Você está na página 1de 65

FACULDADE LABORO

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ENGENHARIA DE SEGURANÇA DO TRABALHO

AUGUSTO LUIS DAS CHAGAS

O Naufrágio do Imagination à luz da Norma Regulamentadora nº 30

Brasília - DF
2017
1

AUGUSTO LUIS DAS CHAGAS

O Naufrágio do Imagination à luz da Norma Regulamentadora nº 30

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Curso de Especialização em Engenharia de Segurança
do Trabalho, da Faculdade Laboro, para obtenção do
título de Especialista em Engenheiro de Segurança do
Trabalho.

Orientador: Prof. Mestre. Márcio Jorge Gomes Vicente

Brasília - DF
2017
2
3

AUGUSTO LUIS DAS CHAGAS

O Naufrágio do Imagination à luz da Norma Regulamentadora nº 30

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Curso de Especialização em Engenharia de Segurança
do Trabalho, da Faculdade Laboro, para obtenção do
título de Especialista em Engenheiro de Segurado Tra-
balho.

Aprovado em: _____/_____/_____

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________
Prof. Mestre Márcio Jorge Gomes Vicente (Orientador)
Mestrado em Sistemas de Gestão Integrados
Faculdade Laboro

______________________________________________________
Profa. Dra. Larisa Ho Bech Gaivizzo
Doutora em Ciências
Faculdade Laboro
4

Dedico esse modesto trabalho às vítimas ino-


centes da tragédia do barco de passageiros
Imagination.
5

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Instituto de Criminalística de Brasília e à Diretoria de Portos e Costas


da Marinha do Brasil pelos documentos periciais que viabilizaram a elaboração desse
trabalho.
6

Veritatem dies aperit (provérbio latino)


7

RESUMO

Na noite do dia 22 de maio de 2011, nas águas do Lago Paranoá, em Brasília, ocorreu a
maior tragédia náutica até então noticiada no Distrito Federal: o barco de passageiros
Imagination afundou vitimando nove pessoas. Suas causas foram esclarecidas pela pe-
rícia técnica de dois órgãos públicos, a saber, pelo Instituto de Criminalística de Brasília
e pela Diretoria de Portos e Costas da Marinha do Brasil. Esse sinistro, associado ao fato
de o autor desta monografia ser engenheiro naval e bacharel em ciências náuticas, ins-
pirou a elaboração deste trabalho. De posse de documentos periciais e de normas técni-
cas oficiais atinentes ao episódio, em especial à Norma de Autoridade Marítima nº 2
(NORMAM 02/DPC/MB), procurar-se-á evidenciar quais implicações tal infortúnio acar-
retou perante a NR – 30 (Segurança e Saúde no Trabalho Aquaviário) em particular, e à
engenharia de segurança do trabalho de uma forma geral.

Palavras-chave: Naufrágio. Imagination. Perícia. Engenharia de Segurança do Trabalho.


8

ABSTRACT

On the night of May 22, 2011, in the waters of Lake Paranoá, in Brasilia, occurred
the biggest nautical tragedy ever reported in the Federal District: the passenger boat Ima-
gination sank victimizing nine people. Its causes were clarified by the technical expertise
of two public agencies, namely the Criminology Institute of Brasilia and the Brazilian Na-
vy's Ports and Coasts Directorate. This sinister, associated to the fact that the author of
this monograph is a naval engineer and a bachelor of nautical science, inspired the ela-
boration of this work. In the possession of official documents and official technical stan-
dards pertaining to the episode, in particular Maritime Standard No. 2 (NORMAM 02/DPC/
MB), an attempt will be made to show which implications such misfortune entailed to NR
- 30 (Safety and Health in Waterway Work) in particular, and to work safety engineering
in a general way.

Keywords: Shipwreck. Imagination. Expertise. Work Safety Engineering.


9

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura nº 01 – Flutuante “Jackeline”, embarcação que deu origem ao “Imagination”.

Figura nº 02 – Compartimento a ré do Imagination, sendo preparado para receber o seu


motor de propulsão.
Figura nº 03 – Compartimento do motor do Imagination com o sistema propulsor insta-
lado.
Figura nº 04 – Gerador elétrico do Imagination acomplado ao seu motor Diesel num
mesmo compartimento.
Figura nº 05 – Aspecto final do flutuante Jackeline após a sua primeira reforma quando
passou a se chamar Imagination.
Figura nº 06 – Fotografias do Imagination por ocasião da obtenção da sua certificação e
na noite do seu naufrágio.
Figura nº 07 – Manta em fibra de vidro descolada de um dos flutuadores do Imagination.

Figura nº 08 – Emulsão de resina epóxi do casco do Imagination.

Figura nº 09 – O Imagination emborcado apresentando outros flutuadores além dos três


originais.
Figura nº 10 – Plano de Arranjo Geral do Imagination. A vista inferior do plano mostra os
três únicos flutuadores originais do barco.
Figura nº 11 – Representação esquemática do casco do Imagination tal como ele se en-
contrava após a sua reflutuação.
Figura nº 12 – Bombas de esgoto (edutoras) encontradas no casco do Imagination.
10

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AB - Arqueação Bruta
CFB - Capitania Fluvial de Brasília
CG – Centro de Gravidade
CM - Comando da Marinha
CSN - Certificado de Segurança da Navegação
DelBra - Delegacia Fluvial de Brasília
EPUSP - Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
EN - Escola Naval
IAFN - Inquérito Administrativo por Fato da Navegação
IDP - Instituto Brasiliense de Direito Público
LCEC - Licença de Construção para Embarcações já Construídas
LESTA - Lei da Segurança do Tráfego Aquaviário
MTE – Ministério do Trabalho e Emprego
NORMAM – Norma de Autoridade Marítima
NR – Norma Regulamentadora
RLESTA – Regulamento da Lei de Segurança para o Tráfego Aquaviário
TM - Tribunal Marítimo
11

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Classificação de Riscos Inerentes à Navegação de Passageiros


Tabela 2 – Graus de Risco de Acordo com a Gravidade
Tabela 3 – Gradiente de Classificação de Risco de Acordo com o Grau
12

SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 13
2 JUSTIFICATIVA ............................................................................................. 14
3 OBJETIVOS ................................................................................................... 15
3.1 Geral............................................................................................................... 15
3.2 Específicos .................................................................................................... 15
4 METODOLOGIA ............................................................................................. 16
5 CONSIDERAÇÕES NORMATIVAS ...............................................................17
6 HISTÓRICO DO BARCO IMAGINATION ......................................................19
7 O NAUFRÁGIO DO IMAGINATION ...............................................................25
8 AVERIGUAÇÕES DO ACIDENTE .................................................................26
8.1 Alterações não certificadas na embarcação ..............................................26
8.2 Instalação não comunicada de vidros temperados ..................................27
8.3 Alagamento progressivo no interior do casco ..........................................28
8.4 Redução da estabilidade da embarcação ..................................................33
8.5 Colocação de remendos e revestimentos com manta de fibra de vidro
no casco ....................................................................................................... 34
8.6 Instalação de bombas de esgoto elétricas ................................................ 38
8.7 Superlotação de passageiros ..................................................................... 40
9 CAPITULAÇÕES LEGAIS ............................................................................ 42
10 CAUSAS DETERMINANTES DO NAUFRÁGIO ........................................... 45
11 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .......................................................................... 46
12 APLICAÇÃO DE UM PROGRAMA DE PREVENÇÃO DE RISCOS
AMBIENTAIS ................................................................................................. 46
12.1 Antecipação e Reconhecimento dos Riscos ............................................. 47
12.2 Avaliação dos Riscos e da Exposição dos Usuários ................................54
12.3 Implantação de Medidas de Controle e Avaliação de sua Eficácia ..........57
13 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 60
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 62
APÊNDICES ................................................................................................... 63
ANEXOS ......................................................................................................... 64
13

