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Boletim 43 / agosto 2009 1

BOLETIM DA CMF Nº 44 AGOSTO 2009 ISSN: 1516-1781


SUMÁRIO

Editorial .................................................................................................................................... 2

Semana da Cultura Popular – SCP-SECMA ............................................................................. 2

A Comissão Maranhense de Folclore e suas origens .................................................................. 3


Sergio Ferretti

Carnaval: a elaboração de um discurso ....................................................................................... 7


Fábio Henrique Monteiro da Silva

O Ciclo Junino Maranhense ..................................................................................................... 11


Maria Michol Pinho de Carvalho

Janela do Tempo – Na Casa de Nagô ........................................................................................ 13


Ruben Almeida

Tambor de mina no Maranhão e no Pará: repensando estudos clássicos ................................... 14


Mundicarmo Ferretti

Resumos e Resenhas: Monografias, dissertações e teses defendidas .......................................... 17


GPMina

Noticias .................................................................................................................................... 18
Roza Santos

Perfil Popular: Tabaco ............................................................................................................... 20


Jomar Moraes

COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMF


CNPJ 00.140.658/0001-07 CONSELHO EDITORIAL EDIÇÃO
rlos Orlando de Lima
Carlos
Ca Mundicarmo M.R. Ferretti
DIRETORIA 2009-2011 L enir PPereira
ereira dos SS.. Oliveira Roza Maria dos Santos
Presidente: Lenir Pereira dos S. Oliveira Maria Michol PP.. de Carvalho
Vice-presidente: Maria da Glória G. Correia DIAGRAMAÇÃO:
1ª Secretário: Nizeth Aranha Medeiros Mundicarmo M.R. Ferretti
Riba Silva
2ª Secretário: Mundicarmo M. R. Ferretti Roza Maria dos Santos
1ª Tesoureiro: Eliane Gaspar Leite Sergio Figueiredo Ferretti VERSÃO INTERNET:
2ª Tesoureiro: Roza Maria dos Santos Zelinda de Castro Lima www
w.. c m f o l c l o r e . u f m a . b r

Correspondência
As opiniões publicadas em
COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE
CASA DE NHOZINHO artigos assinados são de
Rua PPortugal,
ortugal, 185 – PPraia
raia Grande inteira responsabilidade de
CEP 65010-480 – São Luís-Maranhão seus autores, não comprome-
Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-9951 tendo a CMF
2 Boletim 44 / agosto 2009

Editorial SEMANA DA CULTURA POPULAR


O Centro de Cultura Popular Domin- 18/08/2009 (terça-feira)

G
gos Vieira Filho - CCPDVF, órgão da atu- Centro de Cultura Popular Domingos
raças a apoio da SECMA, o Bole-
al SCP, promove há mais de 20 (vinte) anos, Vieira Filho
tim da Comissão Maranhense de em comemoração ao dia 22 de agosto – DIA • 09:00h – Oficina de Percussão – Bambaê
Folclore que estava circulando apenas INTERNACIONAL DO FOLCLORE, de Penalva
em sua versão eletrônica, desde o lança- a Semana da Cultura Popular. Sua propos- • 15:00h – Mesa Redonda - O Olhar do Fotó-
mento do nº 41, de agosto de 2008, volta ta é chamar a atenção para aspectos da cul- grafo sobre a Cultura Popular Maranhense
a ser impresso e enviado pelo Correio tura popular maranhense não percebidos ou
Coordenador: Prof. Dr. Adalberto Rizzo.
aos seus assinantes. O nº 44 disponibili- desconhecidos do grande público de São
Participantes: Edgar Rocha, Murilo San-
za aos leitores não residentes em São Luís, elegendo temas que são explorados
tos, J. Ribamar Moraes, Jose Mejias (Espa-
com a promoção de uma diversificada pro-
Luís alguns trabalhos apresentados em nha).
gramação de atividades.
mesas-redondas promovidas pela CMF Para este ano de 2009, a Superinten- • 17:00h – Apresentação do Império de São
em comemoração ao Dia Internacional dência de Cultura Popular propôs como Luís Rei de França – Terreiro de Iemanjá –
do Folclore (20 de agosto). Os artigos de tema da citada Semana “Olhares sobre a Fé em Deus.
Sergio Ferretti, sobre a CMF, o de Fábio Cultura Popular Maranhense”, um gran- • 18:00h – Apresentação de Baile de Caixa
de debate que destacou a fotografia e a pes- do Monte Castelo.
M. da Silva, sobre Carnaval, e o Michol
quisa como elementos de registro e salva- • 19:00h- Apresentação do Bambaê de Pe-
Carvalho, sobre o Ciclo Junino mara-
guarda das manifestações populares, ense- nalva - D. Zuquinha.
nhenses, foram apresentados e discuti- jando uma abordagem por meio de pales- 19/08/2009 (quarta-feira)
dos no referido evento. Esse número tras, mesas redondas, exposições, processo Centro de Cultura Popular Domingos
divulga também ao mesmo publico a pro- de ensino-aprendizagem em oficinas, de- Vieira Filho
gramação da Semana de Cultura Popu- monstrações de processos artesanais, apre- • 09:00h – Palestra: O Registro do Tambor
lar, realizada há mais de 20 anos pelos sentações de grupos folclóricos e veiculação de Crioula e do Bumba-meu-boi do Mara-
órgãos de cultura do Estado, que em de materiais de divulgação. A intenção é nhão e outras experiências - IPHAN
colocar na ordem do dia o enfoque de aspec- • 15:00h - Oficina de Percussão do Tambor
2009 foi precedida por uma Salva de tos ligados à cultura popular em nossa reali-
quatro dias em louvor a São Benedito, de Taboca.
dade na capital e no interior do Estado. Fes-
santo de grande devoção na capital ma- • 18:00h - Apresentação do Tambor de Ta-
tejando a cultura popular e debatendo so-
boca de Cajapió.
ranhense, com apresentação de vários bre os olhares da fotografia e da pesquisa
pretende-se resgatar nossas diversas tradi- • 19:00h - Apresentação do Tambor de Cri-
grupos de Tambor de Crioula, dança fol- oula de Dionísio.
clórica realizada freqüentemente em ções populares, quer na capital quanto no
interior do Estado. • 20:00h - Apresentação do Forró de João
homenagem àquele santo preto. Ceguinho.
Dentro da mesma perspectiva também
Os artigos de Mundicarmo Ferretti foi realizada no início de agosto um evento 20/08/2009 (quinta-feira)
e de Ruben Almeida divulgados nesse externo, a 1ª SALVA PRA SÃO BENEDI- Casa de Nhozinho
numero continuam o freqüente diálo- TO, onde a SCP-SECMA homenageou pri- • 09:00h-Oficina de Segredos de Cofo - Ar-
go sobre as religiões afro-brasileiras rea- meiramente a devoção popular a São Bene- tesã Maria de Jesus Belfort de Santa Rosa
lizado no Boletim. No mesmo número, dito, o Tambor de Crioula e a folclorista Te- dos Pretos.
rezinha Jansen. O evento aconteceu com Centro de Cultura Popular Domingos
Jomar Moraes, em texto sobre Tabaco –
programação complementar dos tradicionais Vieira Filho
grande expoente do Boi da Madre Deus festejos de São Benedito que acontecem na • 15:00h – Mesa Redonda “O olhar do pes-
e da Turma do Quinto -, publicado ori- Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pre- quisador sobre a cultura popular mara-
ginalmente em 1994, no Vagalume – tos, na Rua do Egito. nhense”
Suplemento Cultural do SIOGE -, pres- O Governo do Estado do Maranhão, Coordenador: Prof. Dr. Adalberto Rizzo
ta justa homenagem àquele grande re- através de sua Secretaria da Cultura, e Su-
Participantes: Profª.Mundinha Araújo,
presentante do Boi e do Carnaval mara- perintendência de Cultura Popular, renova
Profª. Madian Frazão, Profª.Cláudia Gou-
seu compromisso com a cultura popular do
nhenses. nosso estado, dando prioridade às expres-
veia.
Continuando a divulgação de mo- sões mais originais do nosso povo, incenti- • 18:00h - Apresentação do Tambor de Cri-
nografias, dissertações e teses sobre a vando, salvaguardando e promovendo sua oula de D. Nilza
cultura popular maranhense, o Boletim sustentabilidade. • 19:00h – Apresentação do Grupo Tamas-
saê – Icatu
da CMF, em seu número 44, recupera
PROGRAMAÇÃO • 20:00h – Bloco Tradicional Fuzileiros da
alguns trabalhos de conclusão de cursos
Fuzarca- Madre Deus
de graduação e de pós-graduação defen- 21/08/2009 (sexta-feira)
17/08/2009 (segunda-feira)
didos em exercícios anteriores, contan- Centro de Cultura Popular Domingos
Centro de Cultura Popular Domingos
do para tal com a colaboração do GP- Vieira Filho Vieira Filho
MINA/UFMA, comandado pelo prof. • 19:00 h – Solenidade de Abertura da Se- • 09:00h - Palestra: “Urrou do Boi de Ate-
Sergio Ferretti. mana da Cultura Popular nas”
Embora esteja previsto o lançamen- • 19:30h - Palestra de Abertura: “Olhares Palestrante: Prof.ª Dr.ª Lady Selma Ferrei-
to em dezembro de mais uma edição ra Albernaz – Departamento de Ciências
sobre a Cultura Popular Maranhense”
impressa do Boletim, a CMF convida Sociais da UFPE
Palestrante: Profª. Ester Marques - UFMA
todos os seus leitores a uma visita ao site Casa de Nhozinho
• 20:00h – Abertura de Exposição Fotográ-
• 15:00h – Palestra sobre o Cofo –Prof.
www.cmfolclore.ufma.br onde podem fica Coletiva “Olhares sobre a Cultura
Weeslem Lima (visita guiada)
ser encontrados, alem de todos os nú- Popular Maranhense” Galeria Zelinda
• 16:00h - Abertura da Exposição “Os Segre-
meros do Boletim, um índice de autor e Lima dos do Cofo” - Galeria do Côfo
de assuntos e cópia de outros documen- • 20:30h – Apresentação da Jornada de São • 17:00h - Apresentação da Dança do Coco
tos importantes sobre o folclore mara- Benedito -Barreirinhas de Riacho Seco - Rosário
nhense. • 21:00h – Apresentação da Dança do Gua- • 18:00h - Apresentação do Bumba-meu-boi
rá- Rosário de Meia Légua- Matinha
Boletim 43 / agosto 2009 3
CONTINUAÇÃO

Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos 08/08/2009 (sábado)


Pretos • 18:00h - Terço e Ladainha REALIZAÇÃO
06/08/2009 (quinta-feira) • 19:00h - Santa Missa e Tríduo GOVERNO DO ESTADO DO
• 18:00h - Terço e Ladainha • 20:30h - “Tambor de Crioula Tijupá” de La- MARANHÃO
• 19:00h - Santa Missa e Tríduo zaro Roseana Sarney Murad
• 20:00h - Homenagem a Terezinha Jansen • 21:30h - “Tambor de Crioula Turma dos Cri- SECRETARIA DE ESTADO DA
• 20:30h - Tambor de Crioula “Amigos de São oulos” de Rosa Baronesa CULTURA
Benedito” de Pedro e Iracema • 22:30h - “Tambor de Crioula Mimo de São Luis Henrique de Nazaré Bulcão
• 21:30h - Tambor de Crioula “Lírio de São SUPERINTENDÊNCIA DE
Benedito” de Maria da Paes
Benedito” de Conceição Madeira CULTURA POPULAR
09/08/2009 (domingo)
• 22:30h - Tambor de Crioula “Catarina Mina” Sergio Roberto Uchoa Habibe
• 06:00h - Alvorada
de Ivan Madeira CENTRO DE CULTURA
07/08/2009 (sexta-feira) • 07:30h - Missa
POPULAR DOMINGOS VIEIRA
• 18:00h - Terço e Ladainha • 09:00h - Missa Solene
FILHO
• 19:00h - Santa Missa e Tríduo • 12:00h - Ladainha e Almoço Festivo
Sebastião Cardoso Junior
• 20:30h - Tambor de Crioula “Padroeiro Po- • 17:00h - Missa Campal CASA DE NHOZINHO
deroso” do Mestre Leonardo • 18:00h - Procissão de São Benedito Jandir Gonçalves
• 21:30h - Tambor de Crioula “Alegria de São • 20:30h - “Tambor de Crioula Mocidade In- APOIO: CENTRO
Benedito” de Dona Zeca dependente” de Mestre Nivô ESPIRITUALISTA DE
• 22:30h - “Tambor de Crioula da Vila Embra- • 21:30h - “Tambor de Crioula Milagre de São TAMBORES IEMANJÁ
tel” de Dionísio Benedito” de Dona Nilza

A COMISSÃO MARANHENSE DE
FOLCLORE E SUAS ORIGENS1
Sergio F. Ferretti2

tencia à ala mais conservadora do movimen- da Campanha de Defesa do Folclore Brasi-


INTRODUÇÃO
to modernista sendo um dos representan- leiro.
tes da elite agrária que tinham Gilberto Antes disto, na década de 1930 foram
Em seu importante trabalho sobre o
Freyre como principal ideólogo. Edson criados em São Paulo e no Rio de Janeiro
movimento folclórico brasileiro, Luís Ro-
Carneiro tinha posições explicitamente os primeiros cursos universitários de ciên-
dolfo Vilhena (1997) mostra que os estu-
dos de folclore no Brasil foram sempre mar- marxistas. Ambos foram responsáveis pela cias sociais. Em São Paulo na Escola Livre
ginalizados, ocupando um lugar periférico organização da Comissão Nacional de Fol- de Sociologia e Política, na Faculdade de
na área das ciências sociais. Os folcloristas clore e da Campanha de Defesa do Folclore Filosofia Ciências e Letras da USP e no
receberam pouca atenção dos historiado- Brasileiro. Rio de Janeiro na Faculdade Nacional de
res de nossa produção intelectual. O mes- Renato Ortiz (1985), baseado em tese Filosofia da Universidade do Brasil. Os pes-
mo ocorreu no campo da política cultural e de Peter Burke afirmar que os estudos de quisadores constatam que ciências sociais
da institucionalização universitária. O en- folclore tiveram tendência a ser desenvol- enquanto tradição de pesquisa se consoli-
sino de folclore demorou muito para en- ver em regiões periféricas. Assim na Ingla- daram de forma mais resistente em São
trar na Universidade, só se iniciando na terra o folclore se concentrou nas manifes- Paulo.
década de 1970 nos cursos de Educação tações escocesas, na França, nas manifes- Vilhena mostra que no campo das ci-
Artística. Nos Cursos de graduação em tações da Bretanha, na Itália, nas manifes- ências sociais a antropologia é a disciplina
Ciências Sociais, quase sempre o Folclore tações da Sicília, na Espanha, nas manifes- que manteve maiores vínculos com os es-
quando aparece é como disciplina optati- tações andalusas. Ortiz afirma que no Bra- tudos de folclore. Florestan Fernandes se
va. Assim Vilhena constata o fracasso dos sil os estudos de folclore tenderam a se de- negou a reconhecer nos estudos de folclo-
estudos folclóricos no plano acadêmico ao senvolver mais no Nordeste, numa espécie re uma ciência social por considerar que os
lado de um relativo reconhecimento no pla- de consciência regional que se contrapõe à trabalhos dos folcloristas eram meramente
no institucional e da política cultural. centralização do Estado. Assim apesar dos descritivos, sem apresentar nenhum tipo
Vilhena comenta que Renato Almeida esforços de Amadeu Amaral e de Mário de de interpretação. Assim os estudos de fol-
e Edson Carneiro foram dois intelectuais Andrade em São Paulo, o folclore só irá se clore passaram a constituir um ramo peri-
muito diferentes que no período entre institucionalizar a partir de meados da dé- férico da antropologia. O termo folclore
1947 e 1964 desempenharam papel impor- cada de 1940 com a criação da Comissão designa tanto a área de estudo quanto seu
tante na institucionalização do folclore no Nacional de Folclore, das Comissões Esta- tema e sua definição sempre se refere ao
Brasil. Informa que Renato Almeida per- duais de Folclore e em 1958 com a criação objeto. No Brasil o termo parece ter sofri-

