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BOLETIM DA CMF Nº 37 JUNHO 2007 ISSN: 1516-1781

Editorial ............................................................................................................................................................. 2
SUMÁRIO

Proposta de registro do Bumba-meu-boi ............................................................................................................... 2


Michol Carvalho
O entrudo .......................................................................................................................................................... 3
Carlos de Lima
As Mutucas ........................................................................................................................................................ 4
José de Jesus Figueiredo (Zé Olhinho)
A religião católica e a religiosidade popular .......................................................................................................... 5
Carlos de Lima
A Dança de São Gonçalo ....................................................................................................................................................... 7
Raimundo Rocha
Tambores e maracás no ambíguo Maranhão Estado-Novista ................................................................................... 9
Antonio Evaldo Almeida Barros
Légua Bogi Buá da Trindade, o Rei de Codó ...................................................................................................... 13
Paulo Jeferson Pilar de Araújo
Janela do Tempo: Crônica Interna - Semanário Maranhense (Bumba) .............................................................. 14
João Domingos Pereira do Sacramento
O Porto dos Urubus ........................................................................................................................................... 16
João Batista Machado
Resumos e resenhas ........................................................................................................................................... 16
Notícias ............................................................................................................................................................ 18
Roza Maria Santos
Perfil Popular – José de Jesus Figueiredo (Zé Olhinho) ........................................................................................ 20
Zelinda M. de Castro e Lima

COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMF


CONSELHO EDITORIAL: EDIÇÃO:
CNPJ 00.140.658/0001-07 Maria Michol P. de Carvalho
Carlos Orlando de Lima Mundicarmo M. R. Ferretti
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Maria Michol Pinho de Carvalho Roza Maria Santos
Presidente: Maria Michol P. de Carvalho
Mundicarmo Maria Rocha Ferretti
Vice-presidente: Mundicarmo M. R. Ferretti REVISÃO DE TEXTO:
Roza Maria Santos Antonio Regino de Carvalho Neto
Secretária: Roza Maria Santos
Sérgio Figueiredo Ferretti
Tesoureira: Lenir Pereira dos S. Oliveira VERSÃO PARA A INTERNET:
Zelinda de Castro de Lima www.cmfolclore.ufma.br

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2 Boletim 37 / junho 2007

Editorial PROPOSTA DE REGISTRO DO BUMBA-MEU-BOI DO


MARANHÃO COMO PATRIMÔNIO CULTURAL DO BRASIL
O Boletim de Folclore em seu nº
37 dá destaque a manifestações
folclóricas maranhenses que têm maior ex- Michol Carvalho1
pressão no primeiro semestre. Carlos de
Lima, em O Entrudo, relembra o período
carnavalesco. Várias matérias publicadas
E m consonância com o Programa
Nacional do Patrimônio Imaterial
/ PNPI, instituído pelo Decreto n° 3.551,
É essa lição do trabalho coletivo, do
mutirão da partilha, da articulação dos
saberes e das artes que o Bumba-Boi mara-
nesse número enfocam a brincadeira de de 4 de agosto de 2000, foi formada uma nhense nos ensina ao assumirmos a tarefa
Bumba-meu-boi: o texto de Michol Car- Comissão Técnica do Pedido de Registro desafiante de solicitar o seu registro como
do Complexo Cultural do Bumba-meu-Boi bem imaterial do Patrimônio Cultural Bra-
valho sobre o registro do Boi do Maranhão do Maranhão como Patrimônio Cultural sileiro.
como patrimônio cultural brasileiro; a crô- do Brasil, que vem realizando reuniões, Temos a convicção que para viabilizar
nica de João Domingos do Sacramento, desde o mês de novembro de 2006, para o processo de levantamento, de estudos e
discutir os procedimentos necessários, de pesquisas para a atualização e amplia-
sobre o Boi no século XIX; o artigo Mutu- como a atualização do Inventário Nacio- ção do Inventário Nacional de Referênci-
ca, de Zé Olhinho, do Boi de Santa Fé nal de Referências Culturais (INRC) da as Culturais – INRC – sobre o Complexo
(Bairro de Fátima), que é o homenageado manifestação feito pelo Centro Nacional Cultural do Bumba-meu-Boi, precisamos,
do Folclore e Cultura Popular, entre 2001 a exemplo dos brincantes, constituir um
em “Perfil”, por Zelinda Lima. A Festa do e 2002, tendo como pesquisadores os an- batalhão, um “batalhão pesado para fazer
Divino teve grande destaque em “Notíci- tropólogos Luciana Carvalho e Gustavo tremer a terra”... é o batalhão que chama-
as”: aparece não só na programação do es- Pacheco. mos Comissão Técnica, integrada por ór-
Para viabilizar o citado registro foi as- gãos e instituições que, por “dever de ofí-
tado, mas também em evento internacio-
sinado um Protocolo de Intenções entre cio”, estão ligados ao complexo cultural do
nal realizado pelo SESC. os órgãos e entidades integrantes dessa Co- Bumba-Boi: Instituto do Patrimônio His-
Foi também destacada no nº 37 do Bo- missão Técnica, que se comprometem a tórico e Artístico Nacional; Secretaria de
letim a devoção popular aos santos, com o disponibilizar recursos humanos e finan- Estado da Cultura; Universidade Federal
ceiros tendo em vista a solicitação do re- do Maranhão; Fundação Municipal de
artigo de Carlos de Lima A Religião Cató- gistro do Bumba-meu-Boi, no Livro de Cultura; Comissão Maranhense de Folclo-
lica e a Religiosidade Popular, com o tra- Celebrações, bem como coordenar os tra- re.
balho de Raimundo Rocha A Dança de balhos para que o pedido seja efetivado. A E vamos, então, tecendo a nossa roda
assinatura em pauta ocorreu no dia 13 de no trabalho cotidiano de levantar arqui-
São Gonçalo, e com a notícia do Tríduo abril e, nessa oportunidade, a presidente vos, de pesquisar, de estudar...
Joanesco, homenageando quatro santos. da Comissão Maranhense de Folclore – Temos clareza que não podemos nos
Foi ainda enfocada nesse número a Maria Michol Pinho de Carvalho – mem- apropriar da alma do Bumba-Boi – Mara-
bro da Comissão Técnica, proferiu o se- nhense, sem a efetiva participação dos
crença dos maranhenses em encantados, guinte pronunciamento, que sintetiza o sujeitos que o fazem. E, assim, trouxemos
nos trabalhos de João Machado, O Porto espírito desse trabalho conjunto: os boieiros como centro de nossa roda a
dos Urubus, e de Paulo Jéferson, Légua “Ninguém brinca sozinho... a brinca- nos orientar, a dar pistas, a abrir cami-
Bogi Buá da Trindade, o Rei de Codó, deira é do batalhão...” repete o brincante nhos!...
na sabedoria de “quem faz”, de “quem pro- Entre 26 e 30 de março foram realiza-
entidade espiritual do Terecô, da Mina, duz”... e, de fato, o bumba-boi é uma brin- dos encontros com representantes de gru-
da Cura e da Umbanda maranhenses que cadeira que se faz junto, expressando o pos de Bumba-boi, por sotaques, para pen-
gosta de Boi e que, como o vodum Avere- querer, a força, a disposição de uma comu- sarmos juntos essa proposta de solicita-
nidade... É um trabalho longo e árduo que ção do registro do complexo do Bumba-
quete integra várias denominações religi- se faz com paixão, devoção e prazer... cada Boi como patrimônio cultural brasileiro.
osas. um traz a sua arte: as bordadeiras; os que Nesses encontros foram escolhidos repre-
Nas páginas centrais do Boletim 37, fazem a armação do Boi; os que produzem sentantes, por sotaques, para compor este
as toadas; o cantador que “arrebanha” a batalhão da Comissão Técnica.
Antonio Evaldo Barros, apresentando re- boiada; os tocadores de matracas, pandei- Hoje, 13 de abril, aqui nos reunimos –
sultados de pesquisa documental, cha- rões, zabumbas e o seu som de Boi; enfim, boieiros, pesquisadores, técnicos, interes-
mando atenção para ambigüidades cons- os boieiros em seus diferentes papéis; as sados na cultura popular maranhense, co-
mutucas ou torcedoras que acompanham munidade em geral, para assinar o Proto-
tatadas durante o Estado Novo (1937-
o Boi pelos terreiros afora... colo de Intenções. Essa assinatura coleti-
1945) na forma de tratamento recebido Em verdade, é esta uma produção de va simboliza o firmar do nosso compro-
pelo Tambor de Mina, Tambor de Criou- grupo, de um coletivo, tecendo cultura!... misso de juntar o Batalhão, de arrebanhar
la, Cura/Pajelança e por outras manifes- E quando se “bota a brincadeira na a Turma para produzirmos o dossiê de in-
rua”, a tradição, mais uma vez, mostra a ventário para solicitação do registro.
tações da cultura popular maranhense. força do grupo: o batalhão dos boieiros faz Temos um Livro de Adesões que va-
O Boletim 37 divulga mais alguns re- uma roda para cantar e dançar em devo- mos assinar... e estamos chamando, para
sumos de dissertações e monografias de ção aos Santos do Boi, com destaque para participar conosco, todos aqueles que po-
o padroeiro São João... a roda simboliza a dem contribuir com relatos, com fotos,
conclusão de cursos de graduação que tra- energia da união do batalhão!... e o boi se- com vídeos, com textos e imagens de dife-
tam sobre cultura popular e folclore ma- gue junto, unido, “noite e lua” afora... rentes naturezas...
ranhense. E, em “Notícias”, Roza Santos Quando o batuque do Boi faz tremer E, fazemos nossa, a voz do brincante:
a terra – a nossa terra – a alma maranhen- ninguém constrói um dossiê de inventá-
registra, com pesar, o falecimento de três se desperta e se levanta e nos sentimos rio sozinho... a tarefa é de um batalhão...
compositores maranhenses e fala da rea- parte da brincadeira, sentimos que o Boi é E o batalhão segue dias, noites, sol e
lização em São Luís de eventos de gran- nosso, é elemento do “ser maranhense”... é lua afora, aberto a contribuições que o
novamente o coletivo irrompendo em nós! façam cada vez mais vivo e forte!
de importância para a cultura popular
maranhense. 1 Superintendente de Cultura Popular do Estado do Maranhão; Presidente da CMF
Boletim 37 / junho 2007 3

O ENTRUDO
Carlos de Lima2

E ntrudo é igual a intróito, igual


a introdução. Eram os diverti-
mentos a que se entregava o povo nos
Daí dar-se ênfase, no clima de libe-
ralidade do carnaval, às partes do cor-
po que se abrem para o mundo exteri-
inversão propositada de posições, o “in-
ferior” tomando o lugar do “superior”.
Que satisfação íntima a do sujeito sub-
dias que antecediam a Quaresma, ou or, onde o mundo nele entra ou dele misso ao patrão, ao chefe, poder, mes-
seja, o período do Carnaval. sai, a boca aberta, seios, barriga, nariz, mo temporariamente, afirmar-se como
O carnaval é um profundo utopis- etc., orifícios, excrescências, protube-
igual, podendo sujá-lo, molhá-lo! É
mo popular, quando a forma efetiva râncias (as várias expressões de másca-
como se lhe dissesse: você me humilha
da vida é sua forma ideal ressuscitada; ras, seios e barrigas postiças, etc.) o
por um certo tempo esse jogo se trans- comer e o beber, a gravidez, o parto, a porque tem posição, dinheiro, influên-
forma em vida real, não um espetácu- satisfação das necessidades naturais, o cia, mas hoje estamos no mesmo pla-
lo teatral para deleite dos espectado- corpo revelando sua essência, eterna- no, posso aborrecê-lo, humilhá-lo tam-
res e sim uma forma concreta de vida, mente incompleto, criado e criador, no bém em nome de uma liberdade im-
embora provisória, propositadamente eterno inacabamento da existência. posta e aceita por todos. Água, farinha,
oposta à imagem do mundo oficial; pa- É esse o sentido de degradação do tinta, etc., piadas e gracejos você é obri-
rarelamente aos cultos e mitos sérios, entrudo, prática muito antiga de ati- gado a receber com bom humor para
os cultos cômicos e injuriosos, estes rar excrementos e urina nos transe- não ser tachado de retrógrado, ranzin-
os princípios que deram origem ao untes. No ritual da “festa dos tolos”, za e mal-educado. E ainda que proce-
carnaval. na Idade Média, no ofício solene cele- da de outro modo, sua rebeldia, seu
brado pelo bispo, para rir, usava-se na
“A festa convertia-se na forma de que se desgosto, sua reação contrária será
revestia a segunda vida do povo, o qual própria igreja o excremento em lugar
motivo de riso e de deboche.
penetrava temporariamente no reino utó- do incenso. Depois do ofício, o clero
pico da universalidade, liberdade, igual- ocupava charretes carregadas de fezes O entrudo, para Câmara Cascudo, é
dade e abundância”, ensina Da Matta. e percorria as ruas lançando-as sobre “tempo de divertimento que compreende
Pratica-se assim uma inversão deli- o povo que o acompanhava. Na des- os três dias que precedem a Quarta-Feira
berada da ordem social oficial, efetua- crição do charivari, o Romance de de Cinzas, festa e divertimento próprios
Fauvel diz, na linguagem licenciosa desse tempo. O quinhentista Fernão So-
se uma troca do superior pelo inferior, ropita falava ser a “honrada festa do en-
daqueles tempos:
do alto pelo baixo, coloca-se literalmen- trudo, onde a gula com a ira e a luxúria
te o mundo de pernas para cima, na “Um lançava merda à cara (...) Outro joga- têm particular assistência.”
lógica original das cousas “ao avesso”. va sal no poço, o que, segundo a interpre-
tação de Bakhtin, representava a reação E Cascudo nos manda consultar o
Nessa ordem de idéias, o princípio do “baixo corporal” ao “alto espiritual”. E
material e corporal adquire uma im- verbete Carnaval de seu mesmo Dici-
não só excrementos; também a urina e os
portância excepcional, o “baixo” re- órgãos genitais, as necessidades fisiológi- onário do Folclore Brasileiro, no qual
presentando a terra, os órgãos geni- cas do homem exprimiam o sentido da diz que o Carnaval
perenidade da vida, simbolizando o per-
tais, o ventre; o “alto”, o céu, a cabeça. pétuo morrer e renascer, o excremento “foi, até meados do século XIX, o entrudo
Então, rebaixar e degradar é comun- como os despojos do corpo que morre para brutal e alegre que Debret pintou e de
gar com a terra, com o ventre que ab- dar começo a uma nova vida, o sal como o que todos os velhos recordam. Água, fari-
princípio regenerador, o “sal da terra”, de nha do reino, fuligem, goma, ensopando
sorve e cria,
que nos fala Cristo; as lendas e a própria os transeuntes. Água molhando famílias
“degradar significa entrar em comunhão língua identificando o “baixo corporal’ inteiras, em plena batalha. Criados, ou-
com a vida da parte inferior do corpo, a do como símbolo de fecundidade. trora escravos, carregando bilhas, latas,
ventre e dos órgãos genitais, e portanto com cântaros, para suprimento dos patrões em-
atos como o coito, a concepção, a gravi- No drama satírico de Ésquilo, Os penhados na guerra. Henrry Koster mos-
dez, o parto, a absorção de alimentos e a ajuntadores de ossos, há uma passa- trou que o entusiasmo era o mesmo pelo
satisfação das necessidades naturais. (...) gem em que se joga um penico mal interior de Pernambuco, nas senzalas e
E por isso não tem somente um valor des- casas-grandes, nivelando amos e servos
trutivo, negativo, mas também um positi-
cheiroso na cabeça de Ulisses e no
na alegria igualitária do entrudo. Depois
vo, regenerador: é ambivamente, ao mes- Banquete dos aqueus, Sófocles repe-
o entrudo admitiu formas mais doces, com
mo tempo negação e afirmação. Precipita- te a cena, aliás, freqüente e vulgar na as laranjinhas-de-cheiro e borrachas com
se não apenas para o baixo, para o nada, a literatura antiga. “Sua significação era água perfumada. Em 1886, na cidade de
destruição absoluta, mas também para o
assim compreendida por todos”, con- Mipibu, no Rio Grande do Norte, duran-
baixo produtivo, no qual se realizam a con-
cepção, o nascimento, onde tudo cresce clui Bakhtin. te o último dia do entrudo, toda gente se
profusamente. O realismo grotesco não São as grosserias desse carnaval molhou, inclusive o vigário e o juiz de di-
conhece outro baixo; o baixo é a terra que antigo a matéria do entrudo e que dá reito. Ninguém, exceto doentes e crian-
dá vida, o seio corporal; o baixo é sempre o ças de peito, escapou enxuto”,
à brincadeira o sentido de revolta con-
começo.” (Mikhail Batkhin)
tra a verdade estabelecida. Há uma observa. E mais adiante:

2 Folclorista, historiador, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e da CMF.


4 Boletim 37 / junho 2007

CONTINUAÇÃO

“Todas as lembranças clássicas de satur- “Nenhuma crônica grega superava essa vaiade e tapioca, até maisena, ensopa-
nálias, februálias, florais, festas orgiásti- explosão de vida dionisíaca, arrebatada, dos que foram de água, tinta e outros
cas assírias, medo-persas, babilônicas, re- furiosa e brutal em sua espontaneidade. materiais menos nobres.
viviam no carnaval. Imperadores e minis- Juntem-se os aspectos violentos e bestiais E tudo era suportado com paciên-
tros jogavam ovos podres e talos de horta- de pilhérias, denúncias, histórias infaman-
cia e bom humor, a alegria perdoando
liças, emporcalhando fardões e sujando tes improvisadas no momento e gritadas
como proclamações radiosas, enfim, ou- os excessos, raríssimos os casos que
sedas.”
tro traço evidente da corredela do entru- degeneravam em conflito. O povo an-
John Luccock, comerciante inglês, do português.” dava desarmado no mais amplo signi-
falando do entrudo em São Pedro do ficado do termo, fosse desarmado de
Sul (RS), em 1809, escreve: Como vemos, tal brincadeira re-
prevenções e receios, fosse desprovi-
monta a épocas muito antigas e, um do de armas de fogo ou brancas. To-
“Por ocasião do entrudo conforme lhe cha-
pouco atenuada, chegou até nós. A dos se empenhavam na diversão des-
mam, fazem bolas ocas de cera de cores
variadas, mais ou menos do tamanho de mãe do autor deste artigo viu-se im- ses dias de liberdade em que tudo se
uma laranja, enchem-nas d’água e bom- possibilitada de comparecer ao um fazia para glória de Momo. Como di-
bardeiam-se mutuamente, até que os baile de carnaval por ter sua basta ca- zia o saudoso amigo Bernardo Almei-
combatentes fiquem completamente
beleira, à moda da época, literalmen- da, “éramos felizes e não sabíamos”.
molhados (...) Outra brejeirice havia, mui-
to apreciada nessa ocasião: (...) Embru- te emporcalhada com toda sorte de
REFERÊNCIAS
lha-se farinha de trigo em cartuchos de substâncias de usança do entrudo. O
papel e, de surpresa, quando um pobre ALMEIDA, Renato. Inteligência do Fol-
próprio autor participou não raras
negro se encontra distraído, fazem-no todo clore, Livros de Portugal, Rio de Janeiro,
branco. De tal maneira o povo gosta des- vezes desse divertimento e os sessen- 1957.
ses e de outros divertimentos, que dizem tões de hoje ainda se hão de lembrar
BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na
todos abertamente: no entrudo ficamos dos caminhões carregados de tonéis de Idade Média e no Renascimento, Editora
todos bobos.
água, não muito limpa, das bombas Universidade de Brasília, Brasília, 1993.
O sisudo D. Pedro II acabou den- que a esguichavam dos carros do cor- CASCUDO, Luís da Câmara. Dicioná-
tro de um tanque. O arquiteto Grand- so para as janelas das casas e das jane- rio do Folclore Brasileiro, Edições de
jean de Montigni morreu em 1850 de las para os carros, nas ruas das Hor- Ouro, Rio de Janeiro, 1959.
uma pleuris conseqüente de um en- tas, dos Remédios, do Sol... Cidadãos ——— Antologia do Folclore Brasileiro,
trudo excepcionalmente animado”, respeitáveis tiveram suas roupas suja- Livraria Martins Editora, São Paulo,
1971.
para completar com exagero: das e suas caras enfarinhadas com al-

AS MUTUCAS
José de Jesus Figueiredo (Zé Olhinho)3

Em 1942 chegava a São Luís o mais


gostoso dos sotaques do Bumba-
meu-boi do Maranhão – sotaque de
época dos bois de Viana e Pindaré foi
que o Sr. João Câncio levou provavelmen-
te o maior susto de sua vida, pois, quan-
carinho por serem úteis e indispensáveis
para o grupo.
Em 2004, o boieiro Wagno de Cássio
matraca da Baixada. do estava ao lado dos seus companhei- dos Santos (Careca), que outro não é se-
Isto foi possível com a fundação do ros viu pela primeira vez no grupo a pre- não o filho do saudoso João Câncio e
Bumba-meu-boi de Viana, sob a respon- sença da sua namorada particular, a nos- Dona Roxa, fez uma toada para home-
sabilidade do Sr. José Apolônio Martins, sa velha conhecida Dona Roxa. João nagear as nossas queridas torcedoras, a
infelizmente já falecido. qual tem como título As Mutucas Cari-
Câncio perguntou: - O que estás fazen-
Tudo começou pelo bairro da Vila nhosas e foi por nós adotada pelo impor-
do aqui? Ela respondeu: - Ora, estou
Bessa, mudando-se depois para o bairro tantíssimo papel delas dentro do Boi de
andando atrás do boi. Não pode? Após a
do Caratatiua. Santa Fé.
Entre os integrantes do grupo figura- resposta de Dona Roxa, João Câncio fa- José de Jesus Figueiredo (Zé Olhinho),
vam o, já também falecido, João Câncio lou: - Tu agora virou mutuca para andar filho de Filomeno Gomes (dono de Boi)
dos Santos (que mais tarde fundaria o atrás de boi? A partir daí os colegas de e Joana do Espírito Santo Figueiredo,
Boi de Pindaré) e Apolônio Melônio, João Câncio começaram a chamar “mu- nasceu no lugar Tabocas, em São Vicen-
fundador do Boi de São João Batista. tucas” as esposas e namoradas que acom- te de Férrer, em 16 de junho de 1944.
Há tempo as esposas e amantes dos panhavam o boi. Cantador de toadas é, atualmente, o
participantes das brincadeiras já acom- Hoje, no Boi de Santa Fé (e em to- proprietário e cantador do Boi Unidos
panhavam os grupos. No entanto, na dos os bois) elas são vistas com muito de Santa Fé.

3 Cantador e proprietário do Boi de Santa Fé (ver Perfil Popular, p.20).


Boletim 37 / junho 2007 5

A RELIGIÃO CATÓLICA E A RELIGIOSIDADE POPULAR


Carlos de Lima4

A história do Catolicismo no Ma-


ranhão tem começo com a che-
gada, na comitiva de Daniel de La Tou-
antigos; e mais recentemente, D. Fran-
cisco de Paula e Silva, o bispo da mansi-
dão, os padres João dos Santos Chaves –
A eles elevamos nossas súplicas e im-
precações. Uma senhora muito minha
conhecida, sofrendo de erisipela, já se
che, dos padres do Convento de Santo o padre Chaves, simplesmente – o amigo tinha por esquecida dos santos quando
Honorato, da Ordem dos Capuchinhos sempre disponível, e o santo João Moha- chegou a São Luís a devoção a São Ju-
de Paris, Yves d’Evreux, Claude na, o conselheiro das horas amargas. das Tadeu. – Vou pegar-me com este san-
d’Abbeville, Ambroise d’Amiens e Arse- Não cabe aqui, neste rápido artigo, to novo para curar-me de meu mal. Mas,
ne de Paris. relacionar e analisar a ação de cada or- apesar de todas as rezas e promessas,
Talvez, antes, outros religiosos hou- dem, atuação de cada bispo e arcebis- passavam-se os dias e nada de obter, ao
vessem pisado terras maranhenses, vin- po, desde o frei Cristóvão de Lisboa, menos, umas poucas melhoras. Então,
dos na armada de Aires da Cunha, na nosso primeiro vigário, até D. Paulo revoltada, acusava: - Qual, este Tadeu
tentativa fracassada de tomar posse das Andrade Ponte, nosso recente amigo; o não faz nada mesmo! Decerto foram os
terras doadas a João de Barros, em 1535; papel singular dos jesuítas e dos merce- outros que já me intrigaram com ele.
ou, quem sabe? nas diversas incursões dários na educação; de carmelitas e ca- Nosso Divino Espírito Santo é o mais
que aventureiros de todos os matizes fi- puchinhos, no culto. Nem falar dos mui- popular e alegre de todos, de uma ino-
zeram a estas costas, pois é defeso ao tos e graves desentendimentos entre re- cente e infantil familiaridade, a quem
homem procurar acobertar com a cruz ligiosos, colonos e governadores de que tomamos no colo como um brinquedo
muitas de suas estripulias de ladino. resultaram excomunhões, prisões e de- querido, diante do qual bailamos ao som
Destes todos, porém, não guardou o sacatos de toda ordem, mesmo porque o cadenciado das caixas; e ao qual as cai-
nome a História. ambiente era propício a tais convulsões: xeiras até perece que cantam cantigas
Plantada a semente, com a solene brigavam governadores, bispos e capi- para niná-lo. São João é um menino igual
fundação da França Equinocial, em 12 tães-mores, priores, carmelitas, merce- aos nossos filhos e com eles se mistura
de agosto de 1612, e posterior expulsão dários, jesuítas, ouvidores e provedores no nosso carinho, e cujo sono até procu-
dos franceses, novos religiosos vieram da Fazenda; e o povo, que tomava parti- ramos interromper com o barulho dos
regá-la e foram eles os freis Cosme de do e se inflamava, contra ou a favor des- fogos de artifício:
São Damião e Manuel da Piedade, ca- te e daquele contendor. Várias vezes in-
pelães da expedição de Jerônimo de – Minha mãe, quando é meu dia?
terferiu o próprio Rei, como quando re- - Meu filho, já se passou!
Albuquerque, o campeão da Conquis-
comendou expressamente ao comissário - Uma festa tão bonita,
ta, dois anos depois. Desde então jesuí-
dos frades das Mercês que pusesse co- Minha mãe, não me acordou?’
tas, carmelitas, franciscanos e mercedá-
bro ao excesso com que tratavam do
rios aqui lutaram para propagar a fé cris- Acorda, João!
púlpito os seus funcionários, fazendo sá-
tã, às vezes, é verdade, com pouca cari- Acorda, João!
tiras às autoridades, contra as quais “pro-
dade e muita violência, na pregação do São João está dormindo
ferem palavras escandalosas”.
crê ou morre; e mais outros tantos que E não vai acordar, não!
O Centro de Cultura Popular “Do-
se embrenharam sertões a dentro, no
mingos Vieira Filho” promove freqüen- No “Domingos Vieira Filho” são ex-
apostolado da catequese, até perderem
a própria vida, vítimas inocentes como temente uma exposição de andores po-
postos andores singelos das procissões de
as do Massacre de Alto Alegre, de 13 de pulares de nossos santos de todos os dias,
subúrbio, de devoções particulares, de
janeiro de 1901. E também com um tan- reverenciando nosso catolicismo caboclo
pequenas romarias, procissões e cami-
to de ganância, pois não lhe foram muito adaptado à nossa índole, ao nosso jeito;
nhadas onde o “andar junto” é às vezes
indiferentes os tesouros da terra quanto santos que nos são íntimos, deuses-lares,
mais valioso do que a chegada, como
os do céu. Alguns bispos, oriundos de fa- pessoas de casa, membros de nossa fa-
dizia Todorov, citado por Roberto Da
mílias ricas, custearam do próprio bolso mília, com quem não temos cerimônia
para pedir os mais extravagantes mila- Matta. É a proximidade, a companhia
os melhoramentos de igrejas e conventos
gres e a quem até castigamos, se não nos amiga e santa que nos aquece a fé e nos
e atenderam generosamente à pobreza;
atendem: reconforta na esperança.
outros, porém, beneficiaram-se do cargo,
Há no povo uma religiosidade, uma
como o famoso D. Gregório dos Anjos
que, presidindo a Junta das Missões, en- Meu Santo Antônio querido, fé singular e estrangeira, e, por isso mes-
carregada do governo dos índios, reservou meu santo de carne e osso, mo, epidérmica, talvez em virtude de
se tu não me dás marido ter sido compulsoriamente imposta a
logo para si a maior parte deles, de uns
não tiro você do poço.” ferro e fogo a índios e africanos; há no
descimentos que mandou fazer, provocan-
do o conflito com o Governador, com os povo, dizia, essa religiosidade brasileira
Com eles comerciamos os favores: especial, particular, festiva e dançarina,
Jesuítas e com os colonos.
Mas tivemos nessa plêiade de abne- essa “racionalização do irracional”, do
“São José de Ribamar,
gados apóstolos vultos da estatura de um se vós me dás a Rosinha, apego grupal ao comprometido, na ex-
Antônio Vieira, de um Cláudio juro por esta luzinha, pressão feliz do padre Joci Rodrigues. A
d’Abbeville e de um José de Morais, os promessa venho pagar.” seriedade desse comprometimento, pela

4 Folclorista, historiador, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e da CMF.


6 Boletim 37 / junho 2007

CONTINUAÇÃO

camaradagem entre santo e devoto es- Santa Bárbara e São Jerônimo afas- te, alegre e chocarreira, permitindo li-
tabelece um comércio de trocas, a retri- tam tempestades, aguaceiros, relâmpa- berdades do tipo da que tomou Lean-
buição condicionada à obtenção da gra- gos e trovôes. dro de Barros, poeta popular, que, ofe-
ça: a festa, o ex-voto - uma parte do cor- recendo a São Pedro um gole de cacha-
“Santa Bárbara, a bendita, ça, ganhou dele seu ingresso no céu. São
po humano, uma trança de menina, que no céu está inscrita, Pedro aí perguntou:
muletas de aleijado, véu de noiva, um com papel e água benta
novilho de presente – tudo o que pague aplacai esta tormenta! - O mundo lá, como vai?
o favor concedido e conseguido: o barco Aí eu disse: - Meu Santo,
escapo do naufrágio, a casa salva do in- Almas do Purgatório, mártires e pes- lá filho rouba de pai;
soas caridosas, santos-homens em vida, está-se vendo que o mundo
cêndio, o filho safo do acidente terrível.
mereceram, e continuam a merecer, a por cima do povo cai.
São os nossos santos de cada dia os canonização do povo, como a muito nos-
nossos amigos, nossos irmãos, que sofre- sa “Alminha Milagrosa”, de Rosário, as Eu inda levava um pouco
ram em vida nossas angústias e temores da gostosa “Imaculada”.
“Almas Sós”, de Pirapemas, e a “Escrava
Dei a ele e ele me disse:
e agora estão sempre prontos a acudir Anastácia”, cultuada em quase todo o - Aguardente raciada!
ao nosso chamado na hora do aperto e Brasil. A par disso, por influência de ca- E aí me disse: - Vá, entre,
da agonia. boclos índios e negros escravos, estabele- que aqui não lhe falta nada!
Se se trata de engasgos e males da ceram-se cultos e rituais os mais diversos
garganta, São Brás nos acode como mé- – Minas e Nagôs, Curas e Macumbas, São Gonçalo, apesar dos sapatos de
Terecôs e Pajelanças, num sincretismo pregos que tanto o maltratavam, não
dico certo: Bate-se nas costas do engas-
que compõe esse caleidoscópio, esse subs- perde um baile e São José de Botas é o
gado, chamando: - São Brás! São Brás! e trato da religiosidade maranhense e bra-
logo desaparece o incômodo. Santana São José caminheiro. São Cristóvão até
sileira, nesta terra timbira, que Simão
nos leva às costas! São muitas as histó-
corrige, depressinha, as alterações do Estácio da Silveira proclamou ser o Bra-
rias, os casos, as anedotas acerca de san-
juízo e São Roque conjura a peste cani- sil melhor: “Eu me resolvo, diz ele, que
tos...
na além de ser guarda vigilante contra esta é a melhor terra do mundo... do que
- Solha, a maré enche ou vasa? O
as epidemias; ele e São Lázaro, que cura correram os portugueses, o melhor é o
Brasil, e o Maranhão é o Brasil melhor.” peixe repuxou bem a boca pro um lado,
nossas feridas. São Bento é especialista debochando da santa, e repetiu: - So-
em cobras: Tanto os santos católicos como os vo-
dus africanos aqui, no Maranhão, con- lha, a maré enche ou vasa? Ficou com a
fraternizam conosco, sentam ao nosso boca torta para sempre, por castigo.
São Bento, água benta!
Jesus Cristo no altar! lado solidários com nossas dores e pro- De outra feita, São João e Jesus, am-
As cobras deste caminho blemas, choram ao nosso ombro nossas bos meninos, jogavam os dados. São João
Afastem que eu vou passar! misérias e fados e recebem nas nossas jogou primeiro – pafte! Duas senas!
alegrias sua quota da bebida gratulató- Doze! Jesus recolheu os dados, guardou-
- oração infalível. Não fica uma, ga- ria – Esta é para o santo! os nas duas mãozinhas fechadas, sacu-
rantem as testemunhas do milagre. Se Decerto gregos e romanos exagera- diu-os bem e lançou-os ao chão onde
há queimaduras, invoque-se São Louren- ram quando atribuíram aos seus deuses brincavam: - Catorze! – Não, mas mila-
ço e seu poder de curador; e quem se os mais feios vícios e pecados de pobres gre não vale! – atalhou São João.
pega com São João Batista nunca mais mortais como nós: Zeus, apesar de toda É assim o relacionamento dos santos
sentirá dor-de-cabeça. Mas, se o caso é a majestade de seu poder, mostra-se fra- com seu povo, comem e bebem juntos,
vertigem e biloura o remédio é com os co na paixão que dedica a inúmeras e nada revela mais e melhor tal intimi-
Santos Três Reis Magos. Santa Luzia tra- mortais; Afrodite, a deusa do amor e da dade; é uma irmanação moral, diria
ta dos olhos, Santo Amaro dos ossos, San- beleza, trai semcerimoniosamente o
ta Apolônia dos dentes. Cascudo. A excomunhão religiosa nada
marido; Atena incita os heróis gregos à mais é do que a exclusão do condenado
São Gonçalo e Santo Antônio são ca- vingança contra Ares; Marte, para os
samenteiros, arretados num fuxico de de participar das refeições com os orto-
romanos, é um deus cruel e violento, o
namoro: doxos. “Companhia, companheiro, nas-
deus das carnificinas e das guerras; Her-
cem do ‘cum panis’, o pão repartido aos
mes, o mensageiro dos deuses, tornou-se
Meu Santo Antônio querido, mesmos comensais”, ensina o mestre.
o deus dos comerciantes inescrupulosos
eu vos peço por quem sois: Estendi-me demais. Prometi a mim
dai-me o primeiro marido e dos ladrões, ele próprio amigo do
alheio; Éris é a personificação da discór- mesmo que não abusaria da paciência
que outro eu arranjo depois.”
dia e Baco faz do vinho sua arma para do leitor, mas já me torno enfadonho.
conquistas, prêmios e vinganças. Nossos Façamos ponto final e esperemos que
Perde-se algo? Recorra-se a São Lon-
santos não chegam a tanto, mas também hajam repercutido bem minhas palavras
guinho e num instante ele nos mostra o
objeto perdido: - Meu São Longuinho, não se deixam ficar distantes nos alta- como apelo a que não contrafaçamos
se eu achar o que perdi dou três gritos, res, isolados em seus olímpios sagrados; nossa natureza na macaqueação de ou-
três pulos e três assobios”. E quem não amam nossos festejos e se aprazem ne- tros povos e costumes, mas conservemos
cumpre a promessa vê o objeto desapa- les, gozam de nossa intimidade, compar- nossas próprias maneiras de ser e de sen-
recer outra vez. tilham uma camaradagem acumplician- tir. Amém.
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A DANÇA DE SÃO GONÇALO5


Raimundo Rocha6

Bendito louvado seja,

Acervo do Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho


A luz do sol tão brilhante,
Na hora em que nasceu
São Gonçalo do Amarante...