1. INTRODUÇÃO

Em 22 de maio de 2011 ocorreu o naufrágio da embarcação de passageiros Ima-


gination no Lago Paranoá, em Brasília – DF. Esse fato deu ensejo a um Inquérito Admi-
nistrativo por Fato da Navegação - IAFN que recebeu o número 3/2011 instaurado pela
então Delegacia Fluvial de Brasília – DelBra, hoje Capitania Fluvial de Brasília - CFB,
Esplanada dos Ministérios, Bloco “N”, Anexo “A”, térreo, CEP 70.055-900, Brasília – DF,
órgão público federal subordinado ao Comando da Marinha - CM. Tal fato ensejou tam-
bém a instauração do Processo Administrativo nº 26.411/2011 pelo Tribunal Marítimo -
TM, órgão público federal vinculado ao Comando da Marinha.
Concomitantemente, em razão desse mesmo fato, foi aberto um Inquérito Policial
na 10ª Delegacia de Polícia do Distrito Federal, Inquérito nº 78/2011, em virtude do óbito
de nove (9) passageiros da embarcação sinistrada, de cuja denúncia ensejou o Processo
Criminal nº 2011.01.1.117727-3 na Primeira Vara Criminal de Brasília. Foram indiciados
e acusados os dois proprietários do barco e o comandante da embarcação pelos crimes
de homicídio culposo (nove vítimas).
Além do comandante havia outros profissionais não envolvidos diretamente com a
operação da embarcação, tais como garçons, cozinheiros e operadores de som, configu-
rando um ambiente de trabalho multiprofissional. Tratando-se de um veículo de trans-
porte de passageiros, é de se supor que o ambiente de trabalho a ele inerente deve ser
seguro para os profissionais que nele embarcam.
Na presente monografia verificou-se qual ou quais causas provocaram o acidente
da navegação1 e que implicações estavam relacionadas com a segurança no ambiente
de trabalho associado. Circunscreve-se, portanto, a situação problema nas medidas pre-
ditivas que poderiam ter sido adotadas em prol da segurança dos profissionais que na-
quela embarcação estavam laborando por ocasião do trágico evento.
Em breve síntese, procurou-se saber se, caso tivessem sido adotadas certas me-
didas à luz da normatização pertinente, tal infortúnio não ocorreria ou, mesmo ocorrendo,
não com a fatalidade que de fato ocorreu.

1
De acordo com o artigo 14 da Lei nº 2.180/54, consideram-se acidentes da navegação:
a) naufrágio, encalhe, colisão, abalroação, água aberta, explosão, incêndio, varação, arribada e alijamento;
b) avaria ou defeito no navio nas suas instalações, que ponha em risco a embarcação, as vidas e fazendas de bordo.
14

2. JUSTIFICATIVA

Por óbvio, este trabalho, na forma de uma monografia acadêmica, visou a obten-
ção do grau de especialista em engenharia de segurança do trabalho para o seu autor,
mas existe também uma motivação pessoal a respeito do tema - que não se nega ser em
verdade um estudo de caso -, visto que essa autoria detém a formação de engenharia
naval pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo – EPUSP, bacharel em ci-
ências náuticas pela Escola Naval – EN e pós-graduado em direito do trabalho e direito
processual do trabalho pelo Instituto Brasiliense de Direito Público IDP. Ora, o evento, a
despeito da sua tragicidade, despertou grande interesse investigativo no autor dado que
eventuais inconsistências operacionais do barco e na sua manutenção preditiva podem
explicar o ocorrido.
Esse trabalho, portanto, apresentou um aspecto pericial de conteúdo bastante ob-
jetivo, mesmo porque não foi preocupação do autor apontar culpados. Tal tarefa, inclu-
sive, já foi devidamente realizada pelo Poder Judiciário, sendo dele a última palavra a
respeito dessa responsabilização. O que se procurou aqui foi trazer à tona algumas cons-
tatações periciais que, uma vez mais debatidas, podem solucionar a indagação sobre o
que poderia ter sido providenciado para que aquele ambiente de trabalho aquaviário pu-
desse ser considerado seguro.
15

3. OBJETIVOS

3.1. Geral
Tem-se por propósito mediato esclarecer a causa ou as causas que levaram a
embarcação Imagination a naufragar dadas as circunstâncias em que isso se deveu. Ha-
via vários profissionais a bordo além do seu comandante, sendo todos vitimados pelo
sinistro náutico em debate, o que implica num atentado contra a sua segurança no seu
ambiente de trabalho.

3.2. Específicos
Para alcançar esse mister, duas indagações se fizeram sentir, que foram:
a) Se a embarcação apresentava condições de segurança tecnicamente aceitáveis
à luz das normas oficiais pertinentes; e
b) Se as circunstâncias do momento permitiam uma navegação segura segundo as
melhores técnicas de marinharia.
16

4. METODOLOGIA

Esse trabalho foi elaborado de forma a permitir uma visão sistêmica do pro-
blema, comparando-se todas as possibilidades relevantes para o seu deslinde. O pro-
cesso dialético, tão consagrado na pesquisa científica, foi acalentado para se evitar even-
tuais enviesamentos durante a investigação. Sabemos, todavia, o resultado obtido pela
perícia oficial, mas verificamos se as suas premissas nos levaram às mesmas conclu-
sões, adaptando na medida do possível as possíveis implicações perante a engenharia
de segurança do trabalho.
As fontes são restritas porém robustas, a saber dois laudos periciais aos quais
já nos reportamos. Temos como referências normativas a NR – 30 do Ministério do Tra-
balho e Emprego e a NORMAM 02 da Diretoria de Portos e Costas do Comando da Ma-
rinha do Brasil. Outras normas e dispositivos legais foram oportunamente mencionados,
mas sempre suportando as duas normas primeiramente aventadas.
Em tempo, foram introduzidos cinco anexos a este trabalho, alguns deles ex-
tratos de referências bibliográficas aqui empregadas. Procuramos omitir nomes de pes-
soas através de marcas de ocultação sobre o texto onde esses nomes aparecem para
preservar a identidade dos envolvidos, dado que a finalidade desse trabalho é simples-
mente expor os fatos objetivamente.
17

5. CONSIDERAÇÕES NORMATIVAS

O tema segurança do tráfego aquaviário encontra-se disciplinado pela Lei nº


9.537/97, conhecida como Lei da Segurança do Tráfego Aquaviário em Águas sob Juri-
dição Nacional – LESTA, lei de caráter nacional. No seu artigo 4º, inciso VII, encontram-
se como atribuição da autoridade marítima estabelecer os requisitos referentes às condi-
ções de segurança e habitabilidade e para a prevenção da poluição por parte de embar-
cações, plataformas ou suas instalações de apoio. É com base nesse dispositivo que a
Diretoria de Portos e Costas – DPC elaborou a Norma de Autoridade Marítima nº 2 –
Normas da Autoridade Marítima para as Embarcações Empregadas na Navegação Inte-
rior (NORMAM 02/DPC).

A supramencionada norma tem caráter administrativo e deriva do poder de polícia


da Administração Pública em restringir direitos e impor obrigações a todos aqueles que
se utilizam do tráfego aquaviário em águas interiores. Difere, portanto, da Norma Regu-
lamentadora nº 30 – Segurança e Saúde no Trabalho Aquaviário, do Ministério do Traba-
lho e Emprego, esta também de caráter administrativo, porém voltada especificamente
para a salvaguarda da saúde e segurança do trabalhador aquaviário. Contudo, embora
com objetivos distintos, elas não se conflitam, sendo na verdade complementares, con-
forme dispõe o item 30.2.2 da NR 30 ao dizer: A observância desta Norma Regulamen-
tadora não desobriga as empresas do cumprimento de outras disposições legais com
relação à matéria e ainda daquelas oriundas de convenções, acordos e contratos coleti-
vos de trabalho.