1 Originalmente apresentado na Semana de Folclore 2009 promovida pela CMF no CCPDVF.


2 Doutor em Antropologia; Coordenador do GPMina/DESOC/UFMA; Membro da CMF.
4 Boletim 44 / agosto 2009

CONTINUAÇÃO

do uma degradação semântica, estando as- rio das Relações Exteriores e chegou a che- A seguir, em inícios de 1948 foram criadas
sociado a uma visão considerada reacioná- fe do Serviço de Informações do Itamara- as três primeiras e foram sendo estabeleci-
ria da sociedade e da cultura nacional e al- ty. Ao ser criada a UNESCO em 1946, foi das outras em todos os estados embora
guns propõem substituí-lo pelo conceito de definido que cada um dos países membros muitas delas não tenham funcionado efe-
cultura popular. O folclore passou a ser as- deveria criar Comissões ou Organismos tivamente.
sociado ao conservador, ao anedótico e ao Nacionais com capacidade consultiva para A formação de uma comissão estadual
ridículo. as respectivas delegações junto à Conferên- partia sempre de um convite da CNFL para
Embora o movimento folclórico tenha cia Geral e funcionando como agente de um intelectual do estado, que seria seu se-
sido em parte derrotado, no processo de ligação em todos os assuntos que a eles se cretário-geral. Com a aceitação, seria de-
consolidação do campo intelectual brasilei- referirem. O Brasil foi o primeiro a aten- signado oficialmente pelo IBECC. Na prá-
ro, atingiu um de seus objetivos centrais der a essa exigência instituindo por decre- tica a escolha dos secretários estaduais ca-
com a criação de instituições: entre as quais to-lei em 1946 o Instituto Brasileiro de bia sempre a Renato Almeida. Quando o
se destacam a Comissão Nacional de Fol- Educação, Ciência e Cultura (IBECC) jun- mesmo não tinha contatos no estado, soli-
clore e a Campanha de Defesa do Folclore to ao Ministério das Relações Exteriores. citava às instituições locais como os Insti-
Brasileiro. Como o movimento folclórico Pelo estatuto a função de Secretário Geral tutos Históricos e as Academias de Letras.
não conseguia o ingresso na Universidade seria exercida pelo chefe do Serviço de In- Com a nomeação formal, Renato Al-
brasileira, a criação de uma agência estatal formações do MRE. Assim Renato Almei- meida dirigia aos escolhidos um apelo para
dedicada ao folclore foi sua prioridade. da esteve presente na diretoria do IBECC que se associassem ao esforço missionário
desde sua fundação. em torno do estudo e da proteção do nosso
INÍCIOS DOS ESTUDOS DE Alem de ser alto funcionário do Itama- folclore. Alceu Maynard de Araújo, de São
FOLCLORE NO BRASIL raty, Renato Almeida foi diretor do Liceu Paulo organizou a Comissão Goiana de
Francês do Rio de Janeiro e como tal foi Folclore. O capixaba Guilherme dos San-
Os estudos de folclore no Brasil se ini- convidado a visitar oficialmente a França tos Neves, amigo de Renato, organizou a
ciaram com escritos do maranhense Celso em 1947. Nessa estadia na França manteve Comissão Capixaba de Folclore. Gilberto
Magalhães sobre Poesia Popular Brasileira. intenso contato com colegas franceses en- Freyre indicou o secretário para Pernam-
Estes estudos foram continuados por seu tre os quais os folcloristas Arnold van Gen- buco e Câmara Cascudo indicou o de Na-
colega Silvio Romero que publicou em três nep, André Varagnac e outros. Participou tal. A comissão gaucha, a paulista e a baia-
volumes estudos sobre Literatura Popular também em Londres da fundação do Con- na tiveram inicialmente grande impulso.
no Brasil. Depois em São Paulo Amadeu selho Internacional de Música Folclórica e Escolhido o secretário, as Comissões Esta-
Amaral deu continuidade a estes estudos, de outras organizações internacionais de- duais gozavam de grande autonomia. As
publicando trabalho sobre o Dialeto Caipi- dicadas ao folclore e apoiadas pela UNES- responsabilidades recaiam fundamental-
ra. Amaral foi membro da Academia Brasi- CO. Na época a UNESCO se preocupava mente no Secretário. Quando este tinha
leira de Letras e tentou organizar uma So- com a compreensão mútua entre as cultu- impedimentos ou se afastava as comissões
ciedade de Demológica, mas morreu cedo ras, em resposta ao trauma nazista e às ten- ficavam praticamente paralisadas. Ideal-
em 1929. Na década de 1930, Mario de sões da época da Guerra Fria. Assim Rena- mente deveriam ter também subcomissões
Andrade na direção do Departamento de to Almeida teve um grande trânsito no cir- no interior.
Cultura da Pref. Municipal de São Paulo cuito internacional dos estudos de folclo- A partir de 1951 foram organizados
realizou importante levantamento e docu- re. diversos congressos de folclore, a saber:
mentação do folclore nordestino e criou O IBECC era composto por intelectu- 1951: I Congresso Brasileiro de Folclore no
uma Sociedade de Etnografia e Folclore. ais brasileiros de renome. Foram sendo cri- Rio de Janeiro; 1953: II Congresso Brasi-
Câmara Cascudo o responsável pela mais adas várias comissões dedicadas a diversos leiro de Folclore em Curitiba; em 1957, III
extensa obra bibliográfica sobre folclore, em temas de conhecimento. A comissão de Congresso Brasileiro de Folclore em Salva-
1941 criou uma Sociedade Brasileira de folclore foi a primeira a se constituir e era a dor; 1959 IV Congresso Brasileiro de Fol-
Folclore. Arthur Ramos criou em 1941 na mais ativa. Renato Almeida foi o grande clore em Porto Alegre; V Congresso Brasi-
Universidade do Brasil no Rio a Sociedade responsável por isto. Na época foram cria- leiro de Folclore em Fortaleza; em 1970, VI
Brasileira de Etnologia e Antropologia e em das igualmente Comissões Estaduais de Congresso Brasileiro de Folclore em Brasí-
1942, Basílio de Magalhães criou no Rio Folclore. lia, 1974; 1995 VIII Congresso Brasileiro
uma Sociedade Brasileira de Folclore. Mas Como estava ligado ao IBECC a CNF de Folclore em Salvador, IX Congresso Bra-
todas estas instituições tiveram existência não tinha estrutura burocrática própria sileiro de Folclore em Porto Alegre e em
efêmera em dependência da figura de seus significativa. Eram utilizados os funcioná- 2002, o X Congresso Brasileiro de Folclore
idealizadores e com pouca continuidade rios do Itamaraty e os membros da CNF em São Luís. Foram organizadas também
mostrando a dificuldade de coordenar as tinham apenas a obrigação de comparecer diversas Semanas de Folclore em vários Es-
pesquisas folclóricas no país. Mas mostra- as reuniões bimestrais. ACNF foi instala- tados. Os Congressos Brasileiros de Folclo-
vam aos folcloristas a necessidade de insti- da em 7 de novembro de 1947. Dela partici- re continuam sendo realizados regularmen-
tucionalização dos estudos de folclore para pavam folcloristas ilustres mas com presen- te a cada dois anos. Em fins da década de
dar maior objetividade às pesquisas folcló- ça desigual: Oneyda Alvarenga de São Pau- 1990 a Comissão Nacional de Folclore se
ricas no país. lo, Câmara Cascudo de Natal. Os mais atu- desvinculou da IBECC/MRE, sua direto-
Esta situação vai começar a mudar com antes foram Manuel Diegues Júnior, Joa- ria passou a ser eleita a cada 4 anos e a ficar
a criação da Comissão Nacional de Folclo- quim Ribeiro, Édson Carneiro e Cecília sediada na cidade em que habitam seus prin-
re (CNFL). Seu idealizador foi o folclorista Meireles. A CNF contava apenas com a cipais dirigentes.
e musicólogo Renato de Almeida. Almeida dedicação dos folcloristas que participavam Em 1958, no governo de Jucelino Ku-
mantinha boas relações com Mario de An- sem nenhuma remuneração. Logo na pri- bithcek, por incentivo da CNFL foi criada
drade, com Câmara Cascudo e outros. Li- meira reunião foi cogitada a organização a Comissão de Defesa do Folclore Brasilei-
gado ao segmento carioca do Movimento de Sub-Comissões Estaduais a fim de po- ro (CDFB), vinculado ao Ministério de
Modernista, era escriturário do Ministé- der realizar o seu programa em todo o país. Educação. Inicialmente foi dirigido por
Boletim 43 / agosto 2009 5
CONTINUAÇÃO

Renato de Almeida, mas o órgão tinha difi- Serra, Celso Magalhães, Dunshee de foi membro fundador da Comissão Mara-
culdades em funcionar. No governo de Ja- Abranches, e outros, a partir daí passaram nhense de Folclore. Em 1948 escreveu A
nio Quadros e no de João Goulart o dire- a escrever contra a escravidão. Em 1867, Presença do Romanceiro (publicado postu-
tor da CDFB foi o folclorista Edson Car- antes de Celso Magalhães ir para Recife mamente em 1967), em que apresenta uma
neiro. Foram criadas a Biblioteca Amadeu ocorreu nova revolta de escravos em um coletânea com mais de trinta romances tra-
Amaral, a Revista Brasileira de Folclore, e quilombo perto de Viana. Ele irá se inspi- dicionais que coligiu no Maranhão dando
dado início à publicação de discos e foto- rar nesta revolta para escrever um de seus continuidade e ampliando o trabalho de seu
grafias. No início do regime militar a poemas. No poema Os Calhambolas Ma- tio. Antônio Lopes ajudou a divulgar os
CDFB e o movimento folclórico entraram galhães descreve uma revolta de escravos trabalhos de Celso Magalhães, mas infeliz-
em declínio. Mais tarde foi criada a FU- no interior do Maranhão. Fala da vida na mente teve morte prematura como o tio.
NARTE e subordinado a ela o Instituto fazenda, dos sobressaltos na floresta, des- Ao tempo de Celso Magalhães e em
Nacional de Folclore. Este foi extinto no creve uma festa de São Benedito com um parte de Antônio Lopes, os estudos de fol-
governo Collor, mas ressurgiu pouco depois tambor com poucas informações sobre a clore se restringiam quase que exclusiva-
com o nome de Centro Nacional de Folclo- realidade dos tambores dos escravos, afir- mente à coleta da literatura oral, a poesia
re e Cultura Popular, vinculado à Funarte mando que os negros dançam para São Be- popular e aos romances tradicionais. Com
e subordinado ao IPHAN do MEC. Hoje o nedito ao som da viola acompanhado do o tempo os estudos de folclore foram se
CNFCP vinculado ao IPHAN exerce gran- bater da castanhola. Considerava que o ampliando passando a abranger diversas
de atividade e há muitos anos organiza o africano cruzando-se com o português de- outras áreas como as festas e danças popu-
Concurso Nacional de Folclore Silvio Ro- turpou a poesia, a dança e a música. lares, o artesanato, a culinária, a religiosi-
mero, mantém o Museu e a Biblioteca de Em fins do século XIX o positivismo, dade popular, etc.
Folclore e organiza importantes exposições o evolucionismo e o racismo eram teorias
e algumas publicações. largamente difundidas e os pensadores da COMISSÃO MARANHENSE
época não escapavam das mesmas. Celso DE FOLCLORE
ESTUDOS DE FOLCLORE de Magalhães, como Nina Rodrigues e
NO MARANHÃO muitos outros, acreditavam na superiori- Outro importante continuador dos
dade da raça branca e criticavam a mestiça- estudos de folclore no Maranhão foi Do-
O maranhense Celso Magalhães, con- gem. Celso Magalhães defendia a superio- mingos Vieira Filho, nascido em São Luís
siderado o pioneiro dos estudos de folclore ridade da cultura européia e pouco se inte- em 1924 que faleceu em 1981. Formou-se
no Brasil, nasceu em Viana 1849. Jovem ressou pelas festas populares do Maranhão em Direito e foi membro fundador da Co-
veio para São Luís e de lá para Recife onde que considerava similares às da Bahia e de missão Maranhense de Folclore. Publicou
se formou em Direito em 1873. Foi um dos Pernambuco, com poucas diferenças. Ape- vários trabalhos sobre diversos temas e, so-
líderes da Escola de Recife onde colaborou sar destes pontos de vista ele foi um dos bretudo a respeito do Folclore Maranhen-
em diversos jornais e escreveu uma série de defensores da abolição dos escravos como se do qual divulgou ampla bibliografia. O
artigos sobre A poesia popular brasileira que jornalista, poeta, promotor e advogado. ingresso de Domingos Vieira Filho no
foi considerado o primeiro estudo sobre Denunciou a exploração dos escravos e pro- movimento folclórico se deu com a consti-
folclore no Brasil. punha a integração dos libertos na civiliza- tuição da Subcomissão Maranhense de
Escreveu poesias, teatro, colaborou ção dos brancos. Celso Magalhães partici- Folclore (SMFL). As Subcomissões estadu-
com jornais de São Luís para onde regres- pou intensamente da vida intelectual do ais de folclore foram organizadas em sua
sou em 1873 onde se tornou um dos líde- Maranhão. Foi o pioneiro dos estudos so- maioria no ano de 1948. Constituíam uma
res da juventude. Em 1876, como promo- bre literatura oral no Brasil, ao publicar em rede de comunicação e colaboração o que
tor prendeu e levou ao tribunal dona Ana 1873 em Recife dez artigos com o título A em parte foi uma das garantias de seu su-
Rosa Vianna Ribeiro, a esposa do chefe do Poesia Popular Brasileira. Neste trabalho cesso.
Partido Liberal, depois Barão de Grajaú e reúne informações sobre o romanceiro tra- Como informa Ana do Socorro Braga
Governador do Estado, por ter assassinado dicional, poesia popular, lendas, costumes, (2000) da Subcomissão Maranhense de
uma criança escrava. Celso Magalhães foi danças e festas tradicionais colhidas em Folclore participavam originalmente os se-
demitido pouco depois e faleceu em 1879 Pernambuco, Bahia e Maranhão. Fez um guintes membros: Rubem Ribeiro de Almei-
com menos de 30 anos. levantamento dos romances populares co- da, Mário Martins Meireles, Fernando Per-
Seu estudo A Poesia Popular Brasileira nhecidos na Península Ibérica que foram digão, Fulgêncio Pinto, Lucy Teixeira,
tornou-se conhecido, após a sua morte ten- trazidos ao Brasil. O material que ele divul- Domingos Vieira Filho e Antônio Lopes
do sido divulgado em 1879, pelo seu colega gou constitui fonte indispensável para o como Secretário Geral. A Instalação teve
e amigo Silvio Romero, que o considerou estudo do romanceiro tradicional. lugar no Casino Maranhense em 05 de
precursor dos estudos de folclore e da poe- Um dos continuadores dos estudos de Maio de 1948, com grande festa e com a
sia popular no Brasil. folclore no Maranhão foi Antônio Lopes, participação de inúmeros intelectuais e de
Boa parte de seus poemas e estudos sobrinho de Celso Magalhães, que nasceu brilhante elemento feminino. Mas antes
publicados em jornais do Recife e de São em Viana em 1889 e faleceu em São Luís da inauguração oficial a subcomissão já
Luís foi consagrada à luta contra a escravi- em 1950. Em 1911 formou-se na Faculda- estava estruturada e em funcionamento.
dão. Durante o século XIX houve nume- de de Direito de Recife. Dedicou-se ao Antes da festa inaugural foram eleitos para
rosas revoltas de escravos no Maranhão. Na magistério e a magistratura. Foi professor a comissão, Mario Meireles, Joaquim Luz
Guerra da Balaiada ocorrida entre 1838 e no Liceu do Maranhão, na Escola Normal e Almerinda Barros, Diretora do Dep. de
1840 a participação de negros e mestiços e na Faculdade de Direito de São Luís. Educação. Na festa de inauguração foram
foi intensa, tendo se destacado a presença Colaborou em vários órgãos da imprensa evocadas tradições populares incluindo
do Quilombo do Preto Cosme, que foi con- brasileira. Dirigiu várias instituições cul- palestras, execução de modinhas, lundus e
denado à forca em São Luís em 1842. Inte- turais, foi membro da Academia Mara- chulas pelo conjunto orfeônico da Escola
lectuais maranhenses como João Lisboa, nhense de Letras, foi fundador do Institu- Modelo, declamação de poesias e apresen-
Gonçalves Dias, Trajano Galvão, Joaquim to Histórico e Geográfico do Maranhão, tação de um retrato do folclorista Silvio
6 Boletim 44 / agosto 2009