É o início do Bendito em louvor ao


patrono da matriz de Amarante, no
Piauí. Amarante escolheu padroeiro
idêntico ao de sua homônima na Pe-
nínsula Ibérica. E, por isto, achamos
possível que, entre os seus fundado-
res, houvesse a influência do elemen-
to português para justificar essa du-
pla homenagem à pátria mãe.
Em nossas constantes pesquisas
em torno das festas tradicionais piau-
ienses - o Tambor, o Reisado, os Ca-
retas, o Divino, São Benedito, os Ma-
rujos, etc. - sempre ouvimos dizer que
o São Gonçalo foi uma festa que apa-
receu no Piauí com a chegada de uma
família portuguesa que foi morar em
Amarante. Daí a dualidade de culto
ao milagroso santo. Um com a apro-
vação da Igreja; outro por ela comba-
tido. Mas, seja como for, dessa épo-
ca, ou de outra mais remota, São Gon-
çalo continua recebendo as costumei-
ras homenagens do piauiense que
habita o interior, apesar de combati-
do e criticado pela Igreja, por ser uma
festa de cunho profano e superstici-
oso. A sua prática mais se acentua nos
lugares menos visitados por padres,
onde inegavelmente a instrução reli-
giosa permanece em nível muito a
desejar.
Assis Silva, em interessante artigo
publicado em Bando (outubro de
1950)7, cujo título é análogo ao destas Não é, pois, uma “festa” só de negros, Num andor, a imagem de São Gon-
notas, assinala divergência entre ver- como encontrou Assis Silva, em Por- çalo é levada em acompanhamento a
sões recolhidas por folcloristas do talegre, no Rio Grande do Norte. Seu determinada casa de pessoa amiga, na
Norte e do Sul do país, referentes à “devoto”, como um católico pratican- qual se realizará a “festa”. Colocado o
celebração desse culto exótico. Há vulto do Glorioso Santo sobre uma
te, recorre à intercessão do milagroso
mesa na sala ou no terreiro, rezam-se
aqui também divergências não apenas santo, prometendo fazer “um São algumas orações. Seguindo-se, os
em versos, porque cada grupo tem os Gonçalo”, se alcançar a graça da con- Gonçalinos em frente à imagem, e à
seus, mas no motivo do culto, cujos cretização do seu desejo, a solução do roda, começam as danças, de modo
“devotos” pertencem tanto ao preto e seu caso, muitas vezes tão curioso mais ou menos idêntico ao descrito
ao branco, como ao rico e ao pobre. quanto a própria “festa”. pelo autor do artigo mencionado.
5 Escrito em Teresina - 20 de janeiro de 1951. Publicado originalmente com o título Ainda a dança de São Gonçalo na revista Bando, Ano V, Vol. III, nº 4, Natal, set. 1953,
Natal. Apresenta pequena modificação ao artigo São Gonçalo no Piauí publicado no Almanaque do Cariri (1950-1952) e no plaquete Sobre a Dança de São Gonçalo (1954),
organizado por Assis Silva. Esses trabalhos foram citados por Alceu Maynard Araújo em Folclore Nacional, vol. II, p. 36, como estudos criteriosos sobre a dança de São
Gonçalo no Piauí e no Maranhão, assinalando sua presença nos dias de hoje.
6 Comerciante e escritor natural do Rio Grande do Norte radicado em São Luís, onde faleceu em 1969. Membro Fundador da Comissão Piauiense de Folclore.
7 Revista publicada em Natal (RN) pela Casa de Euclides da Cunha.
8 Boletim 37 / junho 2007

CONTINUAÇÃO

Vítima da sorte nessa estranha “fes- Eu vou dar uma despedida, Passemos, gente passemos,
ta”, como o “devoto” Assis Silva, uma No laço da fita roxa, Passemos com pé ligeiro,
jovem campo-maiorense, de uma re- Viva, viva São Gonçalo, Depois não saiam dizendo
tentiva privilegiada, nos oferece as Viva, viva o tocador. Tem barroca no terreiro.
Cantigas de São Gonçalo, que trans-
Eu vou dar uma despedida, Passemos, gente, passemos,
crevemos sem nenhuma alteração:
No bico da siricora, Tornemos a repassar,
Vou-me embora com as nuvens Dancemos as danças direito,
São Gonçalo vai saindo, Que é coisa que não demora. P’ro Santo nos ajudar.
Saindo de porta a fora,
Parece a Estrela d’ Alva
Vou dar uma despedida, Comumente a dança termina à
Quando vem rompendo a aurora.
No galho do alecrim. meia noite, e a “festa” finaliza com a
Meu Senhor São Gonçalo,
ôôô... que caminhos tão longe, “arrematação do arco”. Este é previa-
Vossas danças estão no fim.
ôôô... que areias tão “quentes”, mente preparado, do qual pendem
Os milagres de São Gonçalo belos cachos de banana, de laranja,
Fez abalar tanta gente. Eu vou dar uma despedida,
numa caneca de prata. “rodas” de bolos e mais alguns obje-
Minhas alvíssaras, minha gente, Meu senhor São Gonçalo, tos, que são arrematados em leilão.
São Gonçalo já chegou, Vós desculpe alguma falta. Antes, porém, do leiloeiro falar, can-
Foi chegando e foi dizendo: tam ainda algo que constitui categóri-
Minha alvíssaras, eu aqui estou. Eu vou dar uma despedida, ca advertência contra infalíveis “mar-
Numa caneca de ouro.
reteiros” que esperam a sua oportu-
Nas horas de Deus amém, Meu Senhor São Gonçalo,
nidade.
Padre, Filho, Espírito Santo, Desculpe as faltas que houve.
É a primeira cantiga
Eu vou dar uma despedida, Senhores e minhas senhoras,
Que eu a São Gonçalo canto
No bico da saracura, Atenção me queiram prestar,
Adeus, adeus, São Gonçalo, Vai-se arrematar o “arco”
Padre, Filho, Espírito Santo,
Adeus que eu já vou-me embora. De meu Senhor São Gonçalo.
nas horas de Deus amém.
É a primeira cantiga Mas vou lhe dizendo algo,
Que eu a vós canto também. Estes guias que aqui estão, Que eu não vendo “fiado”,
“Vinheram” do Rio de Janeiro, Pois fiado me dão pena,
São Gonçalo disse ontem. Vós levais eles para o céu, E pena me dão cuidado,
Hoje tornou a dizer Para os pés de Deus verdadeiro. E mesmo assim eu não posso,
Que “vinhesse” as vossas danças Pois o Santo fica zangado...
Que ele queria me ver. Meu senhor São Gonçalo,
Aqui estão os contra-guias Como vemos os versos são diferen-
Entre serras e serrotes, Vós levais eles para o céu, tes dos citados por Assis Silva. Há en-
Mora três padres galantes: Para os pés da Virgem Maria. tretanto, em alguns deles, referências
São Francisco e Santo Antonio, à “caneca de ouro”, “caneca de prata”,
São Gonçalo do Amarante. Meu Senhor São Gonçalo, nossas “faltas” e ao “Rio de Janeiro”.
Aqui tem duas irmãs.
São Gonçalo diz que é santo, As duas quadras em suma, as últimas,
Vós levais elas pro céu,
Mas também tem seus amores, Uma hoje, outra amanhã. se assemelham às recolhidas por No-
Todo dia recebendo nato Mota, em Apodi (RN).
Os seus raminhos de flores. Meu senhor São Gonçalo, O jornalista Manuel Viana, falan-
Aqui tem duas amigas. do-nos sobre a realização do culto a
Santo Antonio e São Gonçalo Vós levais elas para o céu,
São dois santos “enteresseiros”
São Gonçalo no Maranhão, declamou
Enquanto são bem amigas. duas quadras que aprendera na infân-
São Gonçalo pelas danças
Santo Antonio pelo dinheiro. cia, com as quais finalizamos:
Meu Senhor São Gonçalo,
Aqui tem duas açucenas,
Os cantadores aproximam-se dos Cravo branco roxeado, Ôoo meu São Gonçalo,
tocadores e prosseguem: meninas da cor morena. Fulô de cajá,
Matai essas veias
Eu vou dar uma despedida, Meu Senhor São Gonçalo, Pras moças casá...
No bico da saracura, Vou lhe fazer um pedido:
A boca de São Gonçalo Fortuna e felicidade, E as velhas em frente às moças res-
Parece um cravo maduro Gonçalo pra nossa vida. pondiam no mesmo ritmo:

Eu vou dar uma despedida Meu Senhor São Gonçalo Ôoo meu São Gonçalo,
Numa caneca de ouro, Meu Jesus de Nazaré Não faça isso, não,
Meu Senhor São Gonçalo, Dai-me licença meu santo, Que as pobres das veias
Essa é em seu louvor. Eu beijar em vossos pés. Não tem culpa não...
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Antonio Evaldo Almeida Barros9

A relação entre o Estado Novo (1937-


45) e as culturas popular e negra foi
extremamente ambivalente (CATENACCI,
lizados naquelas festas e rituais, ou prisões de
pais-de-santo e pajés, efetuadas pela polícia, são
descritas, com mais pormenores, em suas pági-
O historiador Mário Meirelles (1980) inter-
preta o Estado Novo como um dos períodos mais
profícuos vividos pelo Maranhão na primeira
2001; MATOS, 1982; OLIVEN, 1984). No caso nas. Elas, quando aparecem, são anunciadas metade do século XX. Se nas tintas de Meire-
do Maranhão, essa ambivalência contribuiu, na seção Factos e Queixas, e, geralmente, em les, Paulo Ramos, interventor federal no Esta-
dentre outras coisas, para que pelo menos dois não mais de três linhas. do, congrega as qualidades de prosperidade,
movimentos, aparentemente antagônicos, se Certamente, um dos elementos que contri- seu oposto é o bacharel, Chefe da Polícia Civil,
efetivassem. Primeiramente, intensificaram-se buiu para isso foi a presença de Antonio Lopes Flávio Bezerra. É este último quem será res-
campanhas de perseguição policial a festas e como diretor do Diário do Norte. Lopes, ao lado ponsabilizado pelo que teria havido de pior na
rituais de tambor de mina e pajelança. E, em de Fulgêncio Pinto, era o mais respeitado estu- administração estadual. Meireles (1980, p. 378)
segundo lugar, alguns tambores e o imaginário dioso das tradições populares maranhenses no nota que talvez só se façam precedentes à ad-
sobre o mundo da pajelança, de modo cada vez período. Além disso, ele tinha trânsitos pesso- ministração de Paulo Ramos “pelos excessos de
mais crescente, passaram a ser ditos e vistos ais e profissionais com a administração estatal.11 autoridade cometidos, em alguns casos, pela
não enquanto práticas nocivas e fora da lei, mas É preciso considerar ainda que aquele intelec- Polícia Civil, na gestão do seu titular, o Bacharel
como elementos fundamentais para o quadro tual faz parte de um cenário mais amplo, de Flávio Bezerra”.
das “tradições maranhenses”.10 Esses movimen- cunho nacional, ele é herdeiro da velha guarda Tal fama do bacharel também está na me-
tos se processaram em meio a múltiplas, e mes- dos estudos do folclore.12 mória de policiais, como o senhor Bráulio Bispo
mo díspares, dinâmicas sociais. O Estado Novo compreende, por exemplo, as da Cruz.14 Ele afirma que “desde quando era
Basta um primeiro olhar sobre os dois prin- edições da Revista Athenas. Este periódico conti- criança se falava de Flávio Bezerra”, o homem
cipais jornais de circulação diária no Maranhão nuava uma tendência iniciada no século XIX, ele “que só não mexia juiz”. Por ocasião da constru-
estado-novista, O Globo e Diário do Norte, para visava ser a confirmação das “gloriosas tradições ção do cais da beira-mar, “se alguém parasse
se observar que velhas relações perseveraram e maranhenses” que seu nome sugere, tradições pra olhar, ele mandava tirar a camisa pra traba-
novas perspectivas começaram a se abrir no que eruditas, européias e euro-brasileiras.13 De outro lhar até o final do expediente. A mulher que
concerne ao tratamento dado às manifestações lado, na Revista Athenas uma outra forte tendên- passava pela junta da Chefia de Polícia com
de cultura e religiosidade Popular e negra. O cia se apresenta: tenta-se integrar alguns elemen- um vestido curto, ele mandava emendar o ves-
jornal O Globo, publicado a partir de 1939, au- tos das culturas Popular e negra ao cabedal dos tido com saco de estopa”. E mais, “Flávio Be-
xilia simbólica e concretamente os membros da temas constitutivos de maranhensidade, especi- zerra tinha muita fama sobre questão de ter-
polícia empenhados na sua caça às bruxas. Por almente o bumba-meu-boi, o tambor de mina re- reiro”. (CRUZ, 2005, grifo meu).
seu turno, Diário do Norte, durante seus nove presentado pela Casa das Minas, o imaginário Como diziam, na época, diversos articulis-
anos de publicação, entre 1937 e 1945, não des- sobre o universo da pajelança e as festas de São tas: “sempre zeloso e cumpridor dos seus deve-
creve os rituais e festas de tambor de mina e Benedito, “o santo da gente de cor”. Embora não res, o dr. Flávio Bezerra, vem há muito comba-
pajelança de modo preconceituoso, nem pede seja absolutamente nova, pois intelectuais como tendo eficazmente os macumbeiros, que infes-
ação policial para coibi-los e, mais que isso, al- Magalhães (1973) já haviam-na iniciado antes, a tam a cidade” (OG, 30/4/1939, p. 1); “o dr. Flá-
gumas vezes anuncia e convida para o “tambor identificação de identidade maranhense com cul- vio Bezerra, ilustre chefe de polícia, [...] vem
das pretas” (tambor de crioula) e o tambor de turas popular e negra ganha maior fôlego durante dando tenaz combate à macumba” (OG, 30/7/
mina. Ao contrário de O Globo, nenhuma das o Estado Novo e não mais será possível controlar 1941, p. 6).15 Pessoas ligadas às casas de tambor
diversas apreensões de objetos e utensílios uti- a sua crescente imbricação. de mina também recordam Flávio Bezerra como