O artigo 4º, inciso X, da LESTA dispõe também que é atribuição da autoridade


marítima executar vistorias, diretamente ou por intermédio de delegação a entidades es-
pecializadas. Por entidades especializadas entende-se aqui as chamadas entidades cer-
tificadoras de embarcações, que são empresas credenciadas pelo Poder Público para
realizar tarefas delegáveis ao particular, sendo no presente caso vistorias em embarca-
ções. Por vistoria, segundo o artigo 2º, inciso XXI, da LESTA, entende-se a ação técnico-
administrativa, eventual ou periódica, pela qual é verificado o cumprimento de requisitos
18

estabelecidos em normas nacionais e internacionais, referentes à prevenção da poluição


ambiental e às condições de segurança e habitabilidade de embarcações e plataformas.

No caso da embarcação Imagination, tem-se que se tratava de uma embarcação


de passageiros, tipo policasco, voltada para a realização de passeios no Lago Paranoá
em Brasília – DF, cujas águas são consideradas abrigadas. O seu porte, dimensionado
por um parâmetro adimensional conhecido por Arqueação Bruta – AB, lhe obrigava a
portar um certificado específico que lhe permitia navegar desde que obedecidos determi-
nados requisitos de segurança. Tal certificado assim necessário era o Certificado de Se-
gurança da Navegação – CSN conferido por uma entidade certificadora de embarcações
a qual já nos referimos.

Em suma, para que o Imagination pudesse navegar era necessário que essa em-
barcação portasse um CSN e tal certificado só lhe seria conferido caso determinados
requisitos de segurança e de salvatagem fossem satisfeitos. O CSN corresponde a uma
homologação do Poder Público que confere à embarcação que o possui a presunção
legal de que a embarcação é segura para navegar, o que numa abordagem leiga corres-
ponde, grosso modo, a um alvará de funcionamento de estabelecimento. Obviamente,
sendo o atendimento aos requisitos de segurança indispensáveis para a obtenção do
CSN, esse certificado terá a sua validade condicionada à continuidade das condições
impostas por tais requisitos, sob pena de cancelamento do CSN e a consequente perda
da autorização da embarcação para o tráfego aquaviário.
19

6. HISTÓRICO DO BARCO IMAGINATION

Em janeiro de 2007 um dispositivo flutuante sem propulsão, composto de três flu-


tuadores rigidamente conexos a uma estrutura com duas plataformas, foi construída nas
margens do Lago Paranoá, em Brasília – DF (vide figura nº 01).

Figura nº 01 – Flutuante “Jackeline”, embarcação que deu origem ao “Imagination”.

Tal embarcação recebeu no nome de batismo “Jackeline” (figura nº 01) e sua na-
vegação dependia de reboque uma vez que não possuía propulsão própria. Contudo, em
outubro de 2009 esse flutuante “Jackeline” foi alienado e os novos proprietários decidiram
realizar uma reforma na embarcação, estendendo a sua popa 2 para acrescentar novos
compartimentos na sua superestrutura3. Após essa reforma a embarcação adquiriu um

2
Popa: Termo náutico. Corresponde à parte traseira de uma embarcação.
3
Superestrutura: Termo técnico de engenharia naval. É a parte habitável acima do convés principal de uma embarca-
ção.
20

novo aspecto, inclusive foi instalado um motor dentro de um compartimento a ré, corres-
pondendo a um prolongamento do seu flutuador central (vide figura nº 02).

Figura nº 02 – Compartimento a ré do Imagination, sendo preparado para receber


o seu motor de propulsão.

Tal compartimento, em forma de bacia, como demonstra a figura nº 02, foi prepa-
rado para receber um motor de propulsão Diesel. Esse motor acionava um hélice rotaci-
onado por um eixo acoplado ao motor. Na figura nº 02 é interessante observar que no
lado esquerdo do compartimento existe uma abertura de forma oval justamente para per-
mitir a passagem do conjunto eixo-hélice. A peça em questão era de aço mas a sua
extremidade de ré foi seccionada e refeita em fibra de vidro justamente na parte por onde
passaria o eixo propulsor (vide figura nº 03).
21

Figura nº 03 – Compartimento do motor do Imagination com o sistema propulsor


instalado.

Conforme pode ser notado na figura nº 03, o compartimento do motor foi pintado
uniformemente por uma tinta cinza, ocultando a natureza dos materiais que o formavam,
aço na sua maior parte mas fibra de vidro na região extrema a ré por onde passava o
eixo propulsor.

No lado oposto do compartimento, mais a vante, funcionava um gerador respon-


sável pelo fornecimento de energia elétrica para a embarcação, perfazendo na realidade
um conjunto Diesel-gerador dentro do mesmo compartimento (vide figura nº 04).
22

Figura nº 04 – Gerador elétrico do Imagination acomplado ao seu motor Diesel


num mesmo compartimento.

A título de ilustração, o aspecto final do Jackeline após a referida reforma estrutural


está demonstrado na figura nº 05, quando a partir de então passou se chamar Imagina-
tion.

Figura nº 05 – Aspecto final do flutuante Jackeline após a sua primeira reforma


quando passou a se chamar Imagination.
23

As alterações estruturais na referida embarcação deram ensejo a um processo de


regularização junto à então Delegacia Fluvial de Brasília – DelBra, órgão subordinado ao
Comando do Sétimo Distrito Naval. Para tanto, fez-se necessário primeiramente fazer a
arqueação4 da embarcação, sendo tal tarefa confiada a uma Certificadora de Embarca-
ções. Através de medidas geométricas aproximadas chegou-se à conclusão que o Ima-
gination possuía, com o seu aspecto ilustrado na figura nº 05, uma Arqueação Bruta de
27 AB (vide Anexo 01 – Notas para Arqueação de Embarcações – Narq 3087/10)5.

A Norma Regulamentadora nº 30 – Segurança e Saúde no Trabalho Aquaviário –


NR 30 – estabelece, em seu item 30.2.1.1, que o disposto nessa NR aplica-se, no que
couber, às embarcações abaixo de 500 AB, consideradas as características físicas da
embarcação, sua finalidade e área de operação.

Adicionalmente, a NR 30, em seu item 30.2.2, dispõe que a observância dessa


Norma Regulamentadora não desobriga as empresas do cumprimento de outras dispo-
sições legais com relação à matéria e ainda daquelas oriundas de convenções, acordos
e contratos coletivos de trabalho.