CONTINUAÇÃO

Romero pintado pelo artista plástico Telés- da Fundação Cultural. Como Presidente geriu que re-organizássemos a CMF. Reu-
foro Rego. Houve a participação de uma da FUNC Dr. Domingos comprou o pré- nimos um grupo de 12 interessados entre
jovem portuguesa cantando fado, de um dio à Rua do Giz onde futuramente seria os quais Valdelino Cécio, Joila Moraes,
cantor negro e de um menino índio guaja- implantado o Museu de Folclore, que foi Mundicarmo Ferretti, Michol Carvalho,
jara que cantou uma canção de sua tribo. fundado após o seu falecimento e atualmen- Zelinda e Carlos Lima e outros e começa-
Antônio Lopes apresentou uma série te denominado Centro de Cultura Popu- mos a discutir a reorganização da CMF, o
de documentos manuscritos do séc.XVIII lar Domingos Vieira Filho. Conseguiu re- que foi feito a partir daí.
sobre romances e poesias tradicionais do cursos para restaurar diversos prédios pú- Após a reorganização, em inícios da
Maranhão. A partir do exemplo de Antô- blicos como o do Arquivo Público do Ma- década de 1990, a Comissão Maranhense
nio Lopes foi decidido na Comissão que ranhão que ele inaugurou. Começou a ad- de Folclore tem desenvolvido inúmeras ati-
nas reuniões posteriores os membros pas- quirir livros e materiais para o futuro Mu- vidades, muitas delas em parceria com o
sariam a apresentar comunicados resultan- seu de Folclore. Organizou também diver- Centro de Cultura Popular Domingos Vi-
tes de estudos e pesquisas sobre o folclore sas Semanas de Folclore que contavam com eira Filho da Secretaria de Cultura do Es-
maranhense. Pretendia-se fazer um com- a vinda de folcloristas convidados de ou- tado. Entre estas atividades podemos des-
pleto levantamento das cantigas do bum- tros estados e a realização de exposições tacar: a realização regular de semanas de
ba-meu-boi no Maranhão. Entre as primei- sobre o folclore maranhense. folclore, colaboração na organização de fes-
ras palestras apresentadas destacam-se: Cel- Na Fundação Cultural Dr. Domingos tas de Natal, Carnaval, do Divino Espírito
so Magalhães e o folclore, por Antônio Lo- conseguiu recursos para a realização de Santo, festas Juninas, oficinas e outros
pes; Festas populares de outrora, por Ru- dois projetos de pesquisas sobre folclore, eventos. A partir de 1993 a CMF iniciou a
ben Almeida; Natal e Ano Bom no Mara- um sobre a Dança do Lelê e outro sobre publicação tri-anual do Boletim de Folclo-
nhão por Fulgêncio Pinto, Lenda do Itaco- Tambor de Crioula. Um dos objetivos des- re que atualmente encontra-se em seu nú-
lomi por Fernando Perdigão, o Valor do tes projetos era conseguir fotos, documen- mero 43, divulgado em papel e on line no
Folclore por Lucy Teixeira. Havia a preocu- tação e material para o futuro Museu de site: www.cmfolclore.ufma.br . Em 2002 a
pação de enviar à CNFL comunicações Folclore. Ele resolveu também atualizar a CMF organizou em São Luís o X Congres-
apresentadas na comissão estadual. Comissão Maranhense de Folclore e convi- so Brasileiro de Folclore e no ano seguinte
Antônio Lopes faleceu em 1950, mas dou para integrá-la novos membros que publicou os ANAIS do X CBF. A Comis-
desde 1949 se afastou do cargo de Secretá- foram Sergio Ferretti, Valdelino Cécio, Joi- são tem publicado outros trabalhos como
rio Geral da Subcomissão, que foi assumi- la Moraes e Roldão Lima, que estavam en- o livro Olhar, Memória e Reflexões sobre a
do por Domingos Vieira Filho aos 26 anos volvidos nas pesquisas sobre a Dança do Gente do Maranhão, Tambor de Crioula
de idade. Em 1951 houve participação in- Lelê e o Tambor de Crioula. Ritual e Espetáculo, 3 Ed. Pajelança do
tensa de maranhenses no I Congresso Bra- Após o falecimento de Dr. Domingos a Maranhão no Séc XIX, o processo de Amé-
sileiro de Folclore com a presença de Lucy CMF esteve desarticulada. Em 1991 Dr. lia Rosa e vários volumes da Coleção Me-
Teixeira, Joaquim Luz e do pintor J. Figuei- Bráulio do Nascimento era o Presidente mória de Velhos, atualmente em seu volu-
redo, sob a coordenação de Vieira Filho. Os da Comissão Nacional de Folclore e do Ins- me 7. Diversos membros da CMF têm par-
maranhenses levaram e apresentaram uma tituto Nacional de Folclore que passou a ticipado regularmente de Seminários e de
mostra do folclore maranhense: objetos de substituir a CDFB. Mantivemos contatos congressos brasileiros de folclore que são
cerâmica, redes, artefatos de buriti, tucum, com Dr. Bráulio quando de sua passagem realizados em diferentes capitais do país.
guarimã e apresentaram memórias sobre por São Luís em 1978, por ocasião das pes- Vemos que a Comissão Maranhense de
temas relacionados ao folclore no Maranhão. quisas sobre as Danças do Lelê e do Tam- Folclore, que já tem mais de 60 anos de atu-
No congresso a comissão maranhense fez bor de Crioula, cujo financiamento foi ação, continua diversificando suas ativida-
um protesto pela não inclusão do nome de conseguido por Dr. Domingos junto à des e atraindo novos colaboradores interes-
Celso Magalhães como homenageado entre Campanha de Defesa do Folclore Brasilei- sados em conhecer e documentar a rique-
os precursores do folclore no Brasil. Ao re- ro por ele então presidida. Dr. Bráulio su- za da cultura popular maranhense.
gressar do congresso Domingos Vieira Fi-
lho lançou a idéia de se criar um museu de
arte popular em São Luís. REFERÊNCIAS:
Vieira Filho tornou-se professor da BRAGA, Ana Socorro. Folclore e Política Cultural. A trajetória de Domingos Vieira Filho e a
Faculdade de Filosofia e da Faculdade de Institucionalização da Cultura. Diss. de Mestrado. São Luís: UFMA/PPGPP, 2000.
Direito do Maranhão, membro da Acade- CATANHEDE, Washinton – Celso Magalhães Um Perfil Biográfico. São Luís: Associação do
mia Maranhense de Letras e do Instituto Ministério Público do Estado do Maranhão, 2001.
Histórico e Geográfico do Maranhão. Du- LOPES, Antônio. Presença do Romanceiro. Versões Maranhenses. Rio de Janeiro: Civilização
rante cerca de dez anos (1961 a 1970) Viei- Brasileira, 1967.
ra Filho foi diretor do Departamento de LUZ, Joaquim Vieira da. Fran Paxeco e as figuras maranhenses. Rio de Janeiro: Livros de
Cultura da Secretaria de Educação do Portugal – Ed. Dois Mundos, 1957.
MAGALHÃES, Celso da Cunha. A Poesia Popular Brasileira. Maranhão: Dep. De Cultura
Maranhão
do Estado, 1966. Com Apresentação e Bibliografia por Domingos Vieira Filho.
Em 1971 foi criada pelo Governo do
MAGALHÃES, Celso de. A Poesia Popular Brasileira. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional.
Estado a Fundação Cultural do Maranhão Col. Rodolfo Garcia/ Divisão de Publicações e Divulgação, 1973. Introdução e Notas de Bráulio
em substituição ao antigo Departamento do Nascimento.
de Cultura. Desde 1967 Vieira Filho era MÉRIAN, Jean Yves. Celso Magalhães. Poeta Abolicionista. São Luís: Fundação Cultural do
membro do Conselho Estadual de Cultura Maranhão, 1978.
que fora criado pelo governador José Sar- ORTIZ, Renato. Cultura Popular: românticos e folcloristas. São Paulo: PUC, 1985.
ney. Neste Conselho contribuiu para que VIEIRA FILHO, Domingos. Populário Maranhense (Bibliografia). Rio de Janeiro: Civilização
a FUNC previsse em seu estatuto a organi- Brasileira/ São Luís: Secretaria de Cultura do Maranhão, 1972.
zação de um futuro Museu de Folclore. Em VILHENA, Luís Rodolfo. Projeto e Missão. O movimento folclórico brasileiro (1947-1964). Rio
1976 Vieira Filho foi nomeado Presidente de Janeiro: MEC/FUNARTE/FGV, 1997.
Boletim 43 / agosto 2009 7

CARNAVAL: a elaboração de um discurso


Fábio Henrique Monteiro Silva3

A elaboração discursiva apresentada dominós e tantos outros personagens do O que, então, contribuiu para que,
nas matérias jornalísticas acerca do carna- nosso carnaval. Quando a Barca passar, caia mesmo com a elaboração de um discurso
val de rua e de passarela não esclarece as na folia do verdadeiro carnaval da gente”9. contrário ao carnaval na passarela do sam-
peculiaridades entre essas brincadeiras. O Só faltaram dizer que a Barca havia res- ba, bem como uma política cultural de des-
que pode ser classificado como uma brin- suscitado os brincantes do carnaval de ou- valorização desse espaço, o mesmo perma-
cadeira de rua ou como uma brincadeira trora. A concepção desse resgate imaginário neceu e permanece ainda nos dias atuais?
de passarela? Qual o critério que fora utili- é ressaltada por Woodward10 ao afirmar “que Primeiro foi a elaboração de outro discur-
zado para que os organizadores afirmassem o passado é parte de uma comunidade ima- so produzido pelos defensores do carnaval
o que é uma brincadeira de rua ou de passa- ginada, uma comunidade de sujeitos que se de passarela que passa a desconstruir as ar-
rela? apresentam como sendo nós”. bitrariedades e os conceitos que foram da-
Durkheim e Mauss4 afirmam que o ato Concebo história como uma constru- dos a esse tipo de carnaval.
de classificar reflete automaticamente em ção do passado, aquilo que passou e não Assim, de acordo com Carlinhos13, mes-
dividir algo em grupos distintos e determina- consegue voltar. Assim, apesar do desejo de
mo sendo criticadas, as escolas de São Luís
dos, além de mostrar que não existem classifi- alguns saudosistas que tentaram reviver os
mantinham sua singularidade, seu estilo
cações espontâneas, já que estas sempre são carnavais de ontem, esse reviver pode ser
elaborado apenas nas lembranças dos foli- próprio, com temas que valorizavam a cul-
arbitrárias e oferecidas à sociedade. Desse tura do Estado. Além disso, o compositor
modo, a partir da década de 1990, foi ofereci- ões, pois a história jamais poderá ser recu-
perada; história não é o passado em si, mas acredita que a carioquização do carnaval de
do à sociedade maranhense um conceito de
as elaborações do passado que são constru- passarela não passa de uma estratégia de al-
brincadeiras de rua: aquelas que se apresen-
tavam nos circuitos oficiais de rua. Apesar de ídas no presente. guns para tirar proveito do carnaval de rua,
elaborar uma espacialidade até mesmo opos- O carnaval que identificava o folião pois as agremiações que desfilam nos circui-
ta entre rua e passarela, os organizadores do maranhense era o de rua, aquele em que se tos oficiais recebem para isso. Ressalto que
carnaval esqueceram-se de que os mesmos brincava de forma pura e simples, sem con- esse discurso nas décadas anteriores era apre-
blocos que se apresentavam nas ruas, apre- curso de passarela. Era a época em que “éra-
sentado de outra forma, pois,
mos felizes e não sabíamos”11 como afirma
sentavam-se na passarela do samba.
o filósofo Ribamar. Esse é mais um discur-
O carnaval de rua passa a ser, então, aque- [...] Os responsáveis pelos blocos e escolas
so de valorização do carnaval de rua em de- de samba andam mesmo a passos largos
le guardião da tradição sambista de São Luís,
trimento do carnaval de passarela. As ruas nesse setor momesco. Variam todos os anos
uma tradição que deve ser mantida. Gid-
seriam o espaço de lazer que além de propi- as fantasias, aprimoram-se nos ensaios de
dens5 afirma que tradição é uma orientação
ciar aos foliões uma sociabilidade também música e movimentação, ampliam mesmo
para o passado, a fim de exercer uma imensa os identificavam como os verdadeiros brin- o número de seus participantes enchendo
força no presente, portanto, com uma práti- cantes da folia de momo em São Luís. Des- as ruas de alegria, tanto como se faz em
ca social de confiabilidade na continuidade se modo, Hall12 afirma que a identidade Recife e no Rio [...] o carnaval maranhense
do passado, o discurso do carnaval de rua se salva por causa deles, que são na verdade
cultural de um povo está imbricada na bus- dignos de todo elogio [...].14
tradicional de São Luís vai se tornando uma ca da recuperação de uma verdade passada
prática cotidiana. Era preciso viver “o nosso desse mesmo povo, tendo como caracterís-
carnaval de rua, um evento popular de iden- Mesmo sem o apoio dos órgãos ofici-
tica uma origem comum.
tidade própria da maior importância. Tem ais, como Prefeitura e Estado, a passarela
Todos esses discursos que valorizavam
graça, originalidade, conteúdo e tradição6. sempre foi um local de descontração, alga-
o passado do carnaval ludovicense, sua im-
Era necessário reconhecer que “esse era o zarra, competição, o lugar onde os brincan-
portância e a necessidade de recuperação
nosso verdadeiro carnaval”7, pois os “bons tes ficavam esperando o bloco rival passar a
(como se isso fosse possível!) eram materiali-
tempos estão de volta”8. fim de saber se teria condições de ser cam-
zados nos jornais locais. Outro discurso
A vontade era tanta de reviver os anti- acompanhava essa primeira premissa: o dis- peão e, principalmente,
gos carnavais, de resgatar o título de tercei- curso da importação, da competição e da
ro melhor carnaval do país que, na tentati- descaracterização, que era presentificado no [...] ao contrário do que muitos esperavam
e até torciam, o público prestigiou o espe-
va de ressuscitar o carnaval do passado nes- carnaval de passarela. O carnaval de rua, por-
táculo oferecido pelos blocos. Ninguém se
se ano, os promotores do carnaval patroci- tanto, seria um carnaval puro, com constru- intimidou e foi pra passarela com muita
naram um corso, chamado de Barca que ções de limites culturais rígidos, transfor- garra. A empolgação foi tal que pareciam
representava os corsos que saíam nas ruas mando a cultura ludovicense em uma cul- até que estavam com todo apoio dos do-
de São Luís até a década de 1970. Assim, “a tura fechada em si mesma, isolada de um nos do poder. As fantasias eram de primei-
bordo da Barca navegavam foliões, mari- contexto maior, enquanto a passarela seria ra e mostraram que em São Luís ninguém
nheiros, pierrôs e colombinas, cruz-diabo, o espaço de importação, de outros carnavais. consegue acabar com a alegria [...].15

3 Professor Msc da UEMA.


4 DURKHEIM, Emile; MAUSS, Marcel. Algumas formas primitivas de classificação: contribuição para o estudo das representações coletivas. In: MAUSS,
Marcel. Ensaios de Sociologia. São Paulo: Perspectiva, 1981.
5 GIDDENS, A. As conseqüências da modernidade. São Paulo. Ed UNESP, 1991.
6 RETORNO às origens. O Imparcial, São Luis, 13 fev. 1994. Caderno Impar,
7 Ibid.
8 Ibid.
9 RETORNO..., op. cit.
10 WOODARD, R. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, T. T. (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos
culturais. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2000. Cap. 1, p. 7-72.
11 SILVA, Ribamar. Quando o carnaval era o terceiro do país. O Imparcial, 13 fev. 1994. Geral.
12 HALL, S. A identidade cultural na pós modernidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.
13 DINIZ, Carlos Augusto. Intérprete do bloco organizado Unidos de São Roque, São Luís, 7 mar. 2008. Entrevista concedida a Fabio Henrique Monteiro Silva.
Filmado e gravado em DVD.
14 DIÁRIO DA MANHÃ, São Luís, 16 fev. 1961.
15 O IMPARCIAL, São Luís, 20 fev. 1996. Geral.
8 Boletim 44 / agosto 2009

CONTINUAÇÃO

A reportagem mostra que, em 1996, perto da praia a ir para o centro da cidade e Nessa perspectiva, a passarela conti-
mais uma vez a passarela sofreu com a falta ver as brincadeiras de São Luís, que perdi- nuou sobrevivendo e sobrevive até os dias
de apoio do poder público. Saliento que, am um pouco do seu brilho e encanto. atuais e abriga o samba, a parte poética de
em 1994, ano em que a passarela foi cons- Essa baianização produziu mais uma todas as agremiações carnavalesca, a rainha
truída na última hora, a estratégia era ten- vez uma guerra de discurso, só que dessa da festa, a sacerdotisa da folia. É o local
tar acabar com o carnaval de passarela e não vez estava de um lado o carnaval maranhen- onde a música carnavalesca continua sen-
ocorrer o desfile oficial. Nesse ano de des- se – de rua e de passarela – e do outro, o do cantada pelos apaixonados por carnaval,
caso com o carnaval, as escolas, blocos e tri- carnaval da Bahia. Um dos jornais ludovi- o espaço onde as baterias fazem tremer o
bos de índio que foram para a passarela censes exaltava as duas formas de brincar o chão. É o palco onde não existem especta-
oneraram seus cofres, mesmo sabendo que carnaval: o da Litorânea, baianizado e o de dores, pois, como lembra Araujo22, a plateia
nada iriam receber em troca. Essa postura passarela, agora mais uma vez típico de São mesmo ao assistir aos desfiles, participa dele
mostrou a força daqueles que comparti- Luís: intensamente, divertindo-se e emocionan-
lham com o carnaval na passarela do samba do-se. Quantos foliões não choram ao ver a
– o carnaval que também valoriza as coisas [...] Quem se orgulha de ver São Luís, puxa- sua escola passar? Quantos ritmistas não
do Maranhão. da por velhos carnavais vai ter que se ren- se emocionam quando a sua bateria come-
Desse modo, lançando mão de mais der à potência dos decibéis dos trios elétri- ça a tocar? Quanta felicidade é vislumbra-
uma estratégia para dar continuidade ao cos. São eles que comandam o carnaval em da nos olhos e nos rostos dos amantes do
todo o país [...] E se a música deu certo e o
carnaval de passarela, os blocos, as tribos e carnaval. Por isso, como versa o samba da
carnaval da Bahia derrubou até a Apoteose
as escolas de samba, buscaram no próprio do Rio de Janeiro, quem é que vai querer
Flor do samba de 1979 “carnaval é a festa
carnaval de rua a receita para a continuida- outra coisa [...]18 maior”. É de fato a maior festa que a nação
de do carnaval de passarela. Em outras pala- Brasil pratica, e, em São Luís, a passarela
vras, como as apresentações dos circuitos A Litorânea passou a ser o ponto de do samba tornou-se um espaço de contes-
oficiais nas ruas de São Luís eram pagas, referência de parte da sociedade ludovicen- tação, paixão e dizibilidade, no qual pude
essas brincadeiras passaram a participar dos se que se identificava com o carnaval puxa- perceber as mudanças pelas quais o carna-
carnavais de rua para angariar fundos e do pelos trios elétricos. Apesar dessa opção, val passou.
comprar suas fantasias, cobrir seus instru- outros expoentes da folia preferiam ir para
mentos e participar do carnaval de passare- a passarela, pois: 1. CARNAVAL DE SÃO LUÍS:
la. Nos circuitos oficiais, os blocos tradici- MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS
onais se apresentam com as fantasias do [...] Cerca de 15 mil pessoas assistiram ao
carnaval anterior, enquanto os blocos orga- desfile oficial de domingo na passarela do Reitero que as mudanças das agremia-
nizados e as escolas de samba confeccio- samba armada no Anel Viário. A perspec- ções auferidas na festa momesca de São
nam uma camisa identificando a sua agre- tiva maior ficou por conta das escolas de Luís só podem ser compreendidas com o
miação. O certo é que o próprio carnaval samba [...] uma das maiores tradições do advento da passarela do samba. Defendo a
de rua, mesmo se posicionando muitas ve- carnaval maranhense, a casinha da roça que idéia de que antes as manifestações que
zes contra o carnaval na passarela do sam- este ano completa 56 anos, arrancou aplau- faziam parte do carnaval desta cidade esta-
ba, foi utilizado por essas agremiações, de sos do público que dançou ao som dos seus vam em constante transformação, por isso
tambores [...]19
maneira estratégica, para dar continuida- que o carnaval anterior à década de 1970 é
de à competição na passarela do samba. o carnaval dos cordões. Nesse sentido, cor-
Aproveito para discordar daqueles que É interessante notar que agora o desfi-
dões é a classificação dada a todas as mani-
afirmam ser o carnaval de rua um espaço le oficial da passarela começa a ser valoriza-
festações que faziam parte do carnaval até
onde não há competição. Ao contrário, essa do, pois existia um mal maior: o carnaval da
antes de 1974, quando foi instituída a pas-
competição apenas não está instituciona- Bahia que estava arrancando aplausos por
sarela do samba.
lizada. Os blocos, como disse Seu Paulo16, parte da sociedade. Essa valorização veio
Isso não significa afirmar que na pas-
descem em peso para mostrar que um é acompanhada de uma modificação nas “re-
sarela do samba não havia diversidade; ao
melhor do que o outro e para mostrar, tam- lações sociais que se estabeleceram entre
contrário, foi o espaço onde diversas mani-
bém, que têm uma bateria mais cadencia- os foliões e os dirigentes das diversas esco-
festações se apresentavam a fim de conse-
da, com um maior número de brincantes. las de samba locais. A competição e a rivali-
dade entre as principais agremiações per- guir o título do carnaval da capital. Ao ten-
Portanto, concebo isso como competição.
maneciam, mas possíveis divergências en- tar alcançar o tão almejado título, destaco
Além disso, tradicionalmente, o carnaval é
tre elas eram colocadas em segundo pla- como mudança significativa na festa mo-
competitivo, pois como afirma Burke 17,
no”20. mesca primeiro a transformação das tur-
desde o carnaval romano havia disputa de
Em primeiro plano estava a erradica- mas de samba em escola de samba.
cavalo entre jovens rapazes.
No mesmo período em que ocorria a ção do carnaval dos trios elétricos, postura Até a década de 1970, as escolas de sam-
problemática do carnaval de passarela em essa percebida nas contestações das letras ba de São Luís mantinham um padrão de
São Luís, a Litorânea se tornou um local dos sambas das escolas que desfilaram na roupas que representavam as cores de cada
que também contribuiu para esse tipo de passarela do samba. A Flor do Samba, por agremiação e também cantavam vários sam-
brincadeira, já que estava sendo palco de exemplo, exaltava em seus versos: “quem bas. A partir de 1974, quando foi instituí-
uma festa com características baianas. Os muito se abaixa, seu abadá aparece, jamais da a passarela com arquibancadas, as esco-
trios elétricos começaram a fazer a festa da Jamaica, jamais Bahia de volta a era de Ate- las começaram a desenvolver um samba-
elite que preferia se deslocar para um local nas, onde o povo era feliz e não sabia”21. enredo, dividindo o desfile em várias eta-