8 Este texto faz parte de uma pesquisa mais ampla em desenvolvimento no Mestrado do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos
(PMPGEEA), Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO), Universidade Federal da Bahia (UFBA).
9 Licenciado em História. Mestrando do PMPGEEA - CEAO/UFBA. Membro do Grupo de Pesquisa Religião e Cultura Popular - UFMA.
10 Pelo menos até início dos anos 1960 as categorias mais usadas para definir “identidade maranhense” eram “tradições maranhenses”, “verdadeiras tradições maranhen-

ses”, “coisas da terra”, “coisas da boa terra”, festas, danças, comidas “puramente regionais”. Atualmente, historiadores, antropólogos e outros estudiosos das relações
entre cultura e identidade no Maranhão utilizam o termo “identidade maranhense” ou “maranhensidade”. Confirmando a tese dos contínuos trânsitos entre academia e
sociedade, a categoria maranhensidade tem sido cada vez mais utilizada por diferentes agentes culturais como referência ao que seria “ser maranhense”. Não à toa o tema
do carnaval da capital deste ano, 2007, foi “São Luís, o carnaval da maranhensidade”, carnaval este que se pretendia de múltiplos ritmos, tambores e pungadas.
11 Segundo CORRÊA (1993), no Maranhão, a estratégia política do Interventor Federal Paulo Ramos foi “a da produção e consolidação de uma convincente autonomia

administrativa, que promovesse o distanciamento gradativo dos tradicionais litigantes oligárquicos da máquina do Estado”. E os soldados que foram seus combatentes
“outros não foram, senão os intelectuais”. A máquina estatal foi expandida. Houve um crescimento das instituições públicas. Surgiu um mercado de trabalho mais típico
dos intelectuais. Estes, antes “reclusos à existência vacilante da boemia, de mestre-escola e do jornalismo provinciano” passaram a “compartilhar das responsabilidades
administrativas do Estado” (CORRÊA, 1993, p. 208-217). Lembre-se que entre as décadas de 30 e 40, a presença de poetas, romancistas, folcloristas, ensaístas e outros
intelectuais na administração estatal foi um fenômeno nacional.
12 Apesar de pesquisar até os anos 1940, Antonio LOPES (1967) pode ser situado na velha guarda do folclore devido à temática de sua obra, que se encaixa nas agendas

de folcloristas que lhe antecedem, como MAGALHÃES (1973). Quando Lopes preparava Presença de Romanceiro, obra concluída em 1948, nacionalmente mudava a
direção dos estudos do folclore, que passava da valorização da poesia para o destaque dos folguedos, pois se entendia que nestes últimos (dança e canto) poderiam ser
encontradas as contribuições de pretos e índios, ao passo que na primeira (poesia) sobressair-se-ia a contribuição portuguesa (VILHENA, 1997).
13 No Maranhão, reatualiza-se, através de festas, comemorações, inauguração de jornais, nomeação de praças e clubes festivos, o estado como Atenas Brasileira e São Luís

como única capital brasileira fundada por franceses. O maranhense aqui representado reivindica duas descendências diretas. A primeira é encontrada no mundo
europeu antigo, os atenienses. A segunda é localizada no mundo europeu contemporâneo, os franceses do século XIX. Aqui, maranhensidade pode ser interpretada como
um construto cujos caracteres são transculturais no tempo e no espaço. Sua substância é essencialmente européia. Porém, não se trata de qualquer Europa, mas a
representação desta vista através da Grécia antiga, em seu momento glorioso, o século de Péricles, e da França contemporânea em seu século máximo, o século XIX. Sobre
a reatualização do mito da Atenas Brasileira e a rememoração de São Luís como única capital brasileira fundada por franceses, no Maranhão de meados do século XX,
ver BARROS (2005; 2006).
14 Policial Militar atualmente na Reserva, nascido em 1931, residente em São Luís.
15 Há registros que apontam grupos de tambor de mina pedindo licença para fazer suas festas já no fim do século XIX (FERRETTI M., 2001, p. 19). No período em foco, uma

vez que os tambores de mina já haviam sido alçados à categoria de “baile”, pais e mães-de-santo, em tese, poderiam tirar licença para realizar suas festas. As licenças
fornecidas pelas delegacias municipais entendiam que era possível separar nessas festas o divertimento (baile, tambor) da religiosidade e dos rituais (cura, transe).
Diferentemente da classificação policial, para membros da imprensa escrita, o tambor de mina, a pajelança, a macumba, o canjerê, e mesmo a feitiçaria seriam todos a
mesma prática social. Os termos pajé, pai-de-santo, feiticeiro, macumbeiro, e até bruxo, aparecem como sinônimos em jornais de circulação diária ou semanal. Se os
discursos da imprensa levam a sugerir que, nas práticas sociais, pajelanças e tambores de mina viviam em constante interação, o discurso policial leva a pensar que
essas práticas tinham certas distinções entre si, não formando um todo confuso, um caos absoluto. Ambas proposições, relativizadas, guardam suas validades.
10 Boletim 37 / junho 2007

CONTINUAÇÃO

“muito rígido”. De outro lado, relembram Paulo quebrar os tambores. As velhas formas de con- idade. Além de prender os responsáveis pelo
Ramos, a quem estava submetido político-insti- trole começam a mostrar sinais de enfraqueci- tambor, que a imprensa nomeava sucintamen-
tucionalmente aquele Chefe de Polícia, como mento diante de um outro poder normalizador, te de “prática nociva”, Bezerra apreendeu al-
homem ligado à família, que se tornara inter- o dos intelectuais. Porém, ainda se está no Esta- guns materiais utilizados durante o ritual, quais
ventor sem se envolver com a politicagem.16 do Novo, e antes de entrarem em desuso, os sejam:
Em grande medida, Flávio Bezerra está para velhos modos de perseguição terão pelo menos
o tambor de mina, no Maranhão, como Pedrito uma década e meia de intensa atuação. 1 faixa vermelha, com lêtras brancas, conten-
(delegado Pedro Azevedo Gordilho) está para o Em 1941, O Globo noticiava que a polícia do os dizeres: “Salve o Barão de Coré”; 1 faixa
candomblé, na Bahia.17 Como este, ele não foi dera “uma batida na Macumba do Cutim Gran- branca, com lêtras encarnadas, ostentando a
nem o primeiro nem o último delegado a perse- de”, interior da Ilha. A descrição do fato iniciou- frase: “Salve o Rei São Sebastião”; 1 faixa vêr-
guir os tambores. Se, quando se fala de Pedrito, se com um louvor à atuação do chefe de polícia: de com letras amarélas, com a inscrição: “Sal-
“o real e o lendário confundem-se” (LÜHNING, “é, incontestavelmente, digna de aplausos, a ve o Príncipe Oliveira”; 1 manto de setim bran-
1996, p. 195), o mesmo se pode dizer em relação atitude do dr. Flávio Bezerra à frente da nossa co, 2 taquaris, 1 chicóte, 1 pandeiro, 3 vio-
lões, 1 cavaquinho, 2 maços de velas, 3 garra-
a Flávio Bezerra.18 Polícia Civil”, homem severo e promotor da lim-
fas de cerveja, 4 de cachaça, 1 de vinho de
É notável o fato de que a memória histórica peza social. “Medidas acertadas, são, diariamen-
genipapo, 1 maracá, 2 livros de préces, 2 cúi-
(oral e escrita) tenha construído um membro da te, tomadas por aquela autoridade, que não as, 11 charutos, 1 almofada e tabaco moído.
administração de Paulo Ramos como uma figu- mede sacrifícios no sentido de bem zelar pela (OG, 30/7/1941, p. 6)
ra perversa, dentre outros motivos, por que se- sociedade maranhense”. (OG, 30/7/1941, p. 6)
ria um dos maiores perseguidores de terreiros.19 Chefiada e organizada pessoalmente por Além da participação de policiais, é preciso
Indicativo é notar ainda que tal construção é Bezerra, uma diligência composta por um te- que se considere ainda a relação entre políticos
feita exatamente sobre um momento em que nente e oito investigadores dirigiu-se para Cra- e a “gente que tem ligação com o pessoal do
elementos dessas manifestações começam a teús, lugarejo de Cutim Grande. Ali, existia um fundo” (DN, 28/10/ 1937, p. 3), como amiúde
significar o Maranhão e o maranhense. Não se terreiro organizado, conhecido em diversas es- eram denominadas as pessoas envolvidas com
trata de analisar tão somente se Flávio Bezerra feras sociais. A chefa da casa, pejorativamente os tambores e as pajelanças. As relações entre
corresponde ou não à figura que é positivada, denominada por membros da imprensa de “ma- políticos e alguns terreiros certamente eram uma
mas entender ao menos um porquê da constru- cumbeira”, Altina de Sousa, esposada com Agos- constante, e se intensificarão no período pós-
ção dele sob esse prisma, haja vista que, depois tinho de Sousa, era famosa na Ilha, seus prodí- Estado Novo. Mundicarmo Ferretti (1999, p. 45)
dele, as campanhas de perseguições não para- gios já haviam se espalhado. (OG, 30/7/1941, sugere que a construção de Codó, cidade do
ram, e algumas serão mesmo classificadas como p. 6) Mulher poderosa despertara a ira de parte interior do Estado, como “terra de macumba” e
intensas. É preciso pensar para além dos adjeti- da imprensa. O fechamento desse terreiro se- da “feitiçaria” (entendidas como “trabalho do
vos individuais que eram dados ao chefe de guramente serviria como um troféu para o che- mal”) parece ter surgido nos anos 1950, período
polícia. fe de polícia. em que a mãe-de-santo Maria Piauí, que che-
Sob certo aspecto, Flávio Bezerra estava a Na noite do dia 29 de julho de 1941 realiza- gou ali em 1936, “passou a ser muito procurada
serviço da linguagem que produzia o Maranhão va-se em sua casa um tambor. Rituais, danças, por políticos”, e teve a sua fama extrapolada
como uma excepcionalidade a partir de suas corpos e espíritos compunham o cenário festivo para além das fronteiras do Maranhão.
velhas linhas de civilidade personificadas na e religioso. Por volta da meia-noite, a festa fora Durante os anos da atuação de Flávio Be-
Atenas e na São Luís primeiro portuguesa, e interrompida quando o chefe de polícia e sua zerra, as Casas das Minas e de Nagô, localiza-
naquele momento francesa. Possivelmente tal diligência cercaram a casa em que se realiza- das no centro da cidade de São Luis, foram
imagem sobre o bacharel pôde ser ainda mais vam “os trabalhos de cura” e o “brinquedo”. Cer- poupadas. Segundo informa Maria Celeste, Flá-
exacerbada exatamente no contexto histórico em ca de vinte pessoas que ali estavam quando vio Bezerra “era muito rígido, muito áspero, en-
que ele atuava. Nesse período, tornam-se cada chegara a polícia foram detidas, inclusive um tão não adotava no meio da cidade os terreiros
vez mais constantes denúncias de envolvimen- policial, “que, entusiasmado, assistia os ‘prodí- de Mina [...] e para que terminasse, pudesse
to de pessoas de diferentes profissões e estratos gios’” realizados pela mãe-de-santo durante o sair, ele então proibiu os toques de tambores
sociais com os tambores de mina e a pajelança, é “culto”. (OG, 30/7/1941, p. 6). nessas casas, que eram no meio da cidade, para
crescente a realização pública de festas e rituais, Certamente, a mãe-de-santo mantinha con- que fossem para o sítio, pra ficar mais distante
e, além disso, alguns intelectuais e poetas, con- tatos com o comissário José Gomes Filho. Era a da cidade”.
gregados por uma iniciativa política oficial, a de serviço dele que estava o policial encontrado
Paulo Ramos, inserem no texto de identidade na festa pela diligência policial. Daí a crítica do A Casa das Minas foi uma atingida nessa par-
maranhense elementos da cultura e da religiosi- articulista àquele comissário que “permitia e até te. Ficaram uma temporada sem tocar os tam-
dade popular e negra. É exatamente nesse con- mesmo amparava [...] a prática perniciosa” (OG, bores e tinha toda festa interna, mas não to-
texto que um chefe de polícia, promotor de uma 30/7/1941, p. 6), o que evidencia a existência cando tambor. Como mãe Andressa foi de
campanha contra os terreiros, será lido como re- de dissensos dentro da polícia no que concerne família de escravos, que pertenceram a fazen-
trógrado, perverso, etc. à perseguição das casas e terreiros de tambor da da família de Paulo Ramos – não sei por-
Ora, o saber sobre o popular é também uma de mina. Nem todos acompanhavam as linhas que, se era por isso, os nomes das pessoas nes-
ação de poder e de controle sobre o popular. de Bezerra. O policial encontrado no terreiro foi sa época, pertenciam aos senhores – é que ela
Desse modo, em grande medida, o que estão considerado culpado e transferido de posto de tinha o sobrenome da família de Paulo Ra-
mudando são as formas de controle. Os velhos trabalho pelo chefe de polícia. mos, Andressa Maria de Souza Ramos.
modos de controlar começam a entrar em desu- A situação teria se agravado porque partici- Ela (Mãe Andressa), conversou com ele, pe-
so. Pouco a pouco não será mais necessário pariam da festa menores de 11 a 17 anos de diu uma entrevista, queria falar com ele sobre

16 Este é o caso de dona Maria Celeste Santos, ex-operária, tecelã, zeladora da Casa das Minas. Ver seu depoimento em MARANHÃO (1997), especialmente páginas de 93
a 96.
17 No Maranhão, a fama de Flávio Bezerra como perseguidor de terreiros alicerça-se, sobretudo, em São Luís. Outros chefes de polícia também adquiriram fama nesse
período. Nessa perspectiva, o caso de Cururupu é exemplar e mereceria um estudo à parte. Naquela cidade a memória oral relembra de “Dô Carvalho” como aquele que
prendia os pais-de-santo e os amarrava atrás de sua viatura, arrastando-os pela cidade. A praça central da cidade recebeu o nome Dô Carvalho pelos feitos do memorável.
Entretanto, a história não termina aí. Atualmente, a praça Dô Carvalho é igualmente a “Praça do Folclore”, onde freqüentemente são realizados encontros de tambores de
mina, crioula, e outras danças e rituais populares. Estudos comparativos precisam ser feitos sobre esses personagens e suas relações míticas e históricas com os
terreiros, tendo em vista que, ao que tudo indica, para um chefe de polícia ser respeitado e temido entre os anos 1920 e 1940 era fundamental perseguir pais-de-santo.
18 Na Bahia, a atuação de Pedrito se dá entre 1920 e 1940. Naquele Estado, como no Maranhão, a partir de 1936/37, novos olhares começam a descrever as manifestações

de religiosidade, conhecimento e cultura afro-brasileiras. Como salienta LÜHNING (1996, p. 206), embora continuassem “aparecendo diversos artigos contra o
candomblé, encontramos notícias favoráveis a ele, ou à cultura afro-baiana, iniciando um lento processo de reconhecimento”.
19 A primeira edição da Revista Athenas traz em suas páginas o conjunto da administração superior do Governo do Maranhão. Seguidas da foto maior de Paulo Ramos, fotos

de igual tamanho compartilham outras páginas, entre elas a do Chefe de Polícia Flávio Bezerra. (RA, 1939).
Boletim 37 / junho 2007 11

