Você está na página 1de 15

APONTAMENTOS SOBRE A ATUAÇÃO MUSICAL NA CIDADE DE BELO

HORIZONTE ENTRE OS ANOS DE 1897 E 1950

Klenio Daniel Milagres Bandeira


UFSJ/UFRJ
Música, Memórias e Africanias

1. INTRODUÇÃO
Este trabalho, em desenvolvimento para a disciplina “Música, Memória e
Africanias”, ministrado pela professora Dra. Andrea Adour, é motivado pela
investigação do cenário musical da cidade de Belo Horizonte do ano de sua fundação,
1897, até o final da segunda metade do século seguinte, tema pertinente à dissertação de
mestrado do autor intitulada: “O IDIOMATISMO DO VIOLÃO DE CHIQUITO
BRAGA: Uma análise sobre 10 registros de sua obra”. A dissertação tem o objetivo de
analisar a linguagem musical utilizada pelo compositor no tocante aos seus 10 registros
fonográficos para violão solo, passando pelas fases de transcrição das peças e
posteriormente análise dos elementos musicais contidos nas mesmas para que sejam
identificados os recursos muscais utilizadas por Braga em suas composições, arranjos e
seções de improviso.

Francisco Andrade Braga (1936 – 2017), ou Chiquito Braga, foi um músico


belorizontino com mais de 60 anos de atuação no cenário nacional, atuando boa parte
deles como sideman, músico de estúdio e arranjador. Entre seus trabalhos, destacam-se
a participação nos arranjos da trilha sonora da novela “Irmãos Coragem”, “Gabriela” e
“O Cafona”, além de ter participado de gravações de álbuns e shows de artistas como
Wilson Simonal, Elizeth Cardoso, Dorival Caymmi, Nara Leão, Maria Bethânia, João
Donato, Gal Costa, Tim Maia, Guinga, Dominguinhos, dentre outras e outros.

Para além dos fatos citados acima, Chiquito é considerado como uma grande
influência de músicos que integram o denominado Clube da Esquina, por sua maneira
de encandear a melodia em seus acordes e por outras ideias musicais ligadas ao violão,
sendo corriqueiramente citado por Toninho Horta como uma de suas maiores
influências junto ao violão. Chiquito utilizava da terminologia “Escola Mineira de
Violão Moderno” para definir seu estilo junto ao violão durante uma entrevista
concedida ao autor em uma entrevista concedida ao autor em 04 de agosto de 2015 na
cidade do Rio de Janeiro.

Ao iniciarmos a pesquisa sobre Chiquito e o contexto musical que o mesmo


estava inserido (décadas de 1950 e 1960), encontramos um vasto material relacionado
ao cenário musical de Belo Horizonte a partir da década de 1960, década dos Festivais
Internacionais da Canção e dos primeiros álbuns de Milton Nascimento. Chiquito
morou na cidade até o ano de 1966, quando se mudou para o Rio de Janeiro a convite de
Moacir Santos para estudar com o mesmo. Posteriormente, as investigações nos
conduziram a avaliar um novo marco temporal, como serão apresentados neste trabalho,
tratando da presença de atividades musicais desde a fundação da cidade até o ano de
1950, de maneira que possamos avaliar o panorama do ambiente cultural de Belo
Horizonte no período anterior à atuação de Chiquito Braga, contribuindo assim com a
contextualização da pesquisa como um todo e fornecendo subsídios para a compreensão
dos desdobramentos ocorridos nas décadas seguintes, como vem sendo relatado em uma
outra seção da pesquisa relacionada aos seus dados biográficos iniciada em etapa
anterior.

2. DADOS E OBSERVAÇÕES SOBRE A CIDADE DE MINAS


Fundada em 12 de dezembro 1897 sob o nome de Cidade de Minas, a planejada
Belo Horizonte1 tinha sua população constituída pelo funcionalismo público e pelos
setores de construção e do comércio, no qual a Avenida do Contorno traçaria as divisas
entre a zona urbana e a suburbana da cidade. A cidade contaria ainda com uma terceira
esfera, a zona rural, formada por fazendas já existentes e por colônias de produção
agrícola. Meio século depois de sua fundação, a população saltou de pouco mais de
12.000 do ano de 1901 (CASTRO, 2012) habitantes para cerca de 360.000 no ano de
1950 (IBGE, 1951). Fatores como a incorporação de colônias da zona rural à metrópole
seguido pela conurbação2 e industrialização de cidades vizinhas são os principais
motivos do crescimento demográfico e geográfico da capital mineira. Dentro da
delimitação temporal escolhida para o presente trabalho, foi possível constatar que a

1 A mudança ocorreu em definitivo pela Lei nº 302, de 1º de julho de 1901 para Bello Horizonte, o
mesmo nome do distrito e da comarca da capital após alteração em 1890. Antes de 1890, o distrito
possuía o nome de Curral del Rey.

