Você está na página 1de 20

BOLETIM DA CMF Nº 35 AGOSTO 2006 ISSN: 1516-1781

Editorial .............................................................................................................................................................. 2
SUMÁRIO

Semana de Cultura Popular 2006 .......................................................................................................................... 2

Um presente para Oxum ...................................................................................................................................... 3


Mundicarmo Ferretti
Bancada dos Cachorros: Um ritual da Festa de São Lázaro no “Terreiro de Mamãe Oxum e Pai Oxalá” em São Luís–MA ...... 5
Maria Ivana César de Oliveira
Bumba-Festa! Bumba-Trabalho! Bumba-Lazer! Bumba-Turismo! Bumba-Meu-Boi!? ................................................. 7
Maria do Socorro Araújo
Culturas Popular e erudita nas linhas de maranhensidade ...................................................................................... 9
Antonio Evaldo A. Barros
Novos personagens, outros significados: o Bumba-meu-boi de encantado em terreiros de mina de São Luís ............ 13
Gerson Carlos Pereira Lindoso
Aspectos do Turismo contemporâneo: a produção do não-lugar na cultura ........................................................... 15
Karoliny Diniz Carvalho
Janela do Tempo – São José de Ribamar .............................................................................................................. 17
Nuno Alvares
Agenda de Cultura Popular - Festejo do Divino de 01/08 a 31/12/2006 ...........................................................................19
Lenir Pereira dos S. Oliveira
Resumos e resenhas: Monografias sobre cultura popular do Maranhão ................................................................. 18
Maria do Socorro Araújo
Notícias, ..................................................................................................................................................................................19
Roza Maria Santos
Perfil Popular – Luís de França ............................................................................................................................................ 20
Carlos de Lima

COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMF


CONSELHO EDITORIAL: EDIÇÃO:
DIRETORIA Maria Michol P. de Carvalho
Carlos Orlando de Lima Mundicarmo M. R. Ferretti
Presidente: Maria Michol P. de Carvalho Izaurina Maria de Azevedo Nunes Roza Maria Santos
Vice-presidente: Mundicarmo M. R. Ferretti Maria Michol Pinho de Carvalho
Mundicarmo Maria Rocha Ferretti REVISÃO DE TEXTO:
Secretária: Roza Maria Santos
Roza Santos Antonio Regino de Carvalho Neto
Tesoureira: Lenir Pereira dos S. Oliveira
Sérgio Figueiredo Ferretti VERSÃO PARA A INTERNET:
Zelinda de Castro de Lima www.cmfolclore.ufma.br

CORRESPONDÊNCIA
COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE As opiniões publicadas em artigos
assinados são de inteira
Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho
responsabilidade de seus autores,
Rua do Giz (28 de Julho), 205/221 – Praia Grande CEP 65.075–680 – São Luís – Maranhão não comprometendo a CMF.
Fone: : (0xx98) 3218-9924
2 Boletim 35 / agosto 2006

Editorial Semana da Cultura Popular 2006


Patrimônio popular: uma questão de identidade

O número 35 do Boletim da Co-


missão Maranhense de Folclo-
re, programado para agosto de 2006, de-
14h
Domingo • dia 20/08
Abertura da Semana da Cultura Popular com a “Tarde da Criança”
• Casa da FÉsta / CCPVDF
verá ser lançado na Semana do Folclore 15h Cine Popular • Auditório Rosa Mochel da Casa da FÉsta / CCPDVF
- evento realizado anualmente pela Su- 15h30 Oficina de mímica “A Arte do Palhaço” • Pátio Valdelino Cécio da Casa da
perintendência de Cultura Popular do FÉsta / CCPDVF
16h30 Espetáculo teatral infantil “Um dia de clown” • Pátio Valdelino Cécio da Casa
estado do Maranhão em parceria com a da FÉsta / CCPDVF
CMF. 17h30 Apresentação do Tambor de Crioula Mirim da Madre Deus • Pátio Valdelino
Esse número dá destaque ao Bum- Cécio da Casa da FÉsta / CCPDVF
ba-boi, manifestação que tem o seu pe- Segunda-feira • dia 21/08
10h Cine Popular • Casa da FÉsta, Casa de Nhozinho e Casa do Maranhão
ríodo áureo no mês de junho, não desta-
15h Cine Popular • Casa da FÉsta, Casa de Nhozinho e Casa do Maranhão
cada no número anterior, lançado na Projeto Farinhada: Demonstração do processo de fabricação da farinha, Ofici-
temporada junina, em virtude da ocor- na de confecção de cofo, abano e meançaba e Oficina de dança “Tambor de
rência naquele mês da Festa do Espíri- Crioula” • Pátio externo da Casa do Maranhão
18h Apresentação do espetáculo teatral “A Festa da Clareira Maior” • Pátio da
to Santo e, no mês de julho, do cente- Casa de Nhozinho
nário da morte de Nina Rodrigues, dois 19h30 Apresentação do Tambor de Crioula do Piqui da Rampa, de Vargem Grande •
temas que não poderiam passar “em Pátio da Casa de Nhozinho
branco” em nosso Boletim. O Boletim Terça-feira • dia 22/08 (Dia Internacional do Folclore)
35 fornece ainda a relação de festas do 09h Quadro Coreográfico “Vistas do porto e vivência em teatro de sombras” •
Salão de Eventos da Casa do Maranhão - participantes: alunos da Unidade
Divino de São Luís programadas para o Integrada Fernão de Magalhães
segundo semestre. 10h Cine Popular • Casa da FÉsta, Casa de Nhozinho e Casa do Maranhão
No número 35 o Boi aparece nos seus 14h Seminário "Patrimônio Nacional e Identidades Locais" • Auditório Rosa Mo-
chel da Casa da FÉsta / CCPDVF - Palestrantes: Ricardo Gomes Lima e Ma-
múltiplos aspectos, inclusive na religião ria Dina Nogueira
afro-brasileira, como Boi de Encantado, 14h30 Oficina de dança e toque com o “Terecô das Velhas” • Pátio da Casa de Nhozinho
e no grupo de sambistas de Luís de Fran- 15h Cine Popular • Casa de Nhozinho e Casa do Maranhão
ça (Perfil). Outro tema de destaque nes- Projeto Farinhada: Demonstração do processo de fabricação da farinha, Ofici-
na de confecção de cofo, abano e meançaba e Oficina de dança “Tambor de
se número do Boletim da CMF é o tu- Crioula” • Pátio externo da Casa do Maranhão
rismo, destacado também na programa- 18h Apresentação do Terecô das Velhas, com aboio, do povoado São Simão / Ro-
ção do 12º Congresso Brasileiro de Fol- sário • Pátio Valdelino Cécio da Casa da FÉsta / CCPDVF
clore, que deverá acontecer em Natal Quarta-feira • dia 23/08
10h Cine Popular • Casa da FÉsta, Casa de Nhozinho e Casa do Maranhão
(RN), de 29/8 a 1/9. Além de artigos
14h Seminário "Patrimônio Nacional e Identidades Locais" • Auditório Rosa Mo-
sobre turismo, o nº 35 divulga várias chel da Casa da FÉsta / CCPDVF - Palestrantes: Ricardo Gomes Lima e Ma-
monografias de graduação defendidas, ria Dina Nogueira
em São Luís, sobre esse tema. O tema 15h Cine Popular • Casa de Nhozinho e Casa do Maranhão
Projeto Farinhada: Demonstração do processo de fabricação da farinha, Ofici-
da “maranhensidade”, tratado no Bole- na de confecção de cofo, abano e meançaba e Oficina de dança “Tambor de
tim 31, reaparece em outro artigo de Crioula” • Pátio externo da Casa do Maranhão
Antônio Evaldo. 18h Forró pé de serra de Inaldo Bartolomeu • Pátio da Casa de Nhozinho
Aproveitando a realização em agosto Quinta-feira • dia 24/08
da Festa de São José de Ribamar, a ses- 10h Cine Popular • Casa da FÉsta, Casa de Nhozinho e Casa do Maranhão
14h Seminário "Patrimônio Nacional e Identidades Locais" • Auditório Rosa Mo-
são Janela do Tempo reedita o artigo São chel da Casa da FÉsta / CCPDVF - Palestrantes: Ricardo Gomes Lima e Ma-
José de Ribamar, do jornalista Nuno Ál- ria Diana Nogueira
vares, publicado em 1867, no Semaná- 15h Cine Popular • Casa de Nhozinho e Casa do Maranhão
rio Maranhense . E, devido a grande Projeto Farinhada: Demonstração do processo de fabricação da farinha, Ofici-
na de confecção de cofo, abano e meançaba e Oficina de dança “Tambor de
importância da cultura negra no Mara- Crioula” • Pátio externo da Casa do Maranhão
nhão, o nº 35 traz dois artigos sobre reli- 18h Lançamento do Portal da Superintendência de Cultura Popular / SECMA •
Pátio Valdelino Cécio da Casa da FÉsta
gião afro-brasileira. 19h Apresentação do Terecô de Igaraú • Pátio Valdelino Cécio da Casa da FÉsta
Em notícias foram registrados even- Sexta-feira • dia 25/08
tos significativos para a cultura popular 10h Cine Popular • Casa da FÉsta, Casa de Nhozinho e Casa do Maranhão
maranhense ocorridos ou programados 14h Seminário "Patrimônio Nacional e Identidades Locais" • Auditório Rosa Mo-
chel da Casa da FÉsta / CCPDVF - Mesa redonda com participantes locais -
em torno do mês de agosto. Coordenação Ricardo Gomes Lima
Esperamos continuar a nossa “conver- 15h Cine Popular • Casa de Nhozinho e Casa do Maranhão
sa” no próximo número do Boletim, que Projeto Farinhada: Demonstração do processo de fabricação da farinha e Oficina
de confecção de cofo, abano e meançaba • Pátio externo da Casa do Maranhão
deverá ser lançado em dezembro, tra-
18h Apresentação do Tambor de Crioula Tijupá • Salão de Eventos da Casa do
zendo vária matérias sobre a temática Maranhão
da temporada natalina e alguns traba- 19h Apresentação da Dança do Lili e outras danças de Caxias / MA • Salão de
Eventos da Casa do Maranhão
lhos apresentados no 12º Congresso Bra-
20h Show Musical com o grupo Urubu Malandro • Salão de Eventos da Casa do
sileiro de Folclore por membros da Maranhão
CMF. Lançamento do Boletim da Comissão Maranhense de Folclore nº 35.
Boletim 35 / agosto 2006 3

UM PRESENTE PARA OXUM


Mundicarmo Ferretti*

O uvi falar mais de uma vez que a reli-


gião afro-cubana acabara depois do re-
gime socialista. Conhecendo a persistência
que uma moça recebeu Iemanjá, um rapaz
recebeu Xangô e um outro recebeu Oxum.
A primeira não foi paramentada e foi logo
partimento da casa, vi que ela estava ali, sen-
tada em um banquinho, tal como Preto-Ve-
lho em um terreiro de umbanda de São
das tradições religiosas africanas no Brasil, embora. Um dos pesquisadores brasileiros me Luís, e que sua ajudante estava ao seu lado.
apesar da imposição do catolicismo e de ou- explicou que a moça dançava num balé fol- Quando que se afastou uma pessoa que
tras dificuldades enfrentadas pelos negros clórico e que não tinha o mesmo grau iniciá- falava com ela, me aproximei. A Oxum, de-
para dar continuidade a elas, quando morei tico dos outros. Alguém amarrou uma faixa pois de perguntar com quem eu morava (na
em São Paulo (1987-1991), fui duas vezes a amarela na cabeça e outra na cintura do moço época com meu marido e meu filho), me fa-
Cuba em companhia de Ferretti e de outros que recebeu Oxum. Xangô recebeu uma fai- lou que estava para acontecer algo tão ruim
pesquisadores. Entre outras coisas, estavam xa vinho, com lenços coloridos pendurados com alguém da minha família que morava
interessados em conhecer o que restara da- em ponta, que foi amarrada na cintura de comigo que eu iría chorar um ano inteiro.
quela religião. Numa dessas viagens assisti- seu filho. Fazia repetidamente um gesto com Mas logo me tranqüilizou dizendo que ía
mos em Santiago de Cuba, um ritual na casa as mãos abaixo da cintura, o que me foi expli- evitar, mas para isso, ao chegar no Brasil, eu
de um pai-de-santo palero (congo-angola), cado pelo mesmo pesquisador como estando precisava fazer uma oferenda. Mandou que
quando tive a oportunidade de falar com acentuando o seu lado erótico. comprasse cinco doces amarelos, regasse
Oxum. Na outra, fomos a uma festa para Os tambores batá, tocados no colo dos com mel de abelha, botasse “axé de Orumilá”,
Oxum, em Havana, e desta vez Xangô falou tocadores e não sobre cavaletes como os aba- colocasse sobre ela - a Nossa Senhora da Cari-
com Ferretti. Publicamos um artigo com as tás de terreiros maranhenses, tinham um dade, padroeira de Cuba - com a qual era sin-
nossas impressões dessas viagens (FER- cretizada, acendesse uma vela e chamasse
RETTI, S e FERRETTI, M, 1990). Vou por ela, pedindo a sua ajuda. Como não
falar aqui da minha conversa com Oxum entendi bem a fala dela (geralmente um
e de seus desdobramentos posteriores. espanhol misturado com palavras africa-
Chegando a Santiago de Cuba, uma nas) e não conhecia todos os ingredientes
das cidades de maior concentração de necessários, a moça que a acompanhava
negros do país, e entrando em contato escreveu na cadernetinha que eu tinha
com pessoas de religião de origem africa- na mão o que eu deveria fazer1. Continu-
na, conhecemos um pai-de-santo que es- ando confusa perguntei a ela o que era
tava querendo dar uma “obrigação” a seus “axé de Orumilá” e ela respondeu: “per-
orixás, mas ainda não dispunha de re- gunte a um padriño (pai-de-santo)”.
cursos suficientes para custeio de todas Naquela época, o meu envolvimento
as despesas. Como o nosso grupo se com- com a religião de origem africana era bem
prometeu a ajudá-lo, a obrigação foi rea- pequeno e eu nunca havia feito ou me
lizada durante a nossa permanência na imaginado fazendo uma oferenda a ori-
cidade e nós tivemos a oportunidade de ob- diâmetro menor no meio. A música era ale- xá. Mas, voltando a São Paulo, não consegui
servar um ritual religioso afro-cubano. Com gre e tinha-se a impressão de que dançavam esquecer as palavras de Oxum. Como o meu
essa colaboração foi possível comprar: um com os orixás, não só os filhos-de-santo, mas filho fora para São Luís e ia passar lá o Car-
cabritinho, um galo, um pombo, algumas gar- também outros membros da família e ami- naval, comecei a ficar nervosa, com medo de
rafas de rum, amendoim e vários doces. gos do pai-de-santo. Num momento do ritu- que alguma coisa ruim acontecesse com ele.
De noite, quando chegamos ao local al, várias pessoas da assistência levaram al- E, depois de alguma relutância, resolvi fazer
onde ia ser realizado o ritual, vimos que a gum dinheiro para a Oxum e ela depois, para o que me fora recomendado por Oxum em
casa onde residia o sacerdote havia se trans- surpresa minha, deu quase todo a uma pes- Cuba. Procurando saber o que é “axé de Oru-
formado em um templo. A matança foi rea- soa da assistência, que, por sinal, era uma milá”, recorri mais uma vez ao meu amigo
lizada nos fundos da casa, onde já estava a brasileira que estava conosco. Em outro pesquisador, que levou a pergunta a um pai-
panela com o assentamento de ancestrais. momento a Oxum passou a distribuir, de
de-santo paulista e trouxe como resposta o
Os animais sacrificados foram depois cozi- modo nada eqüitativo, os doces que lhes
nome de várias coisas que são oferecidas no
dos e nos foram oferecidos durante o toque, haviam sido ofertados. Eu recebi muitos,
candomblé a Orumilá. Mas disse que o pai-
que foi chamado de bembê por uma menina outros receberam poucos e houve quem não
de-santo me aconselhou a solicitar a ajuda
da casa. Eu e um dos nossos companheiros recebesse nada. Depois saiu circulando pelo
preferimos ficar na sala durante a matança, salão em companhia de sua ajudante (ekedi), de Xangô. Deveria pegar um orobô (semen-
mas, em dado momento, o pai-de-santo veio com as mãos na cintura e andar faceiro, dan- te oferecida na África a Xangô), levantar as
até nós, trazendo nas mãos um pombo ain- do risadas bem parecidas com as que ouvi de mãos e olhar para o sol com ele nas mãos,
da vivo, e passou rapidamente em nossos uma pombagira em ritual de umbanda. Aqui pedindo a ele para me fazer ver as coisas an-
corpos o daquele animal. e acolá abraçava e/ou falava com algum dos tes delas acontecerem e aceitar o que não
O toque foi realizado na sala da frente, presentes. Chegando na minha frente, pas- fosse possível mudar. Em seguida mastigas-
onde foi armado um altar e a bancada (mesa sou as mãos nos meus olhos e disse para eu se a semente e passasse no meu corpo.
no chão), e podiam ser vistas as jarras dos não sair sem falar com ela. Concentrada na Apesar de considerar aquele conselho
orixás homenageados e vários pratos com observação do ritual, não vi quando a Oxum muito sábio e mais fácil de por em prática,
oferendas (“comidas secas”). Durante o to- saiu da sala, mas, olhando para outro com- não desisti da oferenda para Oxum e conti-

* Antropóloga; Vice-presidente da Comissão Maranhense de Folclore.