CONTINUAÇÃO

a Casa das Minas. Foi como deliberou para policial era ínfimo para coibir as festas e rituais O fato é que os padrões do imaginário e as
tocar o Tambor e nem tão pouco mudar do que se espalhavam por diferentes lugares do formas de sensibilidade sociais eram profunda-
meio da cidade [...] nessa época todos os terrei- estado. Além disso, os policiais não formavam mente marcados pela idéia de poder dos pajés
ros que eram mais próximos, que não tiveram um grupo homogêneo, eles não compartilhavam e pais-de-santo, poder este que teria relação di-
uma boa comunicação com o Governador, não das mesmas idéias e práticas no que concerne reta com África ou com os povos indígenas na-
ficaram. Porque ela (Mãe Andressa) falou pela ao tratamento que deveria ser dado a essas di- tivos. Certamente, isso tem relação, de um lado,
Casa das Minas, e também influenciou logo a nâmicas culturais e tradições religiosas. com a atuação dos populares e, de outro, com a
Casa de Nagô, porque era uma Casa ligada
Alguns dias depois daquela batida no Cu- participação da imprensa que, para além da
com a outra, então ficaram estas colocadas na
tim Grande, a serviço de Flávio Bezerra, visan- promoção do preconceito, acabou contribuin-
cidade. (MARANHÃO, 1997, p. 93-96).
do combater “essa praga social”, “o investigador do para a divulgação, entre os letrados, de ele-
Lemos, acompanhado por dois outros policiais, mentos da mentalidade e das práticas presen-
O não alcance da proibição às Casas das
meteu-se pelos caminhos do Sacavém procu- tes nos terreiros de mina e casas de pajelança.
Minas e de Nagô durante o Estado Novo resul-
rando os curandeiros”. Enquanto os policiais Aqui, a categoria “carnaval”, como pensada por
tou de uma negociação em que se podem notar
embrenhavam-se pelas ruas e caminhos subur- Bakhtin (1987), pode ajudar a entender esses
múltiplas dinâmicas sociais, envolvendo diver-
banos, João Pereira da Silva conduzia um ritual processos de circularidade cultural. O carna-
sos atores sociais. De um lado, este é o momen-
de cura no lugar chamado Floresta. Diversos val, enquanto categoria analítica, funciona
to em que o Maranhão e o maranhense come-
populares, alguns doentes, o assistiam e acom- como uma metáfora da transformação cultural
çam a ser percebidos a partir de motivos da
panhavam (OG, 12/8/1941). e simbólica, que vai para além da simples inver-
religião e da cultura popular. Agentes intelectu-
Percebendo a chegada da polícia, o senhor são, questionando precisamente a pureza da
ais e políticos iniciam um processo de apropria-
João Silva, vestido “em trajes de rei”, tentara es- oposição binária alto-baixo, transgredindo-a.
ção de elementos do popular para compor o
capar, entretanto, não obteve êxito. Para alguns, Nele, ofusca-se a imposição da ordem hierár-
texto da identidade regional. A Casa de Nagô e
em alguns momentos, João Silva era, de fato, quica, o baixo invade o alto. Desse modo, aqui-
a Casa das Minas, em particular, serão uma de
um rei taumaturgo, uma majestade que, dentre lo que é socialmente periférico pode ser simbo-
suas linhas. Em segundo lugar, existia um trân-
outras coisas, tinha o poder de curar. Para ou- licamente central. Embora sejam festas, cele-
sito contínuo de idéias, imagens e valores entre
tros, sua prática era tão somente “um abusivo brações e convicções socialmente posicionadas
diversos membros da sociedade de então. Eram
‘metier’” na capital brasileira francesa. Ele, vis- na periferia, manifestações de cultura e religio-
constantes as relações entre políticos e terrei-
to como “sensivelmente embriagado”, e seus ins- sidade popular e negra, através de uma lingua-
ros. Tanto políticos em nível local, municipal,
trumentos de culto, uma garrafa de cachaça, gem que perpassa e se comunica com os diver-
quanto aqueles em nível estadual, como Paulo
dois maços de velas e um maracá, foram apre- sos estratos sociais, não raro definem valores,
Ramos, influenciavam a permanência dos ter-
endidos e levados para a central da polícia (OG, normas e comportamentos daquela sociedade,
reiros. No caso em específico, pode-se supor
mesmo o laço familiar que unia o líder político 12/8/1941). tornando-se elemento simbolicamente central
estadual à mãe-de-santo. De outro lado, deve- Em 1939, “no silêncio da noite, dentro da naquela engrenagem sócio-histórica.
se considerar as estratégias e resistências dos matta escura, Demetrio Santos foi surprehen- Se, de um lado, diversos indivíduos letrados
populares diante das perseguições, proibições dido pela polícia quando ‘curava’ um doente”. denunciam o fanatismo e a superstição dos po-
e preconceitos. No caso em específico, foram Demetrio vestia “uma blusa de gorgurão verde, pulares, de outro, as perseguições policiais os
fundamentais os trânsitos interpessoais, o po- casquêtte da mesma fazenda, um cordão bran- combatem, embora seus resultados sejam mui-
der de barganha e a capacidade de mobiliza- co e encarnado sobre os ombros” e tinha “um to aquém dos seus objetivos. O Estado Novo é
ção de Mãe Andressa, chefa da Casa das Mi- maracá nas mãos, cujos ‘balangandans’” foram um tempo de prisões de pajés e pais-de-santo.
nas. Ela reagiu e conseguiu a permanência da apreendidos pela polícia. Segundo afirma o ar- Em 1937, foram presos dois homens “da gente
sua casa, bem como da Casa de Nagô, no cen- ticulista, ele estava acompanhado por “três acó- que tem ligação com o pessoal do fundo [...]
tro da cidade. Lembre-se que a filha de Polibogi litos”. A polícia o teria flagrado “quando estava quando praticavam a macumba por meio de
foi provavelmente uma das principais respon- ‘benzendo’ o ‘cliente’ batendo-lhe com o mara- cobras embalsamadas e santas amarradas” (DN,
sáveis pela abertura da Casa das Minas aos cá na cabeça’”. Quando chegou a diligência 28/10/1937, p. 3) e um outro que “a segunda
pesquisadores. Mãe Andressa era personagem policial “houve correrias e atropelos” (OG, 30/ delegacia auxiliar mandou recolher ao xadrez”
conhecida e respeitada na cidade. Seguramen- 4/1939, p. 1). (DN, 29/10/1937, p. 4). Nesse mesmo ano, tam-
te, sua história é uma página importante nas “Cerca de cem pessoas assistiam à ‘sessão’”. bém foi presa “uma mulher que se dizia actua-
culturas do Atlântico Negro e nos processos Entre elas, “‘gente boa’, algumas de responsa- da de espírito que, em vida, dava gorjeios que
através dos quais indivíduos e grupos subalter- bilidade”. Na capital que se diz fundada pelo só rouxinol”. A caminho da prisão, a mulher imi-
nos enfrentaram obstáculos para viver segundo Senhor de La Ravardière, os repórteres foram tava ainda “o bentivi, o xexéu e a rolinha ‘fogo-
seus conhecimentos, convicções e tradições.20 informados de que essas pessoas “são ‘habi- apagou’” (DN, 30/11/1937, p. 4).
De fato, manifestações de cultura popular e tuées’ dessas reuniões” com “Paes de Santos”, Em 1940, uma senhora que fazia cura em
negra não são algo dado, pronto, mas sim espa- “apezar dellas se realizarem dentro do matto, a casa de uma outra também foi presa. Na cura,
ços de luta, de transformação, em que movimen- quinhentos metros de distancia da estrada”. eram usadas “vellas accesas, fitas e penas en-
tos de apropriação, dominação, resistência e cir- Todos em busca de cura, e para diversos males. feitando o ambiente” (DN, 30/4/1940, p. 5).
cularidade cultural se fazem presentes. E, no Um dos habituées teria dito que “os médicos Nesse mesmo ano, um homem, quando estava
caso do Maranhão, dentre outras implicações, não valem nada! Não ‘deram volta’ com minha na “mesa de cura”, foi surpreendido por solda-
esses múltiplos processos incidirão diretamente doença! E agora, com ‘mestre’ Demetrio é que dos da força policial, sendo levado ao xadrez
sobre a definição da identidade regional. já estou quase bom...” (OG, 30/4/1939, p. 1) (DN, 4/5/1940, p. 5) e outros quatro foram pre-
Este é um período em que a ação da polícia, “Verdadeira multidão de pessôas de desta- sos no bairro do Vinhais praticando pajelança
com o intuito de coibir a pajelança, ocorria dia e que, em nosso meio” foi à chefatura de polícia (OG, 30/7/1940, p. 3). Prisões que continua-
noite, pois a clientela que procurava os pajés pedir pela soltura de mestre Demétrio. “Todas ram, como ocorreu em 1943, quando a polícia
era significativa, tanto numericamente quanto affirmam estar em divida para com o macum- civil, “numa feliz diligência, efetuou a prisão do
no que concerne à heterogeneidade das posi- beiro, que já as curou desta ou daquella doença indivíduo João da Cruz, residente no sitio Ga-
ções sociais de seus indivíduos. Eram muitos os [...] Os pedidos chovem”. “O chefe de Policia, para, que tem por costume efetuar ‘mesa de
que buscavam a cura através da “gente do fun- está deveras escandalizado” – afirmava o repór- cura’, naquele sitio, conforme ficou apurado por
do”. E, pelo que se pode observar, o numerário ter (OG, 30/4/1939, p. 1). autoridade competente” (DN, 23/5/1943, p. 5).

20 Processo similar também ocorreu com terreiros de candomblé na Bahia, onde nem o Gantois, nem o Engenho Velho (a Casa Branca) ou o São Gonçalo (o Afonjá) foram
incomodados por Pedrito ou outro delegado a partir dos anos 1920. São outros os terreiros que aparecem nas páginas da imprensa baiana sendo perseguidos pela polícia.
“O prestígio do qual gozavam – e gozam até hoje – era grande demais, devido ao carisma das mães-de-santo, para que alguém se atravesse a não respeitá-los” (LÜHNING,
1996, p. 203).
12 Boletim 37 / junho 2007

CONTINUAÇÃO

Em 1942, a Revista Athenas dava um “cli- Excetuando-se a legenda, a foto não é acom- da cultura e da religiosidade popular e negra
chê”, com “vários aspectos de objectos apreen- panhada de nenhum texto escrito a comen- começam a ser impressos, de modo cada vez
didos em uma sala de pagelança, pela polícia tando com mais pormenores. A foto está só, o mais constante e intenso, na identidade regio-
local. Vêem-se, ahi, toalhas bordadas com sig- que pode sugerir um certo desconhecimento nal. Como se sabe, definir a região significa
nos de Salomão, flôres sagradas de tajás, arcos daquela prática pelos autores da revista.23 En- pensá-la como “um grupo de enunciados e ima-
e flechas, maracás, e garrafas de vegetais e ca- tretanto, não se pode esquecer que, muitos gens que se repetem, com certa regularidade,
chaça” (RA, 6/1942, p. 34). grupos sociais e suas práticas, sobretudo quan- em diferentes discursos, em diferentes estilos”
De fato, este é também período em que, no do racializados, são colocados em cena atra- (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 1994, p. 6). E,
Maranhão, é crescente a influência do moder- vés da apresentação de imagens, pois, muitas no caso do Maranhão, isso se dá concomitan-
vezes, é menos difícil mostrar que falar sobre temente ao início de um lento e descontínuo,
nismo.21 Nesse contexto, a pajelança serve de
eles (BOËTSCH; SAVARESE, 1999, p. 124). porém crescente, processo de reconhecimen-
referencial estético para a produção poética
O fato é que seja por imagens, seja por textos, to social daquelas manifestações de cultura e
apresentada na terra de Gonçalves Dias. Em
sobretudo a partir do Estado Novo, elementos conhecimento.
1941, a poesia “pagelança”, de Moreaux (1941,
p. 4), publicada em Diário do Norte, poetizava REFERÊNCIAS
o “pucuntum” dos tambores e o “xiquiti” dos
maracás, do “pagé Pai de Santo”, capazes de ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz. O Engenho Anti-Moderno: a invenção do Nor-
vencer “quebrante no corpo”. deste e outras artes. 1994. 501 f. Tese (Doutorado em História Social) – Instituto de Filosofia e
Mesmo quando a polícia resolvia suspen- Ciências Humanas, Campinas, Universidade Estadual de Campinas, 1994.
der, ainda que “provisoriamente os tambores de BAKTHIN, Mikhail M. A cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de
mina ou de crioulas”, como ocorrera em 1938 François Rabelais. São Paulo: HUCITEC; Brasília: Editora UNB, 1987.
(DN, 13/5/1938, p. 4), as medidas não surtiam BARROS, Antonio Evaldo Almeida. Acorda Ateniense! Acorda Maranhão! Identidade e Tradi-
tanto efeito. Nesse ano, Diário do Norte, prova- ção no Maranhão de meados do século XX (1940-1960). Ciências Humanas em Revista, São
Luís: EDUFMA, v. 3, n. 2, p. 42-63, 2005.
velmente na pessoa de seu diretor, em convite,
______. Invocando deuses no templo ateniense: (re)inventando tradições e identidades no
anunciava que “D. Andressa Maria de Souza
Maranhão. Outros Tempos, São Luís: UEMA, v. 3, 2006. p. 156-82. Disponível em http://
Ramos” estava realizando, entre maio (mês cor-
www.outrostempos.uema.br.
rente) e junho, em sua casa, os festejos do Divino BOËTSCH, Gilles; SAVARESE, Eric. Le corps de l’Africaine. Cahiers d’Études Africaines,
Espírito Santo (DN, 1/6/1938). E, também, que 153, XXXIX, p. 123-144, 1999.
“no vasto terreiro da Noemia, no Cutim Grande, CATENACCI, Vivian. Cultura Popular entre a tradição e a transformação. São Paulo em
vem se comemorando com bailes, tambores e Perspectiva, São Paulo, v. 15, n. 2, abr./jun. 2001.
festejos ao ar livre o veneradissimo S. Benedicto” CORRÊA, Rossini. Formação social do Maranhão: o presente de uma arqueologia. São Luis:
(DN, 10/8/1938, p. 2).22 Esta última, ao que tudo SIOGE, 1993.
indica, foi uma festa de sucesso. CRUZ, Bráulio Bispo da. Vida de policial, anos 1950, 1960...: entrevistas semi-estruturadas
realizadas em São Luís, Maranhão, Brasil. São Luís, mar. de 2005. Entrevistas concedidas a
A festa de S. Benedicto, no Cutim, vem Antonio Evaldo Almeida Barros.
obtendo desusado successo. DIÁRIO DO NORTE - DN. São Luís, coleção 1937-45.
Todas as noites tem havido bailes e festas FERRETTI, Mundicarmo. Religião e magia no terecô de Codó. In.: CAROSO, Carlos &
ao ar livre. BACELAR, Jeferson (org.). Faces da Tradição Afro-brasileira. Rio de Janeiro: Pallas; Salvador:
Amanhan, além do tradiccional tambor CEAO, 1999. p. 17-36.
das pretas [tambor de crioula], como é ge- LOPES, Antonio. Presença do romanceiro. Versões maranhenses. Rio de Janeiro: Civilização
ralmente conhecido, haverá o tambor de Brasileira, 1967.
mina. LÜHNING, Angela. “Acabe com este santo, Pedrito vem aí...”. Mito e realidade da perseguição
Domingo durante o dia, Noemia, dona do policial ao candomblé baiano entre 1920 e 1942. Revista USP, São Paulo, dez.-fev. 1995-1996.
terreiro fará farta distribuição de comidas MAGALHÃES, Celso de. A poesia popular brasileira. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional,
Divisão de Publicações e Divulgação, 1973.
a todos os que participarem da festa. (DN,
MARANHÃO. SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA. CENTRO DE CULTURA
13/8/1938, p. 3).
POPULAR DOMINGOS VIEIRA FILHO. Memória de Velhos. Depoimentos: uma contri-
buição à memória oral da cultura Popular maranhense. São Luís: LITHOGRAF, 1997.
O fato é que já em 1940 uma foto da “dança
MATOS, Claudia. Acertei no milhar. Malandragem e Samba no Tempo de Getúlio. Rio de
sagrada das minas” foi publicada na Revista
Janeiro: Paz e Terra, 1982.
Athenas, periódico das incontestáveis “tradições
MEIRELLES, Mário Martins. História do Maranhão. 2. ed. São Luís: Fundação Cultural do
maranhenses”. A legenda sob a foto informava:
Maranhão, 1980.
MORAES, Eduardo Jardim de. Modernismo Revisitado. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.
Ha em S. Luiz, ainda religiosamente man-
1, p. 220-238, 1988.
tido pelos devotos de Xangó, o culto tra-
MOREAUX, Silvio. Pagelança (Scena cabocla). Diário do Norte, São Luís, 13 de fev. de 1941.
dicional das minas. A nossa objectiva apa-
O GLOBO - OG. São Luís, coleção 1939-45.
nhou esses dois aspectos da solemnidade
OLIVEN, Ruben G. A relação Estado e cultura no Brasil: cortes ou continuidade? In.: MICE-
das minas, vendo-se ahi, no alto, os ataba-
LI, Sérgio (org.). Estado e cultura no Brasil. São Paulo: Difel, 1984.
ques sagrados, os adoradores do deus oc-
PINTO, Fulgêncio. Festa de S. João. Revista Athenas, São Luís, jun. de 1941.
culto; e, em baixo, um instantaneo das
REGO JÚNIOR, Octaciano. Superstição. Revista Athenas, São Luís, jan. de 1939.
dansas caracteristicas das minas, na sua
REVISTA ATHENAS - RA. São Luís, coleção 1939-42.
perfeita cadencia com os rythmos do cul-
VILHENA, Luís Rodolfo. Projeto e Missão. O movimento folclórico brasileiro (1947-1964). Rio
to afro, em plena funcção, no tradicional de Janeiro: FGV/FUNARTE/MEC, 1997.
“terreiro”. (RA, 12/7/1940).

21 O modernismo foi um projeto comprometido com a tradição, que buscava nas classes populares os motivos da cultura nacional. Os intelectuais modernistas ocupavam-
se com questões em que se imbricavam modernidade, brasilidade, tradição e origens populares (MORAES, 1988).
22 Esse é o primeiro convite e anúncio público de festas de tambor de mina de que tenho notícia. Processo similar acontecia na Bahia. “No [...] ano de 1937, encontramos
pela primeira vez convites para festas de candomblé, fato inédito até então, provavelmente de autoria de Edison Carneiro, ou escritos a pedido dele” (LÜHNING, 1996,
p. 206).
23 Contudo, isso não é uma regra. Na mesma revista, a discussão sobre cultura popular está presente também em longos textos que tratam, por exemplo, da lenda de Dom

Sebastião (RA, 1942) e do bumba-meu-boi (PINTO, 1941).


