero, e seu filho, Volnei Dero. O intuito da visita era
o de conhecer as atafonas existentes na região e identificar possíveis intervenções de Design,
bem como fomentar discussões que pudessem contribuir para o desenvolvimento do local.
Através de pesquisas em livros, internet e em outros artigos sobre o município, visita
de campo e entrevista com os proprietários de uma atafona local, foram construídas as bases
para a elaboração deste artigo, com objetivo de auxiliar na valorização da cultura local em
paralelo com o desenvolvimento da economia do município. Este modo, este estudo pretende
apontar possíveis caminhos a serem seguidos pelo Sr. Volnei para uma possível reativação da
sua atafona.
36

1. OBJETIVO
Identificar oportunidades para incentivar a utilização da atafona no município de São
Bonifácio, com enfoque na valorização da cultura local.

1.1 OBJETIVOS ESPECÍFICOS


• Conhecer o local onde está instalada a atafona;
• Entrevistar os proprietários da atafona;
• Identificar oportunidades para fomentar a economia dos proprietários da atafona
através do turismo, tendo como mote o funcionamento de atafonas;
• Colaborar com a preservação do patrimônio histórico e cultural do município;
• Demonstrar a importância da atafona para a comunidade local; e
• Descrever a seqüência de produção da atafona visitada.

2. A ATAFONA

Foto 1: Uma Noria tradicional.


Fonte: Desconhecia.

Inicialmente serão abordadas às origens da atafona. Segundo o dicionário Houaiss, a


atafona tem sua origem na cultura árabe e o termo at-tahúna, que significa “engenho de moer
grãos, manual ou movido por animais; moinho, azenha” e tem como sinônimo, tafona. Em
outras palavras pode ser:

Só conhece esse aí pa atá fogo, pa forno de muê mandioca e então aquele era...
ela é uma roda memo, que aqui os muinho também era ali naquela peça, intão
ali a água dá e vai virando, a roda e vai girando tudo maquinário. Não, madera,
37

de madera. Agora muinho... o muinho tudo bem, muinho a roda é de ferro.


Aquele muinho atafona de muê mandioca... É muinho.4

2.1 ORIGENS DA ATAFONA PELA REVISTA FOLKLORE


Na matéria publicada na revista Folklore é explanado a origem etimológica da palavra
Noria, que nada mais é que uma espécie de roda d’água um pouco mais rudimentar que
aquelas comumente encontradas. As figuras 1, 2 e 3 são exemplos de Norias:

Foto 2: Noria de Córdoba (Espanha).


Fonte: Desconhecida.

Figura 1: Noria chinesa.


Fonte: Desconhecida.

Neste texto é abordado que Noria seria uma das primeiras formas de obtenção de
energia pela força d’água. Foram os físicos-matemáticos gregos que criaram esta antecessora
da atafona. Trata-se de um mecanismo com engrenagem capaz de produzir um movimento de
giro de um plano a outro, perpendicularmente (vide a Foto 2).
A palavra engrenagem já aparece mencionada em Herón de Alexandria (século
II A.C.), e dela provavelmente o romano Vitruvio a usou (século I D.C.) para

4
http://www.ufpa.br/alipa/teses_mestrado/londrina/parte2~1.pdf
38

escrever, em sua De Achitectura [X-5], o funcionamente da Tafona ou Acenha


de tração animal (Revista Folklore, p. 149).

Mas não foram os gregos nem os romanos que imaginaram estes engenhos,
inicialmente movidos por cavalos. O que os gregos e romanos conheceram, a partir de
Arquimedes de Siracusa (212 A.C.) foi a capacidade de transmitir energia a partir da corrente
d´água, mover rodas e elevar a água para uma altura desejada, tal como se vê na Figura 1.
Os verdadeiros inventores dos moinhos foram os Persas, e eram engenheiros da
monarquia Sassánida (224 a 652 D.C.), o quais eram grandes conhecedores da física-
matemática grega (Arquímedes, Filón, Herón, etc.), inventaram e difundiram vários tipos de
moinhos, o que tem grande importância para História Industrial, inclusive os moinhos de
vento.

