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Colaboração na pesquisa
Ana Gabriela Ferreira de Oliveira PREFEITURA MUNICIPAL DE BETIM
Luiz Otávio Milagre de Assis
Maria do Carmo Lara Perpétuo
Concepção e redação Prefeita
Ana Claudia Gomes
Alex Tadeu do Amaral Ribeiro
Fotografia Vice-prefeito
Acervo FUNARBE
Adeildo Silva
Ana Gabriela Ferreira de Oliveira Reservados todos os direitos de publicação em língua
Henrique Moreira de Castro portuguesa à:
Leonardo Lara
Luiz Otávio Milagre de Assis
Max Viannini Fundação Artístico Cultural de Betim – FUNARBE
Otília Sales Neta Rua João XXIII, nº 162
Vladmir Araújo Nossa Senhora do Carmo
32600-150 – Betim – MG
Criação gráfica Fones: 31 3532 1098 / 3532 2530 / 3531 1040
Articulação Comunicação & Marketing Endereço eletrônico: funarbe@betim.mg.gov.br
Impressão
Gráfica Paulinelli
Realização
FUNDAÇÃO ARTÍSTICO CULTURAL DE BETIM – FUNARBE
Departamento de Memória e Patrimônio Cultural
É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob
quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação,
Aderbal Hipólito Lara Gomes fotocópia, distribuição na Web e outros) sem permissão expressa da Fun-
Presidente
dação Artístico Cultural de Betim – FUNARBE.
Rodrigo Cunha
Superintendente IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
Mensagem da prefeita
A minha trajetória política tem sido inteiramente comprometida com os grupos
sócio-culturais historicamente marginalizados. Em Betim, onde desenvolvo mi-
nha carreira, posso me orgulhar de ter sempre cerrado fileiras entre os desfavo-
recidos, porém sempre reconhecendo a riqueza de suas organizações sociais
e elaborações culturais. As culturas locais originárias, ou culturas populares,
foram reconhecidas e registradas em minha primeira gestão como Prefeita,
como foi o caso da própria Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e de sua
principal festa. Não por acaso, um dos primeiros atos da minha gestão atual foi
criar pró-coordenadorias para desenvolver políticas destinadas a grupos vitima-
dos pela desigualdade em nossa sociedade, a exemplo dos afrodescendentes,
das mulheres, da juventude e da diversidade sexual.
Assim, este documento da série “Cadernos da Memória”, produzido pela
FUNARBE, encontra-se em perfeita sintonia com os programas políticos que
represento, pois se destina a retomar um intenso processo de registro, divul-
gação, valorização e fortalecimento das culturas secularmente desenvolvidas
pelo povo betinense. É importante que a produção cultural da gente de Betim
seja vista em toda a sua elaboração simbólica e criativa, para além das classes
sociais, das etnias, dos gêneros, isto é: a cultura é própria de todos os huma-
nos e, como tal, precisa ser reconhecida e fomentada.
No caso específico do Reinado de Nossa Senhora do Rosário ou Congado, te-
nho relações profundas, políticas e afetivas com esta manifestação e com seus
principais protagonistas. O Brasil vive um momento de redefinição das políti-
cas públicas para as festas do povo, como o Congado, visando fortalecê-las,
torná-las autônomas, preservá-las do esquecimento. Participo deste movimen-
to com minha própria história, mas também, e principalmente, com a vontade
política de um governo popular por princípio.
uma celebração
luso-afro-brasileira, pois em
Portugal surgiu a devoção a
Nossa Senhora do Rosário.
1. Neste documento, optou-se por flexibilizar as normas de citação
bibliográfica. Todas as obras consultadas estão listadas ao final.
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Povos africanos, especialmente os da cultura bantu
(Angola e Congo), radicados no Brasil devido à escravi-
dão, deram forma à festa, com base em pilares culturais
desenvolvidos na África e na própria experiência da escra-
vidão. Por causa da origem congalesa dessas celebrações
é que usamos as expressões “congado” e “rei congo”.