De posse do valor da arqueação bruta e de acordo com o item 0305, alínea b (1),
da NORMAM 02, a embarcação Imagination encontrava-se enquadrada como Embarca-
ção Certificada Classe 2 (EC 2)6 com AB maior que 20 e menor que 50. A título de evi-
denciação, reproduzimos ipsis litteris o referido dispositivo normativo em comento em
nota de referência7. A NORMAM 02 é uma norma administrativa de caráter técnico que,

4
Arqueação: Termo técnico de engenharia naval. Arquear uma embarcação é medir o seu tamanho volumétrico atra-
vés da medida dos espaços fechados que a embarcação contém. Chega-se a um valor adimensional, denominado Ar-
queação Bruta, que traduz parametricamente o porte de uma embarcação e esse parâmetro serve de referência para a
autoridade marítima estabelecer os requisitos de segurança e salvatagem que a embarcação deve atender.
5
O procedimento de cálculo de uma arqueação foge ao propósito desse trabalho. O leitor interessando em conhecer tal
procedimento poderá consultar a Seção I do Capítulo 7 da referência Normas de Autoridade Marítima nº 2 –
NORMAM 02.
6
Embarcação Certificada significa que ela possui ou deve possuir um determinado certificado para poder cumprir a
sua destinação no tráfego aquaviário.
7
0305 - REGULARIZAÇÃO DE EMBARCAÇÕES JÁ CONSTRUÍDAS
(...)
b) Casos Especiais
1) Embarcações de Passageiros com AB maior do que 20 e menor ou igual a 50
As embarcações de passageiros que, por força da versão anterior desta norma (NORMAM-
02/DPC/2005 - Portaria nº 115, de 15/09/2009), estavam dispensadas da obtenção de Licença de Cons-
trução, Alteração e Reclassificação, terão o prazo de até a primeira vistoria de renovação do CSN, a ser
realizada após 1º de julho de 2011, para solicitarem a respectiva LCEC e apresentarem a documentação
24

ressalte-se, utiliza uma linguagem um tanto quanto prolixa. A título de esclarecimento, o


que se pode depreender do mencionado excerto é que, por força dessa norma de auto-
ridade marítima o Imagination ficou submetido a uma exigência traduzida pela necessi-
dade de obter um Certificado de Segurança de Navegação – CSN a ser emitido por uma
entidade certificadora de embarcações, dado que ele havia sofrido alterações de vulto
para se transformar numa embarcação de passageiros com arqueação bruta maior que
20 AB.

Essas considerações normativas e o histórico do Imagination se fizeram necessá-


rios a fim de permitir a contextualização sobre a qual se deveu os eventos que culmina-
ram no acidente com essa embarcação em maio de 2011.

requerida no item 0314, alínea b). Recomenda-se que a LCEC seja solicitada antes da primeira vistoria de
renovação do Certificado de Segurança da Navegação (CSN), de modo a facilitar a análise, em tempo
hábil, da documentação por parte do GVI das CP ou DL, Entidade Certificadora ou Sociedade Classifica-
dora, responsável pela emissão da LCEC. As CP, DL, AG, Entidades Certificadoras ou Sociedades Clas-
sificadoras não poderão realizar qualquer tipo de vistoria relacionada ao CSN nas embarcações que não
tenham apresentado a documentação até a data devida para a realização da primeira vistoria de renova-
ção, após 1º de julho de 2011. Para a embarcação que tenha apresentado a documentação no prazo
devido, será emitido, após a vistoria de renovação, um novo CSN com validade de 6 meses, a fim de
permitir a continuidade da operação da embarcação enquanto se conclui o processo de emissão da LCEC.
Caso o prazo de 6 meses não seja suficiente para a emissão da LCEC, o responsável pela embar-
cação poderá requerer à DPC uma prorrogação do CSN por um prazo máximo de 6 meses. Tal requeri-
mento deverá ser devidamente justificado observando-se as seguintes situações:
- quando o processo para emissão da LCEC estiver sendo analisado pelas CP, DL ou AG, o requerimento
solicitando a prorrogação do CSN deverá ser encaminhado à DPC via CP, DL ou AG.
- quando o processo para emissão da LCEC estiver sendo analisado por Entidades Certificadoras ou So-
ciedade Classificadora, o requerimento deverá ser encaminhado para DPC, contendo em anexo os comen-
tários e/ou justificativas elaboradas pelo armador ou proprietário.
Após a emissão da LCEC o CSN poderá ser renovado pelo prazo restante para completar 4 anos,
contados a partir da data da realização da vistoria de renovação, desde que a embarcação não necessite
sofrer alterações nas suas características, capacidade de passageiros e/ou carga e dotação de equipa-
mentos, em função do atendimento aos requisitos desta norma. Neste caso, o CSN só poderá ser renovado
pelo prazo restante, após a realização de nova vistoria para verificação do cumprimento desses requisi-
tos.encaminhado para DPC, contendo em anexo os comentários e/ou justificativas elaboradas pelo arma-
dor ou proprietário.
Após a emissão da LCEC o CSN poderá ser renovado pelo prazo restante para completar 4 anos,
contados a partir da data da realização da vistoria de renovação, desde que a embarcação não necessite
sofrer alterações nas suas características, capacidade de passageiros e/ou carga e dotação de equipa-
mentos, em função do atendimento aos requisitos desta norma. Neste caso, o CSN só poderá ser renovado
pelo prazo restante, após a realização de nova vistoria para verificação do cumprimento desses requisitos.
25

7. O NAUFRÁGIO DO IMAGINATION

Na noite de sábado do dia 22 de maio de 2011 o Imagination encontrava-se atra-


cado no píer da Associação do Servidores da Câmara dos Deputados – ASCADE, pre-
parando-se para zarpar com um determinado número de passageiros. A embarcação
havia sido alugada por um buffet a fim de realizar uma festa de confraternização e um
passeio no Lago Paranoá estava previsto em meio ao evento. Contudo, pouco tempo
depois da embarcação ter deixado o píer da ASCADE alguns problemas começaram a
se manifestar. Percebeu-se inicialmente que a embarcação começou a apresentar um
trim pela popa8, demonstrando que ela estava mais pesada a ré. Isso aconteceu por-
que a água do Lago Paranoá estava entrando no interior dos flutuadores da embarcação
e se acumulando na popa, fazendo com que o seu casco ficasse mais mergulhado a ré
na região onde se encontrava o conjunto Diesel-gerador. O comandante da embarcação,
percebendo essa anomalia, acionou as bombas de porão, que eram elétricas, para es-
gotar a água que estava embarcando no Imagination. No entanto, essa água estava en-
trando também no compartimento mais importante do barco, aquele mais a ré e que aco-
modava do conjunto motor Diesel/gerador elétrico. Subitamente, o Imagination começou
a sofrer surtos de falta de energia (apagões), deixando a embarcação sem iluminação,
uma vez que o gerador elétrico estava em contato com a água do alagamento no casco.
Com o gerador elétrico inoperante em função disso, as bombas de porão, que dependiam
da energia elétrica para funcionar, deixaram de esgotar a água que entrava progressiva-
mente para dentro do casco do barco. Devido a esse alagamento progressivo, a embar-
cação paulatinamente perdia a sua reserva de flutuabilidade9, vindo depois a naufragar10.
O saldo negativo desse naufrágio foi a perda de nove vidas entre os passageiros,
oito por afogamento e uma por traumatismo.

8
Trim pela popa: Termo náutico. Significa que a embarcação se encontrava mais submersa na parte de trás que na
parte da frente.
9
Reserva de Flutuabilidade: Termo de engenharia naval. Trata-se de um volume contido no casco de uma embarca-
ção que permite a sua flutuação mesmo após um alagamento no seu interior. Quando a reserva de flutuação de uma
embarcação se esgota a embarcação inevitavelmente afunda.
10
De acordo com a Norma de Autoridade Marítima nº 9 – Normas da Autoridade Marítima para Inquéritos Admi-
nistrativos sobre Acidentes e Fatos da Navegação, naufrágio é o afundamento total ou parcial da embarcação por perda
de flutuabilidade, decorrente de embarque de água em seus espaços internos devido a adernamento, emborcamento ou
alagamento;
26

8. AVERIGUAÇÕES DO ACIDENTE

Conforme já mencionado na parte introdutória, esse naufrágio deu ensejo a um


Inquérito Administrativo por Fato da Navegação - IAFN que recebeu o número 3/2011
instaurado pela então Delegacia Fluvial de Brasília – DelBra e a um Inquérito Policial na
10ª Delegacia de Polícia do Distrito Federal, Inquérito nº 78/2011, em virtude do óbito de
nove (9) passageiros da embarcação sinistrada. Evidentemente tais inquéritos foram sub-
sidiados por duas perícias técnicas, uma elaborada pela Diretoria de Portos e Costas –
DPC e outra pelo Instituto de Criminalística de Brasília, respectivamente. É com base
nessas duas perícias que esse trabalho monográfico será referenciado, extraindo-se de-
las as pertinentes implicações no âmbito da engenharia de segurança do trabalho.