(...) a arar lo pusieron e a traer la leña


a vezes a la noria, a vezes a la açeña (...)

Livro de Buen Amor, Estrofa 241; versos b y c (apud Revista Folklore)

Nos versos de Juan Ruiz, la açeña provavelmente é a atafona movida por cavalos,
utilizada para moer cereal. O texto é de 1350 e distingue la noria de la açeña. Ou seja: nesta
época já existiam tipos diferentes de engenhos, movidos por água ou tração animal.

3. SÃO BONIFÁCIO

São Bonifácio recebeu este nome por se tratar do Santo Padroeiro da


Westphália, região de onde vieram nossos imigrantes e também pela
coincidência de que no dia do Padroeiro nasceu uma criança que recebeu o
nome Bonifácio, a qual veio a falecer, não havendo mais ninguém com este
nome ficou estabelecido que o nome deste lugar seria São Bonifácio.5

Localizada na região da grande Florianópolis, este município de cultura alemã conta


com uma população de aproximadamente 3.200 pessoas divididas entre 991 famílias, de
acordo com uma estimativa de 2005. Destes, 75% se encontra no meio rural em comunidades
como Alto Capivari, Santo Antônio, Santa Maria, Rio Sete, Rio do Poncho, Rio Atafona e Rio
Canudos. E cerca de 75% da população é composta por homens e, em sua grande maioria,
vivem com uma renda mensal familiar de três salários mínimos por mês, segundo a

5
Ver www.portaldailha.com.br/cidades/saobonifacio.
39

administração municipal. Esta se aproxima da média estadual, e não consegue barrar o atual
quadro de êxodo rural e urbano.
A economia baseia-se na agricultura, pecuária de leite e corte, apicultura, avicultura,
beneficiamento de madeira, indústrias e recentemente tem apontado um crescimento no
turismo ecológico. Isto se deve ao seu relevo bem acentuado, rios em abundância - como o
Rio Alto Capivari, Rio Bloemer, Rio do Poncho, Rio Atafona e Rio Sete - e suas belas
cachoeiras. Sua área aproximada é de 453km2, com 55% de Mata Atlântica preservada e 22%
pertencente ao Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, o que ajuda a impulsionar esta
atividade.
Sua colonização germânica teve início por volta de 1864, mas somente em 1962 veio a
se tornar um município. Ainda hoje a tradição e costumes, como alimentação típica, idioma,
cantos, dança e religiosidade estão muito presentes nos dia-a-dia da população, bem como
marcam os traços da arquitetura com uma grande quantidade de casas em estilo “enxaimel”,
mais especialmente no meio rural.

Este estilo, de característica germânica, procura trabalhar o tijolo assentado


com barro queimado e a madeira de forma conjunta, sendo essa madeira
disposta em formas geométricas interessantes. A cobertura pode ser de
tabuinhas, telhas ou mesmo folhas de zinco.6

O Pão de Milho, produto típico local, se difere dos demais pelo seu processo
tradicional, e é feito em forno à lenha e embrulhado em folha de caeté. Algumas gerações
atrás, quando as atafonas ainda estavam ativas e faziam parte do modo de produção local, o
pão de milho era feito de farinha de milho moído em atafonas, o que hoje quase não ocorre.
Por ser um processo artesanal, a farinha de milho das atafonas tem dificuldade ao concorrer
com os preços oferecidos à farinha industrializada. Com o passar do tempo as atafonas do
município perderam seu cunho comercial, e, quando não foram desativadas, passaram a
produzir apenas o necessário à subsistência familiar, devido a falta de incentivos, problemas
de manutenção ou por não ser rentável.
Na atafona não somente se produzia e comercializava a farinha do milho, como
também era um ponto de encontro e socialização entre amigos, família e vizinhos. Se os
produtores do Pão de Milho comprassem a farinha de milho das atafonas, muito da história
local poderia ser repassada às próximas gerações, as quais poderiam ser sensibilizadas ao