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LÉGUA BOGI BUÁ DA TRINDADE, O REI DO CODÓ


Paulo Jeferson Pilar Araújo24

“Se macumbeiro fosse muçulma- bom, só tinha de mal a cachaçada. De Só para demonstrar, há um caso que
no e tivesse que ir à Meca, ele iria pra um jovem de vinte anos, filho-de-san- aconteceu comigo, o difícil é alguém que
Codó?” Gracejo feito por um estu- to, Seu Légua foi um príncipe que não conhece Seu Légua não ter nenhum
dante de Ciências Sociais ao ouvir co- pode casar com sua amada e por isso caso pra contar relacionado a ele.
mentários do livro Codó: capital da bebe até hoje. Um ano mais ou menos antes de
magia negra?, de Mundicarmo Ferret- Assim é Seu Légua Bogi Buá, che- vir pra São Luís, o falecido Seu Fran-
ti (2003), no qual a autora também fe do Terecô, multifacetado. Para mui- cisco me deu um relógio de pulso por
fala da cidade que é chamada de Meca tos pais-de-santo da cidade de Codó sugestão de Seu Légua, como prova
da magia negra. Gracejos à parte, ve- de que sempre estaria comigo pra
ele já está muito velho e por isso não
nho aqui aproveitar o espaço para onde quer que eu fosse. Recebi-o e usei
desce mais (nos filhos-de-santo), mas
falar, não da cidade em si, como um por dois anos mais ou menos até que
pelo jeito Seu Légua ainda tem fôlego
bom codoense fico devendo essa, mas um dia acordei e apareceu uma man-
de um ilustre encantado dela, melhor pra dar e vender, prova disso é que não cha no visor do relógio, talvez oxida-
dizendo: o Rei do Codó, como é co- é difícil você ir a Codó e não encontrar ção. Para não parecer que andava com
nhecido o Seu Légua Bogi Buá da com ele em algum terreiro, e como dito relógio quebrado eu o coloquei no
Trindade. antes, terecozeiro que se preze tem bolso da calça para só olhar as horas
Com a fama que a cidade ganhou sempre algum Légua que o acompa- quando necessário. Nesse mesmo dia
graças a antigos mestres, pajés e pais- nha, dentre as centenas de filhos e afi- eu e um amigo estávamos visitando
de-santo, dentre eles o Bita do Barão, lhados de Seu Bogi Buá temos: Aleixo umas missionárias canadenses no Se-
não é difícil se ouvir em qualquer ci- de Légua, Codoense Bogi Buá, Cristi- minário Cristão do Norte e Nordeste
dade do estado a alcunha dada a Codó, na Légua, Joãozinho Buá da Trindade, próximo à Forquilha, quando fomos
a “terra da Macumba”. O que, entre- Lauro Bogi Buá, Leguinha, Maria de a uma parada de ônibus. Era por vol-
tanto, mais me chama a atenção é a Légua, Mariinha Légua, Oscar de Lé- ta das 23h30min quando fomos abor-
família mais ilustre da cidade, a de Seu gua, Pedro Légua, Raimundo Légua e dados por dois jovens munidos de di-
Légua Bogi, ou simplesmente Seu etc. etc. etc.... só pra ficar com alguns versas facas na cintura e duas nas
Légua. Desde criança ouvia falar dele, mãos. Levaram todo o nosso dinheiro
citados por Mundicarmo Ferretti
principalmente aos cochichos. Fala- e celular, revistaram todos os bolsos e
(2000) em Desceu na Guma.
vam que ele bebia demais, e era termi- foram embora com as nossas cartei-
Alcunhado também de Príncipe
nantemente proibido falar o nome ras. Coisa de segundos. Enquanto
dele às 18h. Quando criança, eu per- Guerreiro, o que fortalece a história meu amigo ligava para a Polícia pus a
guntava sobre quem ele era e simples- do jovem filho-de-santo, Seu Légua mão no bolso e percebi que os ladrões
mente respondiam: “é o tronco velho descia no terreiro do falecido Seu haviam levado tudo menos o relógio
dos encantados de Codó”. “Como ele Francisco Sousa, umbandista de que Seu Légua havia me dado. No
apareceu?” “Pingaram um pingo de Codó, cantando: momento achei muito estranho, até
cachaça num cupim, daí saiu Seu Lé- que lembrei da promessa de Seu Lé-
Por cima do morro eu venho
gua, e do jeito que cupim tem muito gua. Só depois me perguntei que, se
Por cima do morro euá. (bis)
filho, assim é Seu Légua, tem filho Por cima do morro eu sou Bogi, Seu Légua estava comigo, não deveria
demais”. Com respostas simples como Ê, por cima do morro eu sou Buá. (bis) ter deixado o assalto acontecer, mas
essas eu saciava um pouco a curiosi- conhecendo Seu Légua, como conhe-
dade até que anos mais tardes dei de Logo depois saudando os presen- ço, era justamente dessa forma que ele
cara com o “Tronco Velho”, num sa- tes. Sempre que era mencionado em mostraria que estava comigo, deixan-
lão de umbanda bem humilde, lá mes- preces pelo médium, saía logo em se- do os ladrões levarem tudo menos o
mo em Codó, daí comecei a encon- guida o título: “o Rei do Codó”. seu presente que ele me dera.
trar Seu Légua em outros terreiros da Seu Légua, além do respeito dos te- Depois do falecimento de Seu Fran-
cidade, sempre brincalhão e solícito recozeiros, é também bastante temi- cisco tenho guardado o relógio como
em ajudar as pessoas. do. Todo mundo sabe da banda bran- uma lembrança, mas não duvido mais
Já na capital, em São Luís, fiquei ca e da banda preta de Seu Légua, al- da palavra do Rei do Codó.
sabendo que ele era tocador de Bum- guns pais-de-santo de São Luís che-
ba-Meu-Boi, gostava de brincar Boi e gam a compará-lo com Exu, outros o REFERÊNCIAS
beber a noite toda até a brincadeira consideram um preto-velho, ou mes- FERRETTI, Mundicarmo. Des-
acabar. No Mercado Central da cida- mo os dois. Mas todo mundo sabe que ceu na guma: o caboclo do Tambor
de fiquei sabendo de um comerciante Seu Légua é assim, pra quem merece de Mina em um terreiro de São
que Seu Légua era engraxate, e que o bem, ele faz o bem, mas quem me- Luís. São Luís: EDUFMA, 2003.
se perdeu na bebida. Era homem rece o mal ele dá o mal, e bem dado...
24 Mestrado em Lingüística - USP; membro do GP-Mina da UFMA
14 Boletim 37 / junho 2007

JANELA DO TEMPO

Crônica Interna (Bumba) - Semanário Maranhense25


João Domingos Pereira do Sacramento

N esta última quinzena, que é


contada de 12 de junho até o
dia 1º do corrente mez o chronista to-
crédula que ficará sendo d´ahi em dian-
te nossa comadre? Haverá sinceridade
que emitte a que nos dá a esperança de
Introduziram na folgança deste ano
um repinicado de matracas com acom-
panhamento de uns gritos estólidos e
mou nota de mais uma sabia resolução ver na clara do ovo, que adormeceu ao dissonantes, que me arripiavam as car-
da autoridade policial e do renascimen- relento dentro de um copo d‘agua, dese- nes ao ouvil-os, sem a mínima lembran-
to de uma antiga usança que já parecia nhada a imagem dos nossos destinos, nas ça de que outr´ora uzassem de taes cou-
prescrita pelos nossos costumes, para o formas bellíssimas, que a imaginação in- sas as figuras do boi. No canto notei sen-
fim de louvar ambas as coisas. Hurrah terpreta e crea? Haverá festa mais inti- sível diffença e sempre para o peior e
pelo acto da policia e viva o – Bumba! mamente agradável do que o legendário não encontrei a graça antiga na tagare-
Se o não tivéssemos como passariam in- banho da madrugada de São João, ba- llice desconchavada do doutor pisa ma-
solsas, mornas e silenciosas as festivas e nho de parmecada (sic.) e alegria, que é, cio, nem os requebos da mãe Cathari-
estrepitosas noites dos três sanctos fogue- ao menos na crença popular, uma espé- na, nem no aparvalhado ridículo do cé-
teiros do mez de junho! cie de baptismo sem sal, sem azeite, que lebre pai Franciso, barriga de mala ve-
Nos tristes dias que atualmente vão se recebe secularmente por amor da be- lha. O caboclo guerreiro, que outr´ora
correndo, perdida toda a lembrança do néfica e salutar influência do Baptista? vinha lá do Lengal, entoava com ligeira
raivoso busca pé, e como que extincta a O chronista entende que não é por e cadenciada voz o estribilho incom-
gloriosa geração do rapazio, denodado e isso pede licença aos espíritos civilisa- prehensível do – chô, chô, chô, gerima-
cruel, que se derramava por essas ruas a dos, que tão grande medo teem do re- no, pareceo-me chegado de algum quar-
soltar fogo de limagem clara e de ronco nascimento dos nossos velhos costumes, tinho de alfaiate ali do Ribeirão ou do
assustador; afferrolhada a criançada, para gritar – hurrah, pelo Sr. Dr. Mora- bairro do Mercado mas desejoso de dar
que era tão alegue na chuva incandes- to e viva o – bumba! viva ao marques de Caxias e morras ao
cepte das rodinhas e no giro caprichoso Verdade é que o chronista ficou este Lopes do Paraguay do que de entoar
das bichinhas corribeiras; banidas as pis- ano meio desappontado com o atraso que galhardamente o - chô, chô, chô, geri-
tolas de balas tão azues e lindas como observou na folgança do boi, e não póde mano. Na berraria sim, eram todos gran-
nos havíamos de divertir, sem a clássica attribuir senão à falta de uso, por isso que des e fortes abusando ob e sub-repticia-
berraria do – bumba? há sete longos annos tinha o folguedo de- mente da licença da autoridade polici-
Como já estou ouvindo algum faná- sapparecido. Se o chronista não commet- al. A multidão, que acompanhava o –
tico da civilização moderna dizer-me: e te algum engano de memória, a última bumba, vozeava de seu lado muito abo-
as sortes, e os livros do destino, a o na- vez que o vimos foi em 1861 na gloriosa riginalmente; parecia possante estrondo-
moro folgado entre u ma bala de estalo chefatura de polícia do Dr. Manoel Ma- sa erguida no fervor do (...) no largo ter-
e uma quadra prophética, e a tranqüili- ria. Oh Manuel dos meus peccados, que reiro das tabas (...) dos primitivos ínco-
dade do salão sem risco, nem desastre saudades que eu tenho de ti! las desta terra. Mas que importa que a
algum, e o bolo de São João comido en- Se essa razão do atrazo não é convin- berraria fosse horrível, que os cidadãos
tre sorrisos e gracejos, e a canjica de cente, presumo que se pode inventar a não vissem em suas casas o asylo invio-
milho verde? Tudo isto não compensa de do progresso, que tem feito a imagina- lável e sagrado, que a Constituição lhe
sobra o banimento dos bárbaros brinque- ção popular, e verdadeiro progresso à garante? Que importa que as melhores
dos de outrora? moderna, vai isto dicto sem intenção que horas do somno e do socego as paredes
Tem o chronista o mau gosto de di- caminha para o peior. dos aposentos estrondeassem com os gri-
zer que não. Tudo isso pode-se fazer em Effectivamente as legendárias figuras tos do boi, se todos nós tivéssemos a in-
qualquer dia, até mesmo o namoro fol- do – bumba d´este anno, não deram es- commensurável fortuna de ver renasci-
gado, mas o bumba, o buscapé, a loucu- pecimens d´aquelle antigo sainete do boi do o folguedo com que tanto se diverti-
ra, só podem ter lugar nos dias memorá- dos tempos em que eu e vós leitores mo- ram nossos pais e nossos avós?
veis do milagroso Antônio, do decapita- ços éramos ainda crianças. Só na extra- No meio de toda esta felicidade o chro-
do João e do barbado chaveiro Pedro. vagância do vestuário eram exactas e pa- nista lamentou deveras o progresso da ima-
Ora, vão lá brincar o entrudo na sema- recidas às de outr´ora; as mesmas casacas ginação popular. Se ouviu cantos novos,
na sancta, ou comer amêndoas e confei- velhas com enfeites de pedaços de papel sem graça, nem belleza alguma, deixou
tes em domingo gordo! com excepção porém do caboclo guer- de ouvir aquellas lindíssimas toadas do
Jura a fé do chronista, que acerca de reiro, que com certeza não tinha o brilho
costumes populares sou antiquário. Ha- nas pennas, o garboso cocar, o leve e li- “Cachorrinho quando late
verá prazer que iguale ao salto de uma geiro do enduape do caboclo antigo, que No buraco do tatu.”
fogueira com a menina, que nos enfeiti- era em tudo semelhante aos heróis indí-
ça e que ao saltar nos beija dizendo genas do nosso poeta Gonçalves Dias. E do soberbo coro do

25 Typ. de R. de Mattos, Imp. por M. F. Pires, rua da Paz, 7. Edição fac-similar, Sioge, S.Luís, 1979. Nessa edição do Boletim da CMF foi também respeitada a ortografia
original.
Boletim 37 / junho 2007 15

CONTINUAÇÃO

“Rei, rei, rei embaixador, fios mais finos de conta de alto preço que a carcaça já lhe estivesse arrebenta-
ora viva a mulata que tem seu amor!” até fechar a taboleta surífera dos enfei- da de cacete e fogo.
tes a intestar com o queixo arredondado O chronista sente não poder ser in-
O esquecimento d´este último côro e soberano, que em graciosos meneios terminável n´este assumpto, que é tanto
deu que pensar ao chronista. E, pondo- se volvia por cima d´aquelle mundo de seu gosto e tão gratas recordações lhe
se elle a reflectir maduramente sobre imenso que era amarello claro por dian- suggere: mas não o larga da penna sem
tão incrível falta de lembrança achou por te e por baixo amarello escuro! que esta escreva pela última vez – hur-
fim que já se não canta o – ora viva a E os monumentaes bentinhos de más- rah, pelo Sr. Dr. Morato!
mulata que tem seu amor, - pela pode- sica chapeleta d´ouro em relevo e os gran- Alem d´estes grandes acontecimen-
rosa razão de que a antiga mulata é um des botões de ouro também, dos punhos tos, o chronista só se recorda das repre-
typo que desappareceu d´entre nós. e das aberturas das camisas de renda, e sentações, que o distincto senhor César
Não tomem os sábios e naturalistas as pulseiras e voltas, que por aquelles de Lacerda, actor-autor, acompanhado
por imaginoso e chimerico. O chronista braços se enroscavam, braços que a seu da senhora Falco, está dando no theatro
estriba-se na grande opinião do sábio dou- turno se enroscavam também com as S.Luiz. O chronista não teve por em-
tor Carlos Muller, que explica a theoria heras pelas columnas do desejo. quanto o prazer de os ver o de os ouvir a
da creação alternante, entre outros com Hoje toda essa beleza do typo festi- ambos, mas pelo que se lhe tem dicto e
o efficaz argumento da desapparição de val da antiga mulata desapareceu sob a assegurado as noites de representação
certas raças, como em curtos períodos se ação da esponja destruidora que a civi- escolhida do senhor César de Lacerda
tem observado nas ilhas do mar do sul. lisação continuamente manuseia. As são realmente agradáveis, e mais ainda
Ah! Nos prodromos de receio de de- carapinhas revoltas andam metidas nos pela barateza dos preços, que tanto ha-
sapparecer totalmente da superfície ter- apertos dos penteados modernos de co- viam subido nos expectaculos dos senho-
rena d´esta cidade o bello e elegante typo que atraz e trumpha petulante na fren- res Hermann e Noury. Fazer elogios ao
da mulata, o chronista vai desde já re- te, e aromatizam-se de pomadas e óleos senhor César de Lacerda já não produz
petindo em voz sentida: filhos de S. Luiz, finíssimos, que a perfumaria franceza bom effeito; o distincto actor-autor tem
nos envia. Até o cheiroso trevo dos ves- reputação firmada e incontestável me-
chorai por ella!
tuários singelos já se não vê, já se não recimento.
E é assim o typo da antiga mulata já
sente. Foi trocado pelo óleo de babosa Vae o chronista concluir, fazendo uma
não existe. A saia curta a mostrar os pés
ou quando muito por umas flores natu- declaração que vem a ser: que em falta
pequenos na chinelinha seritada de
raes sem aroma e sem graça. E até por de homem até o abaixo assignado, com
marroquim finíssimo, e a camisa luxuo-
cúmulo de horrores, já se tem visto gri- o seu nome inteiramente nacional e an-
samente rendada, que ver deixava o co-
naldas de flores artificiaes, de camélias tiquado, já serviu para desempenhar o
llo e as obras com que amor mata de
ou myosotis, por cima e por dentro das encargo da chronica interna. O Sr. Cas-
amores, tudo desappareceu na substitui-
afanosas carapinhas do typo degenera- tellamare, que era o dono da casa, foi-se
ção do vestido afogado, e da botina, que
do, que hoje tão lampreiramente se nos talvez para nunca mais voltar; o Sr. Rei-
nos vem de França. Horror! e hoje então
apresenta em toda parte! mar anda presentemente com umas
com o talhe enesgado e o balão exprimi-
Este século dá cabo de tudo e extin- phantasias que só elle as entende; o Sr.
do, verdadeiros sudários de máo gosto e
gue as melhores coisas do passado. Era César Marques metteu-se em vida nos
de pés collados à graciosa elegância (...)
para admirar que o gaz, o vapor, o im- conventos, a maneira de Carlos V, e pa-
das copias de typo que por (...) andam
posto pessoal e por último os bouffes rece que tão cedo não sairá d´elles: o Sr.
fazendo vontades de (...) tercetto dan-
parisienses não se dessem garrote ao ex- Sabbas tomou passagem no chaveco de
tesco da segunda (...):
plêndido typo da mulata antiga. Sobre Simão Oceano e não põe pé em terra; o
tudo as actrizes francesas; com umas seis Sr. José Ascenso está longe e não se dig-
“..... magiore dolore
que recordarsi del viso galante companhias iguaes à do Sr. Noury a na de tractar de outra couza que não
em questo semblante!” mulata fica inteiramente banida. Quan- seja a complicada sciencia da economia
do a virdes fora da república, chorae por política; o Sr. Ricardo Ernesto de Car-
E o alto pente de tartaruga ornado ella filhos de S.Luiz! valho acha um prazer immenso em ir às
de rutilante, larga e lavrada tala de ouro Não sabe o chronista onde foi o bum- trezenas de Sancto Antonio e em não
fino e os atracadores de tala estreita, e ba enterrado; antigamente a baixa do mandar couza alguma para este jornal;
as flores de canutilho e malacacheta, Apicum era o logar escolhido para a se- o Sr. Andrade escreve ydillios mentaes
adornos estes que enfeitavam de modo pultura gloriosa do – boi. É de crer que sob as frescas sombras do seu retiro dos
elegantíssimo as carapinhas revoltas da- até este costume haja sido oblitterado Remédios e nada nos envia para estas
quellas formosas cabeças que o mais que da lembrança popular, indo-se talvez columnas; os poetas do Semanário, eses
trescalavam era o grato aroma do demo- inhumar o respeitável boi careta lá para olham no ceo o caminho traçado à hu-
crático sebo de Hollanda, que foi depois o Cutim ou caminho da Maioba. manidade pelas mãos de Deus, como
à sorrelfa substituído pelas aristocráticas Fora de dúvida, porem, fica sendo dizia Chatterton ao toleirão do lord Be-
pérolas do cheiroso macassar! que ainda na madrugada do dia 1° do ckfor, e arripiam-se de olhar para a terra
E as grossas contas do quebra cogo- mez o – bumba tinha vida e berrava se e muito mais para a chronica. Estou por
te, que formavam a base de operações etrondosamente. D´antes no dia 30 de tanto justificado e perdoem os leitores a
luxuosas daqueles cronetados collos, nos junho, commemorativo de S. Marçal, o ouzadia com que fiz a minha estréia de
quaes se collocavam symetricamente os boi era irremissivelmente sepultado, bem gostos e costumes populares.
16 Boletim 37 / junho 2007