De acordo com o relatório de IAFN (Anexo 02 – página 01), a causa determinante


do naufrágio foi a sobrecarga da embarcação devido às alterações estruturais não apro-
vadas pelo engenheiro naval e responsável técnico, agravada pela negligência na manu-
tenção da embarcação e pelo embarque de carga e de pessoas acima da quantidade
máxima permitida. Mas quais foram essas alterações estruturais não aprovadas? A res-
posta para tal pergunta encontra-se nos tópicos seguintes:

8.1. Alterações não certificadas na embarcação.

A figura nº 06 retrata que o Imagination que afundou no Lago Paranoá na noite


de 22 de maio de 2011 não era idêntico àquele que havia recebido o seu Certificado de
Segurança de Navegação – CSN (vide Anexo 03).
27

Figura nº 06 – Fotografias do Imagination por ocasião da obtenção da sua certificação


(foto superior) e na noite do seu naufrágio (foto inferior).

Como se pode perceber claramente, o Imagination foi amplamente modificado, e


isso se deu em momento posterior à sua certificação, ou seja, o seu Certificado de Se-
gurança de Navegação – CSN (Anexo 03) foi concedido conforme os requisitos de se-
gurança apresentados pela embarcação com as características visualizadas na foto su-
perior da figura nº 06, características essas que a embarcação apresentava em outubro
de 2009, conforme descrito no item 6 desse trabalho, mas no entanto, na noite do infor-
túnio, o Imagination apresentava o aspecto da foto inferior da figura nº 06, evidenciando
alterações de vulto desconhecidas pela autoridade marítima.

8.2. Instalação não comunicada de vidros temperados.

A alteração que mais chamou a atenção das autoridades, logo após o barco ter
sido reflutuado pelo Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, foi a instalação não previa-
mente conhecida de vidros temperados na superestrutura na altura do convés principal
(vidros Blindex). Segundo notas fiscais de compra desses vidros e apresentadas poste-
riormente pelos proprietários do barco, o peso acrescido à embarcação correspondeu a
oito passageiros a mais na sua lotação (vide Anexo 04). Além do expressivo aumento no
peso, a instalação desses vidros acarreta um outro severo gravame na segurança dos
passageiros e tripulantes: promove um confinamento das pessoas no seu interior como
28

se fosse uma gaiola, dificultando ou até impedindo a evacuação da embarcação em caso


de naufrágio. Toda embarcação de passageiros precisa apresentar no seu arranjo arqui-
tetônico as chamadas rotas de fuga ou rotas de escape, caminhos pelos quais os passa-
geiros deverão seguir em caso de abandono da embarcação na iminência de um naufrá-
gio, incêndio ou presença de fumaça asfixiante. Com a instalação dos Blindex esse re-
quisito de salvaguarda da vida humana ficou extremamente comprometido, sobretudo
porque a espessura dos vidros (8 mm) dificulta sobremaneira a sua quebra em caso de
sinistro náutico.

Segundo depoimentos colhidos aos proprietários do barco (vide Anexo 05), a ins-
talação desses vidros teve por motivo abrigar os passageiros da água da chuva e do
vento, mas os toldos de lona anteriormente existentes já cumpriam essa função sem
comprometer a segurança em caso de abandono e sem comprometer a flutuabilidade da
embarcação. A Norma Regulamentadora nº 23 do Ministério do Trabalho e Emprego –
NR 23, em seu item 23.2 estabelece que os locais de trabalho deverão dispor de saídas,
em número suficiente e dispostas de modo que aqueles que se encontrem nesses locais
possam abandoná-los com rapidez e segurança, em caso de emergência. Muito embora
a NR 23 se refira à proteção contra incêndios, nada depõe contra a sua aplicação no
presente caso, pois a índole da referida norma é voltada para a evacuação de pessoas
de um local confinado.

8.3. Alagamento progressivo no interior do casco.

Mas a grande indagação a ser respondida se refere ao que provocou a entrada de


água do lago no interior dos flutuadores. Para responder a essa pergunta foi necessário
inspecionar o casco da embarcação após o acidente e verificou-se então que o casco do
Imagination havia sido alterado com mais quatros pequenos flutuadores adicionais, e os
três flutuadores originais haviam sido enxertados com mantas de fibra de vidro e com
remendos em resina epóxi (Durepoxi). Tal constatação denotava que o Imagination já
havia apresentando problemas de estanqueidade no seu casco antes da data do aci-
dente. A título de conferência, ilustramos as figuras nºs 07 e 08 do casco do Imagination
quando ele estava sendo inspecionado pós-naufrágio pela perícia técnica:
29

Figura nº 07 – Manta em fibra de vidro descolada de um dos flutuadores do Ima-


gination.

Figura nº 08 – Emulsão de resina epóxi do casco do Imagination.

Quatro flutuadores adicionais foram percebidos quando, após a reflutuação do


barco, a embarcação ficou emborcada, vide figura nº 09. A constatação dessa alteração
30

foi possível pela comparação com o Plano de Arranjo do Imagination atestado pela Cer-
tificadora, vide figura nº 10. A figura nº 11, extraída do Laudo Pericial do Instituto de
Criminalística de Brasília, ilustra as alterações verificadas.

Figura nº 09 – O Imagination emborcado apresentando outros flutuadores além


dos três originais.

³ ³ ³ ³
³
³ ³ ³

³ ³ ³ ³ ³ ³

³
³ ³ ³ ³

Figura nº 10 – Plano de Arranjo Geral do Imagination. A vista inferior do plano


mostra os três únicos flutuadores originais do barco.
31

Figura nº 11 – Representação esquemática do casco do Imagination tal como ele


se encontrava após a sua reflutuação. Percebe-se a existência de quatro flutuadores in-
termediários entre os três originais, numerados como 3, 4, 8 e 9.

E qual a razão da instalação de mais quatro flutuadores no Imagination? Como


aventado anteriormente, em dezembro de 2010, a empresa Vidrato, SIA/Sul - Trecho 04
- Lotes 440/450, Brasília - DF, vendeu para os proprietários do barco, conforme nota de
venda (Anexo 03); 30,1675 metros quadrados (m²) de vidro temperado (Blindex) cuja
densidade métrica corresponde a 20 (vinte) quilogramas por metro quadrado (Kg/m²), o
que nos leva à conclusão de que foram adquiridos 603,35 quilogramas de Blindex. Esse
Blindex foi instalado na superestrutura do Imagination e correspondeu a um acréscimo
de 8 (oito) passageiros na lotação autorizada do barco (considerando o peso médio de
75 Kg por pessoa). A princípio, a instalação de flutuadores adicionais melhora a capaci-
dade de flutuação de uma embarcação, porém, é preciso investigar o porquê dessa adi-
ção de flutuabilidade, ou seja, por qual motivo os proprietários tomaram essa decisão
sem a anuência prévia da Entidade Certificadora.