2 Denominação de uma área urbana extensa formada por duas ou mais cidades próximas, formando um
mesmo espaço geográfico. Relacionada também à formação de regiões metropolitanas.
cinquentenária BH3, uma capital de estado relativamente nova se em comparação às
demais de sua região, já possuía um arquétipo social bem aproximado dos centro
urbanos de Rio de Janeiro e São Paulo. A política do “Café-com-Leite” 4 projetou Minas
Gerais dentro do Brasil da terceira fase da Era Vargas 5, projeção essa retomada nas
esferas municipal, estadual e federal por políticos com discursos voltados ao
desenvolvimentismo, como Juscelino Kubitschek de Oliveira.

Figura 1: Planta de 1985 da cidade de Bello Horizonte contendo as delimitações da área urbana
(região amarela circundada de verde), suburbana (entorno da região urbana) e zona rural (sob a
denominação SÍTIOS). Fonte: Arquivo Público Mineiro.

3. MÚSICA EM CURRAL DEL REY

3 Acrônimo de Belo Horizonte.

4 Termo referente a política de alternância do principal cargo do Poder Executivo entre as oligarquias
paulista e mineira durante os anos de 1896 e 1930.
5 Período entre 1937 e 1945 conhecido como Estado Novo, o país sofre um golpe de estado liderado pelo
então presidente Getúlio Vargas.
As atividades musicais na cidade já eram datadas antes mesmo de sua
inauguração, ainda sobre como o arraial Curral del Rey, pertencente à Comarca de
Sabará. No ano de 1894, o arquiteto português Alfredo Camarate – pseudônimo de
Alfredo Riancho – muda-se de Ouro Preto para a capital em construção para
desenvolver seu ofício de arquiteto pela Comissão Construtora da Nova Capital, acaba
também estabelecendo trabalhos ligados à música, como aulas de piano e teoria musical.
Já estabelecido na cidade, funda a primeira corporação musical de Belo Horizonte, a
Sociedade Musical Carlos Gomes. De acordo com a pesquisa sobre a paisagem sonora
Maria Teresa Mendes de Castro, “os ensaios ocorriam em uma cafua com sete
amadores” além da participação da banda6 na vida social do pequeno distrito, dentre
elas em festas e comemorações. A apresentação de estreia da Sociedade Musical se deu
em uma solenidade religiosa em 1986, com arranjos de Carate para “O Guarani” e
“Folhas Soltas”, composições do patrono do grupo, além de “Tannhauser”, de Richard
Wagner. À ocasião, a banda dispunha de 15 integrantes, Riancho contou com músicos
advindos da então capital Ouro Preto que se mudaram para a região à procura de
emprego no setor de construção civil, como “pedreiros, carpinteiros, ajudantes,
serventes, engenheiros e outros trabalhadores” (CASTRO, 2012).

O evento supracitado se trata daquele que é considerado como a primeira


apresentação de uma organização musical fundada dentro dos limites da nova capital de
Minas Gerais, mas é importante salientar que não fora uma manifestação musical
isolada dentro do cotidiano desta sociedade. Camarate relata atividades musicais
integradas às missas “A todas as solenidades religiosas, a que tenho assistido, sempre
houve cantoria”7 e outras solenidades católicas, como quando presenciou um pequeno
grupo de músicos os quais chamou de “Filarmônica de Belo Horizonte”. Ele relata que
“A Filarmônica de Belo Horizonte apresentou-se na procissão do Depósito, apenas com
cinco figuras e, ainda assim, uma delas fora requisitada de outra localidade próxima”.
Uma aparente tendência ainda nos anos anteriores à fundação de Belo Horizonte era a
utilização de músicos (como citado no relato acima) e de instrumentistas das cidades
próximas ou da Capital. Durante os festejos do mês de agosto, de 1894 houve a