1
Na época uma amiga me aconselhou a guardar em segredo o ensinamento recebido de Oxum (não sei se para não dividir com os outros ou se para não quebrar a sua força),
mas não segui o conselho, embora, tenha deixado de revelar o outro nome do “axé de Orumilá”...
4 Boletim 35 / agosto 2006

CONTINUAÇÃO

nuei procurando o Orumilá”. Um dia, vol- cas como deveriam, que eu havia comprado e muito menos merecedora de sua proteção
tando da USP, passei em frente a uma loja em Salvador e em São Luís. No outro dia eu – daí a minha estranheza no sonho em rela-
de umbanda, no Largo de Pinheiros, e resol- tinha um colar novo, representando Xangô, ção ao colar turquesa.
vi entrar e procurar o “axé de Orumilá”. A para usar na viagem. Desde a época do meu primeiro presen-
pessoa que me atendeu, que parecia ser a De manhã cedo, antes de começar a pre- te a Oxum eu passara a encarar Oxum e
dona da loja, depois de me olhar com surpre- paração da oferenda para Oxum, uma amiga Xangô como meus protetores: Xangô, além
sa, me entregou um vidrinho contendo al- que é mãe-de-santo me telefonou só para sa- de protetor dos professores e pesquisadores,
gumas gramas de um pó amarelo. Notando ber como estávamos – deve ter visto ou pres- podia mostrar as coisas antes que elas ocor-
que eu ficara surpresa com o preço do pro- sentido alguma coisa ruim conosco. Quando ressem e ajudar a aceitar o que não poderia
duto, ela me esclareceu que era africano, ti- falei do problema de saúde, da viagem e que ia ser mudado; Oxum, atuando junto a Oru-
rado de uma árvore. Perguntei em seguida fazer uma oferenda para Oxum, ela disse para milá, poderia impedir que desgraças aconte-
para que costumava ser procurado e ela me esperá-la, pois iria cantar e rezar para Oxum e cessem. E talvez eles estiveram juntos na
respondeu: “para coisas de destino”. Satis- fazer também alguma coisa para Obaluaiê época do meu primeiro presente a Oxum e
feita com a resposta e certa de ter encontra- (orixá da saúde) e para Ogum (dono de sua no sonho que me levou a oferecer a ela um
do o que procurava, levei o vidrinho para cabeça e orixá que representa o vodum do segundo presente porque suas missões são
casa, comprei os outros ingredientes, fiz a meu marido). Chegou logo depois, trazendo ou me parecem complementares. Mas por
oferenda e fiquei mais aliviada. a ekedi de Oxum, que é minha afilhada. que no sonho o colar que representava Xan-
Mas, logo que a vela acabou de queimar, Nem é preciso dizer que o segundo pre- gô e a mina estava quebrado, enquanto pelo
tive que recorrer ao meu amigo pesquisador sente para Oxum foi melhor do que o primei- menos um dos que representavam o candom-
para saber onde entregar o presente (onde ro. Além de contar com o axé de duas pessoas blé (de vários fios de miçanga) estava intei-
fazer o despacho). Fui aconselhada a colocá- iniciadas e devotadas ao culto aos orixás, teve: ro? Será que isso teria alguma coisa a ver
la num rio, mas, como achei a tarefa muito reza e canto em ioruba, acompanhados por com o fato da minha guia (colar de proteção
difícil, ele me disse que poderia deixá-la no ´maraca´ cubana; 5 velas de 12 horas e 1 de 7 da mina) e a do meu marido estarem na Casa
rio que passa no Campus da USP (onde eu e dias; recipiente de barro; e, além da estampa das Minas para serem consertadas? Mas, se
meu marido estávamos fazendo doutorado da Nossa Senhora da Caridade (cubana), uma a fragilidade do colar amarelo for interpreta-
e ele era, professor). Ao chegar lá vi sob uma imagem de Nossa Senhora de Nazaré (tam- do como sinal da necessidade de oferecer um
árvore várias frutas, o que me fez compreen- bém sincretizada com Oxum), que me foi presente para Oxum a fim de obter dela
der que outras pessoas escolhiam aquele lu- presenteada por um pai-de-santo de Belém maior proteção, não teria que admitir a exis-
gar para suas oferendas a orixás. (PA). E desta vez, tudo foi oferecido a Oxum tência de uma necessidade ainda maior de
com abundância, até mesmo o “axé de Oru- fazer na mina, com o mesmo propósito, uma
Cerca de 18 anos depois, quando estava
milá” que guardara comigo desde o primeiro oferenda a Xangô/Badé Queviossô? E, se
me preparando para ir a São Paulo acompa-
presente. E, apesar de atribulada e totalmen- assim fosse, o colar enfiado para Xangô e
nhando o meu marido, que deveria ir pela
pendurado no pescoço na viagem a São Pau-
terceira vez em 8 meses, para o Hospital do te envolvida com o que estava sendo realiza-
lo seria suficiente? Pelo sim ou pelo não,
Coração, devido um aneurisma na aorta, re- do, não pude deixar de apreciar a beleza da-
antes de viajar deixei varias velas de 7 dias na
cebi uns colares em sonho e um presente de quele ritual e de lamentar não estar sendo
Casa das Minas para serem acesas para Ave-
aniversário, que logo associei a orixás, que me fotografado ou registrado em vídeo.
requete, vodum da família de Queviosso que,
fizeram lembrar a Oxum de Cuba e o presen- Tentando depois entender o significado
por ser jovem, tem a função de fazer a liga-
te oferecido a ela. No sonho eu havia recebi- dos colares no meu sonho, achei que, embo- ção com ele e todos os mais velhos...
do, não sei de quem, um colar nitidamente ra os colares que recebera em sonho fossem Mas, alem de Oxum, Xangô, Obaluaiê,
inspirado nos que são usados na mina, por uma espécie de “voltas” (usados como enfei- Ogum, Oxossi e Averequete, muitas forças
pessoas ligadas a Xangô, e dois que lembra- te e não para proteção, ao contrário dos que espirituais foram invocadas por nós, por nos-
vam os usados no candomblé por filhos de são denominados “guias” e “fios de conta”), sos familiares e amigos, no caso do meu mari-
Oxum e de Oxossi. O primeiro, de contas significavam em primeiro lugar a minha re- do. Por isso temos também muito que agra-
vermelhas e brancas, estava quebrado (as con- lação com três orixás e a proteção que espe- decer a Deus, ao Divino Espírito Santo, ao
tas precisavam ser reenfiadas); o segundo ti- rava deles. Com Oxum a minha relação sur- Menino Jesus, a Nossa Senhora, São José de
nha vários fios de miçanga amarela e alguns gira do candomblé e era anterior a minha Ribamar, a São Cosme e Damião, a Santo
deles íam se rompendo ao menor movimento ida a Cuba. Começou quando fui madrinha Antonio, a Frei Galvão e a tantos outros san-
das minhas mãos; e o terceiro, igual ao anteri- de uma de suas filhas, foi reforçada com o tos, orixás, voduns, encantados, espíritos de
or, mas de cor turquesa, estava inteiro, mas presente oferecido a ela ao voltar de Cuba e luz e ancestrais que, certamente, nos ajuda-
parecia não ter nada a ver comigo. foi reafirmada ao ser madrinha de mais uma ram a enfrentar mais um problema de saúde
No dia seguinte recebi de uma amiga, de de suas filhas. Com Xangô a minha relação e que contribuíram para que ele fosse detec-
presente de aniversário, duas velas amarelas se deu na mina, por ele ser o chefe da Casa tado a tempo e que os médicos encontrassem
em panelinhas de barro, o que reforçou o de Nagô, ser considerado na Casa das Minas a melhor solução para o caso. Muitos foram
meu pensamento em Oxum e a minha deci- o mesmo Badé Queviossô e apresentado os pedidos feitos por pessoas de diversos cre-
são de oferecer outro presente a ela. De noi- nessa última como o protetor de todos os dos, e muitos foram os santos que nos ajuda-
te comprei o que precisava para o presente pesquisadores e professores. Com Oxossi a ram, pois entre as forças espirituais não exis-
de Oxum, que pretendia fazer na manha se- minha relação ocorrera também no candom- tem as disputas de poder tão comumente
guinte, e comecei a arrumação das malas, blé, às vésperas da minha viagem para São encontradas entre seus devotos.
mas resolvi interromper esse trabalho para Paulo, onde fiz doutorado, quando, numa
enfiar umas contas para Xangô. Sabia que festa de deká de uma de suas filhas, ele, in- REFERÊNCIAS
guardara algumas contas vermelhas que fo- corporado em um pai-de-santo que passava
ram de um colar de uma das minhas irmãs e por São Luís, me apontou para ekedi. Como FERRETTI, Sergio & FERRETTI, Mundi-
carmo. Cuba: as religiões de origem africana
que deveria ter algumas contas brancas. O por diversas razões não pude assumir o car-
– impressões de viagem. Comunicações do
colar não ficou como eu gostaria: alternei as go e depois passei a tocar cabaça na Casa das ISER. Rio de Janeiro, ISER, 9 (37), p. 26-35.
contas vermelhas com umas não tão bran- Minas, não me considerava relacionada a êle
Boletim 35 / agosto 2006 5

BANCADA DOS CACHORROS


Um ritual da Festa de São Lázaro no “Terreiro de
Mamãe Oxum e Pai Oxalá” em São Luís–MA
Maria Ivana César de Oliveira*

E ste ensaio tem por objetivo a análise de


um ritual conhecido entre os iniciados e pra-
ticantes do tambor de mina - religião afro-des-
mente durante festas em homenagem a entida-
des espirituais e a santos católicos a elas associ-
ados, que são invocados principalmente para
2002, durante os festejos em homenagem a São
Lázaro - Santo da Igreja Católica, sincretizado
com o vodun Acóssi Sapatá, conhecido no can-
cendente no Maranhão - como Bancada ou Ban- resolver problemas de saúde: São Sebastião (em domblé como Obaluaê ou Omulu, que está di-
quete dos Cachorros e Bancada ou Obrigação janeiro), São Lázaro (em fevereiro) e outras. retamente associado à cura de doenças.
de São Lázaro, onde são oferecidos alimentos a
cachorros em homenagem ou em devoção a São O TERREIRO DE MAMÃE OXUM E PAI FESTA DE SÃO LÁZARO:
Lázaro, Santo da Igreja Católica sincretizado na OXALÁ: DO CAMPUS PARA O CAMPO UM RITUAL DE OBRIGAÇÃO
mina maranhense como o vodum Acossi Sapata,
chefe da família de Dambirá, que corresponde No ano de 2001 desenvolvemos trabalho de No Terreiro de Mamãe Oxum e Pai Oxalá a
no candomblé a Obaluaiê e a Omulu, e que é campo (para fins de elaboração de monografia festa em homenagem a São Lázaro é, como já
considerado o patrono espiritual da legião prote- de conclusão do Curso de Ciências Sociais, da dissemos, considerada entre os iniciados e pra-
tora dos enfermos em geral, e executor de justiça Universidade Federal do Maranhão) no Terrei- ticantes como uma obrigação para Acóssi Sapa-
de todos os transviados e pervertidos. ro de Tambor de Mina Mamãe Oxum e Pai tá. De acordo com o líder religioso da Casa, Pai
Segundo Sergio Ferretti, de acordo com a Oxalá, localizado no bairro da Vila Nova, na João da Vila Nova, como é mais conhecido, a
mitologia da mina, os voduns da família de Dam- capital do estado do Maranhão. O terreiro de festa (obrigação) para Acóssi é considerada ali
birá são reis caboclos que combatem a peste e mina da Vila Nova, fundado há aproximada- uma necessidade em virtude da existência de
as doenças. Alguns deles se espalharam pelo mente 25 anos, é apresentado por seu pai-de- algumas doenças, especialmente de pele, que
mundo, ficaram doentes e passaram a morar santo como tendo raízes no já extinto Terreiro normalmente acometem alguns filhos-de-santo
separados dos outros. Acossi é curador e cien- da Trindade, de Maria Lopes. iniciados no culto, durante os dias que antece-
tista. Ele conhece remédios para todas as doen- O Terreiro dispõe de um conjunto de cons- dem os rituais em homenagem aos voduns e
ças e comanda outros cientistas. Há cânticos truções e de espaços sagrados destinados ao durante a sua realização. Segundo aquele pai-
explicando que ele ficou doente por estar tra- culto dos voduns, orixás, caboclos, pretos ve- de-santo, esse fato decorre de manifestações
tando as pessoas. O trono era dele, mas, como lhos, exus e de outras entidades espirituais. É
espirituais das entidades sobrenaturais ligadas
ele é doente, foi assumido por seu irmão Azon- consagrado a dois orixás (entidades africanas).
à família de Acóssi Sapatá, caracterizadas pela
ce (Xapanã na Casa de Nagô). Há um cântico Dentre as construções, destaca-se o barracão,
sua incorporação ou irradiação, como denomi-
na mina-jeje em que Nochê Naê (a grande mãe como é conhecido pelos iniciados e praticantes
nam os momentos do transe e possessão3. Além
da mina-jeje) une os irmãos sãos e os doentes, do culto o local destinado à realização dos ritu-
dessa explicação para a ocorrência das doen-
que moram separados. No dia de São Sebasti- ais, entre eles a Bancada dos Cachorros.
Como grande parte dos terreiros do Mara- ças e para o culto aos Acossis, outras também
ão, as vodunsis que entram em transe com eles, são acionadas para justificar a devoção a São
dançam com os dedos das mãos tortos, como se nhão, o Terreiro de Mamãe Oxum e Pai Oxalá é
Lázaro, dentre elas a “determinação” do Guia
fossem aleijados. Fala-se que Acossi não tem um terreiro de mina e essa prática religiosa é
(a entidade espiritual que lidera os cultos no
pernas e nem os dedos das mãos e que aparece caracterizada pelo transe ou possessão e pelo
Terreiro) para a realização da festa.
deformado para mostrar o que a doença faz, culto a entidades sobrenaturais recebidas pe-
Segundo ainda o depoimento daquele líder
pois só se cura uma doença sabendo-se como los praticantes iniciados ou não no culto, gene-
religioso, a exigência para a realização da festa e
ela é. Mas, segundo dona Denis, atual chefe da ricamente denominados de filhos ou filhas de
o número significativo de devotos daquelas enti-
Casa das Minas, ele se apresenta a alguns vi- santo. Inúmeros rituais são executados ali no
dades no Terreiro deve-se também ao fato dele
dentes com o corpo manchado por doenças, decorrer do ano, especialmente durante as cha-
ter sido construído num local propício para a
mas a outros com o corpo “limpo” (FERRETTI, madas festas de santo - culto às divindades afri-
manifestação de entidades sobrenaturais lidera-
1986, p. 110-115). canas e a santos da Igreja Católica com elas
das por Acóssi, pois está situado, como já menci-
Nos terreiros de mina do Maranhão o ritual sincretizadas. Os rituais realizados no interior
onamos, no bairro da Vila Nova, onde se localiza
denominado Bancada ou Banquete dos Cachor- desse terreiro são marcados basicamente pela
o Hospital Aquiles Lisboa, especializado no tra-
ros e Bancada de São Lázaro é encarado como manifestação de encantados, como localmente
tamento dos pacientes com hanseníase. Nesta
uma obrigação (como os iniciados e praticantes os praticantes da mina denominam as entida-
unidade hospitalar, bem como em outras que
no culto denominam as atividades espirituais des espirituais, que ao som dos tambores e ou-
cuidam de doentes de hanseníase, a proteção
que não podem deixar de ser realizadas) em tros instrumentos musicais dançam e cantam. espiritual está sob a evocação de São Lázaro.
homenagem a entidades sobrenaturais funda- Nossa pesquisa monográfica voltou-se essenci- No Terreiro de Mamãe Oxum e Pai Oxalá a
mentais para o “compartilhamento” das cren- almente para a compreensão do universo das festa em homenagem a Acóssi Sapatá acontece
ças e valores religiosos. No caso específico da representações e práticas relacionadas à cura anualmente entre os dias 29 e 31 de maio. Du-
mina maranhense, as oferendas na forma de de males físicos e espirituais, realizada durante rante esses três dias, vários momentos são ritu-
alimentos são destinadas, como já dissemos, às os rituais religiosos no Terreiro da Vila Nova, alizados e vivenciados pelos iniciados e prati-
entidades da família de Acóssi Sapatá. como é também conhecido2. Verificamos que cantes do culto4.
Segundo Câmara Cascudo (1962) e Sérgio essas representações e práticas constituem um
Ferretti (1986) nos Estados do Ceará e do Piauí universo próprio circunscrito a uma visão de BANCADA DOS CACHORROS: UMA
existe um ritual conhecido como Jantar dos mundo compartilhada pelos praticantes da mina OBRIGAÇÃO PARA O “MÉDICO DE
Cachorros. No Maranhão o ritual apresenta al- maranhense. LÁZARO”
gumas especificidades e é realizado principal- Dentre as inúmeras festas realizadas no
mente em terreiros de religião afro-brasileira ou Terreiro fizemos observação direta, entrevistas A Bancada dos Cachorros é um ritual que
por pessoas ligadas a eles, mas varia muito de com informantes chave, e anotações em diário varia bastante nos terreiros de mina maranhen-
um terreiro para outro. É realizado principal- de campo no mês de maio dos anos de 2001 e ses. Registram-se casas de culto onde são ofere-

* Graduada em Ciências Sociais pela UFMA; Presidente da Associação de Cultos Jeje-nagô, mantenedora do Terreiro de Mamãe Oxum e Pai Oxalá.
2
Dentre os rituais existentes para a prática de cura de males físicos e espirituais, observamos as chamadas: Sessão de Caboclo, Sessão Astral e Tambor de Cura ou
Pajelança. Para um aprofundamento, consulte-se: OLIVEIRA (2002).
3
Como ele mesmo afirma, as vodunsis “são muito acometidas com mal de pele” – refeindo-se a erupções cutâneas que surgem em diferentes regiões do corpo dos iniciados
ou devotos de São Lázaro durante os dias de festejo.
4
O festejo em devoção a São Lázaro, engloba diferentes rituais que são realizados nos três dias de festa. Genericamente podem ser descritos da seguinte maneira: toques
de tambor de mina, obrigação fechada para os filhos de santo, salva para Obaluaê ou Omulu, bancada dos cachorros, “passagem” de Acossi, visita ao Hospital Aquiles
Lisboa e ladainha.
6 Boletim 35 / agosto 2006