6
Ver www.turismocatarinense.tur.br/saobonifacio/saobonifaciohistoria.htm
40

reconhecer o potencial e a importância desse processo produtivo, valorizando as tradições que


vem se perdendo com o êxodo dos jovens para as cidades maiores.
Como a Festa do Pão de Milho de São Bonifácio ocorre bi-anualmente no mês de
abril, na Praça Central do Município, e com o apoio Prefeitura Municipal, as atafonas
poderiam também fazer parte do rol de atrações turísticas local, já que esta Festa vem se
popularizando cada vez mais. Porém, é importante que as atafonas não dependam somente do
turismo, por isso é necessário incentivar a comunidade a comprar o produto das atafonas,
empoderando, assim, os “atafoneiros” e promovendo o desenvolvimento local e não apenas o
das indústrias de fora.

4. ENTREVISTA COM OS PROPRIETÁRIOS


Durante a visita à atafona para posterior elaboração deste artigo, utilizamos o recurso
de um gravador para coletar o máximo de dados possível. Segue abaixo a transcrição de uma
conversa com os seus proprietários.
Segundo o Sr. Ingo Dero, e seu filho Volnei Dero, no passado a região só tinha dois
engenhos, mas o outro não fazia farinha de milho, não tinha atafona. Tal como Volnei
afirmou, as “peças [da atafona] nós compramos prontas... era de um engenho velho que nós
compramos, só foi reformado”. Segundo ele, “essas pedras vieram da Alemanha até
Teresópolis... isso dá uns 15, 20 km de São Bonifácio... aquela pedra toda, dizem que foram
18 homens prá trazer pra cá. Na época não existia picada e tiveram que trazer rolando até a
comunidade de Santa Maria”.
As pedras de atafona são bem conhecidas no município, e Volnei diz com orgulho que
“muita gente do museu já veio aqui pra tentar pegar elas [as pedras], mas a gente nunca deu
porque sempre quis um dia poder reativar a atafona”.
A roda d’água desta atafona também veio de fora: “essa sim... a primeira que tinha era
de madeira e foi feita aqui”, informou Volnei. Esta atafona sempre foi movida a roda d’água,
nunca trabalhou com tração animal, nem a motor. Volnei descreveu, então, como funcionava
a atafona:

“A água só é usada prá girar [as engrenagens], prá moer é tudo a seco. A única
coisa é quando era feita a farinha da mandioca... daí tem que lavar [a
mandioca] antes de ralar... mas as correias às vezes arrebentam, e sempre tinha
uns courinhos que o pai fazia, de couro de boi... e aí era só costurar.
Remendava rapidinho ali. A manutenção que precisava a gente mesmo fazia”.
41

Assim, uma das demandas para reativar as atafonas da família Dero seria a
substituição das correias, pois que atualmente as mesmas se encontram fora de condições de
uso. Para ilustrar a questão das correias, segue a tabela abaixo com os comprimentos de
necessários à transmissão desta atafona:

Tabela 1: Relação de correias e respectivas medidas da atafona


Atafona /
Superior / Central / Superior /
Central Superior / eixo
Eixos / Medidas Ralar a eixo - afinar a
superior superior 2 perpendi-
mandioca atafona massa
cular
Diâmetro menor
(d em cm) 30,0 30,0 35,0 10,0 30,0 30,0
Diâmetro maior
(D em cm) 120,0 100,0 160,0 65,0 50,0 90,0
Raio menor
(r em cm) 15,0 15,0 17,5 5,0 15,0 15,0
Raio maior
(R em cm) 60,0 50,0 80,0 32,5 25,0 45,0
Ângulo Y 0,2 0,2 0,2 0,2 0,1 0,1
SenoY
(seny) 0,2 0,2 0,2 0,2 0,1 0,1
Conseno Y
(cosy) 1,0 1,0 1,0 1,0 1,0 1,0
Distância entre eixos
(C em cm) 250,0 220,0 270,0 180,0 140,0 230,5
Comprimento da Correia
(L em cm) 979,4 854,0 1167,1 599,8 532,0 841,9
Ângulo em Graus 10,4 9,2 13,4 8,8 4,1 7,5
Soma total em = 49,7
centímetros 4974,3 metros - - - -
Obs: em negrito estão as medidas obtidas em medição direta; as demais são valores calculados.