6 Chamamos aqui a atenção para o termo banda, comumente utilizado nas corporações musicais do
século XIX para denominar os grupos musicais que participavam da paraliturgia, como procissões. O
emprego de instrumentos rítmicos de percussão e de gêneros como marchas e dobrados são característicos
desta organização musical.
7 CAMARATE, Alfredo. 1894 In: Revista do Arquivo Público Mineiro – Por Montes e Vales. (III)
participação de um conjunto musical de Contagem, com repertório voltados à liturgia e
à música profana:

“a’s dez horas, missa cantada e acompanhada pela banda de música que veio
expressamente de Contagem para esta extensa solenidade; sendo louváveis os
esforços que os cantores empregam para se fazerem ouvir e os não
menos ingentes exforços de banda marcial, para não inundar as vozes
com o hyperbolico estrondear dos seus ophicleides e trombetas. (...) Entre a
missa e a festa da tarde, a banda de música, composta de moços com os mais
robustos pulmões que tenho visto na minha vida, apparecem tocando em toda a
parte! De longe ou de perto, todo o dia se ouvem polkas, marchas, quadrilhas,
dobrados etc.” (CAMARATE, 1894, p.3).

Com a chegada da Comissão Construtora da Nova Capital (CNCC) em março de


1895, pode-se observar um novo panorama de consumo e prática musical em Belo
Horizonte, como já citado à Sociedade Musical Carlos Gomes. O primeiro concerto
dentro do território da nova capital fora realizado em setembro de 1895 e contava com
músicos da vizinha Ouro Preto. Em 1897, há poucas semanas da troca da capital mineira
para Belo Horizonte, houve um segundo concerto com a renomada violinista italiana
Giulietta Dionesi. Giulietta possuía um sólido currículo constituído por apresentações
em Itália, Espanha, Portugal, tendo seu trabalho admirado por membros da extinta corte
imperial do Brasil. Constava no repertório preparado pela violinista o Grande Concerto
em Mi Maior, de Leonard; a Berceuse, Dors mon enfant, de Loret; a Invocação
Religiosa, de Tatti; a 1ª Rapsódia Húngara, de Hausen, a Cavatina,de Raff e as
Variações sobre o Carnaval de Veneza, de Paganini. Segue relato do historiador e poeta
Abílio Barreto sobre as atrações:

“Foi na noite de 7 de setembro de 1895, após o assentamento solene das pedras


fundamentais dos edifícios públicos e da inauguração do Ramal Férreo, que se
realizou o primeiro concerto musical em Belo Horizonte, no antigo prédio em
que funcionou o Escritório Central da Comissão Construtora. Nele tomaram
parte os musicistas vindos de Ouro Preto, Srs.Vicente do Espírito Santo,
Trajano de Araújo Viana, José Nicodemus da Silva, Francisco Moreira,
Domingos Monteiro, Inocêncio Pinheiro, José Felicíssimo de Paula Xavier e D.
Francisca Monteiro. O segundo concerto a que assistiu a sociedade horizontina
realizou a notável violinista Giulieta Dionesi, auxiliada por Bickerli e
Grossoni, na noite de 30 de setembro de 1897, inaugurando o salão de festas do
Grande Hotel. Giulieta Dionesi alcançou ruidoso sucesso, realizando em
seguida mais dois concertos. (BARRETO, 1950, p. 124).

Podemos notar aqui duas distinções entre as atividades musicais no ainda arraial
de Belo Horizonte: a música sacra, aberta à toda comunidade local (como plateia e
integrante) e a não sacra, presente em contextos que permeiam das festividades católicas
até as celebrações da alta sociedade belorizontina, executada por músicos e musicistas
não residentes na localidade. A primeira, instrínseca, contava com seus atores e locais
próprios para execução, o oposto da segunda, que surgia conjuntamente à transformação
do local, cujas apresentações aqui relatadas variaram entre fundações, praças e o salão
de festas do Grande Hotel. Assim como espaços de aprendizagem, como a Carlos
Gomes, os espaços para o fazer musical também teriam de ser criados para a demanda
musical da nova capital do estado de Minas Gerais.

4. OS PRIMEIROS TEATROS, SALÕES E CLUBES


Belo Horizonte teve seu primeiro espaço cultural construído ainda enquanto
arraial. Com apoio de moradores e comerciantes, era erguido na zona suburbana em
outubro de 1895 na Rua Sabará pela Companhia Zarzuellas do espanhol Feliz Armurrio
aquele que ficou conhecido como ‘Teatro Provisório”. Com construção simples, tendo
apenas 1 andar e seu teto de zinco, o teatro foi demolido em julho de 1897, antes mesmo
da inauguração da capital, em 12 de dezembro de 1897.