O PORTO DOS URUBUS


Jo’ão Batista Machado26

O Rio Itapicuru, o mais


maranhense dos rios
do Maranhão é misterioso vivei-
grande lajedo que avança rio
adentro. Forma, neste caso, re-
demoinhos perigosos, puxando
multicor, aponta ao pescador
solitário os cardumes suficien-
tes para lotar a sua canoa. Haja
mais fantástico, o clímax da fun-
ção é quando um grande lajedo,
magicamente se abre ao meio
ro de estórias e encantarias. canoas de remadores descuida- rede vigorosa para sustentar as sem produzir ruídos, somente o
Chegam ao limite do mundo das dos para baixo da grande laje. rabanadas dos peixes! burburinho das águas revoltas se
lendas. Quantas pessoas desapa- Os urubus, quando a caní- Jovens namorados, encautos ouve e um silvo cortante como a
receram na profundidade de seu cula está insuportável, baixam os atraídos e enfeitiçados pelos cân- pedir silêncio. A música misteri-
leito cheio de peraus, onde o seus vôos e pousam sobre o enor- ticos e a beleza da Mãe D’água osa para, a voz deliciosa, angeli-
corpo se afoga. me lajedo. Refrescam-se. Mo- foram levados a residir em seu cal emudece. È quando apare-
O primeiro registro de afo- lham-se, agitando as suas negras palácio sob o grande lajedo. cem duas volumosas e bem nu-
gamento coube ao gaulês Kodoc, asas. É um banho festivo, digno Acontece um fato fantasio- tridas serpentes de olhos fume-
naufragado com a sua embarca- de ser apreciado. so em noite de lua cheia. Os gantes iluminando a estrada flu-
ção defronte da Igreja da Matriz, Ao pé da ribanceira do rio, moradores próximos às margens ídica do Itapicuru. Enroscadas
Paróquia de Codó. onde começa o lajedo, há um do rio, ouvem belas canções en- em posição vertical, beijam-se.
Pescadores, canoeiros, lava- ingazeiro descomunal que cau- toadas por uma voz maviosa e A nossa velha Mãe Rosa, des-
deiras e jovens afoitos confian- sa admiração aos banhistas que doce. Os peixes saltam na super- cendente de escravos originári-
tes em suas braçadas de bons o conhecem. fície das águas. Dançam coreo- os de Mina, não acreditava em
nadadores desapareceram para Os moradores mais velhos do grafias sincronizadas como a serpentes encantadas, entretan-
sempre nas profundezas das lugar, os cabeças brancas, con- música suave, quase divina. Os to, numa noite de lua cheia foi
águas do rio. tam que nas raízes da arvore canoeiros param de remar as levada pelo seu filho, o pecador
Na margem esquerda do Ita- moram duas serpentes encanta- suas canoas e botes, recolhem as Miguel para vê-las. Morreu Mãe
picuru, ao lado do curtume de das. Nas noites de escuridão o suas redes e tarrafas, ficam exta- Rosa tomada de emoção o seu
Domingos Fulgêncio há o Por- brilho de seus olhos reflete nas siados na apreciação do encan- debilitado coração não resistiu à
to dos Urubus, onde se situa um águas do rio, uma luminosidade tador espetáculo. O momento grandiosidade do espetáculo.

RESUMOS E RESENHAS:
Monografias e dissertações sobre cultura popular do Maranhão27
MONOGRAFIA Artística – UFMA). São Luís, Luís, através de um levanta- conhecer os caminhos para a cons-
2004 2004. mento histórico do carnaval nas trução da obra de um teatro po-
DIAS, Cristiane Soares. O RESUMO: O presente tra- cidades do Rio de Janeiro, Sal- pular, a partir de uma dramatur-
léxico no município de Raposa. balho monográfico dirige seu vador e Recife. Enfatizando as gia construída para esse fim.
Monografia (Graduação em Le- foco para a charge como expres- causas que levaram a retomada 2005
tras - UFMA). São Luís, 2004. são artística e documento his- do carnaval de rua de São Luís NICÁCIO, Alberto de Je-
RESUMO: Um estudo do tórico. Destacando os autores no final de século XX e início sus Nascimento. A carruagem
falar dos pescadores do municí- mais significativos que atuam do século XXI, apontando a encantada de Ana Jansen: uma
pio de Raposa, no Maranhão, na mídia maranhense, principal- identidade cultural como ele- lenda, uma parte da história do
com ênfase no léxico. Tendo a mente, durante o século XX. mento fundamental para carac- Maranhão contada através dos
terminologia como suporte teó- Conceitua e relata a origem da terização dessa manifestação da quadrinhos para utilização no
rico para o estudo, esta pesquisa charge e sua difusão no meio cultura maranhense. ensino de Arte . Monografia
busca examinar o vínculo que se artístico e de comunicação, (Graduação em Educação Ar-
aborda a sua ocorrência nos
estabelece entre esse domínio da SILVA, Domingos Elias tística – UFMA). São Luís,
principais veículos de comuni-
língua e a realidade, a cultura e a Sousa. Em busca de um Tea- 2005.
cação do Maranhão do século
atividade profissional do ho- tro Popular: um breve estudo RESUMO: Estudo sobre o
XIX ao XX. Apresenta resumo
mem raposense. O levantamen-
biográfico dos principais char-
da obra de Nonato Pudim . contexto político e social do
to e a coleta do léxico da pesca gistas do Maranhão, bem como Monografia (Graduação em Maranhão do século XIX, épo-
no município possibilitam a ela- uma amostra de suas obras. Educação Artística – UFMA). ca que viveu Ana Jansen. Utili-
boração de um glossário que São Luís, 2004. za-se a lenda da carruagem en-
contempla os seguintes campos RIBEIRO, Josélia de Lour- RESUMO: Breve estudo da cantada de Ana Jansen como
semânticos: instrumentos – de des Gomes. Carnaval de Rua obra de Nonato Pudim, a partir proposta para possibilitar o co-
navegação, de orientação dos de São Luís: encantos e desen- de uma investigação sobre o Gru- nhecimento sobre aspectos par-
pescadores, de pesca -; o pesca- cantos. Monografia (Bachare- po Teatro Experimental Anilen- ticulares da cultura e da história
dor e suas funções; as pessoas lado em História - UFMA). se, sua criação e desempenho nos do Maranhão. Emprega-se a his-
envolvidas com a atividade da São Luís, 2004. Orientadora: anos 70 e 80. Trata-se de uma re- tória em quadrinhos como recur-
pesca – a comercialização. Helidacy Maria Muniz Correa. flexão teórico-prática do proces- so didático, estímulo à leitura e
DIAS, Wilson de Oliveira RESUMO: A partir de anali- so de criação do teatro popular à criatividade, cujo uso em sala
Costa. Chargistas do século se teórica e de entrevistas, bus- do Brasil daquela época contur- de aula é recomendado pelos Pa-
XX no Maranhão. Monogra- ca-se compreender a revitaliza- bada por um regime autoritário. râmetros Curriculares Nacio-
fia (Graduação em Educação ção do carnaval de rua de São A pesquisa realizada se propõe a nais.
26 Pesquisador codoense, autor do livro Codó, Histórias do Fundo do Baú.
27 Organizados pelo Profº. Sergio Ferretti – CMF com a colaboração de bolsistas de Iniciação Científica do GP-MINA/UFMA.
Boletim 37 / junho 2007 17

CONTINUAÇÃO

MACEDO, Luanna Candeira. Entre RIBEIRO, Aldeci Jansen. Sincretismo Maranhão, Brasil intitulado Ilê Ashé Ogum
a encantaria e a academia: Quando antro- religioso nos terreiros de umbanda de São Sogbô (Casa de Força de Ogum e Sogbô),
pólogos e pais-de-santo disputam a ´inven- Luís. Monografia (Bacharelado em Ciên- chefiado pelo babalorixá-vodunon Airton
ção´ de tradições. Monografia (Graduação cias Religiosas – IESMA). São Luís, 2006. Gouveia no bairro da Liberdade. Tambor de
em História – UFMA). São Luís, 2005. Orientador: Sergio F. Ferretti. Mina é a religião de matriz africana estabe-
Orientadora: (?) Santos de Melo. RESUMO: O presente trabalho é fun- lecida em São Luís do Maranhão, em mea-
RESUMO: Este trabalho tem como ob- damentado nas diversidades religiosas (afri- dos do séc. XIX, com a fundação de alguns
jeto de estudo e reflexão a disputa de poder cana e cristã) que é responsável pela forma- templos religiosos importantes. Temos como
ção da cultura afro-brasileira. Dentro desta objetivo focalizar a diversidade afro-religio-
institucional existente entre a figura do pai-
está em destaque aqui o sincretismo na Um- sa presente nos terreiros de Mina do Mara-
de-santo Euclides Menezes da Casa Fanti-
banda de São Luís, a sua importância para a nhão, a partir de nossas análises etnográfi-
Ashanti e a Academia. Tenta-se analisar a
continuidade dos cultos dos escravos longe cas sobre o modelo de rituais praticados atu-
forma como cada um dos espaços instituci- de pátria e a sua contribuição para a alta afir- almente no Ilê Ashé Ogum Sogbô, destacan-
onais acima citados articula seus discursos mação dos terreiros com a presença de San- do no contexto plural desse terreiro algumas
sobre a religiosidade “afro-maranhense” fir- tos Católicos em seus altares. A Umbanda foi especificidades como as ressignificações dos
mando a sua legitimidade, e o modo como aqui pesquisada através dos terreiros – Eira ritos iniciáticos e a prática da paramenta-
ocorrem as disputas pela hegemonia. do Sagrado Coração de Jesus e Centro de ção, com as saídas-de-santo, muito identifi-
Umbanda Nossa Senhora da Piedade Xangô, cadas como sendo próprias de uma outra
MORAES, Elizangela Viana. Bumba- que junto com tantos outros se auto deno- matriz afro-religiosa, o Candomblé.
meu-boi: uma relação entre o tradicional minam de Religião Afro-brasileira.
e o moderno. (Licenciatura em História - 2007 MOTA, Christiane de Fátima Silva.
UFMA). São Luís, 2005. Orientador: Pau- LINDOSO, Gerson Carlos Pereira. A Doenças e Aflições: sobre o processo tera-
lo Sérgio. vodunsi e doceira Genoveva Pia na obra ´Os pêutico na pajelança. Dissertação de Mes-
RESUMO: Este trabalho desenvolve uma Tambores de São Luís´, de Josué Monte- trado em Ciências Sociais - UFMA. São
reflexão sobre a relação tradição/modernida- llo. Monografia (Licenciatura em Letras – Luís, 2007. Orientador: Sergio Ferretti.
de a partir da investigação de modificações UFMA). São Luís, 2007. Orientador: Profº RESUMO: Esta dissertação faz uma aná-
ocorridas no Bumba-meu-boi do Maranhão. MS Marcos Vinício Magalhães Catunda. lise das experiências de doença, saúde e cura
Problematiza-se aqui, a presença do elemen- RESUMO: O trabalho monográfico é vivenciadas pelos pajés e consulentes que re-
um estudo de cunho literário onde discuti- correm aos tratamentos na pajelança. Paje-
to religioso enquanto “elo” que perpassa as
mos e analisamos as representações femini- lança, Cura, Brianga e Cutiúba são denomi-
esferas da tradição e da modernidade e que
nas da mulher negra na obra “Os Tambores nações pelas quais se conhece, em Bequimão,
confere identidade ao Bumba-meu-boi.
de São Luís”, especialmente da vodunsi da localidade onde foi realizado o trabalho de
Casa das Minas Genoveva Pia, destacando a campo, uma prática religiosa que coaduna as-
SILVA, Isis Lucas Braga Machado e. sua trajetória afro-religiosa e o seu discurso pectos e elementos do catolicismo, das cultu-
Bumba-meu-boi e a figura feminina em um político no combate as injúrias do escravis- ras indígenas e africanas, em especial, do tam-
universo androcêntrico: absorção ou inclu- mo brasileiro, ao longo da narrativa monte- bor de mina e da chamada “medicina popu-
são?. Monografia (Licenciatura em His- lliana. Genoveva Pia era uma negra forra já lar”. Verifica-se que a noção de doença impõe
tória - UFMA). São Luís, 2005. Orienta- de idade, que comprou sua própria liberda- um universo que abrange várias categorias e
dor: Helen de Sousa. de com a venda de doces de tabuleiro em subcategorias. Nessa direção, buscou-se ana-
RESUMO: Estudo monográfico sobre São Luís do Maranhão, que damos desta- lisar as relações estabelecidas entre religiosi-
o bumba-meu-boi, tendo como eixo temáti- que devido seu discurso forte de caráter po- dade e saúde a partir da noção de “doença”.
co os aspectos relacionados à mulher e sua lítico ideológico contra o sistema escravo- Para a análise, utilizo as discussões inicialmen-
inserção na “brincadeira” e os diversos as- crata ainda vigente no Brasil naquela época te elencadas por Monteiro (1985), Laplanti-
pectos de sua participação dentro da mes- (2ª metade do século XIX). Esse romance ne (1991) e Maués (1995); 2004). Nesse con-
ma. Destacando a construção de identidade histórico de Josué Montello, constituinte texto, a doença se torna elemento significan-
popular dentro do bumba-meu-boi, a indús- intrínseco da Literatura Maranhense e Bra- te ao ser associada à idéia de uma negativida-
tria cultural que o consome e a figura femi- sileira, aborda a caminhada (histórica) do ex- de genérica, cuja noção de desordem trans-
nina dentro desse contexto. escravo Damião e sua inserção na ´precon- cende o corpo individual, abrange as rela-
ceituosa´ sociedade maranhense, dando va- ções sociais e a própria organização do uni-
2006
zão para a questão da luta contra os martíri- verso religioso e cultural.
MORAES, Renato Araújo. A Casa do
os da escravidão, preconceito, racismo, além
Maranhão: uma análise de sua utilização
de apresentar aspectos sociais, culturais, VASCONCELOS, Gisele Soares de. O
como valorização do Patrimônio Cultural. políticos e turísticos da cidade de São Luís. cômico no Bumba-meu-boi. Dissertação de
Monografia (Graduação em Turismo – Temos ainda como é construído o universo Mestrado em Ciências Sociais - UFMA. São
UFMA). São Luís, 2006. Orientadora: Profª. simbólico e afro-religioso na narrativa. Luís, 2007. Orientador: Alexandre Corrêa.
Ms. Kláutenys Dellene Guedes Cutrim. RESUMO: O cômico nas apresentações
RESUMO: Este trabalho busca caracte- do Bumba-meu-boi do Maranhão, numa re-
DISSERTAÇÃO
rizar a Casa do Maranhão como uma possi- lação teatro-antropológica, constitui um dos
2007
bilidade de preservação do Patrimônio Cul- LINDOSO, Gerson Carlos Pereira. Plu- objetos desta dissertação. Espaços, Tempo e
tural, através do uso pedagógico dos espaços ralismo e diversidade afro-religiosa em ter- Experiência são anunciados como fatores
museográficos dentro da nova visão de mu- reiros de mina no Maranhão: um estudo para pensar a ausência e presença das apre-
seologia, que tem o museu como agente soci- etnográfico do modelo ritual do Ilê Ashé sentações cômicas na cidade e no interior.
al, servindo de fonte de memória e identida- Ogum Sogbô. Dissertação de Mestrado em Tomando como observação empírica, as apre-
de para a comunidade de São Luís e do Mara- Ciências Sociais - UFMA. São Luís, 2007. sentações da comédia em Santa Helena e,
nhão. Busca integrar a atividade turística à Orientador: Sergio Ferretti. como fundamentação teórica, os estudos so-
cultural, de forma a divulgar o que o Estado RESUMO: Esse trabalho é um estudo bre mito e rito e sobre festa e riso, essa disser-
tem de melhor em destinação turística, na etnográfico sobre o modelo ritual de um ter- tação busca analisar a comunicação cômica
prestação de informação aos visitantes. reiro de Tambor de Mina em São Luís do no Bumba-meu-boi “Capricho de União”.
18 Boletim 37 / junho 2007