Duas hipóteses se apresentam para explicar tal atitude por parte dos proprietários:

a) A primeira pode estar relacionada com o acréscimo de peso suportado pelos


flutuadores originais, tendo em vista que outras alterações, além da instalação de vidros
Blindex, também foram feitas no barco, sobretudo acima do segundo convés (convés
32

superior), acrescentando pesos adicionais. Explica-se. Os proprietários, percebendo a


diminuição da borda-livre (distância vertical compreendida entre a linha de flutuação e o
convés principal) devido ao aumento de peso, resolveram acrescentar mais flutuadores
à embarcação, com o intuito de compensar a perda de flutuabilidade. Ocorre que essa
alteração não pode ser feita à revelia da Entidade Certificadora, pois altera as condições
de carregamento inicialmente verificadas, alterando o deslocamento leve inicial, o porte
bruto inicial e o estabelecimento da lotação máxima permitida da embarcação 11.

b) A segunda hipótese é com certeza a mais grave, pois está relacionada com
uma possível deterioração dos flutuadores originais do barco. Verificado que havia reves-
timento em fibra nos flutuadores de aço originais (vide figuras nºs 7 e 8), é possível
deduzir que a embarcação apresentava problemas com a estrutura do casco, provavel-
mente com furos ou perda acentuada de espessura devido à corrosão. Se tal se deveu,
é razoável supor que a fibra de vidro servia para mascarar o desgaste ou a presença de
furos ao longo dos flutuadores de aço. Se tal era o problema, o correto seria que a em-
barcação fosse retirada da água e fosse feito uma medição de espessura e/ou verificação
de corrosão localizada (furos) e, sendo o caso, a troca dos flutuadores antigos por novos.
Ocorre que, além do custo da reforma de trocar os flutuadores de aço originais, existe o
custo de oportunidade de se manter a embarcação parada ou incapacitada para navegar,
o que prejudicava comercialmente o uso da embarcação pelos proprietários. Desse
modo, é provável que tenha sido adotada uma solução de fortuna ou paliativa para con-
tornar o problema da perda de flutuação.

Provavelmente esses flutuadores adicionais foram instalados sem colocar a em-


barcação em seco. Se os flutuadores originais estavam apresentando problemas de em-
barque de água nos seus interiores, por óbvio eles deixavam de exercer a sua função,
qual seja, a de garantir a flutuabilidade da embarcação. Para que a flutuação da embar-
cação permanecesse inalterada seria necessário substituir os flutuadores comprometidos
por outros igualmente em volume, ou seja, com a mesma metragem cúbica original, pois
os flutuadores originais foram dimensionados para suportar o deslocamento carregado

11
Esses conceitos dizem respeito à capacidade da embarcação poder ficar estabilizada no plano de flutuação, um dos
requisitos indispensáveis para que ela possa navegar com segurança.
33

de 19,21 toneladas12. Os quatro flutuadores acrescentados não possuíam, no seu con-


junto, um volume de espaço fechado idêntico ou superior aos flutuadores de aço originais
que estavam comprometidos, estando inclusive muito aquém desse volume, que deveria
ser de, no mínimo; 38,10 metros cúbicos, conforme Notas para Arqueação de Embarca-
ções emitida pela Certificadora Auto Ship (vide Anexo 01). Dessa forma, os flutuadores
acrescentados não foram capazes de suportar o mesmo peso suportado pelos flutuado-
res originais de aço.

8.4. Redução da estabilidade da embarcação.

Além disso, verificou-se um outro problema ainda mais grave, que diz respeito ao
posicionamento dos flutuadores adicionais no arranjo estrutural da embarcação. Como
eles foram posicionados nos espaços intermediários existentes entre cada flutuador de
aço original, e tendo em vista que estes flutuadores originais estavam comprometidos,
sem poder cumprir a sua função, a boca moldada da embarcação foi drasticamente re-
duzida13. Explicando, a boca moldada é a distância linear medida na horizontal entre as
duas extremidades laterais do casco de uma embarcação, ou seja, corresponde à largura
da estrutura de uma embarcação responsável por sua flutuabilidade. Admitindo-se o
mesmo centro de gravidade da embarcação, quanto maior for a boca moldada mais es-
tável a embarcação se apresenta, ou seja, menos susceptível ela se submete a um em-
borcamento14. No caso do Imagination, admitindo-se que os flutuadores laterais originais
de aço estavam comprometidos, flutuadores estes que configuravam uma boca moldada
original de 6,08 metros, e os flutuadores acrescentados foram posicionados mais próxi-
mos da linha central longitudinal15, conclui-se que a distância entre extremos da estrutura
responsável pela flutuação do barco diminuiu, acarretando sérios comprometimentos
para a estabilidade do Imagination.

12
Deslocamento carregado: Termo de engenharia naval. Corresponde ao peso da embarcação somado a todos os ou-
tros pesos embarcados na sua capacidade máxima permitida.
13
Boca moldada: Termo de engenharia naval. É a medida transversal do casco de uma embarcação cuja extensão
influencia na sua estabilidade no plano de flutuação. Quanto maior a boca moldada mais estável a embarcação tende a
ficar.
14
Emborcamento: Termo náutico. É o resultado de uma ação sofrida por uma embarcação quando ela perde comple-
tamente a sua estabilidade transversal, ou seja, quando ela vira sobre si mesma e assim permanece.
15
Linha central longitudinal: Termo de engenharia naval. Linha imaginária que corta o casco da embarcação no seu
sentido longitudinal, dividindo a embarcação em duas metades simétricas.
34

8.5. Colocação de remendos e revestimentos com manta de fibra de vidro no casco.

Quanto à aplicação de um revestimento em fibra de vidro numa superfície metá-


lica, como foi verificado no casco do Imagination, tal reparo acarreta sérias inconveniên-
cias de ordem prática, sobretudo quando a superfície metálica possui circularidades e
saliências. Primeiramente, é preciso esclarecer que a fibra de vidro e o aço são dois
materiais com coeficientes de dilatação térmica diferentes. Desse modo, a tendência é
que a fibra de vidro, por ser menos flexível que o aço, sofra fissuras que, uma vez sub-
mersas, permitem a passagem da água entre a superfície da fibra de vidro e a superfície
metálica revestida. Uma vez que a água passe a penetrar por essas fissuras, a água
tende a oxidar a resina utilizada para a colagem da fibra de vidro com o metal, provocando
o surgimento de emulsões, vide figura nº 08. A consequência desse processo é o des-
prendimento da fibra de vidro da superfície metálica à qual ela revestia, que pode perfei-
tamente ser acelerado pelo choque mecânico do casco da embarcação na situação em
que ela se encontra atracada a um cais ou toque no fundo do lago em algum local raso.

A Norma Regulamentadora nº 13 – Caldeiras, Vasos de Pressão e Tubulações


não é afeta aos dispositivos de flutuação da embarcação, visto que esses sistemas são
especificados para suportar uma pressão positiva interna. Contudo, é possível empregar
uma analogia quanto à necessidade de realização de inspeções na superfície desses
invólucros, como estabelece as instruções da NR 13 seguintes:

13.6.3 Inspeção periódica de tubulações

(...)