Em 20 de dezembro de 1899, por influência direta do industrial Francisco


Soucasseaux, a prefeitura da capital construía em um terreno situado na Rua da Bahia,
entre a Avenida Afonso Pena e Rua Goiás, o Teatro Soucasseaux. Tratava-se de um
galpão também com teto de zinco situado em um enorme jardim com um coreto, muitas
vezes palco de para apresentações musicais. Em abril de 1906 o Soucasseaux já se
encontrava demolido, dando lugar ao início da construção do Teatro Municipal de Belo
Horizonte, inaugurado em 21 de outubro de 1909.

Entre demolição do Provisório e a construção do Teatro Soucasseaux, iniciaram-


se algumas práticas de consumo e produção cultural originadas das e para as camadas
mais abastadas de Belo Horizonte: os Clubes. Sobre estes, Cruz e Vargas definem que:
“A necessidade de sociabilidade desse grupo social traduziu-se principalmente na
criação dos clubes, locais de reuniões recreativas, artísticas e literárias, onde diversos
músicos e virtuoses, a maioria saídos de seu próprio seio, atuaram formando grupos
musicais.” (1989, p. 109). Estes Clubes realizavam seus encontros e atividades em
salões, alguns com sede própria e outros não. Algumas famílias ligadas à vida artística
mas não pertencentes a tal estrato social costumavam sediar saraus e outros eventos
ligados às artes em suas dependências, como o Salão Vivacqua, frequentado por Carlos
Drummond de Andrade na década de 1920. Sobre a relação entre os Clubes e salões:

“Por um lado distinguiram-se os salões dos clubes criados pela elite, que
funcionaram nas residências dos sócios mais importantes ou em sedes próprias
e cujo acesso era exclusivo a seus associados. Nesta década existiu uma série
destas entidades, como por exemplo: o Club das Violetas, O Club Rose, o Club
Edelweiss, o Elite Club, o Club Belo Horizonte, dentre outros.
Por outro lado, também se destacaram os salões do Grande Hotel, do Palacete
Steckel e os de alguns prédios públicos como os do Senado e da Câmara dos
Deputados, onde foram realizados vários concertos abertos ao público através
da compra de ingressos. A maioria desses eventos aconteceram através da
iniciativa de particulares, geralmente músicos, profissionais ou amadores, que
se empenhavam nestas promoções.” (CRUZ e VARGAS, 1989, p. 123).

Para exemplificar a relação entre Clubes e Salões, citaremos o Clube das


Violetas. Ele foi o primeiro clube fundado na capital, em 12 de setembro de 1898 e em
1899 passou a sediar seus encontros no Palacete Steckel, de propriedade de um de seus
sócios, o comendador alemão Frederico Steckel (1834- 1921). Steckel, formou-se na
Escola de Belas Artes de Berlim e estava na cidade desde 1986 a convite da CNCC
como responsável pelas obras do Palácio das Artes. O Clube possuía atividades
beneficentes e recreativas relativas à pintura, leituras e concertos. Pouco depois, em
1901, o Clube teve suas últimas atividades divulgadas, posteriormente foi considerado
encerrado. Destino semelhante teve também o Clube Rose, com início e fim de suas
atividades nos mesmos anos do Clube das Violetas. Este clube foi presidido pela
primeira dama do estado, Sra. Esther Brandão e em seus anos iniciais realizava seus
encontros em salões de prédios públicos.

Figura 2: Orquestra de Bandolins formada por damas da alta sociedade. CRUZ e VARGAS, 1989, p. 120)

5. PRIMEIRAS ORGANIZAÇÕES MUSICAIS COMO FORMA DE


TRABALHO EM BELO HORIZONTE: ESCOLA LIVRE DE MÚSICA
Citamos nas linhas anteriores algumas organizações musicais, músicos e
musicistas que iniciaram o processo de transformação do espaço urbano da nova capital
mineira. Podemos observar que a atividade musical exercida pelos moradores não
necessariamente era ligada à uma atividade remunerada de renda fixa. Os Clubes
costumeiramente realizavam saraus e concertos, mas como não há dados que
comprovem à ligação dessas orquestras aos clubes, à constância e a função destas
apresentações (se para o deleite da alta sociedade e/ou para ações beneficentes), não é
possível afirmar sobre um possível vínculo empregatício destes grupos e ou de algum
responsável pelo mesmo. Dentro desta pesquisa, foi encontrado na edição do dia 23 de
dezembro de 1901 do jornal Minas Geraes o estatuto daquela que pode ser considerada
a primeira escola de música da capital: a Escola Livre de Música, por iniciativa do
marianense Francisco José Flores. Constam no estatuto, além do nome de Francisco
José Flores, José Nicodemos da Silva, Alfred Furst, Ismael Franzen, Vicente Ferreira do
Espírito Santo, José Felicíssimo de Paula Xavier e José Ramos de Lima.
Figura 3: Recorte que trata sobre a grade curricular e o estatuto da Escola Livre de Música.
Fonte: Jornal Minas Geraes, edição de 23 de dezembro de 1901