NOTÍCIAS
Roza Maria Santos28

O MARANHÃO FESTEJA O DIVINO MARANHÃO PERDE


Entre o final do mês de abril e todo o mês de maio desenvolveu-se o Projeto COMPOSITORES
Divino Maranhão 2007 – Um Império Popular, com uma diversificada pro- O Maranhão perde três compo-
gramação de atividades, envolvendo 150 (cento e cinqüenta) Festas do Divino sitores por morte neste primeiro se-
Espírito Santo de 23 (vinte e três) municípios maranhenses: São Luís, Al- mestre de 2007:
cântara, Anajatuba, Bacurituba, Bequimão, Cajari, Caxias, Cedral, Codó, Hum- Escrete – José Henrique Pinhei-
berto de Campos, Icatu, Itapecuru-Mirim, Matinha, Mirinzal, Paço do Lumiar, ro - compositor de vários sucessos da
Palmeirândia, Penalva, Pinheiro, Rosário, Santa Helena, São Bento, São José de música maranhense, nasceu em
1950. Fez samba para a extinta Es-
Ribamar e Viana. Essas festas acham-se cadastradas no Centro de Cultura Po-
cola de Samba da Camboa, na dé-
pular Domingos Vieira Filho e fazem jus a um apoio financeiro, um kit de mate- cada de 70; sambas de enredo para
riais de divulgação (cartazes, ventarolas, bandeirinhas, cartões-postais e banners,) a Águia do Samba, Favela do Sam-
além do acompanhamento da sua dinâmica de funcionamento. ba e Túnel do Sacavém; compôs
O Projeto vem se constituindo há vários anos no veículo de apoio e incenti- vários afoxés para o Bloco Afro Ako-
vo do Governo do Maranhão, através da Secretaria de Estado da Cultura / mabu do Centro de Cultura Negra,
Superintendência de Cultura Popular, a esses festejos, elementos de desta- como as músicas Gaiola e Sereia, as
que no calendário da cultura popular maranhense, em parceria com a Comis- mais conhecidas, e toadas de bum-
ba-meu-boi para o Boi de Palha e
são Maranhense de Folclore, e este ano, também, com a Fundação Municipal
Boi Pirilampo. Morreu aos 56 anos
de Cultura e o Serviço Social do Comércio. de idade, dia 25 de janeiro, devido
Tomando por base o saber tradicional da nossa Festa do Divino a Progra- complicações pelo diabetes;
mação de Atividades do Projeto contemplou a realização de Missa, Procissão, Gerô - Jeremias Pereira da Silva
Cortejos, Visitas, Mastro, Tribunas, Impérios, Apresentações de Caixeiras (com – compositor, poeta e repentista, nas-
toque de caixas, cantos e dança), Participação de Grupos do Interior, Oficinas, cido em 1966, morreu aos 41 anos de
Exposições, Baile, Bandas de Música, Projeção de DVDs... idade, dia 22 de março vítima de es-
Integrada em 2007 à Semana Nacional de Museus do Ministério da Cultu- pancamento policial ao ser confun-
dido com marginal de alta pericu-
ra, a programação foi ampliada com o envolvimento de órgãos da Secretaria de
losidade. A ação dos policiais causou
Estado da Cultura situados no centro histórico de São Luís – da Rua do Sol à indignação à sociedade ludovicense,
Praia Grande – Museu Histórico e Artístico do Maranhão, Teatro Arthur Aze- principalmente entre os artistas, pro-
vedo, Arquivo Público do Estado do Maranhão, Centro de Pesquisa, História dutores culturais e integrantes de mo-
Natural e Arqueologia do Maranhão, sede da SECMA, Teatro João do Vale, vimentos sociais: do Centro de Cul-
Centro de Criatividade Odylo Costa, filho e Casa do Maranhão -, bem como tura Negra, da Secretaria de Igual-
com o Projeto Sabença: Museu – Escola, que explorou o tema O Museu Vive dade Racial do Estado, do Conselho
o Divino junto a estudantes de escolas públicas municipais e estaduais e o Estadual de Defesa dos Direitos Hu-
apoio ao Encontro Internacional O Divino Ontem, Hoje e Amanhã: dos Aço- manos, do Centro Marcos Passerine,
da Comissão de Direitos Humanos e
res ao Maranhão, promovido pelo SESC – Maranhão.
Minorias da Câmara dos Deputados
que solicitaram reavaliação do pro-
8º Tríduo Joanesco cesso por considerarem que Gerô foi
vitima de crime de racismo.

C om o tema “O Santo, o Largo, a Festa!!!” o já tradicional Tríduo tem a Padre Jocy Neves Rodrigues, ma-
ranhense de Tutóia, nasceu em 1917.
sua oitava edição nos dias 13, 14 e 15 de junho de 2007, prestando uma
Foi professor, escritor, compositor e
homenagem a Santo Antonio, São João, São Pedro e São Marçal, que coman- arranjador. Pioneiro na celebração
dam os festejos juninos maranhenses. de missas cantadas no Brasil mes-
O evento é uma promoção da Secretaria de Estado da Cultura, através da clando o canto religioso com as ca-
Superintendência de Cultura Popular e movimenta os três espaços ligados a racterísticas da música popular, a sua
este órgão – Casa da Festa/ Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho, música religiosa ganhou o mundo.
Casa de Nhozinho e Casa do Maranhão, contando com a parceria da Comissão Pesquisou o Bumba-meu-boi e a
Maranhense de Folclore. Dança do Caroço de Tutóia. Na área
A programação de atividades apresenta duas exposições, duas oficinas, dois de canto coral foi o primeiro mara-
nhense a arranjar músicas do bum-
espetáculos teatrais e seis grupos folclóricos: um de São Luís – Boi de Costa de
ba-meu-boi para quatro vozes para
Mão e cinco do interior do estado: rezadeiras (Santa Rosa dos Pretos/Itapecu-
o Coral da UFMA. Padre Jocy mor-
ru-Mirim), Baião (Caxias), Cordão de Bichos (Rosário), Tamborinho (Entre-Rios/ reu aos 89 anos, no dia 6 de maio,
Cururupu), Pela Porco (Centro Grande/Axixá) e Forró (Barreirinhas). em decorrência de complicações de
28 Roza Maria Santos – Comunicóloga; Secretária da CMF.
uma pneumonia.
Boletim 37 / junho 2007 19

DIVINA COMEMORAÇÃO DO SESC-


MARANHÃO 60 ANOS
Contribuindo com o resgate da lorixá e organizador da festa do Divi- tura quarta- feira (16) às oito e meia
ancestralidade da Festa do Divino, no do terreiro de mina Pedra de En- da manhã com cortejo solene do
como expressão cultural-religiosa no cantaria, Itaparandi Amorim. A troca Império do Divino; entrega da co-
cenário da religiosidade popular do de conhecimentos com estudiosos menda do Divino, pelos portugue-
Maranhão, o SESC-Maranhão rea- portugueses: Conceição Lopes, da ses, a uma das mais antigas organi-
lizou o Primeiro Encontro Interna- Universidade de Aveiro-Portugal, e Pa- zadoras da Festa do Divino no Ma-
cional “O Divino ontem, hoje e ama- dre Elder Fonseca, professor doutor ranhão, Dona Celeste Santos. Pa-
nhã: dos Açores ao Maranhão”. As e pesquisador do Divino - Angra/Por-
ralela às conferências e debates
Conferências e Debates tiveram a tugal, pesquisadora da Festa do Divi-
aconteceram Oficinas de Toque de
participação de estudiosos mara- no na Califórnia, Ana Paula Reditt, e
nhenses como: Zelinda Lima, Ana- do produtor da Festa do Divino em Caixa, de Decoração e Lembranças
nias Martins, Carlos de Lima, Ma- Toronto no Canadá, mostrou aos par- do Divino, e de Iguarias da Festa;
ria Michol Carvalho, Sérgio Ferret- ticipantes do Encontro que existem Visitas às Casa de Nagô e das Mi-
ti, Benedito Araújo, Sebastião Car- mais semelhanças entre as festas do nas; Mostra Audiovisual “Olhar Di-
doso Junior e Maria de Fátima So- Divino dos Açores e do Maranhão do vino”; Mostra Intercultural “Divina
pas Rocha; da organizadora da Fes- que diferenças. Festa: Diálogos Brasil-Açores; e pas-
ta do Divino na Casa da Minas, Ce- O Encontro Internacional acon- seio à Cidade de Alcântara com vi-
leste Santos e do turismólogo, baba- teceu de 16 a 19 de maio, com aber- sita à Casa do Divino.

LANÇAMENTO DO BUMBA-MEU BOI -


PROJETO SABENÇA LANÇAMENTO DE
A Superintendência de Cultura Popular lança a versão 2007 do Projeto
LIVRO NA UFMA
Sabença-Museu Escola com o tema “O Museu Vive o Divino” para alunos de PRADO, Regina Paula dos Santos.
escola públicas. Nesta versão o Projeto elege o tema de acordo com o período Todo Ano Tem. As Festas na Estrutura
da festividade da cultura popular maranhense e uma Cartilha norteará as dis- Social Camponesa. São Luís: PPGCS/
cussões dentro e fora da sala de aula. Nos dias 15 e 17 de maio, das 8h às 12h, GERUR/EDUFMA, 2007.
alunos, professores e diretores das escolas convidadas tiveram contato mais Trinta anos após ser defendido como
direto com o patrimônio material e imaterial da cultura maranhense. dissertação de mestrado no Programa de
Pós-Graduação em Antropologia Social

TAMBORES DA ILHA – TAMBOR do Museu Nacional do Rio de Janeiro,


sob orientação do professor Roberto da

DE CRIOULA EM LIVRO E VÍDEO-


Matta, este importante trabalho de Re-
gina Prado foi finamente publicado em
livro. A publicação tornou-se possível por
DOCUMENTÁRIO uma feliz iniciativa da professora Maris-
tela de Paula Andrade, através do Grupo

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico-IPHAN, a Funda-


ção Municipal de Cultura (Func) e o Conselho Cultural Tam-
bor de Crioula do Maranhão lançaram dia 25 de maio, na Fábrica das
de Estudos Rurais e Urbanos e do Mes-
trado em Ciências Sociais da Universida-
de Federal do Maranhão (GERUR/PPG-
Artes de São Luís, no Bairro da Madre Deus, o livro Tambores da Ilha e o CS/UFMA). Trata-se de trabalho de con-
vídeo-documentário sobre o Tambor de Crioula, trabalhos coordenados sulta obrigatório para todos os estudiosos
pelo antropólogo do Iphan Rodrigo Martins Ramasote. O lançamento interessados em bumba-meu-boi, festas,
reuniu os principais representantes dos grupos de Tambor de Crioula do cultura popular e campesinato no Mara-
Maranhão, ocasião em que foi discutido o pedido de registro da manifes- nhão. Utilizando referências bibliográfi-
tação como Patrimônio Cultural Brasileiro. O vídeo faz parte do dossiê cas clássicas e modernas, e realizando tra-
balho de campo minucioso e bem feito,
referente ao processo de inscrição da referida manifestação cultural no
segundo as normas da Antropologia Soci-
Livro das Formas de Expressão do Patrimônio Imaterial do País, que de-
al é exemplo de pesquisa acadêmica que
verá tornar o tambor de crioula a primeira manifestação cultural do Esta-
serve de modelo para todos os estudiosos
do a ser registrada como patrimônio imaterial pelo Iphan.
deste campo.
20 Boletim 37 / junho 2007

Perfil Popular
José de Jesus Figueiredo ( Zé Olhinho)
Zelinda Machado de Castro Lima29

José de Jesus Figueiredo é o famo- ré é o mais gostoso de ouvir e o mais


so Zé Olhinho, cantador e proprietá- legal de brincar”, para concluir: “Este
rio do Boi de Santa Fé, no bairro de aqui, em que a gente bate com a mão e
Fátima. faz o que quer da voz o do pandeiro –
Nasceu em 16 de junho de 1944, quatro, cinco tipos que às vezes se cru-
no lugar Tabocas, do município de São zam – fica muito bonito!”
João Batista, filho de Filomeno Gomes Assim é Olhinho, sócio de Coxi-
(dono do boi “Dois Unidos”, rezador e nho no boi de Pindaré e por fim, em
puxador de ladainha) e Joana do Espí- 1987 tendo de assumir a direção com
rito Santo Figueiredo, mas, segundo a doença, e posterior morte, daquele.
José, nunca moraram juntos. “Ele ti- Por causa de um chapéu desenten-

Acervo do Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho


nha a família dele” – diz. deu-se no Boi e passou a brincar na
Trabalhador de roça e fazedor de Turma de São Vicente. Mas acabou
farinha em sua terra natal, aos 12 anos mesmo no boi de Pindaré, o Pindaré
veio para São Luís, empregando-se II.
como jardineiro, “mexer com negócio “Em 1991 chegamos à igreja de São
de horta” etc. para enfim empregar-se Pedro com 30 índios, uma frente mui-
no bazar Valentim Maia, ocasião em to bem organizada com 12 chapéus bo-
que estudava à noite no Instituto São nitos, muito legal, porque nesse tipo
Lázaro e, depois, no Colégio Concei- de coisa eu capricho.” Todavia, essa
ção de Maria, nos Remédios, para fi- marcha tão bela degenerou em confli-
nalmente cursar até o 3º. ano a Escola to com outro grupo.
Modelo “Benedito Leite”. Por fim o Pindaré II virou o atual
Menino, Zé Olhinho era “uma fera boi Unidos de Santa Fé. E apesar de
para driblar bonde: pulava de bonde andan- te brinquei no cordão, arrastando toada. achar que “esse negócio de bumba-meu-boi é
do, tomava o bonde andando” – recorda fe- Estava novo, com a memória nos trinques, muito chegado a mesquinharias por parte de
liz. recebendo a aprovação de João Câncio: quem entende as coisas distorcidas (Quem
Há tempos longe de casa, uma noite ouviu Oh! preto! Oh! preto! Tu vai continuar quiser ter um inimigo gratuito que faça um
um batuque de boi. “Ih, rapaz, quase fico doi- com a gente!” Houve até disputa entre boi), o nosso Olhinho continua com todo o
do. Era o boi de Viana, do finado José Apolô- Câncio e Coxinho, os dois querendo me ânimo, cheio de entusiasmo, mesmo sentin-
nio, do qual João Câncio fazia parte, justa- ver em seus bois. do, ultimamente, a garganta ruim: “Sei o po-
mente o mesmo sotaque do boi da minha ter- Afinal veio ter ao boi de Pindaré, e tem tencial da minha voz, sei até onde chego e,
ra!” Encontrou antigos conhecidos, como Ju- até o topete de contestar: “Foi João Cân-
agora, não estou podendo chegar nem à meta-
venal Ferreira... Quantas lembranças!... cio quem criou esse sotaque de Pindaré.
de. Mesmo assim nunca paro de cantar. Can-
Em 1961, indo levar o avô doente para Mas, na verdade, esse não é o autêntico
to nem que seja duas toadas.”
São Vicente, lá deu umas brincadas no Boi sotaque de Pindaré: Aqui em São Luís eles
Um sério e devotado cultor do auto com-
de “Camundinho” (Raimundo Nonato Co- usam tarol batido com baqueta mais fir-
elho) para matar saudades. me, um timbre mais pesado. Quando uma pleto do Bumba-meu-boi, José de Jesus Figuei-
De volta a São Luís, trabalhou de pedrei- brincadeira é lançada o sotaque foge um redo empenha-se com todas as suas forças para
ro, camelô e garção no baixo meretrício. Mas pouquinho do original. Embora procure a que o auto seja sempre exibido em toda a sua
um dia, apresentado a João Câncio, e numa semelhança, cada aprendiz tem uma ma- plenitude pelo que representa de crítica soci-
morte de boi, foi pelo mesmo incentivado a neira de bater.” al, inventiva popular e beleza plástica.
tirar uma toada. “Até hoje tenho vergonha Desfaz-se em puro prazer, e orgulhoso Só por isto, pelo seu compromisso com o
do que fiz: cantei como minha uma toada declara: “Não é querer puxar brasa para mi- Boi tradicional, Zé Olhinho merece, com
alheia. Mas aí criei capricho: no ano seguin- nha sardinha, mas esse sotaque de Pinda- todas as honras, este perfil.

29 Pesquisadora; membro da Comissão Maranhense de Folclore

CULTURA

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