CONTINUAÇÃO
cidos alimentos aos cachorros e crianças ao mes- gos para a Bancada difere do realizado em ou- animais. O líder religioso levando uma bacia
mo tempo e num mesmo local. No Terreiro de tras situações. Essas exigências constituem o com água percorre a mesa montada no chão para
Mina Mamãe Oxum e Pai Oxalá os alimentos que se denomina preceitos da Casa, ou seja, o que um a um dos iniciados lavem a boca do ani-
são servidos separadamente às crianças e para conjunto de crenças e valores referenciados em mal e enxugue com a toalha. Durante esse mo-
os cachorros. O oferecimento de alimentos aos práticas de devoção às entidades sobrenaturais. mento e silêncio é quase que total entre os inici-
cachorros é explicado pelos iniciados e pratican- Preparadas as comidas que serão servidas ados e os que acompanham o ritual. Concluída a
tes da Casa, devido o cachorro ser considerado aos cachorros – arroz, frango cozido, carne assa- lavagem da boca dos animais os pratos são reco-
ali um “animal sagrado”, pois, segundo narrativas da, macarrão, torta de camarão, farofa e doce de lhidos um a um pelo líder religioso e conduzidos
católicas da vida de São Lázaro, o cachorro ao goiaba, como sobremesa, inicia-se a preparação à cozinha, onde serão lavados e guardados nova-
lamber suas chagas permitia a cura de sua doen- da bancada (mesa ritual) com a colocação de mente para o ritual do próximo ano.
ça, daí porque é chamado no terreiro de “médico uma toalha amarela estendida no chão do barra- A comida que sobrou no prato ou que te-
de Lázaro”. Esta relação entre São Lázaro e o cão5. A toalha de cor amarela mede aproximada- nha se derramado sobre a bancada (mesa) é
cachorro é visível, por exemplo, nas imagens en- mente doze metros de cumprimento por dois de cuidadosamente recolhida para ser depositada
contradas nos altares dos terreiros e das igrejas, largura. Sobre esta mesa improvisada no chão, na mata, despachada, como os iniciados deno-
que representam o Santo em flagelo, apoiado são colocados um candelabro com uma vela ama- minam o ato de se desfazer dos materiais utili-
por muletas e acompanhado por um cachorro. rela acessa, uma tigela contendo vinho tinto, uma zados nos rituais. Os cachorros são entregues
De acordo com outros relatos etnográficos, outra com farinha seca, uma pequena bacia com aos seus donos e a guia da casa providencia,
a Bancada dos Cachorros é geralmente ofereci- água e uma toalha de mão branca. Todas as eta- com a participação dos iniciados, a retirada do
da por devotos em pagamento de promessa e é pas de organização da bancada (mesa) são con- candelabro com a vela e a toalha que fora es-
constituída por um banquete, com comidas duzidas pela guia da casa (a iniciada no culto tendida sobre o chão.
variadas, para cachorros previamente escolhi- responsável pela condução dos rituais). Dentro
dos, em número impar de: 7, 9, 11 ou 13 (FER- da hierarquia dos terreiros de mina, a função de CONCLUSÃO
RETTI, 1986, p. 147). guia é normalmente ocupada pela iniciada mais
No Terreiro da Vila Nova a Bancada, é orga- velha da casa, considerada possuidora dos fun- A festa em homenagem a São Lázaro, ape-
nizada no chão do barracão. O ritual inicia-se damentos religiosos da mina6. sar de ser considerada nos terreiros maranhen-
Depois de preparado o local para o ritual da ses uma obrigação fina, como os iniciados de-
alguns dias antes com os cuidados com as lou-
Bancada é a hora de acomodar os filhos-de-san- nominam os rituais que exigem conhecimentos
ças onde serão servidos os alimentos. A lava-
to - iniciados encarregados de servir os cachor- profundos dos seus fundamentos, envolve um
gem das louças específicas para o ritual da Ban-
ros. A Bancada é preparada para servir sete conjunto de atitudes, comportamentos e práti-
cada é feita por filhos-de-santo escolhidos pelo
cachorros machos, por sete iniciados homens cas que reafirmam as crenças e os valores religi-
líder religioso do Terreiro. No dia da Bancada
ou mulheres, escolhidos pelo líder religioso, nor- osos da mina, e é uma estratégia usada pelos
dos Cachorros a comida é preparada pelos ini-
malmente entre devotos de São Lázaro ou fi- devotas para conseguir a cura de doenças.
ciados na cozinha que fica localizada no mes-
lhos da Casa que possuem “fundamentos religi- No Terreiro de Mina Mamãe Oxum e Pai
mo terreno de outras construções e espaços sa-
osos” associados à família de Acóssi7. Na cabe- Oxalá, o culto ao vodum Acóssi Sapata e aos
grados do Terreiro. De acordo com o depoimen- ceira da bancada senta-se a guia e do outro lado
to do Pai Joãozinho da Vila Nova, a comida pre- orixás Omolu e Obaluaê, sincretizados com São
fica a contra-guia. Os filhos-de-santo sentam-se Lázaro, é um momento da reprodução do con-
parada para os cachorros difere daquela que em volta da mesa aguardando a determinação junto de valores e crenças religiosas, reafirman-
será servida, como obrigação, durante os rituais pelo líder religioso o momento de servir os ali- do práticas que permitem a construção de uma
aos iniciados no culto: mentos. Os cachorros, que aguardavam fora do identidade religiosa, demarcada por um univer-
terreiro, depois de preparados com os seus res- so que classifica os de dentro e os de fora, dos
“(...) ao meio-dia, na casa, temos duas obri-
pectivos donos, são em seguida apresentados que crêem no poder de cura de Acóssi. Através
gações, uma é a Bancada dos Cachorros e
a outra é a comida de obrigação para os ao líder religioso para serem servidos no ritual. da realização da festa em homenagem a São
filhos-de-santo. A gal inha que é feita para O preparo dos cachorros consiste num banho Lázaro, os iniciados e praticantes da mina pro-
a Bancada é cozida separada da comida com água e outros produtos que garantam a curam manter, comunicar, manifestar em cada
dos filhos-de-santo. A comida dos filhos- limpeza do animal. Na Casa, os cachorros esco- objeto, gesto e palavra as crenças e valores que
de-santo não leva nada dos temperos que lhidos participam todos os anos do ritual e são organizam a sua vida religiosa. O ritual aponta
normalmente eles comem no dia-a-dia”. considerados pelo líder religioso como “inicia- também para a existência de comportamentos e
dos” e “praticantes” do culto, pois são cachorros padrões estéticos que traduzem uma forma de
A comida que será servida durante a Banca- de promessa. Tal como os sete filhos-de-santo ser. O ritual da Bancada dos Cachorros revela
da é preparada sob a supervisão permanente do que participam diretamente do ritual, os donos uma forma de entender o cotidiano, reeditando
líder religioso do Terreiro, que acompanha a mor- dos cachorros são também devotos de São Láza- mecanismos claros de sobrevivência, onde prati-
te, o corte dos animais e tempera os alimentos ro. Os cachorros são finalmente conduzidos ao camente tudo está em torno de “comprometimen-
que serão servidos no ritual. Nesse dia, somente interior da Casa e ao local onde vai ser realizado tos” ancestrais, recriados e adaptados pelas ex-
têm acesso à cozinha sete iniciados, previamen- o ritual e são acomodados próximos aos inicia- periências dos iniciados e praticantes da mina.
te escolhido pelo Pai Joãozinho da Vila Nova. dos, que já se encontram sentados. Após a aco-
Segundo dados de observação direta e de- modação de todos começa-se a servir a comida REFERÊNCIAS
poimentos colhidos durante o ritual, o preparo aos cachorros da direita para a esquerda, par- CASCUDO, Luis da Câmara. Dicionário do
da comida tem o que se denomina “ciência”, ou tindo do que está com a guia da casa (a segun- Folclore Brasileiro. Rio de Janeiro: INL-
seja, tem princípios e regras especiais que ori- da pessoa na hierarquia do terreiro). Os pratos MEC,1962.
entam a sua elaboração. Os iniciados fazem são depositados na frente dos iniciados e, em FERRETTI, Sérgio. Querebentam de Zo-
referência, por exemplo, a maneira como deve seguida, o líder religioso autoriza todos a servir madonu: etnografia da Casa das Minas. São
ser morto o frango para a Bancada dos Cachor- os cachorros. O banquete dura aproximadamen- Luís, EDUFMA, 1986.
ros. No caso da Bancada, o frango a ser abatido, te trinta minutos. Observamos que nem todos OLIVEIRA, Maria Ivana César: Práticas de
por exemplo, não pode se debater para não se os cachorros comem tudo e que alguns conso- Cura num Terreiro de Mina. 2002. (Mono-
grafia de Conclusão de Curso de Ciências
machucar, o que acabaria tornando-o impróprio mem alimentos depositados nos pratos de ou-
Sociais) – Centro de Ciências Sociais, Uni-
para ser entregue como alimento ao Santo. Da tros cachorros. Quando todos os cachorros pa-
versidade Federal do Maranhão.
mesma maneira, o corte dos pedaços dos fran- recem saciados, começa a lavagem da boca dos
5
A cor amarela, utilizada também nas vestimentas dos iniciados e praticantes, cumpre uma função simbólica no ritual. Nas religiões afro-brasileiras cada cor está
associada a uma entidade sobrenatural. No caso de Obaluaê, sua cor-insígnia simbólica na Casa é o amarelo-acácia ou ouro, que representa a alquimia da transformação.
6
No Terreiro de Mamãe Oxum e Pai Oxalá prevalecem a seguinte estrutura hierárquica: Pai-de-santo, tido como a autoridade máxima na condução dos trabalhos
espirituais, guia e contra-guia. Outros iniciados desempenham funções importantes para o desenvolvimento do culto no terreiro. No caso específico deste Terreiro, os
recursos materiais necessários para a realização das festas são mobilizados pelos iniciados e praticantes do culto.
7
No ano de 2002, observamos que durante o ritual outro cachorro adentrou ao Terreiro e foi solicitado pelo líder religioso que se providenciasse um prato de comida para
ser servido ao cachorro que estava de passagem.
Boletim 35 / agosto 2006 7

Bumba-Festa! Bumba-Trabalho! Bumba-


Lazer! Bumba-Turismo! Bumba-Meu-Boi!?
Maria do Socorro Araújo*

P ara o melhor entendimento dessa temá


tica, torna-se necessário discorrer breve-
mente sobre as festas juninas maranhenses.
dominantes, elas também servem de supor-
te para manifestar as reivindicações e as lu-
tas dos estratos populares. Estas reivindica-
balho. Considerados aqueles aspectos, o la-
zer dentro de uma visão histórica é de vital
importância na sociedade moderna.
São festas religiosas e profanas que apre- ções são traduzidas Agora, torna-se oportuno introduzir o
sentam uma grande variedade de manifesta- pensamento de Dumazedier (1976, p.32),
ções folclóricas, enriquecidas de forma, rit- [...] no canto, na dança, nas roupas, nas fanta- estudioso que define o lazer como:
mos e cores. Essas manifestações não são sias e outros recursos visuais. A expressividade
é sobretudo social criadora de igualdade: o Um conjunto de ocupações às quais o indiví-
simplesmente da religiosidade popular nas canto manifesta a fala grupal, cheia de poesia
quais se louva Santo Antonio, São João, São duo pode entregar-se de livre vontade, seja
e alegria, em contraste com a comunicação para repousar, seja para divertir-se, recrear-se
Pedro e São Marçal, mas são muito mais que cotidiana em que se é obrigado a ouvir calado e entreter-se ou, ainda para desenvolver sua
isto! São verdadeiras formas de expressão e obediente. A dança rompe com a fadiga dos informação ou formação desinteressada, sua
popular que transmitem força, alegria e vi- movimentos automatizados, retilíneos, soli- participação parcial ou voluntária ou sua livre
tários. (RIBEIRO, 1982, p.25)
bração – elementos significativos que dão capacidade criadora após livrar-se ou desem-
sentido à existência das pessoas que dançam baraçar-se das obrigações profissionais, fami-
Essas festas que o povo faz e brinca, não liares e sociais.
e legitimam essas manifestações.
apenas com a intenção de fazer um espetá-
Nesta época do ano, as cidades mara-
culo, mas também para sua satisfação pesso- O autor coloca que só podemos fazer la-
nhenses e, principalmente São Luís, trans-
al e seu divertimento, os autores conside- zer após livrarmos-nos de todas as nossas
formam-se num grande arraial, com apresen-
ram como lazer. Este lazer “contém grande obrigações. Fica então, uma questão funda-
tações folclóricas das mais variadas em to-
parte de traços culturais de uma sociedade, mental: qual a classe social que possui opor-
dos os lados, tais como: Tambor de Crioula,
incluindo atividades lúdicas, artísticas e re- tunidade de fazer este tipo de lazer? A rigor,
Cacuriá, Dança do Côco, Dança de São
ligiosas” (BOSI, 1981) Assim, percebo o a classe subalterna não tem esse privilégio!
Gonçalo, Dança do Lelê, Dança da Fita,
bumba-meu-boi como forma de lazer, o povo
Dança Portuguesa, Quadrilha, Casamento
brinca, fica alegre, se diverte, fala de seu Ora, tomando-se essa concepção como crité-
na Roça, Baile da Caixa, Baião Cruzado e o rio de definição de lazer, poder-se-á dizer que
modo de vida, das suas condições de sobrevi-
Bumba-meu-boi. os membros da família operária, praticamen-
vência; e também cumpre um ritual religio-
O Bumba-meu-boi é quem comanda o te não têm lazer. Isto porque, considerando-
so. É interessante notar de que maneira os se a experiência cotidiana dos indivíduos, pra-
corre-corre do povo nas praças e avenidas no
brincantes definem o boi: ticamente não existiriam espaços vitais livres
ritmo alucinante das zabumbas, das matra-
de obrigações profissionais, sociais e familia-
cas e das orquestras. Logo, o boi está associ- O boi é uma brincadeira, é um pensamento res para o indivíduo se divertir.( FAUSTO
ado ao mês de junho; neste período o rufar da noite. A pessoa vem para passar a noite, NETO, 1982, p 54).
dos tambores-onça, o ritmar das matracas e para brincar. É relaxar, amanhecer; a brinca-
as toadas vibrantes rompem o silêncio das deira amanhece, aí a gente amanhece, é isso. É o caso também dos brincantes do bum-
madrugadas das noites maranhenses. A rua Quando a gente diz: eu vou pro boi brincar, ba-meu-boi, em que suas profissões normal-
grande é o grande palco, onde o povo mostra você brinca até de manhã.
(Brincante de Bumba-meu-boi. IN: ARAÚ- mente são de pescadores, estivadores, serra-
a sua habilidade nas músicas e danças, com JO, 1986, p. 113) lheiros, pedreiros, mecânicos, biscateiros, fun-
ritmos extremamente contagiantes. cionários públicos e outros. Fica implícito, de
Toda essa animação é que consideramos Conforme exposto acima, fica claro que acordo com Dumazedier (1976), que não só a
como festa, Carlos Rodrigues Brandão o boi é uma forma de lazer das classes popu- família operária não tem direito ao lazer, mas
(1974, p.28) coloca que as festas são lares, principalmente quando se verifica a também o homem da periferia que brinca o
introdução de um novo aspecto: vai-se ao boi, que trabalha na pesca, na estiva, a domés-
Acontecimentos sociais de envolvimento par- tica, etc. Entretanto, eu percebo o lazer não
boi também para relaxar. É importante
cialmente coletivo que geralmente observam
ressaltar que como uma atividade separada das outras, mas
uma ruptura com a rotina seqüente na vida
social, que cria comportamentos sobretudo, sim, como uma atividade dinâmica, que faz
rituais, logo expressivos e relações interativas [...] A gestação do fenômeno lazer, como esfe- parte do processo de vida do homem.
de fora e efeitos de períodos longos da rotina. ra própria e concreta, dá-se paradoxalmente, a Justifico essa colocação acima porque
partir da Revolução Industrial, com os avan- para mim as atividades não são absolutamen-
ços tecnológicos que acentuam a divisão do
Enfatizo ainda que estas festas se referem trabalho e a alienação do homem de seu pro- te irreconciliáveis, porque no momento em
aos acontecimentos que possuem toda uma cesso e do seu produto. (MARCELINO, 1983, que o pescador está consertando a sua rede
dimensão histórica, com significados acumu- p.1983) de pescar, ele está cantando as toadas do boi,
lados nas relações de vivências do dia-a-dia. ele está fazendo toada, ele está contando
Estes acontecimentos muitas vezes são disper- O trabalho industrial é fragmentado, es- história,conversando com os amigos, etc. A
sos de uma globalidade devida a coerção, a de- pecializado e obedece ao ritmo da máquina. mulher que vai para o boi acompanhar o
pendência econômica, que geram o compro- Com isto, há um afastamento dos indivídu- marido, para cuidar de seus pertences, ao
misso, o medo, o conformismo e a absorção de os entre si, devido aos contatos pessoais se- mesmo tempo também está com sua matra-
uma ideologia do sistema dominante. rem limitados e desarticulados. Seguindo ca ali do lado, batendo e dançando, isto sig-
É importante observar que, embora as essa perspectiva, o lazer na sociedade indus- nifica dizer que o lazer não ocupa um espa-
manifestações muitas vezes sejam usadas trial é uma atividade escapatória, que o ho- ço único e separado do trabalho, mas espa-
como veículo para a reprodução das idéias mem possui para refazer a sua força de tra- ços intersticiais. Assim não há total disso-
* Mestre em Serviço Social (PUC-SP) e professora do Curso de Turismo da Universidade Federal do Maranhão.
8 Boletim 35 / agosto 2006