Em 1905, através de um empréstimo público, a prefeitura concede ao diretor da


escola maestro Flores um empréstimo público para a construção do prédio da mesma,
que viria a ficar pronto no ano seguinte, um prédio situado à Avenida Afonso Pena,
número 1577. A Escola funcionaria ali até o ano de 1923, quando o imóvel foi multado
pela prefeitura, fazendo com que as atividades da Escola se encerrassem.

Também no ano de 1906 era instalado o primeiro cinematógrafo na cidade, no


Cine-Teatro Paris. As orquestras atuavam durante os filmes e nas trocas de rolos de
filmes. Alguns cinemas, como o Cinema Comércio e o já citado Paris que contavam
com suas próprias formações musicais. O Cinema Comércio, inaugurado em 1908, era
considerado o maior da Belo Horizonte, com capacidade para até 800 pessoas. O
Cinema Comércio ainda investiria, em 1911 em uma escola de formação musical, sem
grande destaque na área.

6. INICIATIVA PÚBLICA NA PRÁTICA E FORMAÇÃO MUSICAL: DO


CONSERVATÓRIO AO TEATRO FRANCISCO NUNES
As atividades musicais listadas até o presente momento foram constituídas
basicamente de iniciativas populares ou da iniciativa privada; o Estado até então se fazia
presente no âmbito da infra-estrutura física, como doação de terrenos e utilização de
espaços públicos para as apresentações.

Um “meio termo” é possível de ser pensado quando incluídas as atividades das


bandas de música militares, como a pertencente ao 1º Batalhão da Polícia Militar em
Minas Gerais, fundado em janeiro de 1900 na cidade de Belo Horizonte. As atividades
musicais do segmento em Minas tem o início em 1891, em Diamantina, com a
Fundação da Banda de Música do 4º Corpo Militar, que exercia a “função social de
concorrer para a educação artística e cultural da população”8 através de apresentações
ao ar livre, como as retretas9. A expressão “meio termo” é utilizada aqui pelo pois a
Banda de Música do Primeiro Batalhão é uma instituição de caráter público, mas como
tem sua própria demanda dentro das corporações militares, não possuem como atividade
principal o ensino de música para a sociedade e/ou provimento da apreciação musical.

8 Fonte: https://www.policiamilitar.mg.gov.br/portal-pm/3bpm/conteudo.action?
conteudo=295&tipoConteudo=itemMenu. Acesso em 28/03/2021.
9 Apresentações em espaços públicos realizadas por bandas de música de caráter civil e/ou militar.
Posteriormente, em 1948, seria inaugurada ainda a Orquestra Sinfônica da Polícia
Militar de Minas Gerais.

A primeira iniciativa pública na nova capital voltada a formação musical veio


em 28 de abril de 1925, com a criação do Conservatório Mineiro de Música. A escola,
cujo foco era o ensino da música de câmara e de concerto, contaria com vários
integrantes do corpo docente da Escola Livre de Música com exceção do Maestro Flores
e teria seu prédio inaugurado no mesmo local na Avenida Afonso Penna no dia 05 de
setembro ano seguinte. O primeiro diretor do conservatório foi o diamantinense
Francisco Nunes, um reconhecido clarinetista, maestro e educador com residência antes
fixada no Rio de Janeiro. Francisco Nunes já havia organizado em Belo Horizonte, no
ano de 1920, uma apresentação com orquestra em decorrência da visita do Rei da
Bélgica, Alberto I, podendo ser esta uma demonstração do prestígio que tinha na capital.
Este trabalho seria retomado no mesmo ano de fundação do Conservatório Mineiro de
Música com a Sociedade de Concertos Sinfônicos de Belo Horizonte, inaugurada em 21
de dezembro de 1925, como parte das comemorações do primeiro ano do governo de
Mello Viana. Nunes seguiu à frente da orquestra até sua morte em 1934.