16 NOGUEIRA, Aerosvaldo Paulo. Entrevista, São Luís, 8 nov. 2007. Entrevista concedida a Fábio Henrique Monteiro Silva. Filmado e gravado em DVD.
17 BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna. Trad. Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
18 O ESTADO DO MARANHÃO, São Luís, 2 mar. 1995. Caderno Alternativo, p. 7.
19 Id., 28 fev. 1995. Cidades, p. 9.
20 ERICEIRA, Ronald Clay dos Santos. Haja Deus: a flor do samba no carnaval da Atenas brasileira. São Luís: Fundação Municipal de Cultura, 2006, p.24.
21 Ibid., p. 24 e 193.
22 ARAUJO, Eugênio. Não deixe o samba morrer: um estudo histórico e etnográfico sobre o carnaval de São Luís e a escola Favela do Samba. São Luís: UFMA/
PREXAE/DAC, 2001, p. 34.
Boletim 43 / agosto 2009 9
CONTINUAÇÃO

pas e mostrando tal desenvolvimento com de rua, muitos bailes, inclusive de másca- As escolas cresceram, as charangas
as alas estilizadas. ras, voltaram a fazer parte do carnaval de transformaram-se em blocos organizados,
A mudança no tamanho das escolas fez São Luís. Portanto, se nos carnavais ante- as tribos de índio preferem temas brasilei-
com que diminuísse o número de partici- riores os foliões saíam às ruas cedo para ros – por isso não se chamam mais Sioux
pantes. Além dessa mudança, o horário de depois ir aos bailes, na década de 1990, por ou Apaches, e sim Guarany, Tupi e Cara-
desfile fora alterado; se antes as agremia- conta da reorganização de alguns bailes, isso jás. Os blocos tradicionais enriqueceram
ções saíam pela tarde para brincar o carna- também era possível. A mudança de com- suas fantasias, agora luxuosas, e surgiu uma
val, a partir da construção da passarela, co- portamento na forma de brincar o carna- nova categoria: a dos blocos alternativos,
meçaram a chegar cada vez mais tarde. O val cedo para depois ir aos bailes não tem que se fazem presentes no folguedo de São
folião que desejasse contemplar os desfiles sustentabilidade, uma vez que, por vários Luís somente a partir da década de 1990.
das escolas de samba em São Luís deveria anos, desde a década de 1980, esses bailes Mas as grandes mudanças nas formas de os
ficar até a madrugada e, muitas vezes, até o voltaram a ser promovidos: foliões exercitarem sua arte de fazer no car-
amanhecer do dia para apreciar o espetácu- naval podem ser sentidas na estrutura da
lo carnavalesco. [...] A temporada carnavalesca de São Luís festa e no espaço social da mesma.
Essa mudança de horário foi reflexo será movimentada no próximo sábado com A cidade mudou: dos tempos em que
da própria população e dos organizadores a realização do segundo baile de máscaras os mais velhos saíam às ruas sem medo da
na associação dos moradores do conjunto violência aos dias dos receios da violência
do concurso, já que, ao departamentalizar
COHAB Anil, numa produção da Sacada constantes da atualidade. Por a cidade não
um espaço para o desfile as manifestações, Produções Artísticas e Culturais, sob a co-
necessitavam de público para se apresen- ser mais a mesma, os espaços em que os
ordenação do jornalista Euclides Moreira
tar. Foi o que aconteceu no carnaval de Neto [...] Como novidade para o segundo foliões praticam a festa carnavalesca tam-
1988, quando a Casinha da Roça não acei- baile de máscaras, será inaugurada a associ- bém mudaram. Aquele carnaval brincado
tou o horário de desfile: ação principal dos moradores do conjunto na Rua do Passeio, Deodoro e João Lisboa,
COHAB Anil e distribuídos prêmios para cedeu espaço para novas localidades, como
[...] seu Henrique garantiu que vai reivindi- as máscaras mais criativas [...]25 Liberdade, Cohatrac, Vinhais, dentre ou-
car, junto ao presidente da comissão, Eli tros bairros ludovicenses. Os velhos e sau-
Gomes, para desfilar entre 18:30 e 19h, A mudança na forma de brincar o car- dosos carnavais não voltam mais, tem-se
pois há dois anos ele vem sendo prejudica- naval que antes era de dia e, nesse período outro tempo, outra história – mesmo que
do por ter que passar no início da tarde passou a ser à noite, deve-se em função do seja no mesmo espaço físico cujos interes-
quando ainda não tem público, policiamen- próprio tamanho das agremiações, bem ses sociais, culturais e políticos são outros.
to, nem serviço de som funcionando na
como a própria organização do espaço da O menino levado que fui, agora vive adulto
praça. Caso o presidente não resolva a situ-
ação da Casinha da Roça, essa irá invadir a passarela. Quando as escolas eram meno- na nova cidade, em novos carnavais.
passarela do samba, às 19 horas, no domin- res, a locomoção delas dos seus locais para o Como mudanças estruturais, ressalto
go, e seus organizadores, não vai ter quem centro da cidade era muito mais fácil. A o reflexo do crescimento da cidade e do
os faça voltar. ‘Vamos passar na marra e partir da década de 1970, com o crescimen- número da população, elementos que con-
ninguém vai nos fazer voltar de ré, avisa to dessas agremiações, a organização para o tribuíram para o aumento do número das
Henrique Dias’[...]23 desfile requeria mais tempo, pois era preci- brincadeiras. A passagem da passarela de um
so organizar as alas, e os carros alegóricos. local menor (Praça Deodoro) para outro
A Casinha da Roça tradicionalmente Porém, segundo o Seu Paulo, onde pudesse comportar um maior núme-
abre os desfiles de São Luís, no domingo ro de simpatizantes (Anel Viário); os cir-
de carnaval. No entanto, com o apogeu do [...] O que fez com que começássemos a cuitos do carnaval de rua que se estrutura-
chamado carnaval de passarela o horário passar mais tarde foi o atraso de algumas ram com som, iluminação, dando uma nova
passou a prejudicar os brincantes dessa agre- brincadeiras menores que não passavam no característica a essa forma de participar da
miação que não aceitava mais passar du- horário estipulado pela comissão organiza- festa carnavalesca; e, principalmente, uma
rante a tarde. De acordo com a fala de um dora. Aí todo mundo sofre, porque as pes-
mudança brusca na folia de momo ludovi-
soas ficam cansadas de esperar pelas me-
dos fundadores do Corso Rural, observo cense, são elementos contundentes que fi-
lhores escolas que geralmente passam só lá
que essa mudança no horário da forma de pelas altas horas da madrugada [...]26 zeram com que o carnaval deixasse de ser
fazer o carnaval é reflexo da própria comu- do povo e passasse a ser para o povo.
nidade que não mais se deslocava para a Na verdade, os entrevistados esquece-
passarela nas primeiras horas da tarde. O ram que uma das razões para que as escolas 2. CONSIDERAÇÕES FINAIS
senhor Bruxela24 afirma que: começassem a passar mais tarde era o fato
de que produziam grandes espetáculos cul- Eu seria um romântico em afirmar que
[...] Ora rapaz, na nossa época a gente saía o povo teve o domínio maior sobre a feitu-
mais cedo porque à noite tinha os bailes de turais, com muitas alas e carros alegóricos, e
ra da festa carnavalesca em São Luís, mas
máscaras. Por isso, a gente ia pra batucada, tinham grande número de componentes.
como a elaboração da festa carnavalesca –
passávamos na Rua do Passeio, Deodoro, Esses espetáculos deveriam ser vistos, por-
seja nas ruas, clubes ou passarela do samba
Rua da Paz, essas ruas aqui do Centro e tanto, à noite, para que o brilho das fantasi-
depois voltávamos pra sede do bloco. Al- – passou a ser determinada pelos organiza-
as e dos carros alegóricos pudesse reluzir com dores, evidentemente que são estes que
gumas vezes, íamos direto pro Bigurrilho
ou pro Berimbau, que eram os bailes po-
mais facilidade. “Era necessário sair à noite determinam onde, quando e como ela deve
pulares daqui [...] para mostrar as surpresas que estávamos acontece. A partir da instância em que de-
aprontando para os espectadores, a noite era terminam os espaços onde o folião pode
É conveniente lembrar que, na década melhor para o brilho dos orvalhos que utili- brincar este não pode mais ser considerado
de 1990, com a reestruturação do carnaval závamos nas fantasias”, diz Seu Riba27. um produtor da festa carnavalesca.

23 O IMPARCIAL, São Luís, 11 fev. 1988. Geral, p. 5.


24 MOREIRA, Antonio Félix. Componente do bloco Fuzileiros da Fuzarca, São Luís, 4 jan. 2008. Entrevista concedida a Fábio Henrique Monteiro Silva.
Filmado e gravado em DVD.
25 O IMPARCIAL, São Luís, 2 fev. 1988. Geral.
26 NOGUEIRA, Aerosvaldo Paulo. Entrevista, São Luís, 8 nov. 2007. Entrevista concedida a Fábio Henrique Monteiro Silva. Filmado e gravado em DVD.
27 RAIMUNDO, José. Entrevista, São Luís, 4 fev. 2008. Entrevista concedida a Fabio Henrique Monteiro Silva. Gravado e filmado em DVD.
10 Boletim 44 / agosto 2009

CONTINUAÇÃO

Compartilho com Canclini28 quando Nesse sentido, elaborou-se capital in- Luís, uma vez que o carnaval não pode estar
este afirma que toda vez que os grupos po- telectual31 que, uma vez instaurado, se re- dissociado dessas elaborações. Mudanças são
pulares perdem o controle, a produção e ela- produziu, tentando impedir, no caso do inerentes ao tempo, registrá-las é o papel do
boração da festa, esta já não merece ser adje- carnaval ludovicense, a continuidade do historiador, guardião das memórias de um
tivada de festa popular. Nessa perspectiva, a carnaval de passarela. Em São Luís, o car- povo, para que estas não se percam no vazio
partir da organização do folguedo momesco naval na década de 1990 esteve atravessado da existência. Resgatar as memórias da his-
por parte do poder público, o carnaval passa pela complexa luta entre esses capitais sim- tória do carnaval de São Luís é meu papel
a se tornar não do povo, mas para o povo. bólicos: rua versus passarela. como historiador e folião de um tempo de
Essas mudanças são sentidas na con- As mudanças ocorridas na festa carna- belezas do carnaval – tanto do de outrora
temporaneidade, na medida em que os valesca em São Luís, visíveis na década de
como o do momento vivido.
produtores, os artistas e intelectuais come- 1990, não podem ser compreendidas fora
çam organizar a festa, transformando os da relação de força que existe dentro desse
foliões em consumidores da mesma. Assim, REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
contexto simbólico. Essa relação se torna
o carnaval ludovicense, bem como o carna- mais acentuada nesse período, principal- ARAUJO, Eugênio. Não deixe o samba morrer:
val pelo Brasil afora, passa a ter uma nova mente pelas mudanças estruturais pelas um estudo histórico e etnográfico sobre o carnaval
tessitura, principalmente quando essa fes- quais a cidade passou. Não se pode pensar de São Luís e a escola Favela do Samba. São Luís:
UFMA/PREXAE/DAC, 2001.
ta passou a ser controlada pelos organiza- a cidade de 1990 na mesma perspectiva da BOURDIEU, Pierre. As regras da arte. São Paulo:
dores. Dessa forma: cidade de 1950, momento que escolhi para Companhia das Letras, 1996.
o começo desta pesquisa. BRANDÃO, Maria. Carnaval, carnavais: cultura e
[...] O carnaval é na verdade um monu- Quanto às permanências, endosso as identidade nacional. In: Seminários de carnaval.
mento de disciplina. Como imaginar uma palavras do senhor Paulo Pavão, o coman- Salvador: Pró-Reitoria de Extensão: UFBA, 1999.
BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moder-
populaçã o imensa nas ruas, sem ninguém dante das tribos ao afirmar que:
na. Trad. Denise Bottmann. São Paulo: Compa-
tocar em ninguém ou nos bens privados, a
nhia das Letras, 1989.
não ser que se por um acidente, por uma [...] O que mudou? Tudo, tá tudo mudado, o CANCLINI, Nestor. As culturas populares no capi-
perda isolada de controle, ou pela violência horário era à tarde, agora pra ti ver alguma talismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983.
dos agentes de policiamento, numa de- coisa só se ficar a noite toda acordado, as DURKHEIM, Emile; MAUSS, Marcel. Algumas for-
monstração singular de que espaço e tem- brincadeiras eram mais familiares, hoje em mas primitivas de classificação: contribuição para o
po são aí profundamente integrados [...]29 dia a gente não sabe quem é quem, toda hora estudo das representações coletivas. In: MAUSS, Mar-
é uma briga. Às vezes fico aqui na praça e cel. Ensaios de Sociologia. São Paulo: Perspectiva, 1981.
Ao ser organizado pelo poder público e ERICEIRA, Ronald Clay dos Santos. Haja Deus:
quando me espanto é um bando de gente
a flor do samba no carnaval da Atenas brasileira.
pela iniciativa privada, o carnaval passa a correndo. Na minha época não existia isso. São Luís: Fundação Municipal de Cultura, 2006.
ser uma festa planejada, com investimen- Ah, a única coisa que vejo ainda hoje em dia GIDDENS, A. As conseqüências da modernidade.
tos, negociações e, principalmente, contro- é o fofão, o resto tá tudo diferente [...].32 São Paulo. Ed UNESP, 1991.
le da mesma. Não quero estabelecer com HALL, S. A identidade cultural na pós modernida-
Seria o fofão a única representação de de. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1999
isso, muito menos afirmar, que existe um
WOODARD, R. Identidade e diferença: uma in-
controle social sobre o folião. Diria que, continuidade no carnaval ludovicense nas
trodução teórica e conceitual. In: SILVA, T. T. (Org.).
quando é instituído o desfile na passarela décadas de 1990? Durante quarenta e oito Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos
ou mesmo nos circuitos de rua com horá- anos, de 1950 a 1998, recorte temporal da culturais. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2000
rio de entrada e saída dos participantes e os minha pesquisa, não permanece nada da- Entrevistas
quilo que existia nos carnavais do passado? DINIZ, Carlos Augusto. Intérprete do bloco orga-
organizadores da folia controlam com uma
nizado Unidos de São Roque, São Luís, 7 mar.
lista o bloco ou escola de samba que faltou, Esse era um questionamento que fazia a
2008. Entrevista concedida a Fabio Henrique Mon-
isso diferencia muito o carnaval atual do todos os entrevistados. E todos foram en- teiro Silva. Filmado e gravado em DVD.
carnaval passado. Faz parte das mudanças fáticos em afirmar que tudo está mudado. MOREIRA, Antonio Félix. Componente do blo-
estruturais do carnaval. Compartilho com essa elaboração de co Fuzileiros da Fuzarca, São Luís, 4 jan. 2008.
que muitas coisas mudaram. No entanto, Entrevista concedida a Fábio Henrique Monteiro
Nessa perspectiva, o que muda na festa
Silva. Filmado e gravado em DVD.
carnavalesca ludovicense são as estruturas, algumas manifestações permanecem no car- NOGUEIRA, Aerosvaldo Paulo. Entrevista, São Luís,
que tentam normatizá-la através dos seus naval de São Luís, são poucas, mas perma- 8 nov. 2007. Entrevista concedida a Fábio Henrique
órgãos institucionais, tais como a MARA- necem. Como elemento de representativi- Monteiro Silva. Filmado e gravado em DVD.
TUR, que ao venderem um discurso acerca dade das permanências, posso elencar os blo- RAIMUNDO, José. Entrevista, São Luís, 4 fev.
cos tradicionais que, desde a década de 1930, 2008. Entrevista concedida a Fabio Henrique Mon-
da melhor forma de participar da festa car- teiro Silva. Gravado e filmado em DVD.
navalesca seria essa ou aquela. O que se per- período nem contemplado nesta pesquisa, Artigos em jornais
cebe é que de um lado, estavam os saudosis- existiam os batuques desses blocos e conti- RETORNO às origens. O Imparcial, São Luis, 13
tas que afirmavam que o nosso verdadeiro nuam com o mesmo ritmo, a mesma batida. fev. 1994. Caderno Impar.
carnaval era o carnaval de rua, como se exis- Além desses, o Fuzileiros da Fuzarca, consi- SILVA, Ribamar. Quando o carnaval era o terceiro
derado o guardião das tradicionais turmas do país. O Imparcial, 13 fev. 1994. Geral.
tisse um falso carnaval que seria o de passa- Periódicos
rela. Na verdade, elabora-se aí uma luta clara de samba, também dão continuidade ao seu DIÁRIO DA MANHÃ, São Luís, 16 fev. 1961.
na tentativa de exercer o domínio na festa batuque cadenciado com seus instrumen- O ESTADO DO MARANHÃO, São Luís, 2 mar.
carnavalesca, entre os representantes do tos de couro e, ainda hoje, preservam a mes- 1995. Caderno Alternativo, p. 7.
Estado e aqueles que não aceitavam tal do- ma vestimenta, o preto e o branco, cores que O ESTADO DO MARANHÃO, São Luís, 24 fev.
representam essa brincadeira desde o primei- 1996. Geral, p. 5.
mínio e demonstraram isso quando, mes- O IMPARCIAL, 11 fev. 1988. Geral, p. 5.
mo sem ter concurso oficial em 1996, fo- ro ano de sua existência. O IMPARCIAL, São Luís, 13 fev. 1994. Caderno
ram à passarela do samba participar do con- Essas manifestações sentem o reflexo Impar.
curso promovido pela imprensa30. das mudanças sentidas na cidade de São O IMPARCIAL, São Luís, 20 fev. 1996. Geral.