A origem do culto a Nossa Senhora do Rosário está
relacionada às estratégias de conversão adotadas por
Domingos, fundador da Ordem Dominicana, sobre os ne-
gros que viviam em Portugal. A Senhora inicialmente foi
cultuada pelos brancos, porém, apoiando-se no mito da
sua aparição sobre as águas do mar, o sacerdote elegeu
a reza do rosário e o culto a Nossa Senhora como forma
de converter os negros ao catolicismo. Esse evento apro-
ximou os cultos afro e a tradição católica.
No Brasil, inicialmente, desenvolveram-se festejos de
inspiração africana no nordeste. Estes festejos narravam
as batalhas entre a nação dos congos, dirigida pelo Rei
Cariongo e o Príncipe Suena, contra os moçambiques, li-
derados pela Rainha Ginga Nbandi; nesse caso, o nome
adequado à festa seria mesmo “congado” e dela é que
vêm as inúmeras designações e hierarquias militares ain-
da presentes na festa hoje: quartel, capitão, guarda, em-
baixador, soldado, farda, juiz, etc. Com as transformações
e influências historicamente recebidas, inclusive da devo-
ção ao Rosário, a festa teria perdido o caráter de narrati-
va, e o Rei Cariongo e a Rainha Ginga teriam sido unidos
num só “reinado” em adoração a Nossa Senhora. Congos
e moçambiques não mais guerreiam entre si, mas exer-
Coroas que fazem parte dos paramentos rituais cem diferentes funções em honra à santa de devoção.
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Em Minas,
Chico Rei
O Reinado se desenvolveu em Minas Gerais a partir
do século XVIII. O registro mais antigo da sua ocorrência
em Minas foi feito por Antonil, em 1763. Suas primeiras
ocorrências se dão no território da atual Ouro Preto e se
associam às histórias em torno de Chico-Rei.
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tatutos desta Irmandade desapareceram, mas, em 1785, pessoas, em retribuição a graças concedidas pela Senho-
novos Estatutos foram confirmados por D. Maria I, trazen- ra do Rosário.
do a seguinte recomendação: A partir da antiga Vila Rica, as irmandades negras e o
Reinado espalharam-se em território mineiro e atravessa-
Haverá nesta Irmandade um Rei e uma Rainha ram os séculos XVIII e XIX, até que, em 1930, o Arcebispo
(...), de qualquer nação que seja, os quais serão de Belo Horizonte, D. Antônio dos Santos Cabral, resolveu
eleitos todos os anos em mesa e mais votos, e combater as festas afro-brasileiras. A ameaça de excomu-
serão obrigados a assistir, com o seu estado, ás nhão a quem desobedecesse às ordens contra a realiza-
festividades de Nossa Senhora, e mais Santos ção dos Reinados e congados assustou as comunidades,
acompanhando, no último dia, a Procissão, atrás tendo como conseqüência a paralisação dos eventos em
do pálio. quase todo o território mineiro. A cidade de Divinópolis,
rara exceção, tornou-se uma trincheira na luta pela ma-
Vemos que, nessa pioneira versão mineira da festa, nutenção da tradição. O líder local do Reinado, José Aris-
o rei e a rainha são esvaziados de sua antiga represen- tides, com apoio da Maçonaria, manteve coesa a comuni-
tação das monarquias negras para assumir funções de dade local, continuando com a festa, contra as ordens do
interesse das autoridades coloniais na ordenação social. Arcebispo. A partir de 1948, as proibições diminuíram e a
Para cada festival, era escolhido o rei ou rainha do ano, festa voltou, progressivamente, a ser realizada.
geralmente branco, cuja função era mobilizar os senhores
e angariar fundos em favor das festas. Entretanto, as fes-
tas não deixaram de ter um caráter de representação da
força numérica dos afrodescendentes e de expressão da
sua leitura de mundo.