13.6.3.7 Deve ser realizada inspeção extraordinária nas seguintes situações:

a) sempre que a tubulação for danificada por acidente ou outra ocorrência que
comprometa a segurança dos trabalhadores;

b) quando a tubulação for submetida a reparo provisório ou alterações significati-


vas, capazes de alterar sua capacidade de contenção de fluído;
35

8.6. Instalação de bombas de esgoto elétricas

Para contornar o problema da infiltração de água no interior dos flutuadores, foram


utilizadas bombas de esgoto elétricas, cuja implicação na flutuabilidade da embarcação
é questionável. De acordo com o memorial descritivo apresentado à Entidade Certifica-
dora, não era previsto como equipamento orgânico da embarcação Imagination quais-
quer tipos de bombas de esgoto, sobretudo elétricas. As bombas de esgoto utilizadas no
meio náutico podem ser elétricas ou à gasolina. As bombas de esgoto a gasolina pos-
suem a vantagem de não depender de uma fonte de energia externa para funcionarem,
o que é salutar em caso panes elétricas a bordo. As bombas de esgoto elétricas, contudo,
precisam ser alimentadas pelo sistema de geração de energia elétrica de bordo, geral-
mente associado a um gerador ou bateria de elevada amperagem. Ocorre que esse ge-
rador ou bateria de elevada amperagem não podem ser instalados em compartimentos
abaixo da linha de flutuação, as chamadas “obras vivas”, porque em caso de alagamento
desses compartimentos esses equipamentos entrariam em curto e deixariam de funcio-
nar. Por esse motivo é que os denominados Diesel-geradores de emergência (DGEs) são
instalados normalmente no convés do passadiço16, bem acima da linha de flutuação. As
bombas de esgoto elétricas encontradas no casco naufragado do Imagination eram na
realidade bombas edutoras, destinadas a bombear água para o sistema de aguada de
uma embarcação (alimentação de lavatórios, duchas e cozinha). A sua utilização como
bomba de esgoto para situações de emergência é bastante temerária. Primeiro porque
dependendo do vulto do alagamento elas podem não dar vazão suficiente para compen-
sar a entrada de água. Segundo porque a autonomia do seu funcionamento, quando as-
sociada a uma bateria, vai depender da amperagem dessa bateria. As baterias instaladas
no Imagination, de acordo com o seu memorial descritivo, eram uma bateria de 60 (ses-
senta) amperes ligada ao Diesel-gerador e duas (2) baterias de 100 (cem) amperes cada
ligadas ao motor principal. De acordo com o manual do fabricante dessas bombas edu-
toras encontradas (Kalamos Náutica Indústria e Comércio Ltda., vide figura nº 12), o
consumo de cada uma delas é de 2 amperes/hora. Ora, ligada a uma bateria de 100
amperes isso nos dá, em termos ideais, 50 horas nominais de funcionamento contínuo.

16
Passadiço: Termo náutico. Local onde se encontra o governo da embarcação, preferencialmente em posição ele-
vada em relação à linha d’água.
36

Porém, é preciso levar em conta as perdas inerentes ao próprio funcionamento desse


sistema, que pode corresponder a um rendimento efetivo de 60%. Assim, torna-se razo-
ável supor que efetivamente essa capacidade pode alcançar cerca de 30 horas de funci-
onamento contínuo, isso se a carga da bateria estiver completa e ela for unicamente
dedicada a alimentar essas bombas edutoras, o que não era o caso porque as baterias
instaladas no barco eram utilizadas para o motor principal e para o Diesel-gerador.

Figura nº 12 – Bombas de esgoto (edutoras) encontradas no casco do Imagina-


tion.

Além disso, é imperioso ressaltar que o uso de bombas de esgoto para drenar
água proveniente de alagamento em dispositivos flutuantes é de caráter preventivo, ou
seja, esses equipamentos devem ser utilizados em caso de avaria posterior à singradura
da embarcação, e não como medida paliativa para drenar um alagamento que já se sabia
conhecido. A presença de cinco bombas desse tipo instaladas no Imagination, segundo
apontado pela perícia do Departamento de Polícia Civil do Distrito Federal, já denota que
os proprietários do barco já conheciam os problemas relacionados com a perda de flutu-
abilidade da embarcação antes dela iniciar a sua navegação na noite do naufrágio. Com
37

relação às panes elétricas testemunhadas pelos náufragos sobreviventes, pode-se con-


jecturar que elas podem ter sido originadas por dois fatores isolados ou mutuamente re-
lacionados. O primeiro se refere ao alagamento do compartimento do Diesel-gerador que,
provocando curtos no equipamento, este deixou de funcionar, juntamente com todas as
baterias instaladas naquele compartimento. O segundo pode estar associado a alguma
sobrecarga a que o sistema de geração de energia foi submetido ao longo da navegação.
Segundo testemunhos, o Imagination possuía pista de dança, equipamentos de som e
uma intensa iluminação decorativa, o que pode ter contribuído sobremaneira para provo-
car sobrecargas ao seu sistema de geração de energia, caso o dimensionamento do sis-
tema de geração original tenha sido mantido. Essa sobrecarga certamente faria com que
esse sistema entrasse em colapso, desligando todos os equipamentos elétricos, inclusive
as bombas edutoras elétricas utilizadas para drenar os alagamentos no interior dos flutu-
adores comprometidos, o que foi constatado posteriormente pelo depoimento do próprio
comandante do barco (vide Anexo 05). Isso indica claramente que essas bombas não
estavam sendo alimentadas por uma fonte de energia independente do Diesel-gerador,
do contrário elas continuariam funcionando durante as panes elétricas (apagões) consta-
tadas.

A Norma Regulamentadora nº 10 – Segurança em Instalações e Serviços em Ele-


tricidade – NR 10 - dispõe no seu item 10.3.3 que o projeto de instalações elétricas deve
considerar o espaço seguro, quanto ao dimensionamento e a localização de seus com-
ponentes e as influências externas, quando da operação e da realização de serviços de
construção e manutenção.

Ressalte-se que o contido no subitem 30.2.3 da NR 3017 não inibe a aplicação da


NR 10 ao presente caso, pois o Imagination não era uma embarcação classificada de
acordo com a Convenção SOLAS18 porque sua arqueação bruta era inferior a 500 AB e
ele não se destinava a realizar viagens internacionais. Contudo, de acordo com o contido

17
30.2.3 – Às embarcações classificadas de acordo com a Convenção Solas, cujas normas de segurança são auditadas
pelas sociedades classificadoras, não se aplicam as NR-10, 13 e 23.
18
Convenção SOLAS – Safe of Life at Sea (Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar) é
um acordo internacional multilateral que estabelece os requisitos segurança e salvatagem dos navios mercantes que
porventura naveguem em águas internacionais. No Brasil a Convenção SOLAS e suas posteriores alterações foram
aprovadas por meio do Decreto Legislativo nº 645/2009.
38

em 30.2.3.2 da NR 30, para as embarcações descritas no subitem 30.2.3, são exigidas


a apresentação dos certificados de classe, ou seja, o CSN.

8.7. Superlotação de passageiros.

Por último, verificou-se que o Imagination havia zarpado do píer da ASCADE na


noite do naufrágio com uma quantidade excessiva de passageiros. Além da superlotação
ser uma infringência às diretrizes operacionais de uma embarcação19, ela acarreta sérias
consequências à sua estabilidade e à sua flutuabilidade, podendo causar grandes riscos
à segurança das pessoas embarcadas e à própria embarcação. A carga humana possui
uma peculiaridade distinta da carga material embarcada, uma vez que esta não tem a
propriedade de se autolocomover-se dentro da embarcação, com exceção das cargas
líquidas parcialmente estivadas. A grande questão envolvendo pesos embarcados não
se restringe tão somente a sua quantidade, mas à sua distribuição ao longo da plataforma
flutuante em que esses pesos se encontram embarcados, sobretudo quando essa distri-
buição se torna dinâmica, ou seja, quando a posição do centro de gravidade (CG) da
embarcação se altera constantemente devido ao movimento aleatório das pessoas a
bordo. A situação mais crítica dentro desse contexto se forma quando todas as pessoas
se posicionam no convés mais elevado e mais próximo a um dos bordos do barco. Nessa
situação, dependendo das características da embarcação relacionadas à sua estabili-
dade, poderemos ter uma inclinação extremamente perigosa (banda), com risco de em-
borcamento. É justamente para evitar que isso ocorra que o estabelecimento da lotação
máxima permitida deve ser respeitada e, além disso, que a distribuição máxima de pes-
soas entre os conveses deve ser também respeitada, exigindo por parte da tripulação um
rigoroso controle do embarque e do trânsito de pessoas a bordo. Segundo apuração da
10ª Delegacia de Polícia do Distrito Federal no Inquérito nº 78/2011 (Anexo 05), o Ima-
gination afundou com 122 pessoas comprovadamente embarcadas, nominalmente com
30 passageiros a mais que o permitido20. Porém, conforme explanado em parágrafo pre-
cedente, havia em verdade uma superlotação efetiva de 38 passageiros, oito desses em