Diferente do Conservatório, a Sociedade de Concertos Sinfônicos de Belo


Horizonte alternou entre as administrações públicas e privadas até 1944, quando a
Sociedade Sinfônica torna-se a Orquestra Sinfônica de Belo Horizonte por iniciativa do
prefeito Juscelino Kubitschek. Esta orquestra, que chegou a contar com 7 músicos em
seu corpo, viria a sofrer um forte revés ao ter sua verba reduzida ao final do mandato do
prefeito João Franzen de Lima, levando à interrupção das atividades desenvolvidas pela
mesma. Na mesma época, o governador Milton Campo convida o então regente
Orquestra Sinfônica municipal, o belga Arthur Bosman, para a fundação e direção da
Orquestra Sinfônica Estadual juntamente com os dissidentes de sua matriz Municipal.
Em 1948, novo apoio da prefeitura de Belo Horizonte à música de câmara revive a
Orquestra Sinfônica Municipal, contando agora com músicos do Rio de Janeiro e
Europa nas vagas ociosas dos músicos agora componentes da Sinfônica Estadual.

As 2 orquestras seguiram até o ano de 1951, quando o governo estadual (com


Juscelino e Clóvis Salgado) e o municipal, sob a gestão de Américo René Gianetti,
uniram as duas orquestras para a formação da Sociedade Mineira de Concertos
Sinfônicos, sob responsabilidade de ambas as esferas. Em agosto de 1913, a orquestra
fazia sua estreia no Teatro Francisco Nunes, também chamado de “Teatro de
Emergência”, situava-se no parque municipal situado à Avenida Affonso Penna, no
Centro. O teatro foi fundado em 1950 e utilizado até a construção do Teatro Municipal
que seria inaugurado apenas da década seguinte. Outro fato importante que ocorreu no
ano de 1950 foi a criação da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais
através da federalização do Conservatório Mineiro de Música em 4 de dezembro
daquele ano.

7. O RÁDIO: DIFUSÃO E PRÁTICA MUSICAL EM BELO HORIZONTE

“O rádio chegava ao final dos anos 50 e início dos 60, consolidado em sua
posição de meio de comunicação de massa, como um elemento fundamental na
formação de hábitos na sociedade brasileira. Dos anos 30 aos 60, o rádio foi o
meio através as novidades tecnológicas, os modismos culturais, as mudanças
políticas, as informações e o entretenimento chegavam ao mesmo tempo aos
mais distantes lugares do país, permitindo uma intensa troca entre a
modernidade e a tradição. O rádio ajudou a criar novas práticas culturais e de
consumo por toda a sociedade brasileira.” (CALABRE, 2004, p. 9)

É feita aqui menção do artigo da historiadora Lia Calabre para reafirmar a


importância do rádio como elemento difusor e consolidador da cultura popular em todo
o Brasil. Apenas entre 1951 e 1956 foram inauguradas 180 rádios em todo o território
nacional, o dobro de todas as rádios existentes desde o início da Rádio Sociedade do Rio
de Janeiro em 1923. A Rádio Nacional, fundada em maio de1936 e estatizada em 1941,
foi a grande referência da “Era de Ouro do Rádio 10 no Brasil. Na programação, dois
segmentos que mesclavam a arte e o entretenimento eram os “campeões de audiência”
em todo o território nacional: os programas musicais e as radionovelas (CALABRE,
2004). A citada rádio contava em seu staff, dentre outros profissionais, com 10
maestros, 124, músicos e 44 cantoras e 52 cantores. (ORTRIWANO, 1985).

Com sedes na região central, as rádios Guarani e Inconfidência, fundadas em


agosto e em setembro de 1936, respectivamente, dividiam suas programações e
apresentações de forma que atendessem públicos interessados em música erudita e
música popular, atuando como veículos popularizadores de ambos, possuíam programas
ao vivo em seus próprios auditórios, incluindo de shows de variedades com artistas
locais à grandes cantores de trajetória nacional, seguindo o modelo da Rádio Nacional.
Em sua dissertação, Guilherme Dias Melo Carvalho colheu um importante relato com

10 Período entre as décadas de 1940 e 1950 em que o rádio era o principal veículo de comunicação
massas.
Hely Ferreira Drummond no que se refere a atuação de músicos profissionais nas 2
rádios de Belo Horizonte.