Nas origens dos festejos do Reinado do Rosário, os ne-
gros, organizados em filas militarizadas, se dirigiam can-
tando e dançando, precedidos da bandeira com a imagem
da Senhora do Rosário, à residência dos reis da festa. Es-
tes seguiam até a capela com solenidade, sob pálio, com
vestes reais, cetro e coroa de prata, acompanhados pelos
negros. Chegando à capela e instalados num dossel, os Ilustração
reis presidiam a mesa das promessas, que eram cumpri- representando
das em volta da igreja. Estas eram feitas por milhares de Chico Rei
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Mitos e
significados
do Reinado
Os protagonistas do Reinado de Nossa Senhora do Ro-
sário têm muitas e variadas formas de explicar as origens
e razões para a existência da celebração. Eles produzem
Guarda de Congo de Nossa Sra. do Rosário do Angola, em 2009 narrativas consideradas como “mitos de origem” pelos
estudiosos. A versão mais difundida do mito de origem
do Reinado é que Nossa Senhora do Rosário apareceu na
linha do mar, e os brancos a levaram para uma igrejinha
Guarda de ao som de uma banda de música, mas ela retornou ao
Congo de mar. Os brancos tentaram de novo com violas e violões,
São Judas mas ela retornou ao mesmo lugar. Então, os negros to-
Tadeu do caram suas caixas e levaram a santa à igrejinha; e ela aí
Citrolândia permaneceu.
em 2010 Participam do Reinado diversas modalidades de guar-
das ou ternos, que são como pequenos pelotões. Cada
modalidade faz referência a algum elemento cultural va-
lorizado pelas culturas afrodescendentes:
Guarda
de Congo Guarda de Congo: representa o antigo reino do Con-
de Nossa go, que originalmente guerreava contra Moçambique. De-
Senhora do pois que o elemento bélico desapareceu da celebração,
Rosário dos as Guardas de Congo puxam os dançantes, em movimen-
Homens to rápido, abrindo caminhos. Como elas têm a função
Pretos de
de abrir trilhas na vegetação, suas vestes têm fitas co-
Betim do
Jardim loridas, representando a flora. Os instrumentos musicais
Petrópolis são: tamborim, zabumba, caixa, acordeom, reco-reco e
em 2010 pandeiro.
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Guarda de Moçambique de Nossa Sra. do Rosário e
Santo Antônio de Pádua, do Bairro Santa Inês, em 2010
Guarda de Moçambique de
Santa Efigênia do Bairro
Jardim Brasília, em 2009
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· Guarda de Vilão: Também chamada de “Bate-Pau”.
Reproduz uma antiga dança originária da França e adap-
tada em Portugal, nas festas juninas. Foi incorporada ao
Reinado para alegrar os festeiros e apresenta uma rica
coreografia, com bastões de até dois metros, enfeitados
de fitas; com eles, os participantes simulam combates,
numa estilização de lutas travadas pelos negros, aos
quais não era permitido o uso de arma branca. Usa cores
vistosas. Os instrumentos musicais são os mesmos utili-
zados pelo Congo.
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· Guarda dos Marinheiros ou Marujos: originária da
Península Ibérica, compõe o ciclo natalino e foi incorpo-
rada ao Reinado posteriormente. Representa a conversão
dos negros, cumprindo promessa a Nossa Senhora por
terem escapado do naufrágio de um navio negreiro preso
nos arrecifes da costa brasileira por força de uma tempes-
tade. Suas vestes se assemelham ao uniforme dos mari-
nheiros. Os instrumentos musicais são quase os mesmos
da Guarda de Congo.
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· Guarda de Candombe: reunião de Capitães de Guar-
da ou congadeiros idosos que, à batida dos tambores,
chamados Jeremias, Santana e Santaninha, fazem lou-
vação à Nossa Senhora do Rosário e homenageiam as
almas dos escravos. Geralmente, realiza seus ritos nos
chamados quartéis e só sai às ruas em ocasiões muito
especiais.