CONTINUAÇÃO
ciação: os brincantes, às vezes, têm momen-
tos de lazer dentro do próprio trabalho.
O bumba-meu-boi faz parte do contexto
da vida deste povo. Ele não é apenas uma
festa sazonal, mas uma atividade muito for-
te, intrinsecamente ligada a ele no seu dia-a-
dia. O boi, com todo seu processo de prepa-
ração, ensaios e festas é o próprio lazer desta
gente. Estas características culturais de de-
terminadas formas de expressão e de lazer
das classes populares maranhenses tornam-
se um grande atrativo para o desenvolvimen-
to da atividade turística local.
BUMBA-TURISMO!
Consideramos atrativos culturais as pe-
culiaridades que despertam a curiosidade do
turista gerando motivação nas pessoas a se
deslocarem de determinadas regiões para
outras. Um aspecto a se levar em considera-
ção quando se fala das relações entre o turis-
mo e a cultura, é que o turismo é visto ape-
nas como uma atividade econômica e como
fator de descaracterização e destruição das
formas de expressão da população. Não se
pode negar que o turismo é uma atividade
econômica, mas que além desse aspecto ele
também pode ser um agente de resgate dos
valores culturais, haja vista o turismo bus-
car não só a unificação da cultura, mas sim
bre a valorização das culturas locais, assim Logo, com o desenvolvimento dessas
explicitar a diversidade cultural.
como, de políticas que privilegiem o turis- políticas para o turismo é importante que as
Pela dimensão que as programações turísticas
mo brando, ou seja, a modalidade turística manifestações populares façam parte dos
podem apresentar, torna-se imprescindível que “que apresenta fluxo compatível com a ca- roteiros turísticos de suas cidades, pois pre-
além do aspecto econômico que a atividade pacidade de recepção de determinado local servar não é só guardar uma coisa, um obje-
gerencia, vislumbra-se todo um processo de em determinado tempo (‘portanto oferece to, uma construção histórica, preservar tam-
planejamento preliminar que evite a degrada- poucas condições de ocasionar impactos bém é mostrar, é contar sua história, para
ção de localidades. O lucro que um roteiro ambientais e culturais’)” (PELEGRINNI, que se conheça, valorize e preserve a riqueza
possa oportunizar está diretamente relaciona-
do à necessidade de preservar. Roteiros que
1993, p.12). e a beleza de cada localidade.
possibilitam uma exposição temática ampla e
baseada em conteúdo cultural-natural desper- REFERÊNCIAS
tam o interesse das pessoas e preenchem as
suas necessidades de evasão e deslocamento ANDRADE, Mário de. Danças dramáticas no Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 1959. Tomo I.
motivando a viajar (BAHAL, 1981, p.08). ARANTES, Antonio Augusto. O que é cultura popular. 3.ed. São Paulo: Brasiliense, 1981.
ARAÚJO, Maria do Socorro. Tu Contas! Eu conto! São Luís: SIOGE, 1986.
AZEVEDO NETO, Américo. Bumba-meu-boi do Maranhão. São Luís: Alcântara, 1983.
Partindo dessas colocações, as minhas BAHAL, Miguel. Conteúdos culturais e naturais na elaboração de roteiros turísticos e a emi-
observações recaem principalmente sobre os nência do artificialismo conseqüente. In: Boletim comemorativo; 10 anos de ABBTUR – PR
atrativos culturais, que preservados, podem Curitiba, 1991.
ter uma função importante junto ao desen- BARRETO, M. Planejamento e organização do turismo. Campinas: Papirus, 1991.
________. Turismo e legado cultural: as possibilidades do planejamento. São Paulo: Papirus, 2000.
volvimento do turismo, e ao mesmo tempo, BOSI, Ecléia. Cultura de massa e cultura popular. Leitura de operário. 5. ed. Petrópolis: Vozes,
a possibilidade de continuidade desses atra- 1981.
tivos nas gerações subseqüentes, haja vista BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é folclore. São Paulo: Brasiliense, 1982.
que elas vão poder subsistir sem interferên- CANCLINI, Nestor Garcia. As culturas populares no capitalismo. Brasiliense, 1983.
DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e cultura popular. São Paulo: Perspectiva, 1976.
cia direta do Estado. Além de poucos recur- FAUSTO NETO, Ana Maria Quiroga. Família operária e reprodução da força de trabalho.
sos, esse Estado cria a dependência a partir Petrópolis: Vozes, 1982.
dos incentivos financeiros, “doados” à cul- MAGNANI, José Guilherme Cantor. Festa no pedaço. São Paulo: Brasiliense, 1984.
tura popular. E o bumba-meu-boi também MARCELINO, Nelson Carvalho. Lazer e humanização. Campinas: Papirus, 1983.
PELEGRINI, F. Américo. Ecologia, cultura e turismo. Campinas: Papirus, 1993.
está inserido nesse processo, seja através da RIBEIRO JR., Jorge Cláudio Noel. A festa do povo. Petrópolis: Vozes, 1982.
sublevação dos aspectos mercantis em rela- ROSA, Maria Cristina. Festar na cultura. In: ________ (org). Festa, lazer e cultura. São Paulo:
ção às características de lazer, de trabalho, e Papirus, 2002. p.11- 41.
de festa que permeiam o universo dessa RUSCHMANN, Doris Van de Meene. Turismo e planejamento sustentável: a proteção do
meio ambiente. São Paulo: Papirus, 1997.
manifestação, seja pelas estratégias de salva- SWARBROOKE, John. Turismo Sustentável: Turismo Cultural, Ecoturismo e Ética. São Paulo:
guarda da brincadeira popular objetivando Aleph, 2000.
exclusivamente a fruição turística local. URRY, John. O olhar do turista: lazer e viagens nas sociedades contemporâneas. São Paulo:
Assim, torna-se necessário o desenvolvi- EDUSC, 1996
mento de políticas de conscientização so- YÁSIGI, Eduardo. A alma do lugar: Turismo, planejamento e cotidiano. São Paulo: Contexto, 2001.
Boletim 35 / agosto 2006 9

CULTURAS POPULAR E ERUDITA


NAS LINHAS DE MARANHENSIDADE*
Antonio Evaldo Almeida Barros**

Historicamente, as relações entre ma- quais ela é feita e imaginada. entre diferentes grupos sociais, o que
ranhensidade – ou, se preferirmos, iden- De fato, pensar identidade mara- também será fundamental para se de-
tidade maranhense – e produções cul- nhense implica destacar sobretudo o marcar a região (Maranhão) e seu tipo
turais (eruditas e populares) manifestam- campo das manifestações culturais, uma regional (maranhense).
se de modo incompleto e descontínuo.8 vez que estas se constituem como ele- O primeiro momento a se destacar
Neste texto, tentamos elaborar um qua- mentos ora destacados ora obliterados na no processo de valorização do popular,
dro sinóptico dessas relações, entenden- formação daquela identidade e meios isto é, uma primeira aproximação – por
do que não é possível identificar um através dos quais se imagina a região. sinal, extremamente tímida – entre cul-
momento em que final e indubitavel- Na história do Estado, é possível notar tura popular e identidade maranhense
mente uma daquelas formas e dinâmi- alguns momentos em que maranhensida- situa-se nos estudos folclóricos do século
cas culturais ascende a símbolo total e de e as culturas popular e erudita se en- XIX a meados dos anos 1930 no contexto
único da identidade regional, controlan- contram e desencontram. Especialmen- da “descoberta do povo” e da tentativa de
do todos os meios através dos quais essa te durante a República Velha (1889-1930) formação da identidade nacional. Aqui,
identidade é imaginada e vivenciada. O e os primeiros anos da Era Vargas (1930- lembramos o romantismo em sua verten-
que podemos observar são períodos em 1937), as elites valorizam, de modo parti- te indianista e nacionalista, bem repre-
que, ao se falar sobre o que é “tradicio- cular, a Atenas Brasileira9 e a São Luis sentada pelo maranhense Gonçalves
nal” na região, os contemporâneos acio- fundada por franceses10 – elementos que Dias, principal ícone do Maranhão alcu-
nam seus elementos eruditos e/ou po- marcam a identidade regional em padrões nhado de Atenas Brasileira. Neste perío-
pulares. Obviamente, identificar como eruditos e europeus, brancos – em detri- do os símbolos da identidade regional,
e quais elementos são acionados está mento de suas manifestações culturais
como definida pelas elites locais, são eru-
diretamente relacionado aos grupos a populares, predominantemente mestiças
ditos e brancos, europeiamente pensados.
que damos voz para dizer o que é carac- e negras. Estas, nesse período, são imagi-
Não à toa, em 1908, é fundada a Acade-
terístico da região. Ou aos indivíduos e nadas e vividas sobretudo por membros
mia Maranhense de Letras e em 1925 o
grupos que identificamos como os por- dos grupos subalternos. Posteriormente,
Instituto Histórico e Geográfico do Ma-
tadores dos canais através dos quais as a partir dos anos 1930 e, de modo mais
representações sobre o estatuto identi- institucionalizado, a partir dos anos 1960, ranhão. (MARTINS, 2002) Por isso, não
tário regional são divulgadas. inicia-se um processo de valorização ge- podemos dizer que, neste contexto, haja
Discutir identidade regional é tratar neralizada das manifestações culturais tentativas de inflexão nas noções de cul-
da fixação de símbolos identitários que populares, mestiças e negras, cuja linha tura e tradição capazes de redefinir a
fundam a crença em uma região com central é o bumba-meu-boi. imagem da região a partir de temas não-
uma determinada forma, com certas li- Desse modo, para além de esquema- brancos. Opinião esta que compartilha-
nhas que passam a se repetir em discur- tismos, podemos assinalar três grandes mos com Albernaz (2004).
sos e práticas, e que embora sendo sig- momentos no processo por meio do qual Entretanto, este período não pode ser
nificativamente instáveis e mutantes, culturas populares, mestiças e negras totalmente desconsiderado. Afinal de
manifestam-se como identificadores ascendem a símbolo de identidade ma- contas, apesar de ser um momento de
naturais e atávicos da região. Ora, fre- ranhense, (des)articulando-se com seus perseguição às manifestações culturais
qüentemente práticas e representações elementos eruditos. Em todos eles, a mestiças e negras, o que vinha aconte-
que alimentam a construção de uma possibilidade de imaginação e feitura de cendo pelo menos desde a primeira me-
identidade regional fixa, homogênea e maranhensidade se relaciona a tade do século XIX (ASSUNÇÃO, 1999),
bem demarcada, acabam por mostrá-la (des)encontros entre “raça”, cor e povo, nele, aspectos do popular são trazidos à
como dinâmica, heterogênea e fluida. cultura, identidade e tradição, além de tona, ainda que de maneira preconcei-
Desse modo, quando nos referimos a situar-se em transformações mais am- tuosa e sob mediações da cultura erudi-
maranhensidade estamos tratando de plas, de caráter nacional e mesmo glo- ta. Lembremos, por exemplo, dos mara-
uma identidade de caráter regional, in- bal que, obviamente, só fazem sentido nhenses Celso de Magalhães, precursor
terpretando-a como um processo e não quando se coadunam aos usos do local. dos estudos do folclore no Maranhão e
uma entidade ou condição natural imu- Sobretudo a partir dos anos 1930, é im- no Brasil e, seu sobrinho, Antonio Lo-
tável, enfocando dinâmicas através das portante salientar os intensos trânsitos pes, que continua sua obra no Estado.11

* Este texto faz parte de uma pesquisa mais ampla em desenvolvimento no Mestrado do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos
(PMPGEEF), Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO), Universidade Federal da Bahia (UFBA).
** Licenciado em História pela UFMA. Mestrando do PMPGEEF, CEAO, UFBA. Membro do Grupo de Pesquisa Religião e Cultura Popular.
8
Discutindo o “perfil do homem maranhense na perspectiva da Antropologia”, FERRETTI nota que falar de “maranhensidade” é falar de “muitas faces”. Há um rosto do
maranhense nas religiões afro-maranhenses, nos brincantes de boi, no dançante do tambor de crioula, no pescador, dentre outros. (FERRETTI, 2003, p. 6-7) Este nosso
trabalho pretende mostrar que identidade maranhense é processual, resultando de dinâmicas e conflitos sócio-culturais.
9
Na tentativa de construção de uma identidade nacional sob o patrocínio do Estado Imperial, no início do século XIX, uma série de intelectuais e poetas daquele Estado
(como Gonçalves Dias) começou a se destacar no plano nacional. Por causa dessa cultura inclinada às letras, a região recebeu o aposto de “Atenas Brasileira”. Essa
condição, de ateniense, de prosperidade, foi transposta a todos os maranhenses como sua condição essencial. Um provincianismo tão ou mais refinado que o
nacionalismo. (CORRÊA, 1993).
10
Supostamente fundada em 1612, é somente a partir de fins do século XIX, o século do galicismo, quando a economia maranhense entra em processo de declínio, que se
começa a falar de fundação francesa da cidade de São Luís, singularização construída por grupos locais. A imaginada condição de ludovicense-francês foi transformada
em característica de todo maranhense. (LACROIX, 2002)
11
Apesar de pesquisar até os anos 1940, situamos Lopes (1967) neste contexto devido à temática de sua obra, que se encaixa nas agendas de folcloristas que lhe antecedem,
como Magalhães (1973). Quando Lopes preparava Presença de Romanceiro, obra concluída em 1948, nacionalmente mudava a direção dos estudos do folclore, que passava
da valorização da poesia (posição de Lopes) para o destaque dos folguedos, pois se entendia que nestes últimos (dança e canto) poderiam ser encontradas as contribuições
de negros e índios, ao passo que na primeira (poesia) sobressair-se-ia a contribuição portuguesa (ALBERNAZ, 2004, p. 177-178; VILHENA, 1997).
10 Boletim 35 / agosto 2006

CONTINUAÇÃO

Magalhães integra a segunda geração pajelança são justificadas por que estes tratégias e redes de sociabilidade, mas que
de atenienses (1868-94) (MARTINS, seriam heranças de África e de nativos. comumente conformavam um campo de
2002). Ele faz parte do conjunto de pen- O bumba-meu-boi é proibido de ser rea- contínuo encontro entre práticas culturais
sadores que durante o século XIX ten- lizado ou de ir ao centro das cidades por e religiosas e construção de identidades.
tou encontrar termos para uma autode- que seria barafunda de pretos e da “se- Há muito a região por eles vivida e imagi-
finição da nação. Nesse século, continu- mibárbara caboclada”. Nos anos 1940, nada era fundada em elementos popula-
ando um movimento que se inicia na vozes denunciam que o Maranhão era um res e negros. Era forte o poder de negoci-
Europa oitocentista com a “descoberta Estado débil e doente resultado do san- ação desses grupos, predominantemente
do povo” (BURKE, 1989), a emergência gue de pretos, negros e índios circulando não-brancos, cujos conhecimentos, visões
da “rusticofilia” (CERTEAU, 1995), para nas veias dos regionais, o que só a imigra- de mundo e práticas eram constante, es-
teóricos brasileiros e latino-americanos, ção européia poderia sanar. tratégica e criativamente comunicados,
“raça”, povo e cultura se constituem O segundo movimento se refere ao transformados e ressignificados.
como elementos fundamentais no pro- interesse de membros das elites intelec- Esses movimentos podem ser obser-
cesso de definição da nação. Enfim, o tuais e políticas pela cultura popular e vados sempre em meados do século XX.
fato é que pelo menos desde a segunda negra e por uma tentativa de integra- Um momento marcado por ambigüida-
metade do século XVIII, tornam-se cada ção, de caráter simbólico, do negro ma- des. É somente a partir da centraliza-
vez mais constantes as intersecções en- ranhense na história da região. Aqui não ção política nacional estabelecida com
tre folclore, povo, “raça”, cultura e iden-
nos referimos somente a vozes dissiden- o Estado Novo (1937-1945), quando go-
tidades nacional e regional.
tes, mas sim ao surgimento de um con- vernadores são substituídos por interven-
Posteriormente, observamos uma pri-
junto cada vez mais crescente de vozes, tores federais, num contexto de estabe-
meira e uma segunda inflexão substan-
livros, artigos, textos (escritos e imagéti- lecimento de uma política de dupla face
ciais. A primeira ocorre de meados dos
cos) em jornais e revistas que passam a em relação às manifestações culturais
anos 30 a meados dos anos 60.12 Um pe-
se interessar por elementos ditos popu- populares e negras, que haverá condi-
ríodo que temos recortado de modo
lares, mestiços e negros e que os inscre- ções reais para que, no Maranhão, a iden-
mais preciso entre 1937 e 1962. Esta pri-
meira inflexão pode ser visualizada atra- vem como idéias-imagem e práticas cul- tidade regional comece a ser feita em
vés de três múltiplos e interdependen- turais essenciais da região. Uma ação negritudes e em padrões mestiços e não
tes movimentos. Trata-se de uma nego- que foi seletiva, sendo pinçados alguns somente em branquitudes, como até
ciação que reestrutura identidade ma- deles para compor maranhensidade. então predominantemente ocorrera. Se
ranhense e que se processa em meio a Entre os intelectuais, tiveram participa- o processo de centralização do poder
trânsitos inter-regionais, envolvendo di- ção significativa neste processo Domin- político estatal nacional se acentua com
versos indivíduos, grupos e setores soci- gos Vieira Filho, Fulgêncio Pinto e As- o Estado Novo, o caso do Maranhão
ais. Em primeiro lugar, manifestações de tolfo Serra. Os sons dos tambores, em- mostra que ele também contribuiu, atra-
cultura e religiosidade popular e negra, bora ainda representassem “zoada” e “ba- vés da estruturação de máquinas admi-
especialmente tambor de mina, pajelan- rafunda”, já começavam a ser sentidos nistrativas nos estados (dando poder po-
ça e bumba-meu-boi, são lidas por po- como produtores de harmonia, de uma lítico a homens da região) e da ambiva-
pulares e membros da imprensa escrita, cadência encantadora, passando a cons- lente relação com o “povo”, para a pro-
do clero e da intelectualidade como he- tituir a sinfonia da identidade regional. moção de novas formas de pensar dife-
rança perniciosa dos antepassados índi- O estudo do negro maranhense emerge rentes regiões no território nacional. A
os e pretos do povo maranhense. Trata- como um resgate, a paga de uma dívi- partir de então, no Maranhão, onde foi
se da perseverança de velhas idéias que da, algo necessário para se entender a indicado para Interventor Federal Pau-
tomam uma certa Europa como mode- formação histórico-social da região. Ten- lo Ramos, intelectuais, políticos, mem-
lo, sendo os ideais de civilização e pro- ta-se construir a idéia de que a Atenas bros da imprensa escrita, juntam-se a
gresso os nortes que guiavam a produ- Brasileira só teria sido possível por cau- populares e imaginam a região como
ção de textos e falas. Se, de um lado, sa da mistura racial; que o fundamental popular e negra, ainda que o façam cada
aquelas manifestações são identificadas do maranhense havia sido infiltrado pela um a seu modo.
como sinais de atraso e barbarismo, de seiva imaginativa do africano; e que des- A ano de 1962 é um ano simbólico
“decadência” da região e de sua gente,13 te viera o elemento essencial da identi- para o Estado, ano em que ocorre uma
de outro, maranhensidade é repetida- dade regional: o amor e apego à terra. celebração oficial de comemoração do
mente construída como refinada, erudi- Em terceiro lugar, este é um momen- aniversário de 350 anos de São Luís (O
ta e branco-européia, o Maranhão é re- to em que populares resistem de diver- IMPARCIAL, 1962a; b). Na ocasião, lou-
atualizado como Atenas Brasileira e São sas formas aos preconceitos e persegui- vava-se, ao mesmo tempo, a origem fran-
Luís como única capital brasileira fun- ções em relação às práticas e conheci- cesa e ateniense da cidade e suas cultu-
dada por franceses. Estes os elementos mentos que lhes são característicos. Os ras de marca predominantemente mes-
que remeteriam às então ditas “verdadei- populares constituíam um conjunto tiça e negra. Evento que pode ser lido
ras tradições maranhenses”. Perseguições múltiplo e diverso de existentes que podi- como marco da emergência de um ou-
a terreiros de tambor de mina e casas de am ou não desenvolver coletivamente es- tro cenário, aquele da “cultura [afro-bra-

12
Em relação a este período histórico temos nos dedicado mais detidamente. Ver BARROS (2005).
13
Nas primeiras décadas do século XIX o Maranhão vivia um momento de forte desenvolvimento econômico que não se manteve até o final daquele século. No início do século
seguinte, intelectuais, em sua maioria membros das duas mais prestigiadas instituições do período, o IHGM e a AML, tentando explicar aquele processo, construíram a
história da economia do Maranhão novecentista como uma passagem da prosperidade à decadência. Essas representações especificamente sobre a vida econômica do
Maranhão do século XIX foram transpostas para a história, cultura e identidade do Estado. O Maranhão (e o maranhense) passou então a ser lido como decadente, mas
pronto para reergue-se e reviver supostos tempos de prosperidade. (ALMEIDA, 1983) .
Boletim 35 / agosto 2006 11