“Ingressei na Rádio Inconfidência nos meados de 1955, como violinista de


orquestra, vindo da Rádio Guarani, onde trabalhei de 1954 até receber o
convite para atuar na Inconfidência, onde fiquei até 1970, quando houve a
interrupção dos trabalhos de música ao vivo. Nesta época ainda era estudante
do Conservatório Mineiro de Música – hoje Escola de Música da UFMG, onde
fazia concomitantemente os cursos de violino e piano. Devido a essa
‘duplicidade’ de instrumentos, às vezes supria a falta eventual do pianista da
orquestra. Com o passar do tempo e a demanda por mais partituras exerci
também a função de arranjador e mais tarde, a função de maestro com o
afastamento de alguns regentes, por aposentadoria (Mário Pastore) e/ou
mudança de cidade (Moacyr Portes).” (CARVALHO, 2014, p.8)

Em sua pesquisa sobre a Rádio Independência, Prata comenta a produção em


larga escala de arranjos feitos exclusivamente para as 4 orquestras entre 1940 e 1960 na
Rádio Independência, algo em torno de 2300 partituras de gêneros diversos (PRATA,
2003). Um segundo relato do senhor Drummond se dá ao que se refere à organização
dos conjuntos musicais que atuavam na Rádio Inconfidência:

“Minha atuação como instrumentista abrangia a Orquestra de Salão: com


repertório mais ‘erudito’, erroneamente chamado de ‘música clássica’; a
Orquestra Popular, cujo repertório, como o próprio nome sugere, era baseado
em ritmos mais populares e a Orquestra Melódica, com repertório voltado para
músicas mais ‘românticas’, mais ‘suaves’, apesar de também serem
‘populares’, mas com uma formação instrumental própria para o tipo de
repertório executado. Quando entrei para a Rádio Inconfidência lá já estava
trabalhando meu pai – José Ferreira da Silva – como músico (fagotista),
também como orquestrador de peças eruditas- árias de óperas – canções
nacionais e internacionais, etc. Às vezes, exercia também a função de regente,
quando necessário.” (CARVALHO, 2014, p.8)

É interessante observar neste depoimento os termos “erudito” e “popular” como


um elemento de classificação do repertório e do próprio corpo das orquestras da referida
rádio. É válido também ressaltar que, de acordo com o senhor Drummond, o repertório
“popular” ainda contava com 2 categorias à época, podendo ser interpretado como um
indicativo da demanda pelo gênero e de suas variações.

A Rádio Guarani, do grupo Diários Associados, obteve em 1951 a concessão de


um canal de televisão do governo federal, o primeiro do estado. Inaugurada em
novembro de 1955, a TV Itacolomi dispunha de sua programação de telejornais,
apresentações infantis, teleteatros e programas de auditórios que frequentemente
contavam com astros e estrelas da TV Tupi de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Adiantamos aqui um trecho da bibliografia de Chiquito Braga, a ser abordada em
capítulo seção ou ítem oportuno, no qual o declarou ter atuado entre as décadas de 1950
e 1960 como músico acompanhador de programas de musicais do canal e em
participações de artistas que ali divulgariam suas turnês. Na ocasião foram citados os
nomes de Tito Madi, Agostinho dos Santos, Clara Nunes, Maria Helena Toledo e Clara
Toledo.

8. CONSIDERAÇÕES SOBRE O LEVANTAMENTO REALIZADO PARA O


TRABALHO
O recorte aqui apresentado acaba conduzindo à uma organização melhor dos
fatos posteriores à vida musical da cidade e, consequentemente, uma maior
compreensão sobre a formação e atuação musical de músicos atuantes da cidade e, de
maneira abrangente, sobre a vida cultural de Belo Horizonte. Ainda com o pensamento
voltada à uma cidade sob um modelo prévio de ocupação dos espaços, foi possível ver
que as primeiras iniciativas voltadas às Artes não partiram do Estado, ou melhor
colocando: a cidade não apresentava em sua concepção espaço(s) para as diversas
práticas culturais, o que nos leva a pensar sobre um possível declínio do interesse da
elite da antiga capital Ouro Preto sobre a cultura e arte.