Discutindo
escravidão e
desigualdades
Segundo estudiosos como Susan Reily, as narrativas
e rituais do Reinado guardam a memória da escravidão
e criticam a desigualdade social, representando-a como
contrária ao desejo divino. Portanto, essa manifestação A infância no Reinado
tem um conteúdo político, muitas vezes ignorado pelas de Betim, em 2005
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autoridades e pelo público que assiste aos cortejos como
um espetáculo. Segundo a autora, é na performance mu-
sical e corporal que está o essencial do conteúdo político
do Reinado: através da performance, os grupos refazem
a memória da escravidão e das desigualdades e injustiça.
Também é por isso que os santos, nos mitos de origem,
preferem estar em companhia dos negros e vêm em seu
socorro. É esse também o significado da história da retira-
da de Nossa Senhora do Rosário do mar: os mais simples
é que conseguiram convencê-la a acompanhá-los. Essa
narrativa faz uma inversão da hierarquia social vigente.
Além disso, percebem-se no Reinado de Nossa Senho-
ra do Rosário: uma reverência respeitosa às monarquias
ancestrais; o culto a divindades de origem ou inspiração
africana, associado ao culto aos santos católicos; a valori- Capitão Ednilton
zação dos saberes e da experiência dos idosos; a retoma-
da das culturas musical e corporal dos povos africanos.
D. Zélia
Pereira,
liderança
da Guarda
de Marujos
de São
João Bosco
e rainhas
Capitão Deyvidisson
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Trajetória da devoção ao
Rosário em Betim
Origens do
Reinado
betinense
O Reinado é considerado uma
manifestação cultural
específica do sudeste
brasileiro, apesar de ocorrer Capela ornamentada e a culminância do Reinado, em 2009
em várias regiões do país. Em
Betim, os registros escritos
começam a ocorrer a partir de
1814, e se referem à existência
da Irmandade de Nossa
Senhora do Rosário dos
Homens Pretos de Betim e da
construção de sua Capela.
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Capela do Rosário depois do restauro dos anos 90
28
Vô Joaquim
Nicolau
Joaquim Nicolau, oriundo de Itaúna, foi grande liderança
das festividades religiosas de caráter afro-brasileiro em Vianó-
polis, como foi o caso do congado e das folias de reis. Nascido
em 1876, na verdade se chamava Joaquim Teodoro da Silva e
só obteve registro civil aos 17 anos. Por isso, ao falecer, com
111 anos, em 1987, oficialmente contava a idade de 94 anos.
Era casado com Ana Firmina de Jesus que também vinha de
família ligada ao Rosário.
Estudos da antropóloga Cleonice Pitangui sobre o Reinado
Joaquim
Nicolau
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betinense apontam que Joaquim Nicolau, “quando soltei-
ro, fundou o reinado em Vianópolis, sendo seu capitão-
-mor; então mudou para o centro de Betim e aí levantou,
em 1954, o reinado que esteve parado por 45 anos, de-
vido à morte do seu antigo capitão”. Vê-se, portanto, que
a memória social de Betim reconhece a existência do Rei-
nado no século XIX e sua paralisação.
Segundo o atual Capitão Pé-da-coroa, S. Dalmo Mar-
tins, Joaquim Nicolau participou, com seu pai, da constru-
ção da Capela de Nossa Senhora do Rosário de Betim, na
década de 1890:
O Reinado em
dele, não lembro o nome dele agora, é que trouxe
o reino do rosário para Vianópolis e para Betim.
(...) Então ele falou que o pai era escravo e esta-
va próximo de acabar a escravidão. Seu Joaquim
tinha 18 anos de idade nessa época, e ajudou o Vianópolis
pai a construir a Capela, junto com outros escra-
vos. O pai começou e S. Joaquim deu prossegui- O Reinado de Nossa Senhora do Rosário de Betim es-
mento. (Dalmo Martins, 12/12/09) tava sediado, no começo do século XX, em Vianópolis, já
que, no distrito de Capela Nova, encontrava-se paralisa-
do. Pesquisas documentais revelam que Joaquim Nico-
lau não só fundou o Reinado em Vianópolis, como doou
à Igreja Católica o terreno onde foi implantado o cruzeiro
necessário às celebrações do Reinado e onde, posterior-
mente, o congadeiro ajudou a construir a capela do Bairro
Vianópolis.