Na época em que a atafona estava ativa, os proprietários a operavam e a vizinhança


trazia o milho para moer. De acordo com Volnei, os vizinhos eles

“(...) traziam a mandioca prá fazer farinha, trazia o milho prá moer... mas
comprar a gente não comprava. Às vezes nem dava conta de tanto milho que
tinha prá moer. Toda a comunidade vinha aqui prá moer milho com a gente.
Geralmente eles traziam hoje e a gente marcava o dia que tava pronto, né...
amanhã ou depois eles vinham pegar. A gente fazia muita ‘meia’, eles traziam,
a gente moía e a gente ficava com a metade da farinha”.

Sobre o excedente produzido, Volnei informou que eles vendiam:

“tinha muita gente que não tinha o aipim e sempre vinha aqui em casa
comprar. Até teve uma época que tinha um cara que fazia feira, daí ele vinha
aqui e levava o excesso que tinha”.
42

Com a farinha de milho se fazia o famoso Pão de Milho, e esta é um memóriavivapaa


Volnei:
“Toda família fazia isso, mas hoje em dia o pessoal faz muito dentro das
fôrmas de metal, antigamente o pessoal fazia dentro da folha do caeté, quem
conhece sabe que o gosto não é o mesmo”.

A paixão de Volnei - e do seu pai - pela atafona era tão grande que, quando indagamos
o que era mais difícil de se fazer para operá-la, ele respondeu:

“Era tudo fácil, bem gostoso de fazer. Tinha que ter um pouco mais de cuidado
ali [no tacho]... tem que saber o ponto certo, porque se não rodar gruda no
fundo, ou se rodar rápido demais também não fica bom. Tem que ir colocando
de pouco em pouco... não pode colocar tudo de uma vez só”.

Entretanto, não nos pareceu tão fácil fazer a farinha. Segundo Volnei,

“Um tacho de farinha [de mandioca] ficava 3 horas e meia, 4 horas no fogo,
porque tem que regular a temperatura, tem que ficar mexendo, cuidar prá não
queimar... tem que saber cuidar, porque se colocar uma pessoa que não sabe,
vai queimar ou embolotar tudo”.

Todavia, para Volnei sta é uma atividade simples. Egundo ele,

“Atafona é fácil, é só ver se tá saindo a farinhazinha como é desejado e deixar


rodar... sai ali pelas ranhuras e é jogado ali naquele tanque” [apontando para a
base da atafona].

Uma das características mais interessantes eram os banquinhos da casa da atafona,


enquanto Volnei seguia produzindo farinha, e declarou que

“(...) ficava o fogo acesso, tomava uma cachacinha... ficava todo mundo em
roda aqui [apontando o entorno do tacho]. A farinha de mandioca é feita no
inverno... fica uma farinha melhor, daí já esquentava do frio que fazia. Agora
já não tem mais esse motivo prá se encontrar... (...) aqui não dava lucro... era
mais prô povo daqui usar mesmo”.

Contudo, o grande sonho de Volnei agora é reativar a atafona. Tal como ele disse:

“(...) vem muita gente de fora também prá visitar, mas do jeito que tá, não tem
nem como mostrar. Fim de semana tem muita gente. O que eles mais falam
nem é do engenho, é da pedra da tafona, daí a gente mostra aquelas duas que
tem no gramado ali fora”.
43

Atualmente a atafona está desativada; o Sr. Ingo parou de utilizá-la para tirar leite. Ele
trabalhou na empresa de leite por 12 anos e, como seu filho, sonha em ver a atafona
funcionando novamente. Ele recorda que

“O madeiramento é todo da época que foi construído, madeira boa. Só naquele


pedaço que caíram umas telhas e a gente colocou aqueles brasilit prá não
molhar... a tafona tem o telhado muito baixo, teria que aumentar o telhado... foi
feito depois e ficou muito baixo. O custo maior são as correias e as rodas”.