28 CANCLINI, Nestor. As culturas populares no capitalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983.
29 BRANDÃO, Maria. Carnaval, carnavais: cultura e identidade nacional. In: Seminários de carnaval. Salvador: Pró-Reitoria de Extensão: UFBA, 1999, p. 104.
30 O ESTADO DO MARANHÃO, São Luís, 24 fev. 1996. Geral, p. 5.
31 Segundo Bourdieu, o conhecimento da organização interna do campo simbólico – cuja eficácia reside justamente na possibilidade de ordenar o mundo natural
e social através de discursos, mensagens e representações, que não passam de alegorias que simulam a estrutura real de relações sociais – a uma percepção de
sua função ideológica e política e legitimar uma ordem arbitraria em que se funda o sistema de dominação vigente. BOURDIEU, 2003, p. 14.
32 NOGUEIRA, op.cit.
Boletim 43 / agosto 2009 11

O Ciclo Junino Maranhense33 Maria Michol Pinho de Carvalho34

Supõe-se que as festas juninas sejam ori- Noite de São João terrâneos que tornavam a “festança” alegre e acon-
ginárias dos antigos cultos agrários, em que os ... Ardem as fogueiras avermelhadas nos chegante. Um exemplo era o costume de “pas-
camponeses ofereciam homenagens e sacrifí- arraiais. sar fogo”, aproveitando para criar e fortalecer la-
cios aos deuses, pedindo-lhes graças e prote- Foguetões estouram prô lado das baixadas ços de amizade, selados com um salto (de mãos
ção para as suas colheitas e famílias. De início e dos alagadinhos. É o signal de começo da dadas) sobre a fogueira, num compromisso oral,
essas comemorações tinham um caráter pa- fuzarca de dona Chiquinha/Major. O mas-
baseado na força da palavra e que era respeita-
gão, depois cristianizado, com a mudança do tro já está plantado em frente de uma pa-
lhoça enfeitada de ariry, rebocada de taba-
do por anos a fio. Dizia-se então:
calendário romano para calendário cristão, por
tinga, cheia de luz e atopetada de mulheres
volta do final dos anos 500 e advento dos 600. “Santo Antonio disse e São João (ou São
barafundeiras.
Em termos de Brasil, os festejos juninos No altar iluminado, repousa o santo da Pedro, conforme o dia do Santo em que era
aparecem ligados a imagem do caipira e das co- devoção. feito o compromisso), confirmou que Jesus
midas típicas, partindo do interior de São Paulo Dá - se inicio à ladainha cantada com mu- Cristo mandou: tu és meu compadre (ou
para se estenderem por diversos estados do país, sica do compositor popular maranhense, comadre, ou padrinho, ou madrinha, ou
com peculiaridades regionais em cada local. Pedro do Rosário: primo, prima... ou o que fosse para ser esta-
No Maranhão as origens precisas do São Santa, belecido como laço afetivo daí em diante)”.
João já se perderam no tempo, estando, po- Santa Maria
rém, registradas na memória oral dos seus an- Santa Dei Genitrix, Ressalta-se que o São João maranhense vem
tigos moradores e no testemunho de autores Santa Virgo Virginum, sendo, através dos tempos, comandado por San-
maranhenses, como Josué Montello, em pu- Mater, to Antonio, São João, São Pedro e São Mar-
blicação de 1946, onde a ênfase são os feste- Mater Christie... çal, tidos como populares santos festeiros. Santo
jos nos bairros populares: E o côro: Antonio inaugura o ciclo da festa no dia 13 de
Ora pró nóóó ... bis...37 junho, data da sua morte; o dia 24 de junho é um
São João Maranhense dos pontos altos das festas, comemorando o nas-
Felizmente ainda não morreram, na alma Lopes Bogéa, jornalista e cronista mara- cimento de São João, que, segundo a tradição
popular do Maranhão os festejos tradicio- nhense, nos brinda com este artigo de 1970: cristã, foi anunciado por sua mãe-Isabel – à sua
nais que em louvor de São João e de São prima Maria – mãe de Jesus Cristo, através de
Pedro, no frio mês de junho, se realizam ... Vamos a festa: Na noite de vinte e três
uma fogueira; no dia 29 de junho homenageia-se
por todo o Estado. para vinte e quatro de junho, dia este con-
Exatamente dez anos depois de ter saído sagrado a São João Batista, meu padroeiro.
São Pedro, padroeiro dos pescadores e guar-
de São Luís, torno a encontrar, numa noite O transporte mais usado era o bonde elé- dião das chaves dos céus e das torneiras das
de 1946, a mesma alegria, a mesma anima- trico de preferência o “Caradura”. Estes chuvas que fecundam as lavouras; e São Mar-
ção, a mesma riqueza de ritmo, de cores e veículos, na época da festa rodavam até o çal, mártir da Igreja Católica e santo milagreiro,
de movimentos, nas festas que se realizam outro dia aparecer, carregando o povo. Os encerra o ciclo, no dia 30 de junho.
no João Paulo, nos arredores da cidade. bondes que até há bem poucos anos presta- O certo é que no Maranhão os festejos
Parece - me até que a festa se desenvolveu, vam serviços à coletividade, era o transpor- juninos constituem uma época forte, eferves-
ganhando em animação e colorido, sem te mais barato... O largo, como a via cha- cente, um tempo quente, especial, uma fonte
nada perder de seu sabor regional. Ainda mada “Caminho Grande”, também era de
cedo, antes de cair a noite, no caminho de alegria e animação... Este depoimento de
barro bruto, socado com os pés da nossa
enfeitado de bandeirinhas, vai - se dificul- gente humilde que ali habitava. Quinze dias
um entusiasmado brincante bem traduz o es-
tando o trânsito – até que, noite alta, tor- de festa e irmandade de gente, como que- pírito festivo que toma conta da nossa gente:
na-se quase impossível passar pela estrada ria o Criador!
que vai de São Luís ao Anil. A festança não parava, era contínua, os “Sabe, aqui para nós do Maranhão, o São
De longe, entre a zoada dos pandeirinhos e “bumbas” brincavam até o dia raiar, quan- João é muito melhor que o carnaval, pois é
das matracas, ouvem-se as cantigas típicas do se recolhiam deixando debaixo da man- um tempo muito mais cheio de badalação.
da festa. São os bois que descem da Maio- gueira o chão socado pelos pés dos brincan- Tem festa para tudo enquanto é lado. Todo
ba para o João Paulo e vêm cantar, com sua
tes, ao sapatearem. Vamos falar dos bailes mundo gosta de comemorar, de participar,
policromia e sua alacridade, nos arraiais ilu-
populares que se defrontavam em disputas de ficar por dentro”...39
minados. Dificilmente se poderá encontrar
de orquestras, todos cheios, apinhados...38
maior entusiasmo coletivo [...].
Antigamente as festas de São João se fazi- Essa mesma importância da Festa junina
am em arrebaldes distantes da cidade: Anil, Esses registros trazem a tona a lembrança do Maranhão é ressaltada por José Chagas, ao
Maioba, Turu e São José. Ultimamente, a de um São João doméstico, de caráter fami- justificar “um feriado para São João”:
animação maior é nos arredores de São Luís, liar, que ocorria numa pequena São Luís, onde
no bairro proletário do João Paulo...35 pontificavam o centro da cidade e alguns bair- ... Não é que se esteja querendo insinuar
ros do subúrbio, com destaque para as foguei- aqui uma simples troca do trabalho pelo
Fulgêncio Pinto36 também externa a sua ras, fogos de artifícios, brincadeiras simples e lazer. O caso é que os festejos juninos não
memória do São João maranhense no seguinte animadas, ladainhas, o compartilhar de paren- constituem apenas diversões, mas também
registro: tes, vizinhos, amigos, velhos conhecidos ou con- atividades de natureza cultural, necessárias

33 Tomamos como uma das referências bibliográficas o “Perfil Cultural e Artístico do Maranhão” – Volume I – Capítulo IV: “Culturas Popular”, Carvalho, Maria
Michol Pinho de. Associação de Apoio à Musica e à arte do Maranhão – AMARTE/Companhia Vale do Rio Doce – CVRD, São Luís – MA, 2006, p.143-215.
34 Mestra em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; Doutoranda em Cultura na Universidade de Aveiro/Portugal, estando em processo de
elaboração a tese “Divino Império: Espírito Santo (Re) ligando Portugal/Brasil no Imaginário Religioso Popular”; membro da Comissão Maranhense de
Folclore; pesquisadora da Cultura Popular Maranhense.
35 Publicado originalmente no Jornal Diário de São Luís, de 1º de julho de 1946, e republicado no Boletim da Comissão Maranhense de Folclore – CMF, nº 32,
de agosto de 2005; p.16.
36 Folclorista Maranhense destacado nas décadas de 1930 e 1940.
37 Publicado na Revista Athenas, junho de 1940, p.10-15 e republicado no Boletim da Comissão Maranhense de Folclore – CMF, nÚ 38, de Agosto de 2007, p.19.
Foi respeitada a grafia original.
38 Publicado no Jornal Pequeno. São Luís, Ano XVII, nº 6.121. terça-feira, 30 de junho de 1970, p.4, e republicado no Boletim da Comissão Maranhense de
Folclore – CMF, nº 33, em dezembro de 2005, p.15.
39 Matracas que desafiam o tempo: é o Bumba-meu-boi do Maranhão – um estudo da tradição/modernidade na cultura popular. Carvalho, Maria Michol Pinho.
São Luís – MA: [s.n], 1995.
12 Boletim 44 / agosto 2009

CONTINUAÇÃO

ao crescimento espiritual do povo, com- cas de vendas de fogos e parques com brinque- E, no dia 23 de junho, o Boi Sempre Sere-
pensando muito bem a paralisação do la- dos infantis, numa miscelânea de atrações que mos Unidos, Sotaque de Zabumba, do Alto
bor físico daquele dia... faz z convivência do passado e do presente. da Esperança, ao se apresentar no Largo Juni-
Trata-se de um feriado que virá a serviço da O que se passa nesses arraiais ou largos no da Casa do Maranhão, sob o comando do
Cultura, em proveito das forças subjacen-
demonstra vivamente que brincadeira é coisa sé- Sr. Raimundo Freitas, deu-nos uma lição de
tes, que movem nossa memória e garantem
a identidade de um povo enobrecido por
ria, sendo resultante de um processo de criação e mestre dessa convivência do passado e do pre-
iluminadoras tradições e para quem o culti- construção coletiva. E, em termos maranhenses, sente, com as suas tapuias singelas e seu pas-
vo do espírito é tão importante e tão vital contamos com uma festança de peso, que, se- so miúdo, o gingado do corpo dos seus tocado-
quanto a busca do pão de cada dia. gundo os dados oficiais, envolveu, neste ano de res de zabumba, acompanhando o ritmo des-
As diversas manifestações juninas motivam, 2009, 631 (seiscentos e trinta e um) grupos de se instrumento, os rodopios dos seus miolos,
entre nós, aquele calor humano que condi- cultura popular, que realizaram 1.851 (uma mil suas toadas longas e singulares...
ciona o espírito de solidariedade a um eficaz oitocentas e cinqüenta e uma) apresentações em Evidencia – se aí a situação de “fio da na-
sistema de organização sócio-cultural...40 167 (cento e sessenta e sete) arraiais. valha” enfrentada pelos grupos de Bumba –meu-
Entretanto, é preciso destacar em meio a boi maranhenses, em que o Boi doméstico, liga-
Ressalta-se como uma das características esse diversificado universo de atrações, a parti- do ao Santo (no caso São João, protetor–mor da
dos festejos juninos maranhenses o movimen- cipação marcante dos grupos de Bumba-meu- brincadeira), vinculado ao mundo de casa, fa-
to dos arraiais ou largos – no passado mais boi, inegavelmente o carro chefe da cultura miliar ao brincante (que o faz por devoção, para
intimistas e aconchegantes -, hoje influencia- popular maranhense e dos nossos festejos juni- se quitar como o alto, por gosto, por prazer) con-
dos pelo fluxo mercantil e turístico. Mas, esses nos, com seus mais de 200 (duzentos) conjun- vive par a par com o Boi espetáculo, ligado ao
verdadeiros redutos da alegria e da animação tos. Na verdade, o Bumba-Boi é a grande atra- mundo da rua, pressionado pelas demandas do
continuam a funcionar, como herança de uma
ção da festa, o seu animador por excelência, o turismo e pelas exigências da mídia, que busca,
tradição que se ressignifica, assumindo as mar-
seu maior catalizador de atenções. A sua pre- sobretudo, um retorno financeiro.43
cas dos novos tempos. E, assim, articulam a
sença é a mais solicitada, sendo ansiosamente Inegavelmente vivemos tempos de transi-
dimensão popular da festa com o incentivo e
esperada, conforme enfatiza este depoente: ção, onde são visíveis as misturas, advindas de
apoio oficiais, particularmente no patrocínio das
apresentações das brincadeiras e da infra - es- influências variadas, por vezes distantes das
trutura básica (som, luz, por vezes palco, deco-
“É, o boi é quem domina mesmo tudo. O raízes do saber popular, que precisa servir de
pessoal todo fica doidinho quando ele apa- base ao funcionamento dos grupos. Há de se
ração, locução...). Nesses espaços festivos as
rece e vai atrás como se estivesse enfeitiça- considerar sempre o nosso jeito de brincar, sob
pessoas manifestam a sua alegria, de forma es- do. Deixa tudo mais de lado pra seguir de
pontânea, numa comemoração individual e pena de comprometer o especifico do “ser
perto a danada dessa nossa brincadeira gos-
coletiva, através do canto, dança, aplausos (na maranhense”. É preciso estabelecer pontes,
tosa, que mexe tanto com a gente. E ne-
participação com grupos que se apresentam), nhum arraial que se preze pode deixar de
interlocuções entre a tradição e a modernida-
“comilança”... O ambiente favorece, pois os ar- apresentar ela, senão, sabe como é, não de, diálogos onde se busque pontos de con-
raiais ou largos são formados por um conjunto anima. Sei lá, São João sem Boi fica sem vergência. São diálogos interculturais desen-
de barracas de palha, que oferecem aos fre- graça, uma coisa assim fria, esquisita, que volvidos com base na horizontalidade e com-
qüentadores uma variedade de atrações, sobre- não é da gente, por isso não pega mesmo. plementariedade, trabalhando conflitos e di-
tudo em termos culinários, com numerosos qui- Não ganha aquele pique”. 42 vergências. Este é um grande desafio!
tutes salgados e doces peculiares da cozinha
típica maranhense, além de bebidas. Entretanto, os Bois do Maranhão vivem Referencias Bibliográficas
Pode mesmo se dizer que a cidade de hoje em meio a contradições e desafios, como
A grande festa dos batalhões. Folha do Maranhão,
São Luís transforma-se num grande arraial, bem demonstram os dois exemplos a seguir:
São Luís, 30 jun.2002.
reunindo esse conjunto de arraiais ou largos Sexta – feira: 19 de junho de 2009 – Cair da Bumba-bois reverenciam São Pedro. O Estado do
que funcionam aqui, ali, acolá: no centro, em tarde. Cortejo de Grupos Populares descendo Maranhão, São Luís, 29 jun.2004. Caderno Alter-
bairros, ruas, praças, residências, igrejas, “vi- da Praça Deodoro, pela Rua Grande, rumo à nativo.
vas” 41, colégios, bares, restaurantes, institui- Praia Grande/ Centro histórico de São Luis. CARVALHO, Alba Maria Pinho de. Ciências Soci-
ções, associações e sedes de grupos. Os vários Dentre os grupos está o Boi Unidos de Santa Fé, ais, políticas e valores: dos clássicos aos contempo-
segmentos da população reúnem-se animada- Sotaque da Baixada, do Bairro de Fátima, sob o râneos. In: III Encontro Estadual de Ciências Soci-
mente, passando a viver sob o jugo de uma comando de José de Jesus Figueiredo – o “Zé ais no Ceará. Universidade Federal do Ceará. For-
grande folia. Esse quadro de animação junina Olhinho”. Sorridente, simpático, brincalhão, ele taleza: Nov. 2009 (mimeo).
ocorre, igualmente em grande número de mu- CARVALHO, Maria Michol Pinho de. Matracas
conduz, com galhardia e orgulho, o seu Bumba,
nicípios do interior do Estado com semelhante que desafiam o tempo: é o bumba-boi do Mara-
onde se destacam as vistosas figuras dos Ca- nhão... São Luís:[s.n], 1995. 268p.
envolvimento dos seus moradores.
zumbas ou Cazumbás, no colorido das suas ba- _____.Cultura Popular. Parte IV. Perfil Cultural e
Mas, a grande atração da festa são as brin-
cadeiras, que se apresentam capitaneadas tas ou fardas, máscaras, caretas, algumas no alto Artístico do Maranhão. São Luís: Associação de
pelo Bumba-meu-boi, nos seus diversos tipos. das suas torres - as chamadas igrejas – e seus Apoio à Musica e à Arte do Maranhão/Compa-
sonoros badalos/chocalhos. Após a saudação nhia Vale do Rio Doce, 2006. p.143-215.
E, ao lado do boi, marcam presença grupos
amigável pergunto a esse famoso amo cantador _____.Apesar de tudo, com São João no coração.
peculiares da tradição maranhense: Tambor
pelo batismo do seu Boi, no dia 23 de junho, e O Imparcial, São Luís, 26 de jun.2009, São João/
de crioula, Cacuriá, Quadrilha, danças do Arraial – Ponto de Vista, p.14.
Coco, Portuguesa, do Lelê, do Lili, do ele, responde: “ah!... já batizei dia 11 de junho,
COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE.
Caroço, do Boiadeiro, do Facão, da Fita, porque pra frente tinha muitos compromissos Boletins nºs 5, 32, 33 e 38, jun.1996, ago.2005,
Bambaê de caixa, Chegança, Passarinho, que não podia perder.” E, diante de uma nova dez.2005, e ago.2007. São Luís.
Cigana, Sertaneja... Ocorrem, também sho- pergunta: “ mas, Olhinho, e onde está São João?” NUNES, Izaurina de Azevedo (org) Olhar, memó-
ws de artistas, forró pé de serra, baile, concur- Ele bate no lado esquerdo do peito e responde ria e reflexões sobre a gente do Maranhão. São Luís:
sos, bingo, pescarias, jogos de sorte, leilão ban- de maneira arteira: “está aqui, no coração...” Comissão Maranhense de Folclore, 2003. 344p.