CONTINUAÇÃO

sileira] no poder ‘instituído’”, para usar- – no caso, o Nordeste – para ser e contri- mo tempo, produtos e agentes dessas
mos a expressão de Santos (2005). O que buir com a nação, precisa antes ser regi- transformações.
se intensificará no Maranhão, a partir onal; ambos movimentos iniciados nos A segunda substancial inflexão ocor-
dos anos 1970/80, com a criação, pelo anos 1920 e intensificados na década re a partir dos anos 1960 e foi muito bem
governo estadual, de diversos órgãos que seguinte; o movimento folclórico, que se discutida por Albernaz (2004). Trata-se
privilegiam a cultura de caráter popu- acentua na década de 1940 e pensava do momento em que a cultura popular
lar (ALBERNAZ, 2004). E aqui chega- encontrar nas “obras do povo” os sinais ascende ao poder político estatal, no
mos à segunda significativa inflexão, à de brasilidade comumente identificados Maranhão (ALBERNAZ, 2004) e no Bra-
qual retornaremos mais adiante. com tradições, culturas e identidades sil. Período em que a cultura afro-brasi-
Portanto, entre 1937 e 1962, ocorre o afro-brasileiras; a “passagem”, em mea- leira (e popular) “se ‘reifica’ como estra-
entrecruzamento de uma maranhensi- dos do século XX, da ideologia do bran- tégia de luta e embate, pois se há um
dade ateniense e francesa supostamen- queamento, que até então dominara o poder nas representações culturais, exis-
te branca e erudita com uma identida- pensamento racial da elite brasileira, te um duplo poder nas representações
de maranhense pretensamente popular, para o mito da democracia racial; as dis- culturais quando estão no poder” (SAN-
mestiça e negra. Nesse momen- TOS, 2005, p. 234).
to, ao mesmo tempo, essas duas Como sabemos, será só
imagens são (des)articuladas, são a partir dos anos 1960, no
distanciadas e aproximadas pe- contexto da modernidade
las representações e experiênci- desenvolvimentista, que,
as que as conformam. no Brasil, a “convivialidade
Nesse contexto, práticas e re- racial” emergirá como ma-
presentações de caráter nacional téria-prima na implemen-
e mesmo global precisam ser tação de políticas estatais
consideradas uma vez que se co- regionais e nacionais. O
adunam aos usos do local, como que foi mostrado por San-
o Estado Novo, que institui uma tos (2005), enfocando sobre-
política ao mesmo tempo pater- tudo o contexto da Bahia,
nalista e repressiva em relação à analisando como a “cultu-
cultura popular, de “louvação” à ra afro-brasileira” adentra
“raça negra” (modelo de traba- no universo simbólico do
lhadores), mas também período poder através de implemen-
de forte perseguição a elemen- tações oficiais, e Albernaz
tos das manifestações de cultu- (2004), abordando relações
ra popular e negra em pratica- entre culturas popular e eru-
mente todo o território nacional; dita em meio a políticas,
o processo de institucionalização narrativas e instituições de-
da ação do Estado brasileiro no marcando identidade mara-
campo da cultura, quando entre nhense. Momento em que,
1937 a 1966, a preservação dos dentre outras coisas, serão
bens de valor cultural visava de- fundados uma série de ór-
senvolver atividades como estudar, docu- cussões levantadas pelos congressos afro- gãos da cultura como a Secretaria de
mentar, consolidar e divulgar os bens cul- brasileiros em torno do “problema do Estado da Cultura (SECMA) e a Funda-
turais isolados, promovendo um mapea- negro” no território nacional e a institu- ção Cultural do Maranhão (FUNCMA).
mento cujo objetivo era não deixar que cionalização acadêmica das discussões
Uma inflexão que guarda uma certa cor-
esses bens desaparecessem; a imaginação sobre as relações entre negros e brancos
respondência com o momento de moder-
da nação como democracia racial a par- no Brasil, a partir dos anos 1930; inter-
câmbios entre intelectuais de diferen- nização da cidade de São Luís, quando
tir dos anos 1920 e de modo mais intenso
a partir da década de 30; reivindicações tes regiões; intercâmbios entre intelec- as elites começam a deixar o centro his-
e protestos de organizações e movimen- tuais e alguns populares, bem como trân- tórico. (ALBERNAZ, 2004)
tos negros que contribuíram significati- sitos cada vez mais contínuo de popula- A identidade regional é um constru-
vamente tanto para colocar em pauta pro- res, mestiços e negros entre si tanto den- to em transformação. A comunidade
blemas enfrentados por afro-brasileiros tro quanto fora da região, isto é, uma regional, se assim podemos caracterizá-
quanto para a inclusão simbólica dos ne- cultura popular e negra viajante que re- la, é um forte referencial para formação
gros em ideários regionais e na imagina- conceitualiza idéias, símbolos e valores de identidades. Para além de uma enti-
ção nacional. em uma perspectiva translocal; o ques- dade de caráter político, a região é um
Também o modernismo, um projeto tionamento, que se acentua em 1914,
espaço de produção de sentidos. Desse
comprometido com a tradição e que bus- com o início da Primeira Guerra Mun-
modo, maranhensidade pode ser lida
cava nas classes populares os motivos da dial, da Europa enquanto modelo de ci-
vilização para o mundo, especialmente como um construto que serve de refe-
cultura nacional, ocupando a atenção
no que concerne às relações entre pes- rência para elaboração de práticas iden-
dos intelectuais modernistas a aprecia-
ção de um bloco de questões em que se soas de cor e etnia diferentes; e a emer- titárias, dinâmicas culturais e tradições
imbricavam modernidade, brasilidade, gência da negrofilia nos anos 1920 na Eu- de diversos grupos; por seu turno, essas
tradição e origens populares; o movimen- ropa e nas Américas. De certo modo, as elaborações imaginam e fazem os senti-
to regionalista, segundo o qual, a região feituras de maranhensidade são, ao mes- dos da região e de seu tipo regional.
12 Boletim 35 / agosto 2006

CONTINUAÇÃO
A construção regional não é um pro- este campo de tensão que melhor pode- mos afirmar que, geralmente, tentativas
duto de mão única. A identidade regio- mos analisar processos de construção da de definir identidade maranhense de
nal é um processo em construção por ato- identidade regional. maneira simples e clara têm falhado.
res e grupos sociais variados. Obviamen- Se uma nova feição é dada para o Ma- Acreditamos que não existe nenhuma
te, eles estão socialmente posicionados de ranhão, sendo socialmente aceita e difun- identidade maranhense que possa ser
modo diverso e desigual. Se as elites cons- dida, é porque um bom número de textos dita em um único termo, nomeada em
troem uma identidade regional modelo, e imagens, de práticas e experiências per- uma única palavra ou explicada em uma
este paradigma é continuamente vazado mitiu a interiorização progressiva dessa re- única categoria. Ela é constituída, de va-
pelas práticas e discursos de indivíduos e presentação para aquela região. O caso riadas formas, através de uma série de
grupos não localizados no lugar da elite. do Maranhão mostra que processos de práticas, experiências e discursos. As for-
Os populares também redefinem as ima- construção de identidades regionais estão mas desta identidade não são sempre
gens sobre a região mesmo quando fabri- diretamente relacionados a instituição de idênticas, elas são móveis, reversíveis, e
cadas pelas elites. Identidade maranhen- supostas singularidades. As regiões costu- instáveis. Assim, elas não podem ser re-
se não se refere unicamente à vitória da mam se autodefinir como singulares, em duzidas a uma ordem puramente bioló-
resistência de uma cultura popular ou de comparação a outras regiões e, muitas ve- gica, racial, temporal ou espacial. Tam-
uma cultura negra cujos elementos pas- zes, distinguindo-se também da própria bém não pode se reduzir à tradição, haja
sam a ser termos-chave no discurso que nação. Para além da singularidade, há vista que o significado desta está em con-
define a identidade regional. Também não como que um desejo de ser “superior”. Um tínua mutação. A densidade que consti-
podemos escrever esta história tão somen- desejo que pode ser velado, mas que cons- tui o passado e o presente maranhense
te como um movimento de apropriação tantemente se faz presente. poderá ser melhor analisada se atentar-
das “coisas do povo”, “de preto” e “da cabo- Parafraseando Mbembe (2001, p. 28- mos para os diversos (interconectados ou
clada” por uma cultura de elite ou cultura 29), quando analisa e critica diferentes não) discursos e práticas através dos quais
branca. Este é um terreno de ambigüida- formas com as quais se tentou construir os maranhenses estilizam sua conduta e
des, de contradições, e é desde este lugar e representar identidade africana, pode- vivenciam sua cotidianidade.
que se reinstitui a identidade da região.
Regiões são imaginadas não a partir REFERÊNCIAS
do nada, mas em torno de comunidades
ALBERNAZ, Lady Selma Ferreira. O “urrou” do boi em Atenas. Instituições, experiências
de sentido. Desse modo, analisar movi-
culturais e identidade no Maranhão. 2004. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Instituto de
mentos que entornam processos de reins- Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, Universidade Estadual de Campinas, 2004.
tituição de maranhensidade implica ob- ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. O Engenho Anti-Moderno: a invenção do Nor-
servar que há certos elementos que repre- deste e outras artes. 1994. 501 f. Tese (Doutorado em História Social) – Instituto de Filosofia e
sentam e imaginam o Maranhão, que esse Ciências Humanas, Campinas, Universidade Estadual de Campinas, 1994.
imaginário é conformado e transformado ALMEIDA, Alfredo W. B. de. A ideologia da decadência: leitura antropológica a uma história da
e que são diversos os conceitos, sujeitos e agricultura do Maranhão. São Luís: IPES, 1983.
dinâmicas sociais que inserem novos tra- ASSUNÇÃO, Mathias Rohring. Cultura popular e sociedade regional no Maranhão do século
ços no imaginário regional. De certo XIX. Revista de Políticas Públicas. São Luís: EDUFMA, p. 29-67, 1999.
BARROS, Antonio Evaldo Almeida. Entre o maranhense-ateniense e o Maranhão de tambores
modo, é no próprio ato transgressor de
e bumbas: estudo sobre um momento do processo de reinvenção da maranhensidade. 2005. 170
barreiras e pavimentos culturais (ditos fi- f. Relatório de pesquisa (Iniciação Científica) – Pró-Reitoria de Pesquisa e Desenvolvimento
xos) que idéias e práticas imaginam e fa- Tecnológico, PIBIC/CNPQ/UFMA, São Luís, 2005.
zem regiões e regionais. É na confluência BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Moderna – Europa, 1500-1800. São Paulo: Compa-
desses (des)encontros culturais, desses pro- nhia das Letras, 1989.
cessos de renegociação, que se dá a for- CERTEAU, Michel de. A beleza do Morto. In.: CERTEAU, Michel de. A Cultura no Plural. 2.
mulação de identidade maranhense. ed. Campinas, SP: Papirus, 1995.
Maranhensidade é uma comunidade CORRÊA, Rossini. Formação social do Maranhão: o presente de uma arqueologia. São Luis:
imaginada, idealizada e construída cujo cor- SIOGE, 1993.
COSTA, Wagner Cabral da. Ruínas Verdes: Tradição e Decadência nos Imaginários Sociais. Revis-
pus não pode ser pensado fora de transfor-
ta Cadernos de Pesquisa, São Luis, Ed. da Universidade Federal do Maranhão, p. 79-105, 2001.
mações históricas e sociais específicas, de FERRETTI, S. F. Identidade Cultural Maranhense na Perspectiva da Antropologia. Boletim
experiências vividas. Desse modo, só faz da Comissão Maranhense de Folclore, São Luis, n. 27, 2003.
sentido analisá-la se a colocamos dentro das LACROIX, Maria de Lourdes Lauande. A fundação francesa de São Luís e seus mitos. São
relações sociais e mudanças históricas das Luís: EDUFMA, 2002.
quais ela própria é agente e produto. LOPES, Antônio. Presença do romanceiro. Versões maranhenses. Rio de Janeiro: Civilização
A simbolização da região inclui pro- Brasileira, 1967.
cessos através dos quais alguns grupos (e MAGALHÃES, Celso de. A poesia popular brasileira. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional,
suas práticas e conhecimentos) de uma Divisão de Publicações e Divulgação, 1973.
MARTINS, Manoel de Jesus Barros. Rachaduras solarescas e epigonismos provincianos. Soci-
sociedade se tornam visíveis ou invisíveis.
edade e cultura no Maranhão neo-ateniense: 1890-1930. 2002. 130 f. Dissertação (Mestrado em
Sendo assim, é fundamental perceber História) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Recife, Universidade Federal de Pernam-
violências simbólicas em que diferenças buco, Recife, 2002.
são destacadas e, em seguida, oblitera- MBEMBE, Achille. As formas africanas de Auto-Inscrição. Estudos Afro-Asiáticos, ano 23, n. 1, 2001.
das. Ao longo da história do Estado, O IMPARCIAL. São Luís, 7 de set. de 1962a.
manifestações de cultura e religiosida- ______. São Luís, 9 de set. de 1962b.
de de marca predominantemente popu- SANTOS, Jocélio Teles dos. O poder da cultura e a cultura no poder. A disputa simbólica da
lar e negra ora são destacadas ora são herança cultural negra no Brasil. Salvador: EDUFBA, 2005.
obliteradas de textos e práticas que de- VILHENA, Luís Rodolfo. Projeto e Missão. O movimento folclórico brasileiro (1947-1964). Rio
de Janeiro: FGV/FUNARTE/MEC, 1997.
finem maranhensidade. É considerando
Boletim 35 / agosto 2006 13

‘NOVOS PERSONAGENS, OUTROS SIGNIFICADOS: O


BUMBA-MEU-BOI DE ENCANTADO EM TERREIROS
DE MINA DE SÃO LUÍS’*
Gerson Carlos Pereira Lindoso**

“Boi, boi, boi, vaqueiro meu, sentações de brincadeiras folclóricas nos terrei- Junho) e Werberth de Badé (29 de junho). As
Vai te preparar para brincar! ros, distribuição de comidas típicas (mingau de entidades espirituais reverenciadas no dia de
Se tu vai no Codozinho, vai passar no Areial, milho, bolo de tapioca, etc.) e organização dos São João são orixá Xangô, encantados Dom
Vai dizer pra Seu Légua, bois de encantado. João, João do Leme, comandante João de Lima
que aqui tá melhor do que lá”14 Ferretti, M. (1996) mostra que a devoção de e o vodum Zomadônu e no dia de São Pedro, o
mineiras a santos católicos é muito antiga e está vodum Badé, orixá Xangô e encantados Dom
No cenário da cultura popular maranhense relacionada com a catequese dos negros africa- Pedro Angaço e Pedro Peleja (OLIVEIRA, 1989,
destacamos a riqueza das inúmeras manifesta- nos ocorrida no período colonial e como os ter- p.153). Ponderamos que outros terreiros de Mina
ções folclóricas ou brincadeiras existentes no reiros fazem uma associação dos voduns e en- e Umbanda apresentam também suas festas,
período festivo do Estado como constituintes de cantados aos santos católicos, usualmente quan- homenagens, ladainhas e variadas maneiras
expressividade, diversidade e sustentáculos de do se festeja um santo católico em casa de Mina, específicas de expressarem suas devoções aos
identidades. Podemos citar várias festas impor- festeja-se o vodum e encantado a ele associado. santos católicos, orixás, voduns, encantados e
tantes provenientes de nossa cultura como as Ferretti, S. (1996) pondera que os terreiros de caboclos festejados nessa época. Uma dessas
festas devocionais aos santos católicos (São José culto afro são núcleos dinamizadores da cultu- casas é o Ilê Ashé Ogum Sogbô (Liberdade-Pai
de Ribamar, São Benedito, São Raimundo dos ra popular maranhense, principalmente na ca- Ayrton) que comemora no mês de junho o ani-
Mulundus,, São João, etc.); festas natalinas (folia pital e que as entidades espirituais da Mina versário dessa casa de Mina e faz reverências
de Reis, Reisados e Pastores); festejo do Divino apreciam ou gostam de festas e de manifesta- ao Barão de Guaré, encantado do líder desse
Espírito Santo; Carnaval e festejos juninos. ções folclóricas: o vodum Toy Averequete e Pre- terreiro e demais entidades. Como o foco de
Abordamos ou focalizamos aqui as festas to-Velho gostam de tambor de crioula e Seu nosso interesse é o boi de encantado reiteramos
ou os festejos juninos nas comunidades afro- Légua gosta de Bumba-meu-boi. A Casa das a própria dimensão do bumba-meu-boi em ter-
religiosas de São Luís do Maranhão, onde ana- Minas, terreiro de Mina fundado por africanos ritório nacional, assumindo de acordo com a lo-
lisamos as reinterpretações ou ressignificações em meados do séc. XIX e que ainda sobrevive calidade em questão categorias intrínsecas: Boi
que o bumba-meu-boi assume no espaço-terrei- na atualidade, no mês de junho homenageia Bumbá ou Boi de Reis no Amazonas e Pará; Boi
ro (religiões afro) alguns voduns importantes como Badé Quevi- Calembá ou Bumbá em Pernambuco; Boi Su-
Pretendemos observar no presente ensaio ossô, que representa o corisco e é encantado rubim em várias regiões nordestinas, Boi Duro,
as representações do bumba-meu-boi dentro de numa pedra de raio (Ferretti, S., 1996, p.123), Mulinha de Ouro ou Dromedário na Bahia; Boi-
alguns terreiros de Mina e também de Umban- equivalendo a Xangô (orixá do fogo) entre os de-Mamão no Paraná e Santa Catarina; Boizi-
da em São Luís, a partir de um estudo etnográ- nagôs. Uma festa já desaparecida e importante nho ou Boi Jacá em São Paulo e Rio Grande do
fico já desenvolvido sobre o ‘boi ou boizinho de dessa casa no dia 24 de junho era a das ‘gonjaís’ Sul; Boi de Reis no Espírito Santo, Folguedo do
encantado’. Boi ou bumba-meu-boi de encanta- (filhas-de-santo ou vodunsís com todos os graus Boi ou Reis do Boi em Cabo Frio e outros locais
do é uma brincadeira ou manifestação folclóri- de iniciação completos e que recebiam tobós- do Rio de Janeiro e bumba-meu-boi no Mara-
ca de cunho estritamente afro-religioso organi- sis, entidades infantis femininas), na qual as nhão (CARVALHO, 1995, p. 39).
zada por alguns terreiros de Mina e Umbanda vodúnsis gonjaís mais novas reverenciavam e A brincadeira do boi de encantado vai ter
no Estado, sendo dedicada a entidades espiri- homenageavam as mais antigas (formas de agra- início no período junino (batizado e apresenta-
tuais desses próprios terreiros (encantados e ca- decimento). Outra festa importante da Casa das ções), embora algumas casas possam se dife-
boclos) em face de pedidos, promessas, devo- Minas, mas já desaparecida acontecia no dia renciar como o Ilê Ashé Toy Abidigá (descen-
ção aos santos juninos (Antônio, João e Pedro) 13 de Junho, sendo dedicada a Poliboji, vodum dente da casa Iemanjá) liderado por pai Antô-
ou por puro divertimento dos encantados e de masculino que pertence a família de Dambirá nio Raquel, que fez o batizado dos seus bois de
seus filhos (afro-religiosos). (voduns da terra) e que adora Santo Antônio. encantado esse ano no mês de julho. Usual-
Geralmente durante os festejos juninos tanto Na Casa de Nagô, templo afro-religioso mara- mente as mortes de bois de encantados podem
na cidade de São Luís, quanto em muitos inte- nhense que também foi fundado em meados acontecer um mês depois do batizado (mês de
riores do Maranhão há uma acentuada movi- do séc. XIX, e que continua funcionando até os Julho-Tenda Santa Teresinha) ou nos outros
mentação em torno da celebração/devoção a presentes dias sendo ao lado da Casa das Mi- meses do ano, de acordo com a organização de
santo Antônio, São João, São Pedro e São Mar- nas os terreiros mais antigos do Maranhão, as cada terreiro. As etapas rituais do boi de encan-
çal (esse último com festa mais conhecida em festas do período junino homenageiam Xangô tado são: batismo do boi, apresentação (inter-
São Luís, especificamente), através das come- (24 de junho), o vodum Badé (29 de junho) e no nas-próprio terreiro ou externas, locais convida-
morações e exibições de brincadeiras folclóri- dia de Santo Antônio se reza apenas uma lada- dos) e a morte do boi. Essas etapas rituais dos
cas em inúmeros arraiais. Os terreiros de Mina inha15 para o santo. Já no terreiro de Iemanjá, bois de encantado procuram seguir o modelo
e Umbanda maranhenses também têm suas situado no bairro da Fé em Deus e que foi co- dos bois comuns ou os não dedicados especial-
formas e maneiras próprias de louvar esses san- mandado pelo babalorixá Jorge Itaci por mais mente a entidades espirituais (caboclos e en-
tos do catolicismo, além das suas entidades es- de quarenta anos, há uma programação festiva cantados) das religiões afro. Ferretti, S. (1996)
pirituais geralmente relacionadas a eles, ocor- com ladainhas e toques de Mina nas três datas diz que o início da brincadeira dos bois de en-
rendo um paralelismo (devoção do catolicismo (13, 24 e 29 de junho). No dia de Santo Antônio cantado se dão, a partir dos pedidos desses en-
popular e entidades africanas, não-africanas, comemoram o aniversário do vodum de mãe cantados por uma festa dessa natureza e que
etc.). As homenagens e festividades nas comu- Florência (toy Agongono), já as festas de São seus devotos a organizem com comidas e bebi-
nidades-terreiro nessa época ocorrem por meio João e São Pedro são organizadas por Magali de das, além do oferecimento de um boizinho pe-
de festas e toques de Mina e Umbanda, apre- Xangô Dadá e Mãe Zeca de Avereço (24 de queno. É importante destacar que os bois de
* Trabalho apresentado em forma de ensaio a disciplina de Cultura Popular e Políticas Públicas do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais - Mestrado da
Universidade Federal do Maranhão, coordenada pelo profº Dr. Sérgio Ferretti e profª Dra. Mundicarmo Ferretti e na 25ª Reunião da Associação Brasileira de Antropologia
-ABA (11-14 jun.) em Goiânia, 2006
** Jornalista e Mestrando em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Maranhã -UFMA e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico
e Tecnológico do Maranhão-FAPEMA.
14
Toada para guarnecer da brincadeira de boi de encantado do terreiro de Iemanjá, finado Pai Jorge Oliveira (bairro da Fé em Deus).
15
Segundo Cardoso Junior (2001, p.128) existe uma grande devoção da Casa de Nagô por Santo Antônio, mas nesse dia não há toque de tambor de Mina acontecendo
apenas uma ladainha católica e distribuição de esmolas aos pobres a pedido de Dona Lúcia (atual chefa da casa).
14 Boletim 35 / agosto 2006