A cidade de Belo Horizonte, em primeiro momento planejada, vê suas


divisas e sua população se expandirem em poucas décadas para além da Avenida do
Contorno. Apesar disso, os centros de estudo e espaços para a prática de música aqui
relatados são quase que unicamente na antiga “área urbana”. E os atores desta cena,
seriam também todos residentes da região central, seria a elite belorizontina a
consumidora e fomentadora da cultura local? E quanto às manifestações culturais dos
povos e famílias da antiga Curral del Rey, não compõem esta paisagem? Wanessa Pires
Lott denuncia através de sua tese de doutorado o apagamento do povo negro da
memória da cidade durante a Primeira República (1889 – 1930), na qual aborda a
trajetória da Irmandade dos Carolinos, fundada em 1917 pelo senhor Francisco
Carolino, o Chico Kalu, na zona Rural da cidade de Contagem (bem como a
Comunidade dos Arturos) e posteriormente refundada no bairro de Aparecida (Região
Noroeste de Belo Horizonte) por seu filho Luiz Carolino cerca de 20 anos depois. Segue
abaixo trecho do resumo de sua tese:

“O presente trabalho apresenta a negação do negro em Belo Horizonte no


período da Primeira República. A cidade foi planejada para ser a nova capital
do estado de Minas Gerais na esteira dos ideais de modernização e
modernidade do Brasil após a proclamação da República. Suplantando
estrutura urbana colonial da antiga capital Ouro Preto, a construção da nova
capital apontou para uma forte preocupação limpeza urbana, que por sua vez,
caminhou para além das estruturas físicas. A pretensão de uma higienização
social também fez parte dos planos da nascente cidade e desta maneira, a
cidade deveria ser ocupada por moradores que conseguissem se integrar e
compreender a proposta de progresso contida em seu projeto. Na esteira deste
ideal, percebe-se a ausência dos negro nos registros da cidade na Primeira
República. Na busca pelas referencias dos negros na cidade, este estudo
debruça na religiosidade negra, com foco na Irmandade os Carolinos, única
referência de Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos existente na
Primeira República que ainda mantem suas atividades na cidade.” (LOTT,
2017, p. 7)

Por fim, acreditamos que discussões relacionadas ao fazer musical e formação


musical também sejam necessários para uma melhor compreensão dos espaços em que
essas atividades ocupavam na sociedade, jogando luz sobre a construção da identidade
cultural da nova capital de Minas Gerais.

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARRETO, Abílio. Belo Horizonte; memória histórica e descritiva; história média.


Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e
Culturais,1996. 912 páginas.
BRAGA, Chiquito. Entrevista gravada em Arq. Digital concedida a Klenio Daniel
Milagres Bandeira em 04/05/2015, 60 min.
CALABRE, Lia. A Era do rádio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.
CAMARATE, Alfredo. – Por Montes e Vales (III). 1894 In: Revista do Arquivo
Público Mineiro.
CASTRO, Maria Teresa Mendes de. A formação da vida musical de Belo Horizonte:
sua organização social em torno do ensino de piano. Belo Horizonte: Universidade
Federal de Minas Gerais/Faculdade de Educação, 2012. Tese de Doutorado.
CRUZ, A. M. L. da; VARGAS, J. D. A Vida Musical nos Salões de Belo Horizonte
(1897-1907). Revista Análise & Conjuntura.BeloHorizonte, Centro de Estudos
Culturais da Fundação João Pinheiro, vol.4, n.1 janeiro/abril 1989.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Anuário Estatístico
do Brasil – ANO XI - 1950. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística, 1951. 569 páginas.
JORNAL MINAS GERAES. Estatuto da Escola Livre de Música. Belo Horizonte:
edição de 23/01/1901.
LOTT, Wanessa Pires. Tem festa de negro na República branca: o Reinado em Belo
Horizonte na Primeira República. Tese de doutorado. Belo Horizonte: UFMG, 2005.
ORTRIWANO, Gisela Swetlana. A informação no rádio: os grupos de poder e a
determinação dos conteúdos. São Paulo: Summus, 1985
PLANTA GERAL DA CIDADE DE MINAS. Planta Geral da Cidade de Minas.
Disponível em:
http://www.comissaoconstrutora.pbh.gov.br/tpl_documento_ampliado.php?tipo=mapas
%20&pasta=SA%20203&strNotacao=SA%20203. Acesso em 15/03/2021.

TERCEIRO BATALHÃO DA POLÍCIA MILTAR. Banda de Música. Disponível em:


https://www.policiamilitar.mg.gov.br/portalpm/3bpm/conteudo.action?
conteudo=295&tipoConteudo=itemMenu. Acesso em 28/03/2021.

Você também pode gostar