40 Publicado em O Estado do Maranhão, de 13 de junho de 1992 e republicado no Boletim da Comissão Maranhense de Folclore – CMF, nº 5 de junho de 1996,
p.10.
41 Espaços públicos criados pelo Governo do Estado do Maranhão em bairros da capital, onde ocorrem programação festiva, em períodos como o Carnaval e
o São João.
42 Matracas que desafiam o tempo... id ib, p.45.
43 Artigo do Jornal “O Imparcial”, de Carvalho, Maria Michol Pinho de Carvalho, publicado em 26 de junho de 2009, p.14.
Boletim 43 / agosto 2009 13

Janela do Tempo
NA CASA DE NAGÔ
44
Ruben Almeida45

À
Rua Cândido Ribeiro está instalado o
velho terreiro de Nagô, onde as anti
gas mineiras fazem subir ao espaço o
som dos xequerés, abatás e agogô chaman-
do os seus amigos para o brinquedo, as dan-
ças recordativas dos bons ou maus tempos
dos seus antepassados.
Essa casa foi montada pelas velhas Jo-
sefa e Maria Joana e outras africanas que
bem conheciam o rito afro-indígena esta-
belecido no Brasil.
Ali esteve até novembro de 1957, a ve-
lhinha Maria Gregória, Guili, de cabeça
alvinha e o rosto enrugado, trêmula, porém,
cheia de esperança, que já contava mais de
noventa anos de idade. Guili era neta da
dona da antiga casa de Nagô, velha conhe-
cida por Josefa de Nagô.
Naquela casa, Maria Gregória repre-
sentava os primeiros dançantes de Nagô,
as antigas nagoenses que de belas toalhas
de renda, bonitas saias estampadas e sem-
pre cantando, faziam vibrar, nas almas de
seus avoengos, as saudações, os seus gritos
de fraternidade.
Os pais de Guilhermina, que eram ver-

Pierre Verger - 1947


dadeiros africanos e desapareceram neste
Estado, vieram como “contrabando”, com
poucos anos de nascidos.
Na casa de Nagô, essa anciã, que já se
esquecia de muitas coisas, vivia cercada não
só do respeito de todas como da perfeita ami- um poço ali construído por Honorina. Dois instrumentos de evocação da saudade e da
zade das filhas de dona Cervana ou Silvânia e meses depois de tirada essa fotografia, Guili fé num Deus protetor, Salvador dos mun-
dos outros senhores e damas do terreiro. partiu para a eternidade. dos e das almas.
Ao lado dessa preta baixinha está como Do barracão das danças, que é peque- As dançantes, no rigor dos ritmos, da-
dirigente da casa de Nagô, a sra Honorina no e fica ligado à casa de morada, tem saído vam os passos, e encenavam de modo admi-
Ferreira que é filha do conhecido Rei do um verdadeiro cordão de mineiras para for- rável, sob o controle seguro de Honorina
Cutelo e dona Cervana. mar novos terreiros. Ferreira.
Com ela estão também as velhinhas Há mais de dez anos, não tinha oportu- Os cânticos variados e bem respondidos,
Cristina, que tem por patrão Rei Sebastião nidade de assistir às danças nesse terreiro de tirados por Marcelina Ribeiro, exaltando as
e Rei de Junco, Rosa Lima e outras. São mina e, então, num dos dias de dezembro de almas das velhas mineiras, se confundiam
essas as mais respeitáveis figuras da casa, 1957, a convite da sra. Honorina, dirigente com os sons rítmicos dos abatas e xequerés.
que ali muito imploram a misericórdia de daquela casa, acompanhado de diversas pes- O dançar de Raimunda Durans Libera-
Santa Bárbara para os sofredores, para os soas amigas fui escutar os toques e apreciar to, que ali estava, apesar de gorda, revelava
seus irmãos de ordem. Na sala da casa de as manifestações dos chefes daquele barra- destreza e resistência, dando-me a impressão
Nagô, está o retrato de dona Almerinda cão, onde vibraram tambores e cabaças, em de estar diante das mineiras de outrora que
Coêlho, viúva do sr. Boabdil Coêlho, anti- homenagem a Sta. Bárbara. enchiam a casa de Nagô nos dias de festas.
go alfaiate de São Luis. Dona Almerinda, Os toques produzidos pelos afinadíssi- Raimunda que é filha de Averequete,
que foi uma das maiorais daquele terreiro, mos tambores, dada a agilidade e eficiência um dos respeitáveis, senhor e mestre, nos
recebia D. Pedro Angácio. Nas fotos que dos tocadores, confirmaram, perfeitamen- terreiros de Minas, quando atuada mostra-
apresento, vêem-se à frente da casa de Nagô te, a tradição daquela casa onde nas priscas va-se dominada por uma força que a eleva-
a velhinha Honorina, no quintal, junto a eras, os abatazeiros faziam dos tambores va a um ponto máximo de atração material.

44 Transcrito de Prosa, poesia e iconografia/Ruben Almeida. Coordenada por Alberico Carneiro Filho e Chagas Val. São Luís: SECMA, 1982. p.250-251 (Col.
Série Inéditos 2).
45 Maranhense de ascendência portuguesa, falecido em 1979; catedrático de Língua Portuguesa do Liceu Maranhense e da Faculdade de Filosofia do Maranhão
e professor de Direito Civil da Faculdade de Direito do Maranhão; estudioso e grande apreciador da cultura popular; e membro fundador da Comissão
Maranhense de Folclore.
14 Boletim 44 / agosto 2009

TAMBOR DE MINA NO MARANHÃO E NO


PARA: REPENSANDO ESTUDOS CLÁSSICOS46
Mundicarmo Ferretti47

A pesar da religião de matriz africana ser


conhecida na literatura brasileira desde
o inicio do século XX, com a publicação de
passando em Belém, argumentou que o es-
tudo do sincretismo entre religiões africa-
nas mereceu muita atenção de antropólo-
Tipologia de Roger Bastide

Bastide aponta quatro tipos de inte-


Os africanos no Brasil (RODRIGUES, gos e de outros pesquisadores, mas continu-
gração entre religião afro-brasileira (can-
1977 – orig. de 1905), e de se afirmar no ava existindo uma lacuna na literatura an-
domblé) e religião indígena (catimbó):
Maranhão que a Casa das Minas, conside- tropológica sobre o sincretismo afro-amerín-
Tipo 1 - Separação entre candomblé
rada o terreiro de mina mais antigo, funci- dio, apesar da crescente necessidade do seu
(religião “africana”) e catimbó (religião “in-
ona em São Luís desde a primeira metade estudo, decorrente do crescimento da um-
dígena”) e diferenciação radical entre elas,
do século XIX, o Tambor de Mina só se banda, surgida para ele nos anos 30, como
existente em terreiros tradicionais de ne-
tornou conhecido na literatura afro-brasi- religião nacional, do confronto entre reli-
gros, fechados a influencia da religião indí-
leira no final da década de 40 do século XX, gião afro-brasileira e religiões indígenas da
gena, onde cada iniciado (com raras exce-
com a divulgação das pesquisas de Nunes Amazônia, decorrente da participação de
ções) recebe uma só entidade (divindade
Pereira (1947); do relatório da Missão de nordestinos em programas governamentais
africana) e esta se comunica “gestual e
Pesquisa Folclórica, criada por Mário de de ocupação da Amazônia e da transferên-
musicalmente” - encontrado em terreiros
Andrade (FERRETTI, M, 2006), publica- cia de populações do Nordeste oriental para
originais e em algumas casas atuais, como
do 10 anos depois, por Oneida Alvarenga o Maranhão e o Pará - estes visitados em
Engenho Velho, Gantuá, Opô Afonjá (BA)
(1948); da tese de Octávio da Costa Eduar- 1938 pela Missão de Pesquisa Folclórica (AL-
e Casa das Minas (MA). A introdução dos
do (1948); de trabalhos de Pierre Verger VARENGA, O 1948 a; 1948b)48.
dois primeiros terreiros nessa lista se dá,
(1990), e de comentários de Roger Bastide Para facilitar a análise das experiências
apesar de Edson Carneiro (1969, p. 62 –
sobre aquela religião afro-brasileira em obras de integração entre “deuses africanos” e
original de 1948) de ter visto se cantar e
publicadas nos anos 60 e inícios dos anos “espíritos indígenas”, Bastide construiu
dançar neles para caboclo (entidade não
70, especialmente em: “As religiões africa- uma tipologia destacando características
africana), e do último, apesar das informa-
nas no Brasil – vol. 2” (1971), “As Américas apresentadas no passado pelos terreiros ori-
ções publicadas por Nunes Pereira (1979,
negras” (974) e “O encontro entre deuses ginais e as exibidas naquela época (1973)
orig. de 1947) e, mais tarde, por Sergio Fer-
africanos e espíritos indígenas”, conferen- pelas casas conhecidas como tradicionais;
retti (1986) de que os voduns da Casa das
cia preparada para um Colóquio em Dakar, pelos terreiros menos ortodoxos, abertos a
Minas, com raras exceções, se comunicam
em 1973, que não chegou a proferir, publi- influencias de outras religiões (como os
pela palavra.
cada um ano após a sua morte, incluída em bantus); e pelos terreiros de umbanda, nem
Tipo 2 - Existência de culto africano e
“O sagrado selvagem e outros ensaios” sempre definidos como afro-brasileiros).
indígena na mesma ‘seita’ – encontrado
(2006). Devido à importância de Roger Bas- Deixando de lado a questão do sincre-
principalmente nas casas bantu, onde cada
tide na divulgação daqueles estudos, pre- tismo com o catolicismo, por já ter sido
iniciado recebe um “deus africano” e um
tendemos aqui analisar a sua visão sobre as bastante estudado, e debruçando-se sobre
“espírito indígena selvagem”, em celebrações
religiões afro-brasileiras do Maranhão e do o candomblé, como paradigma da religião
realizadas para eles em dias separados. No
Pará e o enquadramento de suas manifes- africana mais antiga, e sobre o catimbó,
ritual de caboclo (candomblé de caboclo) há
tações (mina, pajelança, batuque, babassuê como paradigma da religião indígena origi-
transe grupal e danças guerreiras com tam-
e outras) na tipologia construída por ele nal, Bastide apresenta diferentes tipos e
bor (não encontrados no catimbó original),
para descrever e explicar a integração ocor- graus de sincretismo entre aquelas duas
devido a influencia do culto às entidades
rida no Brasil entre as religiões de povos religiões.
africanas (candomblé). Bastide inclui nes-
africanos e indígenas - mais especificamen- Embora o candomblé e o catimbó se-
se segundo tipo o babassuê/Barba Soeira
te entre o candomblé e o catimbó, conside- jam mais representativos do Nordeste Ori-
(terecô?) encontrado em Belém pela Mis-
rados por Bastide representantes “puros” ental do que da Amazônia e do Maranhão
são Folclórica (ALVARENGA, 1948), afir-
daquelas religiões e supostamente equiva- (“meio Norte”), como Bastide tenta enqua-
mando ter desaparecido, esclarecendo que
lentes à mina, à pajelança – e os pressupos- drar as denominações religiosas do Mara-
nele parece haver menos entrecruzamento
to de sua tipologia. nhão e do Para em sua tipologia, pretende-
dos cultos africano e indígena do que no
mos examinar aqui a aplicabilidade da refe-
batuque, embora nele a separação entre as
O encontro de deuses africanos rida tipologia na analise da integração das
entidades de origem diferente ocorresse
com espíritos indígenas divindades africanas (orixás e voduns) e das
mais no pensamento (habitam espaços di-
não africanas (caboclas) nos terreiros mara-
ferentes) do que ritualmente49. Ao se refe-
Roger Bastide em O encontro de deu- nhenses e paraenses, já que mina e pajelan-
rir ao babassuê, Bastide parece não ter se
ses africanos com espíritos indígenas, ela- ça apresentam profundas diferenças do
dado conta de sua relação com a religião
borado em 1973 após uma viagem ao Brasil candomblé e do catimbó.

46 Apresentado no VIII Encontro Humanístico – UFMA/CCH, 17-21/11/2008 – Mesa Redonda 42: Intelectuais & cultura negra: saberes e práticas na
translocalidade (ANPUH-MA). Retoma artigo publicado em 1989 na revista Del Caribe (Santiago de Cuba) Ano VI, n.13, p.3-9.
47 Dra em Antropologia; Professora Titular da UEMA; Professora dos Programas de Pós-Graduação em Políticas Públicas e em Ciências Sociais e do
GPMINA/UFMA; Membro da Comissão Maranhense de Folclore.
48 Após o falecimento de Bastide foram publicadas importantes obras sobre religião afro-brasileira e encantaria amazônica como: LEACOCK (1975), PRANDI
(2001), MAUÉS e VILLACORTA (2008), FIGUEIREDO, A. (2009) e outras.
Boletim 43 / agosto 2009 15
CONTINUAÇÃO