CONTINUAÇÃO
encantado não apresentam modelos fixos ou se de branca acesa. Seu Dominguinhos Légua la- versando, bebendo e sorrindo, clima de diverti-
adequam a um estilo único ou de sotaque como çou o boi Orgulho de Codó e o levou para o mento. O boi de encantado é uma verdadeira
muitos bois comuns no Estado. Sanches (2003, mourão com a ajuda dos seus padrinhos, dentre representação folclórica de cunho afro-religioso,
p.115) ao falar sobre o boi de encantado afirma eles Wender (chefe do Ilê Ashé Obá Yzou-Liber- porque provém de casas de religião afro no Esta-
que a concepção de sua festa é diversificada e dade) matando o boi e despejando o seu sangue do não tendo um caráter comercial de apresen-
que a sua constituição não se caracteriza por (vinho) no alguidar, depois distribuído aos pre- tação sendo oferecido a determinadas entida-
sotaques e estilos individualizados ou únicos, sentes. Mauss & Hubert (2005, p.26) diz que o des espirituais (Légua Bugi, Dom João, Domin-
apresentando instrumentos musicais de varia- sacrifício é um ato religioso operado por agentes guinhos Légua, Seu Tombassé, Seu Cravinho
dos estilos. Apesar de não haver modelos ou essencialmente religiosos. Logo em seguida en- Légua, etc.) dos terreiros de Mina e Umbanda
estilos únicos para os bois de encantado, perce- tramos todos no terreiro, depois do ritual da mor- no Maranhão no intuito de se divertirem tam-
bemos nas comunidades afro-religiosas analisa- te para cantarmos parabéns ao encantado Do- bém nas festas juninas. Dentre os aspectos im-
das em nossa pesquisa (área da Fé em Deus- minguinhos Légua e lá dentro do terreiro teve portantes que destacamos sobre o boi de encan-
Liberdade), que eles se aproximam do sotaque mais toada de despedida. Por volta das 20:15h a tado é que ele tem a sua organização feita de
da Ilha ou de Matraca* e que a sua identifica- festa terminou, mas os encantados ainda fica- acordo com as demandas das casas de religião
ção com os sotaques e estilos é algo muito ínti- ram na rua, pois havia música mecânica e o trân- afro e da própria vontade e desejos dos encanta-
mo aos próprios terreiros, como a Casa Fanti- sito de ir e vir era constante, muitas pessoas con- dos (constituintes dos domínios sagrados).
Ashanti de pai Euclides que classifica o boi de
REFERÊNCIAS
encantado de lá com o sotaque de Pindaré*.
AZEVEDO NETO, AMÉRICO. Bumba-meu-boi no Maranhão. São Luís: LITHOGRAF, 1997.
(FERREIRA, 1987, p.137). Ferretti, S. (1996) lan-
CANJÃO, Isanda Maria Falcão. Bumba-meu-boi, o rito pede passagem em São Luís do Mara-
ça mão de uma hipótese sobre o início da brin-
nhão. Porto Alegre, UFRGS, 2001. Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação
cadeira de boi de encantado nos terreiros de
em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Mina de São Luís, com a festa do “Carneirinho
CARDOSO JUNIOR, Sebastião. Nagon Abioton: um estudo sobre a Casa de Nagô. Monogra-
de São João” em dois terreiros já desaparecidos:
fia de conclusão de curso em Ciências Sociais na Universidade Federal do Maranhão. São Luís,
terreiro do Engenho (bairro do Tirirical) e terrei-
2001.
ro de Zé Negreiros (bairro do Turú). Vamos des-
CARVALHO, Michol. Matracas que desafiam o tempo: É o bumba-meu-boi do Maranhão, um
crever aqui a morte do boi de encantado do Ilê
estudo da tradição/modernidade na cultura popular. São Luís: [s.n], 1995.
Ashé Ogum Sogbô, terreiro de Mina descen-
FERREIRA, Euclides. Casa de Fanti-Ashanti e seu Alaxé. São Luís: Alcântara, 1987.
dente da Casa de Iemanjá e chefiada por pai
FERRETTI, Sérgio. Boi de encantado na Mina do Maranhão. Disponível em: http://
Ayrton de Ogum, bairro da Liberdade e que
www.cmfolclore.ufma.br/Htmls/Boletim%2005.htm. Acesso em: 19/05/2006.
tem aproximadamente duas décadas de exis-
tência. Essa festa da morte do boi ‘Orgulho de ________. Quebentã deZomadônu: etnografia da Casa das Minas do Maranhão. São Luís:
Codó’, aconteceu no dia 18 de setembro de 2005 EDUFMA, 1996.
durante o maior festejo da casa ‘Festa de São FERRETTI, Mundicarmo.Festas juninas em terreiro de Mina. Disponível em: http://
Cosme e Damião e do Divino Espírito Santo’. A www.cmfolclore.ufma.br/Htmls/Boletim%2005.htm. Acesso em: 19/05/2006.
festa da morte do boizinho de encantado foi MAUSS, Marcel e HUBERT, Henri. Sobre o Sacrifício. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
organizada por Leandro de Nanã (guia do ter- NANÃ, Leandro. Boi de encantado no Ilê Ashé Ogum Sogbô. Entrevista em 30/05/2006.
reiro), que incorpora o encantado Domingui- OLIVEIRA, Jorge Itaci. Orixás e voduns nos terreiros de Mina. São Luís, VCR Produções e
nhos Légua, encantado da família de Légua e Publicidade, 1989.
dono da brincadeira nesse terreiro. Segundo o SANCHES, Abmalena Santos. O universo do boi da ilha: um olhar sobre o bumba-meu-boi em
próprio Leandro (entrevista maio 2006) o boi de São Luís do Maranhão. Recife: UFPE, 2003. Dissertação de Mestrado apresentada ao Progra-
encantado lá teve início, a partir do pedido de ma de Pós-Graduação em Antropologia da UFPE.
seu Dominguinhos Légua, pois na casa não ti-
GLOSSÁRIO
nha boi de encantado e também, devido ele ter
sido presenteado por uma cliente dele com um * SOTAQUE DE MATRACA: É identificado como sotaque da Ilha ou de São Luís e congrega o maior número de pessoas em torno
do boi. Um de seus traços distintivos é o uso das matracas de madeira, pandeirões (CANJÃO, 2001, p.78).
boizinho na vareta, que logo foi identificado * SOTAQUE DE PINDARÉ: Uma das característica desse sotaque são as matracas tocadas de uma forma mais lenta e um emblema
pelos outros filhos-de-santo do terreiro como o dos bois desse ritmo são os cazumbás, personagens que utilizam grandes máscaras e têm como função distrair antes do auto (AZEVEDO
boi daquele encantado. Antes do ritual de mor- NETO, 1997).
te do boi orgulho de Codó foi feito um toque de
Mina, ritual público com cânticos e danças para ANEXO: ALGUNS BOIS DE ENCANTADO
o ‘povo de Légua’ (encantados de Codó, lidera-
Terreiro/residência entidade (s) nome(s) do(s) boi(s)
dos por Légua Bugi Buá e que são bastante
Terreiro de Iemanjá (Fé em Deus Seu Légua/ D. João Prometido de São João e Flor do Mar
comunicativos, festeiros e que apreciam muito - Mãe Florência, Abília e Dedé)
bebida alcoólica). Depois do toque os encanta- Ilê ashé Ogum Sogbô Dominguinhos Légua Orgulho de Codó
dos já incorporados trocaram de roupa e foram (Liberdade-Pai Ayrton)
para a rua, pois eles iriam buscar o boizinho, o Ilê Ashé Obá Yzou (Liberdade- Cravinho Légua Carrasco Encantado
mourão e o bolo da festa, que estavam guarda- Pai Wender)
dos (escondidos!) em casas da vizinhança e, Ilê ashé Toy Abidigá (Monte Seu Periquitinho Brilho da Meia -Noite; Tienfica e Fica
quando o grupo chegava nessas residências, o Castelo - Pai Antônio Raquel) por Trás
dono (a) oferecia uma bebida (refrigerante/vi- Casa Fanti -Ashanti (Cruzeiro do Antônio Luís Garotos do Cruzeiro
nho) em agradecimento pela posse de um des- Anil - Pai Euclides)
ses elementos. Um cantador de bumba-meu- Casa de Nagô Centro - Mãe Preto-Velho Bela União
boi foi convidado para aquela ocasião para aju- Lúcia (festa extinta)-
dar a puxar as toadas daquele ritual, Seu Ro- Tenda Santa Teresinha (Angelim Tombassé Boi Mimoso, Brilho da Fazenda,
naldinho, do boi do bairro de Fátima. Todos - Mãe Mariinha) Brilho da Bandeira e Prenda da Casa
Residência de Márcio Xapanã Seu Areinha Brilho da Areia
começaram a festa pelas ruas da Liberdade ao
(filho-de-santo de Jorge)
som de matracas, pandeirões e tambor-onça Terreiro de Mina Pedra de Caboclo da Ilha Brilho da Ilha
(instrumentos musicais observados na brinca- Encantaria (Maiobão - Pai
deira). Eles recolheram o bolo, o boizinho e por Itaparandi)
último o mourão, colocado em frente ao terreiro Terreiro Fé em Deus (Sacavém - Seu Surrupirinha; Caboclo Touro da Mata; e Raio do Sol
dando início ao ritual de morte. Organizaram o Mãe Elzita)* Velho
momento de matar o boi e logo trouxeram um
alguidar (vaso de barro) e vinho tinto (represen-
tação do sangue do boi) e aos pés do mourão foi * Informação fornecida por Socorro Aires, estudante de Ciências Sociais, membro do GPMINA (UFMA), que
posta uma imagem de São João e uma vela gran- atualmente desenvolve pesquisas no Terreiro Fé em Deus (de Mãe Elzita).
Boletim 35 / agosto 2006 15

ASPECTOS DO TURISMO CONTEMPORÂNEO::


a produção do não-lugar na cultura
Karoliny Diniz Carvalho*

As diferentes práticas culturais expres- O resultado desse mecanismo consiste de atender a estas expectativas, as cerimônias
sas por um determinado grupo social em sua numa crescente homogeneização dos luga- tradicionais, os festivais e os costumes são
apresentados como um “show”, especialmen-
vivência cotidiana constituem o campo se- res turísticos e das práticas culturais cultu-
te preparado para atender à curiosidade e o
mântico do termo cultura. Através dela o ralmente estabelecidas nas sociedades recep- interesse dos visitantes. São espetáculos estu-
povo compõe e (re)compõe permanentemen- toras, que se materializa na produção cada dados, pré-arranjados e que transformam a
te a sua identidade, configurada nos cons- vez mais acentuada de não-lugares, “o espa- cultura local em rituais de entretenimento.
trutos patrimoniais, assim como nos folgue- ço dos outros sem a presença dos outros, o
dos, nos contos e nas lendas, no linguajar, espaço constituído em espetáculo” (AUGÉ, Nota-se nessa proposição, que o turismo
no artesanato, na gastronomia, na literatu- 1999, p. 145). Criam-se cenários turísticos torna-se um agente adensador de desestabi-
ra, nos ritos, nas danças religiosas, nas cele- destinados ao consumo serializado, no qual lizações na cultura popular, determinando-
brações, nos rituais e demais elementos com- as particularidades ambientais e urbanas lhe uma dinâmica que não resulta da capaci-
ponentes do denominado patrimônio ima- tornam-se recriações de imagens, signos e dade inventiva e criativa dos atores sociais.
terial ou intangível das sociedades. representações. Contudo, a produção dos As manifestações populares são expropria-
As manifestações populares contribuem não-lugares para o Turismo não se restringe das e reinventadas pelos promotores turísti-
para o entendimento dos processos históri- somente à cultura edificada, construída pe- cos, os quais privilegiam seus aspectos visu-
cos por que passa a sociedade e para o forta- los grupos sociais ao longo do tempo, mas ais, e em alguns casos, impõe-lhes uma pa-
lecimento dos laços simbólicos, afetivos e estende seu raio de atuação ao âmbito da dronização - seja no figurino, na coreogra-
étnicos entre membros partícipes de uma cultura imaterial. fia, ou na substituição dos instrumentos
coletividade. No contexto turístico, o patri- musicais originais, sobrepujando a diversi-
Adentrando ao universo de consumo e
mônio cultural figura como fator catalisa- dade da tradição cultural.
da homogeneização do capital simbólico, os
dor de fluxos de visitantes, e conseqüente-
fatos culturais podem vir a ser adaptados, Como arquétipos de não-lugares na cul-
mente, oportunizando a dinamização das
obliterados, abreviados, e, portanto, mercan- tura popular, podemos elencar os diversos
economias locais, legitimando, assim, a in-
tilizáveis. A cultura reproduzida e encenada carnavais fora de época em várias capitais do
ter-relação que se estabelece entre a cultura
para os turistas orienta-se para o consumo país, e o surgimento de grupos parafolclóri-
popular e o turismo.
visual, na qual o enraizamento comunitário cos, tais como o Bumba-meu-boi de Parin-
O turismo como fenômeno social emerge
como importante fator de valorização da di- é substituído pela artificialidade das relações tins. No estado do Maranhão constata-se a
versidade cultural, propiciando a geração de entre os visitantes e a população local. banalização da cultura popular, com a realiza-
emprego e renda, o aumento da visibilidade e ção do evento “Vale Festejar”. Realizado no
notoriedade dos agentes culturais. Estimula o CULTURA E NÃO-LUGAR Convento das Mercês no Centro histórico
intercâmbio cultural ao estimular o contato de São Luís, o evento constitui-se num espa-
com diferentes culturas, fortalece o sentimen- Aspecto relevante na formação de não- ço destinado à apresentação de grupos de
to de pertencimento, o orgulho cultural e o lugares incide-se na formatação de eventos bumba-meu-boi em um período não corres-
resgate de bens culturais que porventura este- turísticos planejados e artificiais e na altera- pondente ao ciclo da brincadeira popular.
jam sofrendo um processo de desaparição, e ção na dinâmica própria da cultura popular. Este acontecimento expressa a proble-
fundamentalmente, promove a melhoria da Nas apresentações destinadas aos visitantes, mática da construção do não-lugar na cultu-
qualidade de vida da comunidade. confrontam-se a dimensão simbólica que ra local, através da expropriação de uma ma-
Considerando-se que o turismo configu- estas possuem para os agentes culturais e a nifestação popular - o bumba-meu-boi, com
ra-se como um importante vetor ou propaga- necessidade de atendimento das expectati- o seu posterior redimensionamento para a
dor de valores, modos, costumes, hábitos e vas da demanda turística. O redimensnio- atividade turística. Pode-se distinguir o as-
estilos de vida, e outras implicações decorren- namento dos fatos culturais para a notorie- pecto de higienização e de estetização da
tes do intercâmbio cultural e do mecanismo dade turística ocasiona a perda da continui- brincadeira, associado a um caráter nitida-
de aculturação, a atividade turística vem im- dade cultural, em face da sublevação do as- mente mercantil, bem como a sua consagra-
primindo novos valores que redimensionam pecto mercantil ao aspecto identitário. ção como uma “tradição” recentemente in-
os espaços naturais e urbanos e o próprio es- Em determinadas instâncias turísticas, corporada à cultura maranhense.
tilo de vida das comunidades locais: as festas e danças populares são ressignifica- Implícito está a refuncionalização do sig-
das quando da sua inserção ao sistema de nificado mítico-religioso da cultura popular
À medida que o Turismo se transforma numa produção e consumo turístico, destacando-
grande indústria, de alcance mundial, mui-
para uma função explicitamente espetacula-
tos ou a maioria dos países são invadidos por
se a banalização das festas tradicionais, bem rizada e assistida pelos incentivadores turís-
uma onda turística. É uma onda que não se como a transformação de rituais sagrados ticos, que podem ainda exaltar ou privilegiar
confina a determinados lugares, mas na qual em rituais de entretenimento. Conforme determinadas manifestações sociais passíveis
todos os espaços, histórias e atividades soci- advoga Ruschmann (2003, p. 53) de converterem-se em “símbolos” da identi-
ais podem ser material e simbolicamente re- dade local e regional, e portanto, de incremen-
feitas [...] as sociedades contemporâneas se As ações mercadológicas do turismo, geral- tarem o Turismo. Na visão de Carlos:
desenvolvem menos na base da vigilância e mente, apresentam aos turistas dos países de-
da normatização dos indivíduos e mais na senvolvidos cenas e manifestações culturais dos
base da democratização do “olhar do turista” A indústria do Turismo transforma tudo o
países em desenvolvimento de forma inexata
e da espetacularização dos lugares (URRY, que toca em artificial, cria um mundo fictício
e romantizada, contribuindo para a criação de
1996, p. 208). e mistificado de lazer, ilusório, onde o espaço
uma imagem simplista e estereotipada. A fim

* Bacharel em Turismo ( UFMA) e graduanda em História ( UEMA).