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Saibam quantos este publico instrumento de escrip-
tura virem que, no ano de nascimento de Nosso Senhôr
Jesus Christo, de mil novecentos e trinta e oito (1938) aos
cinco (5) dias do mez de Outubro, em meu cartório, neste
distrito de Betim, município de Santa Quiteria, Comarca
de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, perante mim
tabelião, compareceram partes entre si justas e contrata-
das, a saber: de um lado, como outorgante doador, o Snr.
Joaquim Thêodoro da Silva, proprietário, residente em
Vianopolis e do outro lado, como outorgado recebedora, a
Padre Osório
igreja situada em Vianopolis, neste distrito, representada
pelo Snr. Padre Osorio de Oliveira Braga, (...). E logo pelo
outorgante doador, foi dito a mim tabelião, que é senhor
e legitimo possuidor de dois hectares e quarenta e dois
ares (2,42) de terra situada em Vianopolis [...]. resolveu
doal-o como de fato doado o tem á igreja de Vianopolis
para patrimônio desta, (...) no valor de setecentos mil réis
(700$000). (Jacy Silva, tabelião, Livro de notas nº 7 – Fls.
13 verso a 14v. Livro de Chancelaria da Paróquia de N.
Sra. do Carmo. Arquivo da Cúria Metropolitana de Belo
Horizonte).
Joaquim
Nicolau
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Para garantir o Reinado do Rosário em Vianópolis,
Nicolau montou duas guardas, uma de congo e uma de
moçambique. As demais guardas que compunham a fes- Sebastião
ta vinham de municípios vizinhos e ficavam hospedadas Pereira,
na casa do congadeiro. Segundo Elvira Ferino, rainha do o Tião
Reinado betinense, Ana Firmina e suas filhas cuidavam Medonho,
das roupas do congado e da alimentação e acomodação com reis e
dos congadeiros. A celebração é lembrada até hoje pela rainhas nos
população de Vianópolis como o ponto alto do calendário anos 90
festivo regional.
Joaquim Nicolau
e Ana Firmina Quando Joaquim Nicolau mudou-se de Vianópolis, nos
anos 50, o Reinado de Nossa Senhora do Rosário foi en-
fraquecendo até ser desativado. Nos anos 80, a comu-
nidade o reativou, porém reformas na Capela tornaram
impossíveis as evoluções das guardas no seu entorno,
voltando a festa a ser desativada. A região, entretanto,
detém diversos congadeiros, entre eles os principais reis
e rainhas atuantes hoje no Reinado da região central,
como Antônio Henrique Félix e Maria José da Conceição
Félix, rei e rainha perpétuos da Guarda de Moçambique
de Nossa Senhora do Rosário e que começaram a dan-
çar com Joaquim Nicolau; e também músicos, como o Sr.
Durvalino Lúcio Moreira (Dorva), cuja família atuou nas
guardas de Joaquim Nicolau.
Reis e rainhas
na Festa do
Rosário em
Vianópolis nos
anos 80
32
Joaquim Nicolau teve 12 filhos, que foram criados nas
tradições do Rosário. Ao se mudar para a região central
de Betim, vivendo em diversos bairros, dentre eles Teixei-
rinha, Chácara e Santa Inês, uniu-se a João Belarmino,
que tentava reativar o Reinado do Rosário no centro de
Betim, sem sucesso, e, juntos, obtiveram esse intento.
Apesar de ter se mudado para São Joaquim de Bicas por
um período de quatro anos, Joaquim Nicolau permane-
ceu na liderança do Reinado do Rosário de Betim até o
ano anterior à sua morte. Em 1986, já bastante doente,
apenas pôde ficar sentado, e assim recebeu os cumpri-
mentos especiais de todas as guardas.