afro-brasileira de Codó, de que fala Costa te interpenetração entre os cultos africa- das populações de baixa-renda e o gosto bra-
Eduardo (EDUARDO, 1948) e que nele nos e indígenas, ao contrário do que ocor- sileira para a improvisação, maior no can-
orixás, voduns e caboclos (que ali nem sem- re nas seitas mais africanas, consideradas domblé de caboclo do que dos rituais para
pre têm origem indígena, como ocorre com selvagens e inadequadas aos contextos ur- divindades africanas estimularam os afro-
os turcos e os filhos de reis europeus) eram banos atuais pelos umbandistas - no pan- descendentes a aceitar os espíritos dos ín-
invocados e recebidos na mesma seção - tal teão da umbanda, por exemplo, há lugar dios em seus cultos.
como na mina da Casa de Nagô, de São para migrantes (como a linha oriental, en- Embora a tipologia de Bastide tenha
Luís (MA), também descrita por aquele pes- tidades européias e outras). Bastide regis- sido elaborada a partir de suas pesquisas no
quisador, embora pudesse ser realizado no tra na umbanda duas tendências, uma en- Brasil e da analise da literatura sobre religi-
mesmo terreiro algum ritual especifico para fatizando elementos africanos, com inicia- ões afro-brasileiras publicada anterior e
caboclo, o que não ocorre na Casa de Nagô. ção dos pais-de-santo no candomblé, ten- posterior a elas, seu conhecimento é maior
O ritual realizado sem divindade africana dência hoje consolidada pelo movimento sobre o Nordeste Oriental, daí porque no
no terreiro paraense definido como babas- de reafricanização, a que já nos referimos, seu estudo sobre sincretismo afro-indíge-
suê e classificado como “linha de tauari” e que está sendo estudado em São Paulo na toma como parâmetro o candomblé e o
(cura ou pajelança) não observado em 1938 por Reginaldo Prandi e Vagner G. Silva catimbó. O contato de Bastide com terrei-
pelos pesquisadores da Missão Folclórica (PRANDI e SILVA, 1987). Atualmente, na ros de mina, batuque, babassuê e com a
por ser mais reprimido pela polícia do que capital paulista, terreiros que normalmen- pajelança negra (ou de negros) do Maranhão
o babassuê, batuque, e mina, e era realiza- te se enquadravam no quarto tipo passa-
e do Para foi pequeno, ocorrido em duas
do com maracá, sem tambor, e tinha estru- ram para o segundo ou mesmo para o pri-
rápidas viagens (1953 e 1973) e ele preten-
tura diferente dos realizados na mesma casa meiro, reivindicando igual ou maior pres-
dia fazer uma pesquisa na região, quando
para a “linha de vodum”, ao contrário do tígio no campo religioso afro-brasileiro
foi surpreendido pela morte. Suas hipóte-
observado por Bastide em relação ao can- como religião africana do que os saídos de
casas antigas, abertas por africanos, consi- ses e conclusões sobre elas foram apoiadas
domblé de caboclo.
deradas “puras”. em estudos de outros pesquisadores, às ve-
Tipo 3 - Descida de “deuses africanos”
zes usados com cautela, talvez porque apre-
e “espíritos e divindades da mitologia indí-
Os pressupostos da tipologia de Basti- sentava uma realidade muito diferente da
gena” - Tupã, Jurupari; espíritos indígenas
de e suas fontes sobre religião afro- encontrada por ele na Bahia, como o rela-
das florestas, dos lagos, cascatas, pedras (en-
cantados?) - na mesma sessão, mas em mo- brasileira do Maranhão e do Pará tório da Missão de Pesquisa Folclórica (BAS-
mentos distintos, entidades africanas pri- TIDE, 1971, p. 257)..
meiro e sem se misturar com as outras – Entre os pressupostos que apóiam a ti- Um dos maiores problemas da aplicabi-
próprio da macumba do Rio de Janeiro e, pologia de Bastide podem ser apontados: lidade de sua tipologia às manifestações
segundo Bastide, também encontrado no 1) O da existência no Brasil no passado religiosas afro-brasileiras naquele contexto
batuque ou tambor do Pará (hoje também e também no presente manifestações reli- geográfico (mina, babassuê, batuque) e de
conhecido como mina-nagô) por ele apre- giosas africanas em seu estado puro, como matriz indígena (pajelança – “linha de tau-
sentado como sincrético, com acentuada as conservadas nos candomblés do Nordes- arí”) está na identificação por ele realizada
tendência à interpenetração dos momen- te (e mina jeje do Maranhão); nesses terrei- de religião africana com o candomblé e da
tos destinados às diferentes entidades. Bas- ros, embora possam ser encontrados ele- religião indígena com o catimbó, menos
tide observa que talvez na macumba a mis- mentos do catolicismo, introduzidos antes encontrados no Maranhão e no Pará do
da abolição da escravidão, esses elementos que o tambor de mina e a pajelança e não
tura de entidades numa mesma seção não
não provocam alteração no sistema africa- confundíveis com aquelas manifestações
resulte em anarquia porque o pensamento
no, permanecendo ali lado a lado com ele; religiosas. Assim, embora a tipologia de
africano é compartimentado e rejeitaria a
2) A integração entre deuses africanos Bastide possa ser útil na analise das dife-
confusão de gêneros e que a interpenetra-
e espíritos indígenas em terreiros de reli-
ção dos momentos de entidades de origens renças apresentadas pelos terreiros no to-
gião afro-brasileira, desencadeada pela par-
diversas seria maior nas macumbas onde cante à integração entre “deuses africanos”
ticipação de mulatos e brancos de classe
há maior participação de mulatos e bran- e “espíritos indígenas”, apresenta muitas
média (como na macumba) e pela valoriza-
cos de classe baixa. ção do índio, ocorrida depois da indepen-
falhas em relação ao enquadramento das
Tipo 4 - Ausência de descida de orixás dência, foi incrementada em contextos formas de religião africana e indígena no
(deuses) e incorporação com caboclos e pre- urbanos de população miscigenada (física Maranhão e Pará. O babassuê (encontrado
tos velhos (“espíritos desencarnados de ne- e culturalmente), por exigências de adoção em 1938 em Belém, pela Missão Folclórica,
gros e de índios), que vêm para trabalhar de formas “mais civilizadas”, como ocorreu na casa de Satiro) estaria melhor situado
(fazer caridade) – forma adotada pelo espi- na umbanda; no tipo três, junto com o batuque que pa-
ritismo de umbanda, surgido aproximada- 3) O pensamento africano é comparti- rece corresponder ao que hoje é denomi-
mente em 1930 (e não em 1908, como apre- mentado e rejeitaria a confusão de gênero; nado ali mina nagô, já que no 2º tipo de
sentado atualmente por lideranças e inte- o sincretismo entre os cultos africanos e integração entre deuses africanos e espíri-
lectuais umbandistas), liturgicamente pró- indígenas é maior nos terreiros de classe tos indígenas as celebrações para as duas
ximo da macumba, embora apresentado média, onde a literatura antropológica é categorias de entidades ocorrem geralmen-
como religião nacional; seguido principal- mais conhecida, do que nos de classe baixa, te em dias diferentes, o que parece estra-
mente por mulatos e brancos de classe mé- onde há também menor acesso à cultura nho aos terreiros do Maranhão e do Para
dia que conhecem a literatura antropológi- do colonizador português. (Estaria aí apon- onde se entra em transe com as duas cate-
ca. Na umbanda a separação entre entida- tando a influencia da literatura antropoló- gorias de entidades espirituais na mesma
des ocorre mais no pensamento do que no gica no embranqueci mento ou moderni- cerimônia e, embora haja uma tendência a
ritual: os espíritos de africanos (pretos ve- zação dos terreiros?); se receber primeiro os voduns, estes podem
lhos) tendem a ser alocados em falanges 4) Os rituais religiosos dos terreiros dançar ao lado de entidades espirituais ca-
comandadas por orixás. Na umbanda exis- satisfazem necessidades lúdicas e artísticas boclas no mesmo momento do ritual.
16 Boletim 44 / agosto 2009

CONTINUAÇÃO

Bastide e mais em contato com a religião e não levá-los a encará-las como “nagô dege-
Conclusão
afro-brasileira? nerado” expressão por ele usada ao analisar
Nos estudos sobre religiões afro-brasi- os dados da Missão de Pesquisa Folclórica
Bastide tem uma visão muito homogê-
leiras do Maranhão e do Pará, a tipologia de sobre o tambor de mina do terreiro de Ma-
nea da religião afro-brasileira daí, por exem-
Bastide deve ser usada criticamente a fim ximiana, em 1938, divulgados dez anos de-
plo, reunir sob a mesma categoria, candom-
de não desviar o olhar dos pesquisadores pois por Oneyda Alvarenga (BASTIDE,
blé, a Casa das Minas (MA) e o Opo Afojá
para as peculiaridades apresentadas por elas 1971, p. 257).
(BA). É também levado a encarar tudo o que
foge ao seu modelo de pureza nagô e o que
não pode ser visto como influencia do ca- REFERENCIAS
tolicismo como sincretismo com a religião
indígena (a não ser no caso da umbanda, ALVARENGA, Oneyda. Tambor de mina e tambor de crioula. Prefeitura Municipal
onde destaca a presença do Kardec ismo). de São Paulo: 1948.
Assim, um terreiro para ser tradicional ne- ————. Babassuê. Prefeitura Municipal de São Paulo: 1948.
BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil – vol. 2 São Paulo: Pioneira/EDUSP,
cessita ter orixás que não se comuniquem
1971 (Ed. Orig. 1960);
pela palavra, panteão integrado só por deu-
————. As Américas negras. São Paulo: DIFEL/EDUSP, 1974 – Ed. Orig. 1967.
ses que vieram da África e são conhecidos ————. O encontro entre deuses africanos e espíritos indígenas. In: O sagrado
por nomes africanos etc. Como já nos refe- selvagem e outros ensaios. São Paulo: Comp. das Letras, 2006 (Ed. Original de 1997
rimos anteriormente, na Casa das Minas – texto produzido em 1973).
os voduns conversam com a assistência, no ————. O sagrado selvagem e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras,
Opo Afonjá os iniciados tem mais de um 2006 – Ed. Original de 1997).
orixá (o ajunto) e a maioria das casas yoru- CARNEIRO, Edison. Candomblés da Bahia. Rio de Janeiro: Ed. De Ouro, 1969
banas tradicionais tem caboclos, como o (orig. 1948)
Alaketu da Bahia e a Casa de Nagô do Ma- EDUARDO, Octávio da. The negro in Northern Brazil, a study in acculturation.
ranhão. Adaptação ao novo contexto, sin- New York: J.J. Augustin Publisher, 1948.
cretismo com outra cultura africana (ban- FERRETTI, M. Desceu na guma: o caboclo do tambor de mina em um terreiro de
tu, por exemplo), ou influencia da religião São Luís. 2 ed. São Luís: EDUFMA, 2000.
————. Encantaria de “Barba Soeira”. Codó, capital da magia negra?. São Paulo:
indígena?
Siciliano, 2001.
Geralmente quando se aponta o sin-
————. Tambor-de-mina em São Luís: dos registros da Missão de Pesquisas Folcló-
cretismo afro-ameríndio não se faz um es- ricas aos nossos dias. Revista Pós Ciências Sociais. São Luís, v.3, n.6, jul./dez. 2006,
tudo da cultura indígena para ver até que p.89-105.
ponto é dela os traços apontados como FERRETTI, Sergio. Querebentan de Zomadonu, etnografia da Casa das Minas. São
oriundas da cultura indígena. Assim, o até Luís: EDUFMA, 1986 (3ª Ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2009).
que ponto a pajelança dos negros do Mara- FIGUEIREDO, Aldrin M. de. A cidade dos encantados: pajelança, feitiçaria e religi-
nhão poderiam ser encarada como o catim- ões afro-brasileiras na Amazônia – 1870-1950. Belém: EDUFMA, 2009.
bó e poderia ser interpretada como repro- FIGUEIREDO, Napoleão. Pajelança e catimbó na região bragantina. Ver. Inst. Hist.
dução fiel da religião indígena ou seria uma e Geografico. Alagoas, 1974/1976.
forma híbrida – afro-ameríndia-européia – HISTORIA do Imperador Carlos Magno e os doze pares de França. Tradução de
que depois de construída passou a realizar Jerônimo de Carvalho. Rio de Janeiro: Livraria Império, [s.d.]
LEACOCK, Seth and Ruth. Spirits of tha deep: a study of na Afro-Brazilien Cult.
seus rituais nos terreiros separados dos ri-
Nova York, Anchor, 1975.
tuais da mina (religião afro-brasleira) e da
LOMBARDI, Carlos. Os Orixás: Nana Buruku. São Paulo: Ed. Três, s/d.
umbanda? MAUÉ, Raymundo Heraldo e VILLACORTA, Gisela Macambira. Pajelanças e Reli-
Como também já assinalamos, os ca- giões Africanas na Amazônia. Belém: EDUFPA, 2008.
boclos e entidades não africanas do tam- METRAUX, Alfred. A religião dos Tupinambás e suas relações com as demais tribos
bor de mina raramente são representadas tupi-guaranis. 2ª Ed., São Paulo: Ed. Nacional/EDUSP, 1979.
como “espíritos da mitologia indígena” e PEREIRA, Manoel Nunes. A Casa das Minas: uma contribuição ao estudo das sobre-
mesmo como “espíritos de índios mortos” vivências do culto dos voduns, do panteão Daomeano, no Estado do Maranhão-
ou “espíritos selvagens”. Muitos são turcos Brasil. 2 ed., Petrópolis: Vozes, 1979 (Ed. Original de 1947).
conhecidos em velhos romances trazidos PRANDI, Reginaldo (Org.). Encantaria brasileira: o livro dos mestres, caboclos e
para o Brasil pelos portugueses, como a encantados. Rio de Janeiro: Pallas, 2001
Historia do Imperador Carlos Magno e os PRANDI, Reginaldo e SILVA, Vagner G. Reafricanização e Candomblé em São Pau-
doze pares de França, e certo número de lo: um rito de iniciação ao oráculo de Orumilá. Trabalho apresentado ao XI Encon-
tro Anual da ANPOCS, 1987 (64p.).
entidades não africanas da mina, como Rei
RODRIGUES, Raimundo Nina. Os africanos no Brasil. 5 ed., São Paulo: ED. Naci-
Sebastião, Dom Luís, Dom João são no-
onal, 1977 (Ed. Original de 1905).
bres europeus com existência histórica. SANTOS, Jocélio T. dos. Ascendência africana e identidade étnica. O caboclo no
Será que não teriam penetrado na religião Candomblé – um estudo étnico-simbólico no contexto bahiano. USP. 1987 (Trab. p/
de matriz africana mais devido ao costume seleção de mestrado).
africano de integrar em seu panteão enti- SANTOS, Micenio Carlos L. dos. Caboclo: da África ou do Xingu? Recife: Funda-
dades cultuadas nos lugares por eles ocupa- ção Joaquim Nabuco – Centro de Estudos Folclóricos (CAD. Folclore 144 – mar. 84).
dos, como aconteceu com Nana, divinda- VERGER, Pierre. Uma rainha africana mãe de santo em São Luís. Revista USP, São
de daomeana adotada pelos conquistado- Paulo, n.6, p.151-158, jun./jul./ago. 1990 (publicado em 1953 com o titulo “Le culte
res yoruba (LOMBARDI, s.d.), do que pelo dês voduns d´Abomey aurait-il été apporte à Saint-Louis de Maranhon par la mère
sincretismo com a religião indígena ou com du roi Ghézo?”).
o catimbó, sua expressão privilegiada por
Boletim 43 / agosto 2009 17

RESUMOS E RESENHAS
MONOGRAFIA manifestação possa ser usada como Descrição e análise do catolicismo
2009 meio de se prestar homenagens a san- popular através da romaria de São
COSTA, Zayda Cristina Rocha. tos católicos e entidades espirituais Raimundo Nonato dos Mulundus em
Tambor de Crioula Catarina Mina e do Tambor de Mina. Vagem Grande – Maranhão.
as novas gerações: conhecendo e re- GOMES, Clícia Adriana Abreu. O
fazendo história. MONOGRAFIA. espetacular e o risível em Bois de Za- SILVA, Laura Jane Nunes e. Pedra
Educação Artística – Licenciatura em bumba: a teatralidade como ação sim- de força: a função terapêutica da Um-
Artes Cênicas. São Luís, UFMA, bólica em cinco enredos cômicos. banda no Terreiro Mirim “Caboclo
2009, 64 p. Orientadora: Profa. Iza- MONOGRAFIA. Licenciatura em Ita”. MONOGRAFIA. Bacharelato
bel Mota Costa - Mestre em Multi- Educação Artística. São Luís, em Ciências Sociais. São Luís,
meios. UFMA, 2008, 118 p. Orientador: UFMA, 1995, 55 p. Orientador:
RESUMO Prof. Dr. Arão Nogueira Paranguá de Prof. Dr. Sergio F. Ferretti.
Este trabalho apresenta uma pesqui- Santana. RESUMO
sa sobre Tambor de Crioula, especi- RESUMO Estudo sobre a Umbanda como reli-
ficamente sobre o Tambor de Criou- A teatralidade cômica em grupos de gião afro-brasileira que tem se firma-
la de Catarina Mina, a sua criação e bois de zabumba é objeto da presen- do na sociedade atual como um “cul-
formação, assim como, a sua relação te monografia, na qual o estudo cen- to de aflição”. Abordam-se aspectos
com os seus brincantes, com outros trou-se na análise e interpretação de históricos, a questão da marginalida-
grupos e órgãos públicos municipais cinco enredos cômicos (matanças) ob- de e legitimação, e a função terapêu-
e estaduais. Fala-se da busca de iden- tidos durante a pesquisa de campo e tica. São enfocados ainda ângulos
tidade através de uma manifestação bibliográfica. Considerando o bum- descritivos e de rituais do terreiro pes-
cultural, no caso o Tambor de Cri- ba-meu-boi um contexto intelectual, quisado.
oula, e algumas modificações e influ- ou seja, permeado por trocas cons-
ências sofridas, por interesses e fato- tantes entre culturas, tal como con- DISSERTAÇÃO
res diversos. Mostra-se como as clas- cebe a etnocenografia, o estudo apro- 2009
ses populares ainda são, e muitas ve- xima-se de uma abordagem interpre- SILVA, Fabio Henrique Monteiro.
zes se deixam manipular, quando é tativa estabelecendo diálogo fecundo O reinado de momo na terra dos tu-
do seu interesse, ou por acreditar que com a antropologia, em termos teó- pinambás: permanências e rupturas
assim é melhor, e a resposta de novos rico-metodológicos e com os estudos no carnaval de São Luís (1950-1996).
grupos de Tambor de Crioula surgi- acerca das “culturas populares”. Des- DISSERTAÇÃO Mestrado em His-
dos na Ilha do Maranhão, São Luís, te modo, a pesquisa visou considerar tória. Teresina, UFPI. 2009, 151p.
com uma nova proposta, e a busca o bumba-meu-boi a partir de uma Orientador: Dr. Fabiano de Souza
de que a educação e a cultura lado a analise local, observando a teatralida- Gontijo.
lado, podem dar um novo rumo para de cômica a partir da perspectiva da RESUMO
os afro-descendentes que preserva- teoria teatral contemporânea e de Trata da festa carnavalesca ludovicen-
ram e cultivaram o Tambor de Cri- reflexões sobre o riso e o risível no se durante o período de 1950 a 1996,
oula até os dias atuais. âmbito das ciências sociais e da filo- momento em que o poder público
sofia. Assim, as interpretações das começou a se preocupar em organi-
2008 mensagens cômicas evidenciam uma zar o folguedo de momo. Nesse sen-
GALVÃO, Ottavio Nava. As faces linguagem alusiva e transgressora re- tido, o carnaval de São Luís é tratado
da devoção no Tambor de Crioula: lacionada de um lado a interpretação neste trabalho à luz das memórias im-
um estudo nos terreiros de Tambor conflitiva entre os setores populares pregnadas de poesia dos brincantes
de Mina e no catolicismo popular. e os setores hegemônicos, própria do da folia momesca. As transformações
MONOGRAFIA. Bacharelato e Li- meio rural descrito no enredo básico que a festa carnavalesca sofreu duran-
cenciatura em Ciências Sociais. São do bumba-meu-boi, e de outro aos te- te essas décadas foram a grande pre-
Luís, UFMA, 2008, 66 p. Orienta- mas mais prosaicos da vida cotidiana ocupação do referido trabalho. As-
dor: Prof. Dr. Sergio F. Ferretti. com o objetivo de atrair o publico. sim, compreendi o folguedo momes-
RESUMO co como mais uma das festas que fa-
Este trabalho analisa a devoção pre- 1995 zem parte de uma cidade que tem
sente no Tambor de Crioula e de BATISTA, Ana Socorro R. Braga. A como característica anual os festejos
como ele é usado em festas católicas Romaria de São Raimundo dos Mu- cujos brincantes se encantam com
e no Tambor de Mina. Como se faz a lundus: Um estudo sobre o catolicis- seu fazer festivo. Desse modo, tive
sua presença em uma procissão para mo popular em Vagem Grande – Ma- como preocupação mostrar as mu-
São Benedito e em duas festas de ter- ranhão. MONOGRAFIA. Licencia- danças que o carnaval sofreu e, para
reiro. O estudo considera a inserção tura em Educação Artística. São isso, foi necessário compreender
desta brincadeira em locais religiosos Luís, UFMA, 1995, 70 p. Orienta- quais as mudanças sofridas pela pró-
e como o sincretismo entre dois seg- dor: Prof. Dr. Sergio F. Ferretti. pria cidade, bem como os reflexos das
mentos cria condições para que esta RESUMO mesmas na forma de brincar o car-
18 Boletim 44 / agosto 2009