16 Boletim 35 / agosto 2006

CONTINUAÇÃO
se transforma em cenário para o ções entre turis- turas locais e regionais, e de um
“espetáculo” para uma multidão tas e comunida- fortalecimento de suas particu-
amorfa mediante a criação de uma des; estas são vis- laridades e tradições, uma vez
série de atividades que conduzem
tas meramente que “a cultura externa não che-
a passividade, produzindo apenas
a ilusão de evasão, e, desse modo, como produtos ga a ser dominante, como se pode
o real é metamorfoseado, transfi- a serem consu- imaginar. As populações tradici-
gurado, para seduzir e fascinar. midos por um onais encontram mecanismos
(CARLOS, 2002, p.26) período de tem- de adaptá-la, de resistir a ela ou
po limitado sen- de incorporá-la em alguns casos”
Rosa (2002) enuncia o aspec- do sumaria- (FONTELES, 2004, p.159).
to normativo existente nos pseu- mente substitu- Para que a atividade turísti-
do-eventos culturais, evidencia- ídos, num cír- ca contribua eficazmente para
dos no compromisso com a pro- culo vicioso que
o desenvolvimento local faz-se
gramação, no apelo estético, nos orienta as ações,
necessário promover a articula-
comportamentos dirigidos dos em consonân-
ção entre turismo e sustentabi-
agentes locais que diferem subs- cia com as ne-
lidade, envolvendo a comunida-
tancialmente da festa enquan- cessidades im-
postas pelo mer- de na gestão do turismo cultu-
to celebração, mobilização e par-
cado turístico. ral e evitando ou minimizando
ticipação popular. Essas modifi- mantização de sua dimensão
Do outro lado, a descontex- os seus efeitos negativos. Na
cações comprometem a espon- simbólica, e a posterior adapta-
tualização de fatos culturais por- medida em que a comunidade
taneidade das manifestações ção ou reapropriação do fato
tadores de referências simbólicas, reconhece e redimensiona os
culturais, com a perda de suas cultural pelos atores que o legi-
historicidade e memória social valores e significados do patri-
características singulares: timam, tornando-o parte inte-
ocasiona o sentimento de estra- mônio cultural, torna-se o prin-
grante de suas tradições. Há
A autenticidade torna-se ques- nhamento da comunidade, na cipal agente do encadeamento
uma fronteira muito tênue, e
tionável quando a destinação medida que os espetáculos insti- da gestão turística em uma loca-
tucionalizados adquirem pouca em alguns casos, transponível,
tenta esconder a encenação de lidade, desenvolvendo mecanis-
um evento, dando aos visitan- representatividade local, sendo entre o que se postula autenti-
cidade e artificialidade dos fatos mos de controle, monitoramen-
tes a impressão de que eles es- destituídos de significação cultu-
tão vendo é real, quando na rea- sociais e das produções tangíveis to e avaliação das atividades de-
ral. Ressalta-se ainda o caráter de senvolvidas. Estabelecem-se, des-
lidade, pode ser um evento cria- e intangíveis de uma sociedade.
do artificialmente ou pertencer sustentabilidade das produções ta forma, possibilidades efetivas
inventadas para o turismo, na Isso ocorre porque a tendên-
a um tempo passado e não ter de ingresso da população em seg-
lugar na vida atual da comuni- medida em que conforme atesta cia à padronização e homogenei-
zação das sociedades contempo- mentos ligados direta ou indire-
dade ( COOPER, 2001, p.343). Rodrigues (1997), os não-lugares
não se traduzem na dinamização râneas e a desterritorialização tamente a essa atividade, de
A produção da cultura em das economias locais. das culturas locais, reflete-se modo a garantir que a mesma
um não-lugar sugestiona um Considerando que a cenari- num processo inverso, o qual tenha acesso aos benefícios do
duplo impacto: de um lado, não zação dos eventos culturais para refere-se à rearticulação das cul- Turismo.
ocorre uma compreensão da di- o turismo insere-se no âmbito
mensão simbólica da cultura das transformações assentes nas REFERÊNCIAS
popular por parte da demanda sociedades contemporâneas, de
turística. Para Meneses (2002), que forma a atividade turística AUGÉ, Marc. Não-lugares. Introdução à uma antropologia da
a visitação turística resulta pode contribuir para a promo- supermodernidade. São Paulo: Papirus, 1994.
numa experiência desterritoria- ção da equidade social, econômi- ________. O sentido dos outros. Atualidade da Antropologia.
lizante, que não contribui para ca e cultural? Petrópolis: Vozes, 1999.
a compreensão intercultural. CARLOS, Ana Fani Alessandri. O Turismo e a produção do não-
Isso significa que a experiência REINVENTANDO O NÃO- lugar. In: YÁZIGI, Eduardo (org). Turismo: espaço, paisagem e
turística não se constitui numa LUGAR NO TURISMO cultura. São Paulo: Hucitec, 2002. p.25-36
extensão da vida cotidiana, mas FONTELES, José Omar. Turismo e impactos socioambientais.
São Paulo: Aleph, 2004.
a sua total ruptura ou oposição. A autenticidade dos eventos,
GETZ, Donald. O evento turístico e o dilema da autenticidade.
Os turistas limitam-se à mera festas e celebrações populares tor- In: COOPER, Chris et al. Turismo, princípios, práticas e filoso-
contemplação dos bens cultu- na-se um aspecto relevante nos fias. Porto Alegre: Bookman, 2001
rais, não se estabelecendo uma estudos que versam sobre as im- MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A paisagem como fato cultu-
ligação intrínseca entre os visi- pactações do turismo na cultura. ral. In: YÁSIGI, Eduardo (org). Turismo e paisagem. São Paulo:
tantes e a população local. No entendimento de Getz ( 2001) Contexto, 2002. p.29-64.
Essa constatação é descrita a autenticidade de uma manifes- RODRIGUES, Adyr Balastreri. Turismo e espaço: rumo a um
também por Swarbrooke (2000), tação tradicional ou emergente conhecimento transdisciplinar. São Paulo: Hucitec, 2001.
ao analisar os impactos culturais está associada ao maior ou menor ROSA, Maria Cristina. Festar na cultura. In: ________ (org).
de um pretenso turismo nas co- nível de aceitação da comunida- Festa, lazer e cultura. São Paulo: Papirus, 2002. p.11- 41.
munidades receptoras; para o de local, e dos sentidos, usos e sig- RUSCHMANN, Doris Van de Meene. Turismo e planejamento
autor, a prática atual dessa ativi- nificados a ela atribuídos. sustentável: a proteção do meio ambiente. São Paulo: Papirus,
dade resulta na co-transforma- Isso significa que a injunção 2003.
ção da vida natural da popula- de elementos não identitários SWARBROOKE, John. Turismo Sustentável: Turismo Cultu-
ção residente em um bem de nas manifestações populares tra- ral, Ecoturismo e Ética. São Paulo: Aleph, 2000.
consumo ou um objeto, num dicionais, promovem uma resse- URRY, John. O olhar do turista: lazer e viagens nas sociedades
contemporâneas. São Paulo: EDUSC, 1996.
processo de reificação das rela-
Boletim 35 / agosto 2006 17

JANELA DO TEMPO

S. JOSÉ DE RIBA-MAR* Nuno Alvares**

N a parte meridional da ilha do Maranhão,


onde o mar impetuosamente quebra as
suas ondas enfurecidas, e a vista se perde em
- Milagre, meus filhos! exclamou a voz do
capitão. N’aquelle momento de angustia, eu
prometi ao esposo da Virgem erguer-lhe ali na
para casa confiado no futuro e abençoando o
poderoso S. José.
- Fugiu! bradava no dia seguinte o sachris-
longo extasi de admiração, ergue – se uma mo- praia um altar, se escapassemos todos da morte tão da capella correndo pelo adro, fugiu!
desta e elegante capella. que nos ameaçava! E o povo corria em cardumes para a igreja,
É o tempo dedicado pela fé do christão ao E, como se Deus quizesse mostrar-lhe a gran- todos os olhos se fitavam no altar do S. José e o
milagroso São José. deza do seu eterno poder, as vagas amortece- sancto lá não estava!
Nada de mais poético pode apresentar–se á rão-se brandamente e uma tepica brisa, enfu- - Fugiu! fugiu! exclamarão todas as bocas, e
imaginação do que esse asylo de paz e do amor nando as velas, fazia o barco singar as aguas do a consternação e o despeito se pintavão em to-
perdido, como uma concha marinha, nessas oceano, como se as suas quilhas cortassem a dos os semblantes.
praias alvejantes e continuamente beijadas pela placida superficie de um lago. - Vamos buscal-o novamente! bradou uma
fresca brisa do oceano! E o navio d’alli a algumas horas lançava a voz; e foi unânime a voz do povo – vamos!
Existem harmonias tão intimas na creação, ancora no porto o seu destino. E chegárão a Riba-mar, e lá estava o sancto
as pompas da natureza são tão majestosas, a Passarão-se muitos mezes e já a população, com seu cajado na mão e sempre sorrindo com
voz do verbo creador revela-se tanto na mais sabedora do milagre, duvidava do cumprimen- o sorriso ineffavel dos sanctos.
íntima das cousas, que a intelligência a mais to da promessa, quando em um bello dia cheu a Eil–o novamente em caminho para o arrai-
robustecida sente-se mesquinha diante d’essas promettida imagem de Lisboa. al! D´essa vez os pescadores não se oppuzerão
grandezas que attestão um poder occulto e so- E a capella, poucos mezes depois, erguia-se que fosse, sómente dizião entre si – elle ha de
berano. elegante e senhoril n’aquella mesma praia onde voltar!
Não há scepticismo, nem descrença algu- o milagroso S. José livrou de sossobrar a galera. O povo desconfiou dos pescadores e, posto
ma, que não desappareça do coração, quando Foi um belo dia de festa aquelle! foi uma o sancto no altar, os maioraes determinarão que
o homem, vendo-se longe do ruído da vida, da linda romaria, segundo rezão as chronicas de ficasse uma guarda na igreja, e forão-se os ou-
agitação e dos prazeres, lança os olhos em torno então! De todas as partes o povo alfluia; as mo- tros deitar.
de si e percebe n’esse isolamento absoluto a ças com os seus trajes domingueiros e os moços Era mais de meia-noite e já os gallos canta-
onnipotência o Creador. com o doce contentamento de vel-as; e as ve- vão nos terreiros quando os guardas virão o sanc-
No meio da mais completa solidão, aquelle lhas e os velhos, exaltando aos moços e às mo- to mexer-se no altar.
simples templo parece attestar ao viajante a pi- ças as virtudes e os milagres do piedoso sancto. E os guardas cahirão de joelhos; um d’elles
edade christã, estendendo-lhe um olhar de paz Sete leguas separão a bella cidade de S. Luiz tentou levantar-se, mas ficou grudado no chão;
e de amor. da costa onde se ostenta a capella; todo esse quis gritar, mas faltou-lhe a voz na garganta. E o
Uma lenda muito conhecida na província caminho foi percorrido em religiosa procissão; na sancto, sempre arrimado ao cajado, desceu va-
dá-lhe uma origem cheia de poesia e mystério; é frente ia o sancto em um rico andor carregado garosamente os degráos de capella, passou pe-
esta a história que os velhos dos tempos, que se pelos marinheiros da galera, que alternavão en- los guardas e elle virão seu corpo desenhar-se á
forão, legarão aos moços da geração presente. tre si de espaço a espaço. O capitão não os per- luz da lampdada e pouco a pouco desappare-
Era ainda no tempo colonial. Uma embar- dia de vista, e assim elles se ião ufanos com as cer na escuridão abrindo-se lhe de par em par a
cação portuguesa vinda de além-mar, e deman- suas camisas de collarinhos azues e os negros porta do templo.
dando o porto de São Luíz, desgarrou-se do ver- chapeos de oleado cobertos de fitas e flores. E os D’ahi á meia hora foi que elles poderão-se
dadeiro rumo que devera seguir. O perigo era padres cantavão aquellas rezas tão bonitas que erguer; gritarão todos á uma voz; cada qual se
eminente, porque os baixios de areia ahi se vião elles sabem cantar quando estão alegres, e o povo ergue sobresaltado da cama e, poucos momen-
uns após outros, dessiminados, como as estre- as repetia tambem por sua vez. tos depois, o adro da igreja estava cheio.
llas no céu. Assim, chegou a procissão primeiramente a Sabido o milagre, alguns mais incrédulos
E longe estava o canal que conduzia ao um pequeno arraial hoje elevado a categoria de acendem archotes e principião a ver o cami-
almejado destino. A ventania impellia a vela villa. E o arraial tinha a sua igrejinha tambem, nho; logo ao sahir do templo virão gravadas na
com desmedido valor; a maruja luctava em vão mas não tinha, entre todos os sanctos do altar, pedra as pisadas do sancto e muitas outras se-
para suster a morte que lhe sorria desastrosa e um tão lindo e tão guapo como era S. José. O guião em direcção á capella.
horrivel. povo do arraial sentiu a inveja penetrar-lhe no - Milagre! bradavão todos. O sancto não quer
E o barco corria sempre, como impellido por coração, e desde então, os maiores determina- deixar Riba-mar. Deixemos o sancto! bradavão
uma força desconhecida e mysteriosa. De re- rão roubar a imagem da capella de Riba-mar! outros.
pente galgou uma onda que lhe flanqueava o E o sancto que lhes conhecia a intenção, E as velhas, mais fanáticas que todos, atira-
dorso; mais um instante, eil-o montado um ban- diz a chronica ria-se do logro que lhes havia de vão-se ao chão e beijavão uma e mil vezes os
co de areia que sinistro e ameaçador lhe acena- pregar ao depois. passos do sancto. E d’ahi em diante, o arraial. e
va a quilha... Já ha algumas semanas elle vivia na sua bella hoje villa, foi chrismada com o nome de Paço, e
Foi um instante de suprema agonia, aquel- capellinha à borda do mar, quando os habitan- é actualmente uma das bellas povoações da ilha
le! A palidez da morte cobriu os semblantes tes do arraial forão em procissão executar o seu do Maranhão.
rudes e afeitos ao perigo! plano. O sancto nunca mais foi perturbado na sua
O sangue gelou-se-lhes nas veias, e o frio do Em vão se oppuzerão alguns pescadores que bella capellinha de Riba-mar.
medo roçou-lhes a medulla dos ossos... para ali se tinhão mudado desde o dia da festa; Quando os pescadores contão esta legenda
- Milagre! tres vezes milagre! bradou o ma- nada os demoveu do seu proposito e lá se foi o a algum piedoso christão que ali vai em roma-
rujo prostrando-se de joelhos. sancto caminho do arraial e n’essa mesma noite ria, é bello ouvir os milagres que narrão de S.
O navio acabava de passar o banco de areia collocado no altar que de antemão lhe tinhão José e a risada com que arrematão o logro, que,
sem que um leve roçar do leme accusasse aque- preparado. Houve um esplendido TeDeum no não obstante ser sancto, pregou aos seus visi-
lla passagem arraial e já muito tarde cada um recolheu-se nhos da villa do Paço!