Elvira Ferino, Maria Baianinha e Antônio
Félix, rei e rainhas de Vianópolis que
dançaram com Joaquim Nicolau
33
Renascimento
do Reinado
A Capitã-Regente do Reinado e Vice-presidente da Ir-
mandade do Rosário sintetiza a história da celebração em
Betim nos anos 60 e 70, tendo ela chegado a esta cidade
em 1958:
34
Capitão Mário
de Paula, pé
da coroa no
início dos anos
2000
Guarda do Zé Teodoro
35
S. Raimundinho começou a participar da guarda de
João Belarmino como frente-de-guia, passando depois
a caixeiro, e foi designado capitão por Joaquim Nicolau,
quando da morte de João Belarmino. A guarda hoje é
composta principalmente pela família de S. Raimundi-
nho, e dela já se desmembraram pequenos grupos que
hoje compõem a guarda de moçambique liderada por
seu neto, o Capitão Ednilton, a guarda de congo de outro
neto, o Capitão Deyvidson e a guarda de congo de Efigê-
nia e Aguinaldo. As guardas atualmente lideradas pelos
capitães Ednilton e Deyvidson foram fundadas por D. Euli
Ricardo Faria (Mãinha), liderança ritual radicada em Ci-
trolândia, que atuou na guarda de S. Raimundinho e se
Guarda de Moçambique de Santa Efigênia, em 2009 tornou uma dissidência da mesma.
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Guarda de Congo de Nossa
Guarda de Moçambique do Senhora do Rosário dos Homens
Divino Espírito Santo, do Bairro Guarda de Congo de São Judas Tadeu Pretos de Betim, do Bairro Jardim
Angola, em 2010 de Citrolândia, em 2009 Petrópolis, em 2009
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Tião
Medonho
nos anos 90
59 anos, sua guarda guardou luto por três anos. Seu filho,
o atual Capitão Arlen é que liderou a família para levantar
a guarda. “Na época, ele disse: não vamos deixar morrer
nada que era do papai” (Zélia Ricardo Pereira, viúva de
Sebastião Pereira, 27/07/09).
D. Zélia Ricardo Pereira é, desde então, a liderança da
guarda, considerando-se a preeminência dos mais velhos.
O primeiro capitão da guarda é Paulo Sérgio Martins, ma-
rido da filha de Tião e Zélia, a jovem liderança Cíntia.
S. Dalmo Martins, nascido na localidade de Urucuia,
Esmeraldas, declara ser neto de africano e diz ter iniciado
suas atividades na tradição do congo e na magia ainda
adolescente. Atuando junto a Joaquim Nicolau, que anun-
ciara a S. Dalmo seu futuro papel como pé-da-coroa, isto
é, principal líder do Reinado, acumulou diversos saberes
sobre as tradições e segredos do “Reino do Rosário”. Atra-
ído pelo papel exercido pelo moçambique no Reinado, fun- Paulo Sérgio e Cintia, lideranças da Guarda de Marujos
dou sua Guarda de Moçambique e aguardou o momento de São João Bosco, em 2010
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S. Raimundinho, Ladyr e S. Dalmo, lideranças da Guarda de Moçambique de Nossa Senhora do Guarda de Catopés do Bairro
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, em 2010 Rosário, do Bairro Jardim Petrópolis, em 2009 Santa Inês, em 2005
39
Meio século depois da arrancada de Joaquim Nicolau, Betim
tem, portanto, nove guardas, conforme a arquitetura abaixo:
40
Reinado do Rosário
em Betim: formato e
significados
Bandeira
de Aviso
43
ma dos negros anunciarem a proximidade da festividade.
Nessa época, tropeiros e viajantes ajudavam a espalhar
a notícia quando avistavam a bandeira de aviso, com a
imagem do principal santo de devoção das irmandades.
O nome da bandeira - Mão Poderosa - denota poder,
dons do Espírito Santo. Para a Irmandade do Rosário,
através da Bandeira de Aviso da Mão Poderosa, Nossa
Senhora do Rosário invoca todos os poderes e bênçãos
da mão poderosa de Deus sobre os devotos das guardas
e sobre a Festa do Rosário.