CONTINUAÇÃO

naval. Assim, a história do carnaval RESUMO afro-maranhense, na cidade de São


dos cordões, blocos, tribos e escolas Análise das representações em torno Luís, estrutura-se pelo signo da mul-
de samba é compreendida desde o da idéia de trabalho, elaborada a par- tiplicidade. Ritualísticas como o tam-
período em que se brincava o carna- tir das construções próprias do cam- bor de mina, umbanda, canjerê, pa-
val de forma espontânea como um po intelectual e de sua operacionali- jelança ou cura, baião das princesas,
alargamento das brincadeiras familia- zação nos terreiros de tambor de e mais recentemente o candomblé,
res até o início do concurso carnava- mina, em São Luís. Trata da relação são desenvolvidas nas celebrações pú-
lesco que culminou com a feitura de entre os agentes do campo intelectu- blicas que acontecem no interior dos
uma passarela do samba. A passarela al e do campo religioso afro-brasilei- terreiros. Neste trabalho proponho
do samba tornou-se, então, o elemen- ro, assim como das estratégias dos ter- analisar o movimento de expansão,
to essencial para a compreensão das reiros de tambor de mina para existir legitimidade, prestígio, desencadeado
mudanças que ocorreram no festejo. pelo sacerdote Euclides Menezes
e se reproduzir no espaço social.
Percorro, assim, neste trabalho, as Ferreira à frente da Casa Fanti-
memórias resgatadas, a poesia senti- Ashanti, no centro da dinâmica e po-
TESE
da e o ato de viver o mais belo carna- lemica (re)construção do universo
1999
val do tempo efêmero de cada folião. religioso afro-maranhense. O papel
PIRES, Álvaro Roberto. Ao rufar dos dos intelectuais nesse processo é im-
2005 Tambores: Casa Fanti-Ashanti, intelec- portante, considerando a elaboração
ABREU, Marilande Martins. Tradi- tuais e a (re)construção do universo reli- de substanciais trabalhos realizados
ção e Tambor de Mina: A Tradição gioso afro-maranhense. TESE. Douto- por esses profissionais no terreiro
como estratégia de existência dos Ter- rado em Ciências Sociais. São Paulo, citado, os quais aumentam o capital
reiros de Tambor de Mina. DISSER- PUC-SP, 1999, 136 p. Orientador: Prof. social de Euclides Menezes Ferreira,
TAÇÃO Mestrado em Ciências Soci- Dr. Rinaldo Sérgio Vieira Arruda. credenciando-o a uma posição desta-
ais. São Luís, UFMA, 2005, 182p. Ori- RESUMO cada nos rumos que serão dados a
entadora: Maristela de Paula Andrade. O universo religioso da comunidade religião afro-maranhense.

Notícias – Roza Santos


>Vitória-ES sedia XIV Congresso >INCR DO BLOCO
Brasileiro de Folclore TRADICIONAL DO
C om o tema Folclore, Diversidade Cultural e Políticas Públicas no Século
XXI a Comissão Espiritosantense de Folclore e a Comissão Nacional de
Folclore, sob as presidências dos professores Eliomar Mazzoco e Lourdes Mace-
MARANHÃO
A Prefeitura de São Luis, através da
nas, realizam o XIV Congresso Brasileiro de Folclore no período de 24 a 29 de Fundação Municipal de Cultura-FUNC,
novembro de 2009, na capital capixaba, Vitória. está realizando o Inventário Nacional de
Referências Culturais com vistas ao re-
gistro do Bloco Tradicional do Maranhão
>FESTIVIDADE DE SÃO LUIS como patrimônio Imaterial e, assim, re-
ceber o título de Patrimônio Cultural do

O Terreiro de Iemanjá, da Fé em
Deus (de Jorge Itaci), realiza de
10 a 31 de agosto a festividade de
São Luis pelas ruas da comunidade
do Monte Castelo; e ladainha. No
dia 26, é realizado o derrubamento
Brasil. A equipe técnica é coordenada por
Maria Michol Pinho de Carvalho, conta
com a supervisão técnica de Elisene Cas-
São Luís Rei de França e do Divino do Mastro e o fechamento do Tribu- tro Matos e Lenir Oliveira, e apoio técni-
Espírito Santo. Os festejos começam na, prosseguindo os festejos nos dias co nas pesquisas de Flávia Andresa Oli-
com a abertura da tribuna régia pe- 27, 30 e 31 com ladainha e Tambor veira de Meneses. A coordenação reali-
las caixeiras do Divino e tambor de de Mina a Dom Luis; para Iemanjá zou treinamento da equipe de pesquisa
mina para a família de Légua Bogi. e para as princesas (encantadas). A em julho. Para comemorar o Dia Inter-
O ponto alto - dia 25 de agosto -, ladainha sempre está presente nas nacional do Folclore – 22 de agosto - a
data em que se comemora São Luís aberturas do tambor de mina. Os fi- FUNC realizou evento comemorativo
Rei de França e era celebrado a en- lhos-de-santo homenageiam (in me- com: exposição de fotografias de 18 a 31
tidade Dom Luis ‘na croa de Pai Jor- morian) o Babalorixá Jorge Itaci, fun- de agosto; seminário, 19 e 20; e apresen-
ge Itaci’, acontece: Alvorada; Missa dador da Casa, grande devoto do Di- tações dos blocos Os Vigaristas, Os Foli-
na igreja Nossa Senhora da Concei- vino Espírito Santo e de São Luís Rei ões, Os Gladiadores, Os Vigaristas do
ção, no Monte Castelo; procissão de de França. Ritmo, Os Indomáveis, Os Brasinhas,
Falcão de Prata e os Tradicionais do Rit-
mo, dia 21, na Fonte do Ribeirão.
50 Comunicóloga; Membro da CMF.
Boletim 43 / agosto 2009 19
CONTINUAÇÃO

>OLHARES SOBRE A CULTURA POPULAR


FALECIMENTO DE
A Semana de Cultura Popular realizada pela Superintendência de Cul- LIDER UMBANDISTA
tura Popular/CCPDVF em 2009, para comemorar o Dia Internacional do
Folclore, com o tema “Olhares sobre a cultura Popular Maranhense” desta- Morreu aos 67 anos de idade, dia 21
de julho, após lutar contra um câncer de
cou a fotografia e a pesquisa como elemento de registro e salvaguarda da
garganta desde 1998, o líder umbandis-
manifestações populares. No período de 17 a 21 de agosto realizaram-se pa- ta Sebastião Jesus Costa, o Sebastião do
lestras; exposição fotográfica coletiva, mesas-redondas e palestras, oficinas Coroado, nome dado a ele em referência
de percussão de tambor de taboca, de bambaê de Penalva, oficina de segredos ao bairro em que está situada a Tenda
do cofo, palestras e apresentações culturais da Jornada de São Benedito de Espírita São Sebastião Vale da Nature-
Barreirinha; da Dança do Guará de Rosário; do Império de São Luis Rei de za, fundada por ele. A vida de Sebastião
França do Terreiro de Iemanjá da Fé em Deus; do Baile de Caixa de Monte do Coroado, em mais de cinqüenta anos
como umbandista e várias legislaturas
Castelo; do Bambaê de Penalva de Dona Zuquinha; do Tambor de Taboca de como vereador de São Luís, foi polêmi-
Cajapió; Tambor de Crioula de Dionísio; Forró de João Ceguinho; Tambor ca e, nos últimos anos, cercada de acusa-
de Crioula de Dona Nilza; Grupo Tamasaê, de Icatu; Bloco Fuzileiros da ções, mas a comunidade o respeitava e o
Fuzarca, da Madre deus; Dança do Coco de Riacho Seco, de Rosário; Bum- amava como o benfeitor que resolvia os
ba-meu-boi de Meia Légua, de Matinha. problemas da pobreza que o cercava, in-
dicando médicos e advogados, ajudando
em, doando cestas básicas etc. Sebastião
do Coroado se notabilizou também por
ações beneficentes junto a pessoas sem
>CMF - COMEMORA DIA teto, no entorno do Bairro Coroado, aju-
dando na criação de bairros como: Vila
INTERNACIONAL DO FOLCLORE Conceição, Vila Cascavel, Vila São Se-
bastião e Coroadinho. Considerado um
A Comissão Maranhense de Folclore comemora o Dia Internacional do dos maiores lideres umbandista no Ma-
Folclore, 22 de agosto, desenvolvendo programação voltada para a discussão ranhão, Sebastião do Coroado por onze
e reflexão sobre as origens desta entidade e o seu papel como fator de Iden- anos a religião afro-maranhense no pro-
grama Viva Oxalá, na retransmissão da
tidade Cultural de um povo e, ainda, para discutir: o papel da Cultura Popu- Rede Bandeirante no Maranhão, e dei-
lar junto ao setor educacional; refletir acerca da Identidade Cultural; e pro- xou cerca de três mil filhos-de-santo e
mover a troca de informações relacionadas aos grandes Ciclos Festivos da adeptos conquistados em mais de 50
Cultura Popular Maranhense. Dias 24 e 25 de agosto, para dialogar com anos em que professou a Umbanda na
estudantes, pesquisadores, professores, produtores culturais, mestres da Tenda São Sebastião Vale da Natureza.
cultura popular e comunidade interessada, elencou os subtemas: Comissão O sepultamento aconteceu no Jardim
da Paz, Estrada do município de Riba-
Maranhense de Folclore – Contextualização Histórica- Sérgio Ferretti; Fol-
mar, em carreata seguida por autorida-
clore e Educação – Kátia Azevedo; Gestão da Cultura Popular - José Antô- des, políticos e povo-de-santo.
nio Ribeiro Carvalho; e Ciclos Festivos da Cultura Popular Maranhense.
Sobre esse ultimo, foi priorizado os ciclos Carnavalesco – por Fábio Henri-
que Monteiro da Silva e por um representante da equipe responsável pelo >EXPOSIÇÃO ‘OS
inventário com vistas ao registro dos Blocos Tradicionais como patrimônio
imaterial; o ciclo Junino – por Maria Michol Pinho de Carvalho; e o Natali- SEGREDOS DO COFO’
no – por Ester Marques. A programação comemorativa, que incluiu tam- A Casa de Nhozinho abriu a ex-
bém a apresentação do Tambor de Crioula de Apolônio Melônio e do Bloco posição “Os Segredos do Cofo” dia
Tradicional. A realização do evento foi programada para a Casa da FÉsta - 21 de agosto, com visita guiada e
CCPDVF, Rua do Giz, 221 - Praia Grande. palestra sobre o cofo por Weeslem
Lima. A exposição é resultado da
pesquisa de Jandir Gonçalves e equi-
pe integrada por Weeslem e Wilma-
ra Figueiredo, que percorreu mais
>QUEREBENTÃ DE ZOMADÔNU de 24 localidades maranhenses des-
cobrindo os segredos da arte de con-
O antropólogo Sérgio Ferretti, professor-doutor da UFMA e membro feccionar manualmente o cofo com
fundador da Comissão Maranhense de Folclore lançou, pela Pallas Editora, a folhas de palmeiras nativas, a di-
a 3ª edição do livro Querebentã de Zomadônu: etnografia da Casa das Mi- versidade de sua utilização e sua
nas do Maranhão – uma das mais antigas casas de religião afro-maranhense importância econômica. O Projeto
- no dia 19 de agosto, durante a realização do XI Reunião de Antropólogos tem patrocínio do Programa BNB
do Norte e Nordeste e II Reunião Equatorial de Antropologia, no Campus de Cultura e apoio do IPHAN-MA,
da UFRN-Natal, no Grande do Norte, e no dia 25, na IV Jornada Internaci- Centro Nacional de Folclore e Cul-
onal de Políticas Públicas, no Pavilhão Central de entrada do Multicenter tura Popular e Comissão Maranhen-
SEBRAE – Cohafuma/ São Luis-Maranhão. se de Folclore.
20 Boletim 44 / agosto 2009

PERFIL POPULAR
Tabaco 51
Jomar Moraes20

É difícil dimensionar o que signifi- integrantes da comunidade. Nos últi-


ca, para a cultura maranhense, a per- mos anos, agindo como que premoni-
da desse homem admirável que se cha- toriamente, renunciou a diversos dos
mou Hermenegildo Tibúrcio da Silva53, misteres que o povo só entendia e acei-
mas que o povo amou e sempre cha- tava em suas mãos. Tabaco, porém, sa-
mou de Tabaco. Faltam-nos perspecti- bia que as coisas não deviam ser assim.
va histórica e também nos sobram mui- Tinha consciência de sua falibilidade,
tas emoções para traçar o perfil de Ta- assim como estava certo de que o boi e
baco, para estabelecer os contornos de o carnaval não morrerão jamais.
sua atuação em nosso meio cultural, Através de um magistério que não
para precisar quanto ele foi importan- seria exagero classificar de magistral, o
te para a cultura popular em São Luís. líder foi, aos poucos, preparando seus
Líder inconteste e figura principal sucessores, dando-lhes res-
da Madre Deus e arredores, Tabaco ponsabilidades cada dia
soube, ao longo de mais de quarenta maiores e mais decisi-
anos dedicados ao Boi da Madre Deus vas. Registraram-se cri-
e à Turma do Quinto, encamar as vir- ses. E surgiram cisões e
tudes de uma resistência que deve ser descontentamentos
tomada como lição exemplar. Não se que o tempo absorveu.
entregou a arremetidas xenófobas, não Aos poucos a comu-
deixou de entender o sentido dinâmi- nidade começou a en-
co da cultura mas também essas linhas tender o sentido do
de comportamento mantiveram, sem- novo comportamento
pre, um grande equilíbrio de modo que de Tabaco, e se foi
se guardasse tudo quanto é mais repre- ajustando na tarefa
sentativo para a continuidade dos gru- de ocupar espaços
pos naturais dentro de seus limites. que ele ia liberando
Tabaco sempre dizia, na sua fala à ocupação de novas
pausada e mansa, que lutava para não lideranças, que de todo não se cristali- cabe registrar que nem tudo foi possí-
entregar-se às conspurcações exteriores, zaram, mas vão, progressivamente lan- vel recolher. Perderam-se com ele, mui-
nem tampouco fechar-se num isola- çando os fundamentos e sua atuação. tos registros e muitas informações de
mento esterilizador. Consciente de seu Tabaco, pela sabedoria com que valor fundamental para a cultura po-
papel como principal responsável por desempenhou sua liderança e pela pre- pular em nossa cidade.
tudo quanto, num largo espaço de tem- vidência que demonstrou na prepara- Que saibamos recolher o seu exemplo
po, se fez na Madre Deus, Tabaco sou- ção dos novos dirigentes, morreu num de fidelidade às raízes tradicionais de nossa
be exercer sua liderança com a sabe- momento de obra consolidada. cultura, e as suas lições de sábia e eficaz
doria e a clarividência de quem possui Mas a cultura maranhense perde, resistência contra avanços e influências de-
as reais dimensões da cultura popular. com ele, um de seus mais legítimos ex- sagregadoras. Tabaco não morreu; encantou-
Por isso mesmo, repartia as múlti- poentes. Apesar das entrevistas que se e continuará vivo, nas noites da Madre
plas funções que lhe eram atribuídas concedeu, dos depoimentos que deixou Deus. Na força de sua cultura e na resistên-
por consenso natural, entre inúmeros nos arquivos de diversos pesquisadores, cia que ali se mantém.

51 Do jornal “Vagalume” março/abril de 1994 - Suplemento Cultural do SIOGE.


52 Jomar Moraes é bacharel em Direito, jornalista, membro e ex-presidente da Academia Maranhense de Letras.
53 Nota do Editor: Tabaco faleceu em 03/09/1981.

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