* Publicado originalmente no jornal “Semanário Maranhense“, Ano 1, nº 09 - São Luís, 27/10/1867 (Domingo). Foi respeitada aqui a ortografia da época. Pesquisa de
Zelinda Lima.
** Nuno Alvares Pereira Sousa – engenheiro civil, militar, professor, tradutor, poeta e jornalista (Cloves Ramos, 2001).
18 Boletim 35 / agosto 2006

AGENDA DE CULTURA POPULAR*


Festejo do Divino Espírito Santo – 01/08 a 31/12/2006

* Organizada por Lenir Pereira dos S. Oliveira – CMF; Coordenadora da Casa do Maranhão

RESUMOS E RESENHAS
Monografias sobre cultura popular do Maranhão*
TURISMO CULTURAL tomando-se como parâmetro a prática eco- ro da Liberdade como celeiro cultural de São
BRÁS, Celiane Singulani. Via Sacra: a museológica, serão apontados como instru- Luís. Estuda suas manifestações culturais e
paixão de Cristo e seu potencial turístico. mentos capazes de fomentar e propiciar a propõe ações que possibilitarão a melhoria
São Luís: UFMA, 2004. Orientadora: Profª. sustentabilidade local. na qualidade de vida dos seus moradores atra-
Ms. Maria do Socorro Araújo. RESUMO: vés de sua utilização como componente da
A Via Sacra realizada no bairro do Anjo da PEREIRA, Wendell Ribeiro. As embar- oferta turística ludoviscense.
Guarda, em São Luís, Maranhão, como um cações tradicionais maranhenses como com-
provável atrativo turístico. Exposição dos plemento da oferta turística de São Luís. SOUSA, Samira Honelly da Costa. Ca-
pontos positivos e negativos existentes no São Luís: UFMA, 2004. Orientador: Prof. minhando ao som d’Os Tambores de São
espetáculo, apresentando propostas para a Luís Antônio Pinheiro. RESUMO: O pre- Luís, de Josué Montello. São Luís: UFMA,
melhoria do mesmo. sente trabalho tem por objetivo chamar a
2004. Orientadora: Profª. Ms. Conceição
atenção para o aproveitamento das embar-
Belfort Carvalho. RESUMO: O tema ca-
FIGUEIREDO, Wilmara Aparecida Sil- cações náuticas tradicionais maranhenses
minhando ao som de os Tambores de São
va. Ecos do patrimônio: as novas interpreta- como produto da oferta turística.
ções do legado cultural como alternativa de Luís constitui-se a partir da análise da obra
desenvolvimento local com enfoque no tu- SERRA, Débora Rodrigues de Oliveira. Os Tambores de São Luís. Por meio desta,
rismo e na ecomuseologia. São Luís: UFMA, Resgatando a liberdade: estudo de caso do busca-se relacionar o turismo e a cultura
2004. Orientadora: Profª. Ms. Maria do So- bairro da Liberdade em São Luís do Mara- sob a ótica da literatura, descrevendo, as-
corro Araújo. RESUMO: Patrimônio cultu- nhão com propostas para o desenvolvimen- sim, os atrativos culturais de São Luís e
ral como alternativa para o desenvolvimen- to do turismo local. São Luís: UFMA, 2004. propondo, através dos roteiros turísticos
to é a discussão central deste trabalho. O Orientadora: Profª. Ms. Maria do Socorro literários, um produto turístico diferenci-
fenômeno turístico e a nova museologia, Araújo. RESUMO: Abordagem sobre o Bair- al para esta cidade.

* Oganizado por Maria do Socorro Araújo – Mestre em Serviço Social (PUC-SP) e professora do Curso de Turismo da Universidade Federal do Maranhão.
Boletim 35 / agosto 2006 19

NOTÍCIAS*
Lançamentos 2º Seminário Nacional de Políticas
Públicas e 1º Encontro Sul-
Lendas do Maranhão, do escritor e pes- tas no Maranhão com a presença das caixeiras,
quisador Carlos de Lima. Um livro para desper- mulheres que constroem um grande repertório
americano das Culturas Populares
tar a curiosidade da criançada e rememorar, nos de cantos e toques dos tambores – as caixas – O Ministério da Cultura/Secretaria da Identi-
jovens de mais de quarenta anos, os tempos em singularidades que diferenciam as festas do dade e da Diversidade Cultural em parceria com
que se ouvia estórias sentado na calçada de Divino do Maranhão das realizadas em outros a Secretaria de Articulação Institucional/Secre-
casa. Carlos de Lima, aos 86 anos, apaixonado lugares. Lançados dia 20 de junho durante o taria Executiva, o Centro de Cultura Popular do
pelas histórias e estórias maranhenses, passa Tríduo Juanesco, o projeto teve o apoio do Pro- Instituto do Patrimônio Artístico Nacional-
ainda a maior parte de seu tempo envolvido grama Petrobrás Cultural, 2004. IPHAN, a Fundação Cultural Palmares, a RADI-
com a gente do povo recolhendo a história oral, OBRÁS e a Fundação Nacional de Artes-FU-
as lendas e mitos do estado. São quase quaren- CD-Rom Festas do Divino - resultado da NARTE realiza Segundo Seminário Nacional
ta lendas, algumas mais conhecidas como Dom pesquisa e Inventário de Referências Cultu- de Políticas Públicas para Cultura Populares
Sebastião, A Serpente do Ribeirão, O carro de rais sobre Festa do Divino Maranhense no – momento de aprendizagem coletiva sobre os
Donana Jansen e outras nem tanto como Os Rio de Janeiro. Mostra a importância do culto saberes, formas de expressão e celebrações das
Barulhos do Divino, O Palácio das Lagrimas, A ao Divino Espírito Santo como fator de agrega- culturas populares - e o Primeiro Encontro Sul-
Lenda da Juçara, A Profecia da Cigana. Carlos ção familiar e comunitária entre cariocas e ma- americano das Culturas Populares – objetivan-
de Lima é autor de várias obras que abordam ranhenses que migraram para o Rio de Janeiro do promover a integração do Brasil e da América
temas da cultura popular, como Bumba-meu- na década de 1950 . O projeto tem como pes- do Sul sob a ótica das culturas populares. Os even-
boi; A festa do Divino Espírito Santo em Alcân- quisador responsável Luciana Gonçalves Car- tos estão previstos para os dias 14, 15, 26 e 17 de
tara; História do Maranhão; Vida, Paixão e valho e pesquisadoras Carla Rocha Pereira, setembro de 2006, em Brasília. Os organizadores
Morte da Cidade de Alcântara (história) edita- Maria Beatriz Gomes Bellens Porto e Wilmara propõem a mesma metodologia do Primeiro En-
das em livro e vários artigos no Boletim da Co- Figueiredo. Patrocínio da Petrobás. Apoio: Se- contro/2005: a realização de oficinas preparatóri-
missão Maranhense de Folclore. cretaria de Cultura do Maranhão, Superinten- as nos estados e a presença dos protagonistas das
dência de Cultura Popular/Centro de Cultura culturas populares em Brasília.
Careta de Cazumbá, livro fotográfico da Popular Domingos Vieira Filho, Comissão Ma- No Maranhão, a Secretaria de Estado da
pesquisadora Maria Mazzillo lançado em São ranhense de Folclore, Abassá de Mina Jeje- Cultura/Superintendência de Cultura Popular
Luís,dia 20 de junho durante o VII Tríduo Jua- nagô, Cazuá de Mironga, Ilê de Iansã-Obalu- agendou a Oficina Preparatória para 02 de se-
nesco. O livro é resultado final do projeto Careta aiê, Irmandade do Divino Espírito Santo da tembro, no SESC Olho D´água, durante todo o
de Cazumbá que teve como objetivo geral pes- Colônia Maranhense do Rio de Janeiro, Feste- dia ao final do que serão eleitos 45 delegados.
quisar o processo de trabalho de alguns artistas jos Gloriosos do Espírito Santo e Senhora San-
populares em seus ofícios de confecção de “care- tana realizado por Olga Dias.
tas” - máscaras – para serem usadas pelos perso- Realização do Centro Nacional de Folclore Projeto Flor da Mangueira
nagens Cazumbá do Bumba-meu-boi maranhen- e Cultura Popular/IPHAN-Projeto Celebrações No propósito de oferecer uma programação
se. É mais uma realização da Associação Cultu- e Saberes da Cultura Popular, coordenação ge- diferenciada durante as férias, o Laborarte ofere-
ral Caburé apoiado pelo Programa Petrobrás Cul- ral de Letícia Vianna. ceu em janeiro e fevereiro a Caravana Laborarte,
tural 2004/05 na categoria Patrimônio Imaterial. todas as sextas-feiras, na Praça Valdelino Cécio,
DVD Bois-Bumbás de Manaus: brinque- com o apoio da Secretaria de Comunicação do
Umas mulheres que dão no couro: As do de São João – resultante de pesquisa docu- Estado. No mês de julho, todas as quartas-feiras, o
caixeiras do Divino no Maranhão, documen- mental, consulta a arquivos, entrevistas e ou- Circo da Cidade foi o palco do Projeto Flor da Man-
tário em DVD e em livro resultado de uma pes- tras fontes - retrata a vida e cultura popular dos gueira - nome também do Show de Rosa Reis.- em
quisa iniciada em 2000 pela historiadora Mari- brincantes de boi-bumbá de Manaus, no pas- que apresentaram-se os artistas: Chico Nô com o
se da Glória Barbosa . Filmado em 16 municípi- sado e nos dias atuais. Direção de Sérgio Ivan “Xaxados e Perdidos”, Poeta Zé Maria, Pela-porco
os e povoados do Maranhão mostra não só a Gil Braga, Fotografia e Imagens de Danilo Egle do Centro do Axixá; Carimbó de Caixeiras da Casa
diversidade que constitui os cultos para o Divi- e Animação de Sávio Stoco. Realização da Pre- das Minas e de outras casas de culto, cantor e
no como também a especificidade dessas fes- feitura de Manaus. compositor Tião Carvalho, Poeta Eduardo Júlio;
Natal capital brasileira do folclore Tambor de Crioula de Mestre Felipe , Cacuriá de
Dona Teté, Poeta Joãozinho Ribeiro, cantor Cláu-
dio Pinheiro; Baião Cruzado da Vila Ivar Saldanha,
Com o tema Folclore e Turismo: cenário de popular; fechando o dia, a mesa-redonda Culiná- Poeta Lúcia Santos, cantor e compositor Antonio
inclusão social a Comissão Norte Riogranden- ria, folclore e turismo. Dia 31 – GTs e oficinas pela Vieira e Show Flor da Mangueira de Rosa Reis
se de Folclore e a Comissão Nacional de Folclo- manhã e à tarde conferências Tradição oral, regis- sempre encerrando a programação das quartas fei-
re realizam o XII Congresso Brasileiro de Fol- tro e recriação e O cordel no século XXI; e as ras. O Laborarte teve o apoio da Secretaria de Esta-
clore no período de 29 de agosto a 1º de setem- mesas-redondas Parafolclore e turismo e Patrimô- do da Cultura e Fundação Municipal de Cultura.
bro, em Natal/RGN. nio imaterial e turismo. Dia 1º de setembro – pela Festa de São Benedito
Durante quatro dias de intensa programação manhã GTs e oficinas e pela tarde mesas-redon-
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário
serão realizados debates, palestras, reuniões de das Ocorrências lúdico-religiosas no Folclore e Pro-
dos Pretos de São Luís realiza mais um festejo de
grupos de trabalho (GTs), oficinas, exposições e moção oficial: folclore, parafolclore e turismo. En- São Benedito. O ponto alto é a procissão no dia
apresentações artísticas. O grande homenageado cerramento com reunião plenária da Comissão 13, segundo domingo de agosto. Várias casas de
(in memorian) do evento é o professor e estudioso Nacional do Folclore. culto afro-maranhense festejam São Benedito nes-
potiguar Câmara Cascudo, um provinciano incu- A Comissão Maranhense de Folclore parti- se período pelo sincretismo com Averequete. Dona
rável que detestava ser chamado de folclorista, cipa com professores Mundicarmo e Sérgio Fer- Celeste da Casa das Minas é uma das mais anti-
preferia “antropólogo das coisas populares”. retti na Mesa-Redonda Turismo e Religiosida- gas vodunsis a comemorar o vodum nesse dia.
Dia 29 – após credenciamento e abertura ofi- de Popular como conferencistas; professora
cial, conferência Luís Câmara Cascudo: um bra- Socorro Araujo, como uma das conferencistas Festa do Divino de
sileiro feliz; em seguida a abertura do Salão Brasi- da Mesa Redonda Promoção oficial: folclore, Alcântara perde caixeira
leiro de Arte e Cultura Popular. Dia 30 – pela ma- parafolclore e turismo; e pesquisadora Roza Morreu dia 20 de julho, aos 74 anos de idade,
nhã reuniões dos GTs e oficinas. À tarde, as con- Maria dos Santos profere aula sobre Folguedos Dona Margarida, caixeira da Festa do Divino
ferencias Tradições nordestinas: heranças lusita- de danças do Nordeste II, no Curso de Atuali- Alcântara desde a adolescência. Seu corpo foi
nas; Folclore e turismo e Turismo e religiosidade zação em Cultura Folclórica. velado na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos
Pretos sob o ritmo do canto e do toque das cai-
* Oganizado por Roza Maria Santos – Pesquisadora CMF. Bacharel em Comunicação. xeiras e salva de foguetes.
20 Boletim 35 / agosto 2006

Perfil Popular
LUÍS DE FRANÇA RODRIGUES
Carlos de Lima29

L uís de França nasceu na Liberdade, pró-


ximo ao Anil, em 1916, filho de Lúcio
Antônio Rodrigues, nascido no Munim, e
que se eu fosse fazer eu faria, mas eu não
faço porque na hora não cantam o meu sam-
ba e eu fico chateado do trabalho que eu
Eduviges Apolônia Rodrigues, de Alcântara. tive...”
Dos dezesseis filhos do casal sobreviveram Nesse tempo não havia organização rija,
cinco. Segundo dizia sua mãe, seu avô tinha “era tudo misturado, as pequenas saíam na
sido escravo e gostava de dançar e cantar tam- frente, pulando e tal... depois chegou porta-
bor-de-crioula para os brancos, de fazenda bandeira, chegou rainha, chegou mestre-
em fazenda. Cantava bem, fazia versos, ti- sala...” Cristóvão e Timóteo tocavam pan-
nha boa voz... deiro, o Luís, cabaça; havia ainda o tambor-
Aos 12 anos foi, como aprendiz de car- de-marcação e a retinta, o tamborim, feito
pinteiro, trabalhar na construção do prédio de lata e batido com a mão. E o clarim. “É,
da Alfândega, na Praia Grande, atual sede da nós usamos muito no Quinto.”
Câmara Municipal de São Luís, passando, Luís de França é um apaixonado do Car-
depois, para a rua do Passeio, na edificação naval autêntico do Maranhão, inconforma-
da atual Casa do Estudante. do com as mudanças. Protesta veementemen-
Já senhor das artes do ofício, por estas te contra as inovações estranhas: “ – Eu acho
incongruências do destino, largou tudo e foi que a gente devia fazer o nosso Carnaval da-
ser estivador marítimo, ou seja, trabalhador qui, o Carnaval da terra... e não fazer cópia...
do cais. A esse tempo os navios chegados ao mas se não fizer assim não ganha, né? As au-
porto fundeavam ao largo, obrigando a bal- outros mais, “vinte-e-duas pessoas”, a tur- toridades não consideram, então tem de co-
deação da carga do barco para as alvarengas ma que se reunia para batucar e cantar pe- piar o Rio de Janeiro. Aliás, opinião do João-
(grande chatas de ferro) e destas para o cais. las esquinas do bairro da Madre-Deus. zinho Trinta, que cada Estado deve fazer seu
Esta era a ocupação dos estivadores. Pelo São João os rapazes saíam com um Carnaval próprio e não copiar o Carnaval do
De estudo só o teve o Luís de França até boizinho – O Filho do Samba – pendurado Sul.” Tem saudades “daquele Carnavalzinho
o terceiro ano primário. “O resto aprendi na de uma vara e iam brincar no bairro do João que nós fazia aqui bonitinho, de tarde, mais
prática”, como ele mesmo diz. Paulo. Luís de França fazia os versos para tardar oito horas tava terminado...” A época
Em 1939, no Boi da Maioba, o Luís ou- serem cantados: das brincadeiras, dos blocos, dos fofões, do-
viu e ficou impressionado com o cantador minós, pierrô e colombina, as visitas às ca-
Luís Costa. Inspirou-se e fez seus primeiros “Eu deixar de festejar sas... os bailes... O rodó! “Era um Carnaval
versos. Filhos do Samba não posso cheiroso, passava uma pessoa se sentia o
Filhos do Samba é... perfume”, arremata suas lembranças.
“Ora veja, como fui me embriagar Filhos do Samba é nosso. Luís de França continuou sua carreira
Vinho e cerveja, com Sissi** e guaraná. Vou saindo, vou saindo de compositor: O filho do Samba, Isaura,
Caí sem tá maduro e sem ser fruta de vez Na noite de São João, Timbira voltou (sobre a re-inauguração da
O que não faz neste mundo a tal da em- Vou pra vila do João Paulo, Rádio), Demoliram o morro (urbanização da
briaguez.” Vou soltar o meu balão.” Madre-Deus), Fica 25 abençoado (25 anos
de fundação do Quinto), Homem trabalha-
Convenhamos que não eram tão brilhan- E foi assim que Luís de França Rodri- dor, para o hoteleiro Moacir Neves, Sua au-
tes as rimas, mas tudo tem de ter um come- gues se consagrou como o poeta da Madre- toria, Quem viver verá, Profissão de malan-
ço, não é mesmo? Deus e da Turma do Quinto, embora hou- dro, uns duzentos e tantos, segundo diz. “Fiz
Também em 39 foi fundada a “Turma do vesse outros como Cristóvão, Sapo, etc. um hino para a Federação dos Motoristas
Quinto” e Luís de França, “que gostava de Pelo Carnaval o bloco ia até à porta do cemi- do Rio de Janeiro e outro para o Sindicato
batucar pela rua em bela companhia”, tor- tério, reverenciar a memória dos companhei- dos Motoristas.”
nou-se um dos poetas do grupo. O nome sur- ros mortos e depois descia a rua do Passeio, Luís foi também um dos fundadores da
giu como uma homenagem ao 5º Batalhão Caminho da Boiada, Rua Grande, cantando Organização Maranhense dos Compositores,
de Infantaria, sediado no antigo quartel do as músicas dos compositores da Turma. idéia de Américo Freitas, um moço empreen-
Campo de Ourique, demolido para dar lugar Até que veio a moda do samba-enredo, dedor, e do conjunto musical “Prata da Casa”.
à atual Praça do Panteon. Iniciaram o bloco com a escolha de uma composição, em de- Luís de França é já falecido. Foi um ba-
Inocêncio (Lousa), Timóteo, Joaquim Care- trimento das demais. Por isso o Luís de Fran- talhador intransigente do Carnaval e expo-
ca, Carrinho, Zé Caboquinho, Sapinho e ça é contra o samba-enredo: “- Eu acho até ente da música popular do Maranhão.

* Carlos de Lima - Comissão Maranhense de Folclore


** Refrigerante existente há anos passados em São Luís-MA (Memória de Velhos: depoimentos. v. 2, p. 197).

Você também pode gostar