5. DESENHO ESQUEMÁTICO DA ATAFONA

Figura 2: Ilustração de uma atafona de milho ou mandioca.


Fonte: Desconhecida.

Fotos 3, 4 e 5: Instalações da atafona da família Dero.


Fonte: Equipe de trabalho.

5.1 PRODUÇÃO DA FARINHA DE MANDIOCA


Para produzir farinha de mandioca em áfona inicialmente se desviava a água do rio
para movimentar a roda d´água do moinho, depois o engenho começa a funcionar. A
mandioca era colocada em um rolo e girava até que todas as cascas saíssem. Em seguida a
mandioca era triturada no ralador, e esmagadas para se extrair água dessa massa. Finalmente,
era batida no cocho e seguia a um tacho, onde se concluía o processo com o peneiramento.
Estes processos produtivos seguem ilustrados nas fotos 6, 7, 8, 9 e 10 abaixo.
44

Foto 6: Rio que seve água à atafona da família Dero.


Fonte: Equipe e trabalho.

Foto 7: Esmagador da atafona da família Dero.


Fonte: Equipe e trabalho.

Foto 8: Triturador da atafona da família Dero.


Fonte: Equipe e trabalho.
45

Foto 9: Cocho da atafona da família Dero.


Fonte: Equipe e trabalho.

Foto 10: Tacho da atafona da família Dero.


Fonte: Equipe e trabalho.

5.2 PRODUÇÃO DA FARINHA DE MILHO


O processo de produção de farinha de milho é mais simples. O grão de milho é
colocado no funil da atafona e, por vibração, caem nas mós (pedras) onde são triturados. Pela
regulagem da altura entre as mós se pode fazer um fubá mais fino ou mais grosso,
dependendo da necessidade. Finalmente, o milho moído é peneirado, obtendo-se a matéria-
prima principal de um delicioso pão de milho.

Foto 11: Funil da atafona da família Dero.


Fonte: Equipe e trabalho.
46

Foto 12: Mó da atafona da família Dero.


Fonte: Equipe e trabalho.

Foto 13: Sr. Ingo, ao lado do sobrinho, simulando a


escuta do som da atafona da sua família.
Fonte: Equipe e trabalho.

6. OCORRÊNCIAS E OPORTUNIDADES
6.1 OCORRÊNCA DO CASO DE TIMBÓ
No município catarinense de Timbó, a EPAGRI opera um plano de investimento em
turismo rural valorizando paisagens bucólicas, rios de águas translúcidas e até uma atafona
para quiser descansar ou conhecer a tranqüilidade do campo. Este plano prevê a venda de
produtos artesanais, serviços em fazendas com cachoeiras, etc.
Uma matéria de 11 de fevereiro de 1998 do jornal “A Notícia”, assinado por Avelar
Lívio dos Santos, publicou o seguinte:

A velha tafona construída em 1894 pelos primeiros imigrantes que ocuparam a


Mulde já não tem sentido de existir como atividade econômica, porque as
grandes indústrias engoliram sua capacidade de produção, e as exigências das
leis de saúde inviabilizaram o comércio de fubá e farinha feitos
artesanalmente. Mas o colono Siegwald Gessner faz questão de manter o
moinho funcionando como atração turística, aproveitando para processar o
milho e a mandioca de sua propriedade e dos vizinhos. / Ele conta que muitas
crianças e adultos que visitam a chácara nunca viram uma roda d´água antes, e
ficam surpresos quando descobrem sua utilidade. A propriedade dos Gessner
fica num vale do ribeirão da Mulde, no caminho para o Morro Azul, costuma
47

receber mais de 100 pessoas a cada final de semana. Além de conhecer o


moinho, as famílias aproveitam para fazer piqueniques sob as árvores
centenárias, e se deliciam com o banho nas águas limpas do ribeirão, que desce
do morro em pequenas cascatas. / Por enquanto a propriedade não oferece
nenhuma estrutura para o turismo, a não ser as quedas d´água e as sombras das
árvores. Não há sanitários nem lixeiras e quem resolve fazer churrasco,
improvisa no chão um espaço para acender o fogo. Mas o proprietário
Siegwald Gessner disse que está disposto a investir no turismo, “para que
outras gerações conheçam uma tafona, de onde os antepassados tiravam o
sustento”.