O hasteamento das bandeiras é cercado de rituais,
dentre eles os bandeireiros das guardas circularem o
mastro com suas bandeiras e todos os capitães, liderados
pelo capitão pé-da-coroa (atualmente Sr. Dalmo), encos-
tarem seus cetros no mastro e, coordenadamente, reali-
zarem o movimento de subida e descida, em fervorosa
oração.
Capitães na bênção à
bandeira 2010
Ritual de
hasteamento
da Bandeira de
Aviso, em 2003
44
Novena Guarda de Moçambique
Nossa Senhora do Rosário
durante novena de 2010
Há todo um processo de preparação para a festa,
quando os integrantes das Irmandades cumprem uma
série de compromissos. Em Betim, o principal fenômeno
de preparação é a novena, na qual, durante nove dias,
acontecem celebrações solidárias entre a Irmandade do
Rosário e comunidades católicas de vários bairros de Be-
tim. A cada noite, é hasteada também a bandeira de um
dos santos protetores das guardas. São relatados tam-
bém rituais secretos de preparação, realizados nas casas
dos capitães.
Traslado
Traslado das
imagens das imagens
No sábado, véspera da culminância, acontecem em
Betim traslados das principais imagens de devoção da
Irmandade do Rosário até a Capela de mesmo nome. As
guardas reunidas batem suas caixas, fazem evoluções
em torno da Capela e hasteiam a Bandeira de Nossa Se-
nhora do Rosário. Após isso, permanecem na Capela o
Capitão pé-da-coroa e integrantes de diversas guardas
locais, para o ritual das Matinas. Durante toda a madru-
gada, orações são realizadas em prol de uma perfeita cul-
minância do Reinado, além de rituais nas encruzilhadas
Reis Congos
próximas, para que as entidades responsáveis por cada
e Princesa acesso à Capela do Rosário abençoem a festa.
45
A preparação
miçangas, consagradas em ritual. Os mais experientes
orientam os outros na escolha das guias.
Os integrantes vão chegando aos poucos e se cum-
46
com o corpo. Então, inicia-se uma série de orações e pe-
didos de proteção às santas almas, a São Jorge e a outros
santos protetores.
Após as orações, a bandeireira da guarda, Raiana,
passa pelo altar, sempre da esquerda para a direita e vai
de costas até a porta de entrada, quando então os capi-
tães da guarda orientam a saída do grupo. Esse ritual é
demorado e a Guarda não se preocupa em apressá-lo,
pois se trata de um momento espiritual fundamental para
a vitalidade do grupo.
Reis e rainhas durante café da manhã
na Casa da Cultura, em 2009
Café da
manhã
Na manhã do último domingo de agosto, tem início a
culminância do Reinado. Algumas guardas se reúnem em
suas sedes para rituais de preparação.
A participação coletiva em refeições é uma das ca-
racterísticas desta celebração, e tanto o café-da-manhã
quanto o almoço são atualmente servidos pela Prefeitu-
Bandeiras
de Aviso e de
ra de Betim em espaços públicos. Perdeu-se em Betim
Nossa Senhora a prática tradicional de se angariar recursos e preparar
do Rosário e as refeições do Reinado. As guardas anfitriãs recebem as
bastões dos guardas visitantes com cumprimentos especiais em torno
capitães, de cruzeiros e da imagem de Nossa Senhora do Rosário.
durante ritual de Enquanto o café-da-manhã é servido, há sempre alguma
hasteamento guarda em atividade, de forma que as celebrações não
são interrompidas.