6.2 OCORRÊNCIA DA ESTRADA BONITA


Outro exemplo de implantação de projeto envolvendo turismo rural como alternativa
econômica para agricultores familiares e outros trabalhadores da zona rural, é a rota da
Estrada Bonita, localizada a 20 km do centro de Joinville, e que mostra ao turista como as
pessoas vivem naquela localidade.
Cercada pela Serra do Mar, a estrada percorre pequenas propriedades rurais, onde
existem placas de madeira que identificam o nome do produtor e seus respectivos produtos
artesanais. É possível degustar e adquirir estes produtos, como pães, cucas, bolos, biscoitos,
geléias, licores, melado e queijos, todos com um selo de qualidade que atesta as condições de
higiene e limpeza dos produtos. Além disso, a rota conta com outros atrativos do meio rural,
como cachoeiras e riachos, passeios pela Mata Atlântica e outras opções que poderiam ser
oferecidas em São Bonifácio.

6.3 OPORTUNIDADES
São Bonifácio é um município com potencial para se organizar e oferecer uma rota
turística semelhante ou melhor que as mencionadas acima, através da qual o turista conheceria
as atafonas funcionando tal como antigamente, acrescidas das explicações dos seus
proprietários sobre as mesmas, do mesmo modo como ocorreu na nossa visita de estudantes
da UDESC, a qual propiciou esta reflexão e a redação deste artigo.
Também é possível treinar os agricultores para que eles possam acomodar turistas em
suas residências, permitindo que o visitante experimente a vida do campo, trabalhe na roça,
lide com animais ou ajude nas operações de funcionamento das atafonas, podendo, ainda,
adquirir os produtos do próprio trabalho, entre outras possibilidades. A rota deste turismo
rural poderia ocorrer em dias específicos do ano, como nos períodos de festas, nos feriados ou
em outras datas especiais. Também é possível estabelecer uma rota que, além de valorizar a
vivência no campo, mostre ao turista as belas cachoeiras de São Bonifácio ou as caminhadas
nas serras da região, tendo nos indivíduos da comunidade os guias.
48

6.4 VALORIZAÇÃO DO PATRIMONIO HISTÓRICO E CULTURAL


A divulgação de um produto cultural é tão importante quanto a sua realização. As
organizações, a princípio, só investem em projetos culturais esperando atingir plenamente o
seu objetivo, e o seu público. Portanto, é fundamental que haja foco claro na proposta, a fim
de garanta a sua execução. Neste sentido, é possível prever dois públicos. Para o órgão
público que capitaneará o projeto é preciso enfatizar o enquadramento na lei, a capacidade de
execução, a relevância e o orçamento. Para a empresa privada colaboradora é importante
definir com nitidez a identidade do projeto, o público pretendido, a duração, o impacto e o
benefício relativo ao custo da proposta.
No contexto de um projeto cultural, prevalecem alguns fatores relevantes, tais como:
oportunidades de trabalho, mudanças sociais não apenas locais, etc. É preciso, pois, que seja
feito um estudo detalhado em todos os aspectos que circundam o projeto social. E existem
muitas leis de incentivo para que empresas privadas que colaborem na concretização de
projeto desta natureza, tal como seguem:
a) Está em vigência a Lei nº. 8313/91 - Lei Rouanet - , que definiu três mecanismos de
financiamento:
• FNC - Fundo Nacional de Cultura, para investimentos diretos em projetos através de
empréstimo a fundo perdido (financia até 80% do valor do projeto);
• FICART - Fundo de Investimento Cultural e Artístico: comunhão de Recursos
destinados a projetos culturais, disciplinados pela CVM; e
• MECENATO: benefícios fiscais, por meio de abatimentos do IR (6%).
b) Lei Estadual nº. 10.929/98, de Incentivo a Cultura:
• MEENATO - MEIC: financiamento de projetos culturais apresentados por pessoas
físicas e jurídicas de direito privado;
• FEIC - Fundo Estadual de Incentivo a Cultura: financiamento de projetos culturais
da administração estadual ou municipal, de caráter extraordinário para instituições
sem fins lucrativos ou de utilidade pública estadual;
• Abatimento de 5% do ICMS mensal devido; e
• Até 100% do projeto para doação, 80 % para patrocínio e 50 % para investimento.
c) Leis Municipais de Incentivo a Cultura
Portanto, o primeiro passo seria construir coletivamente uma proposta e encontrar uma
organização disposta a participar financeiramente do projeto, e proceder aos
encaminhamentos necessários para aprová-lo. Vale lembrar que é possível conseguir
49