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Cortejos de fé
Após o café-da-manhã, todas as guardas anfitriãs e vi-
sitantes, juntamente com um séquito de dezenas de reis,
rainhas, príncipes e princesas, fazem um cortejo até a Ca-
pela do Rosário, onde novos rituais de devoção são reali-
zados e as guardas seguem para o almoço. Este cortejo
é o principal da culminância, e nele é possível observar o
melhor do caráter performático do Reinado de Nossa Se-
nhora do Rosário: a rica e elaborada composição da indu-
mentária, o uso dos instrumentos musicais tradicionais,
a recente presença das caixas treme-terra, que tornam
o Reinado um espetáculo musical audível à distância, os
passos coreografados e as performances corporais indi- Gungas da Guarda de Moçambique de Santa Efigênia, em 2009
viduais, a regência dos capitães, dentre diversos outros
aspectos. Almoço na
Escola
Municipal
Cortejo matinal na Rua Clóvis Salgado,
do Rosário, em 2010 em 2004
Almoço ritual
Durante o almoço, as interações entre as guardas
ficam bastante evidentes. É um momento de pausa em
que antigos irmãos de diferentes municípios se encon-
tram e confraternizam. O caráter extra-municipal das
manifestações do Reinado fica bastante evidente nesse
momento e nos eventos da culminância como um todo.
O séquito real tem mesa e tratamento especial durante
o almoço, visto que a tradição manda que reis e rainhas
recebam distinção durante toda a celebração.
48
A finalização das celebrações do Reinado se dá pelo
ritual de pagamento das promessas. As guardas evoluem
em torno de suas bandeiras, erguidas no adro da Cape-
la do Rosário, e em torno do próprio templo. O número
de evoluções e as orações proferidas constituem o pa-
gamento das promessas. Em Betim, há momentos de si-
lêncio e de sons coordenados pelos gestos e apitos dos
capitães, às vezes imperceptíveis a um leigo. O uso do
espaço é uma condição essencial dessas evoluções, que
acontecem nas mais diversas direções: em curvas, em
círculos ou em espirais. São todos movimentos combina-
dos entre si.
O encerramento da festa, acima descrito, original-
Missa Conga de 2010. mente acontecia na segunda-feira, já que a culminância
No detalhe, Reis, tradicional das celebrações do Reinado é feita em três
Rainhas e Princesas dias. Betim eliminou a segunda-feira, dia do pagamento
da Irmandade de promessas e arreamento das bandeiras, devido ao re-
gime de trabalho atual, não mais associado ao calendário
religioso.
Missa Conga
Após o almoço, novas evoluções no adro da Capela
do Rosário com pagamento de promessas e um segundo
cortejo pelas ruas do entorno preenchem a tarde, até a
realização da missa de culminância, no início da noite.
Conhecida como missa conga, essa celebração se ca-
racteriza pela inclusão das culturas afrodescendentes
na liturgia, através de cantos, do rufar dos tambores, de
alimentos próprios da experiência africana e afrodescen-
dente na comunhão, dentre outros aspectos. O acento de
matriz afro nessa celebração depende bastante do co-
nhecimento dos celebrantes sobre a história das etnias
Padre Warley e Frei Gilvander, celebrantes
africanas e sobre as tradições do Reinado.
da Missa Conga em 2010
49
Reinado, patrimônio A presença da
infância no
de Betim
50
não dialoga apenas com a tradição, mas também com a
contemporaneidade. Não por acaso, o Reinado do Rosá-
rio em Betim participa das relações políticas locais, com
isso auferindo recursos necessários à manutenção da
manifestação; mantém relacionamento próximo com as
mídias locais; absorve elementos das culturas e lingua-
gens urbanas contemporâneas, como modernos cortes
de cabelo e penteados, acessórios como piercings, arti-
gos industriais para a confecção dos instrumentos e da
indumentária, dentre outros. O Reinado de Betim é uma
manifestação urbana, na qual o transporte coletivo, o te-
lefone e a concepção alimentar própria dos restaurantes
desempenham papel fundamental. Nele, o município de
Betim, como se configura atualmente, está perfeitamente
representado.
Por tais razões, a manifestação foi registrada pela
Prefeitura Municipal, através da Fundação Artístico Cul-
tural de Betim, como patrimônio imaterial do município.
Esse registro foi feito com a aprovação e contribuição da
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, protagonista do
Reinado, em janeiro de 2010, no Livro IV do Patrimônio
Imaterial local, denominado Livro Das Celebrações.
Jovens do
Reinado
betinense em
2009 e 2010
51
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