financiamento direto de fundos públicos, todavia parece mais viável o fomento de instituições
privadas, pela agilidade do processo de obtenção do recurso financeiro.

6.5 ATAFONA NA ESCOLA


Uma outra oportunidade seria a de buscar meios para que as escolas do município
utilizem a atafona, para incentivar a educação sócio-ambiental de crianças, bem como propor
temas interdisciplinares. Assim, as crianças poderiam visitar as atafonas, e conhecer sua
história e entender a importância de uma tecnologia tão antiga e os seus benefícios.
Ao mesmo tempo, seria interessante ensinar conhecimentos de física (como
transmissão de movimentos ou a energia), matemática (peso, quantidade, valor do produto)
através do funcionamento das atafonas.

6.6 DIAGRAMA DE RELAÇÕES LOCAIS

Figura 3: Diagrama de relações locais.


Fonte: Equipe e trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em meio a esta pesquisa vale questionar o seguinte: mas afinal... o que é design?
Design é uma atividade especializada de caráter técnico-científico, criativo e artístico,
com vistas à concepção e o desenvolvimento de projetos de objetos e mensagens visuais que
equacionem sistematicamente dados ergonômicos, tecnológicos, econômicos, sociais,
culturais e estéticos que atendam concretamente às necessidades humanas (Müssnich, 2003;
p.22).
50

Deste modo, atender às necessidades humanas passa a ser o ponto chave do


desenvolvimento deste artigo. Antes de qualquer coisa, é preciso saber que desenvolvimento
de projetos de objetos demanda contextualização e, para tanto, o designer precisa ser capaz de
entender como funciona a comunidade para quem atua, seus costumes e quais oportunidades
podem gerar o desenvolvimento a partir dos objetos que planeja. E ainda, como garantir a
sustentabilidade de seu funcionamento.
Esperamos, por fim, que este documento sirva como um estímulo à valorização e
respeito dos habitantes do município de São Bonifácio, que nos receberam tão bem. Em
segundo lugar, apresentamos uma oportunidade para o turismo na região, usando a atafona
como atrativo. Por último, indicamos um caminho que pode contribuir na diminuição da taxa
de êxodo rural do local através do ser humano e a sua cultura material. Neste caso a atafona é
um símbolo que possui um carinho muito grande da comunidade e o seu funcionamento é um
elemento catalisador da valorização dos habitantes de São Bonifácio.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANJOS, Flávio Sacco dos; CALDAS, Nádia Velleda. Pluralidade e Sucessão Hereditária
na Agricultura Familiar. Artigo. Sem data.
MUSSNICH, Alexendre Guedes. Revista ADG. 2003.
Revista Folklore, 1989. V. 9 b, n°. 107

REFERÊNCIAS ELETRÔNCAS
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http://www.portaldailha.com.br/cidades/saobonifacio.php (1 of 3)23/10/2006 12:19:04
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3)23/10/2006 12:23:51
http://www.clicengenharia.com.br/praiagrande/historias/lembrancas_07.htm
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http://www.ufpa.br/alipa/teses_mestrado/londrina/parte2~1.pdf
http://www.quinzedenovembro.pop.com.br/blos.htm
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http://www.radarsul.com.br/joinville/rural.asp
http://www.terra.com.br/turismo/roteiros/2000/07/18/003.htm
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hl=pt-BR&gl=br&ct=clnk&cd=4) - (A notícia - 11 fevereiro de 1998)

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