19
Artigo 22, inciso II, do Decreto nº 2.596, de 18 de maio de 1998, que regulamenta a Lei nº 9.537, de 11 de dezem-
bro de 1997: transportar excesso de passageiros ou exceder a lotação autorizada;
20
A sua lotação autorizada era de 2 tripulantes e 90 passageiros, totalizando um máximo de 92 pessoas.
39

razão do peso acrescido pela instalação de vidros Blindex, ou seja, cerca de 45% acima
do autorizado.
40

9. CAPITULAÇÕES LEGAIS

Inexoravelmente, o acidente com o Imagination trouxe consequências no âmbito


jurídico, pelas infringências capituladas nos seguintes dispositivos legais:

a. Artigo 18, inciso I, do Decreto nº 2.596, de 18 de maio de 1998, que regulamenta


a Lei nº 9.537, de 11 de dezembro de 1997: efetuar alterações ou modificações nas ca-
racterísticas da embarcação em desacordo com as normas;

Como explanado nos itens 8.1, 8.2 e 8.4 retros, a embarcação sofreu diversas
alterações estruturais após a sua certificação pela Entidade Certificadora responsável, o
que incorre em infração ao Regulamento da Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário em
Águas sob Jurisdição Nacional – RLESTA, conforme aqui capitulado. As alterações cons-
tatadas deveriam ter sido acompanhadas e avalizadas por profissional habilitado e pas-
sado pelo crivo da Entidade Certificadora responsável.

b. Artigo 22, inciso II, do Decreto nº 2.596, de 18 de maio de 1998, que regulamenta
a Lei nº 9.537, de 11 de dezembro de 1997: transportar excesso de passageiros ou ex-
ceder a lotação autorizada;

A superlotação, aventada no item 8.7 desse trabalho, é uma infração muito recor-
rente no transporte aquaviário, sobretudo fluvial. É sintomático afirmar que isso se deve
a dois fatores que agem em conjunto: a inobservância das normas de segurança e a
crônica falta de fiscalização, ambos associados à avidez por receita no afretamento de
embarcações.

c. Artigo 28, inciso II, do Decreto nº 2.596, de 18 de maio de 1998, que regulamenta
a Lei nº 9.537, de 11 de dezembro de 1997: infrações às normas e atos não previsto
neste regulamento sobre casco, instalações, equipamentos, pintura e conservação da
embarcação, inclusive sobre o funcionamento e requisitos operacionais dos dispositivos,
equipamentos e máquinas de bordo;

Tal tipologia se aplica aos itens 8.3, 8.5 e 8.6 supramencionados. Um dado que já
foi mencionado e que deve ser salutarmente aqui repetido é que das nove vítimas fatais
41

desse acidente, apenas uma não morreu por afogamento, o que é de se causar, a prin-
cípio, estranheza. Houve uma vítima que faleceu em virtude de um traumatismo na região
occipital, provavelmente em decorrência do impacto de algum objeto pesado que lhe atin-
giu por ocasião do afundamento da embarcação (vide Anexo 05). O Imagination possuía
um salão abrigado por vidros Blindex no seu convés principal e no interior desse salão
havia diversos objetos mobiliários, como sofás, mesas de madeira e vidro, ornamentos e
outros móveis que não estavam fixados ao piso. É possível concluir que quando a em-
barcação se inclinou abruptamente pela popa algum desses objetos tenha escorregado
violentamente e atingido a vítima.

A NR 30, em seu subitem 30.8.2.1, há uma observância quanto a essa questão


em particular, asseverando que as cadeiras devem possuir dispositivos para fixação ao
piso. Entendemos que tal regra deve se estender a qualquer objeto mobiliário no interior
de salões de refeições e local de recreio.

d. Artigo 261, § 1º, do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Pe-


nal): expor a perigo embarcação ou aeronave, própria ou alheia, ou praticar qualquer ato
tendente a impedir ou dificultar navegação marítima, fluvial ou aérea se do fato resulta
naufrágio, submersão ou encalhe de embarcação ou a queda ou destruição de aeronave;

O elemento do tipo “expor a perigo” mencionado acima recai sob a imprudência,


no presente caso, de colocar em tráfego uma embarcação com a sua capacidade de
flutuação seriamente comprometida. As medidas paliativas de fibragem do casco, a utili-
zação de remendos com massa epóxi bem como o uso de bombas edutoras elétricas no
interior dos flutuadores denotam que os responsáveis pela embarcação já eram conhe-
cedores das deficiências de estanqueidade do Imagination.
42

10. CAUSAS DETERMINANTES DO NAUFRÁGIO

Conforme escorrido ao longo desse trabalho, podemos finalmente determinar as


causas que levaram a embarcação de passageiros Imagination a perecer no Lago Para-
noá na noite de 22 de maio de 2011 em Brasília – DF. Duas delas se sobressaem após
a exposição dos problemas verificados na estrutura do barco e do fato de ter sido verifi-
cado um número de náufragos superior à lotação permitida para a embarcação.

A primeira causa se relaciona com a deficiente manutenção do casco da embar-


cação, visivelmente danificado com rachaduras e furos que foram paliativamente repara-
dos com manta de fibra de vidro e massa de vedação epóxi. A prevenção correta seria a
troca dos flutuadores originais do casco ou a recomposição das superfícies estanques
que o integram com a colocação de chapas de aço calandradas e soldadas na estrutura
do casco. Um teste de estanqueidade se faria necessário através da aplicação de um
líquido penetrante e a verificação da espessura das chapas mais corroídas por meio de
uma medição por ultrassom. O custo envolvido para tanto seria indubitavelmente menor
que a perda do próprio barco, como de fato ocorreu.

A segunda causa está relacionada com o excesso de passageiros que estavam


presentes na embarcação antes do naufrágio e com o aumento de peso provocado pela
instalação de vidros temperados na superestrutura do barco. A sobrecarga efetiva che-
gou ao extrapolante valor de 45%, ou seja, o excesso de passageiros mais o peso do
material instalado superou em quase metade da lotação máxima admitida. Os flutuadores
tinham uma forma geométrica aproximadamente cilíndrica e fechados na sua parte su-
perior. Se a lotação máxima permitida de 92 pessoas tivesse sido respeitada e se não
houvesse o peso extra proporcionado pelo Blindex, a borda-livre da embarcação seria de
aproximadamente 40 centímetros21. Com esse sobrepeso é inexorável que a borda-livre
diminuia substancialmente a ponto da água do lago lavar a parte superior dos flutuadores
com o movimento das marolas. Como havia aberturas nos flutuadores por onde passa-

Borda-livre: Termo náutico. Corresponde à altura vertical compreendida entre a linha d’água e a borda do convés.
21

Quanto menor a borda-livre mais carregada a embarcação se encontra.


43

vam os mangotes de dreno das bombas edutoras, bem como a fiação elétrica das mes-
mas, é possível conjecturar que a água do lago entrava no interior do casco justamente
por essas aberturas, além das infiltrações por meio de rachaduras e furos, já comentados.

Porém, faz-se necessário deduzir outra causa que possivelmente pode ter influen-
ciado no naufrágio e que explica os surtos de falta de energia que antecederam o sinistro.
No item 6 desse trabalho aventou-se sobre a colocação de um conjunto Diesel-gerador
no compartimento mais a ré do Imagination. Foi revelado também que a peça por onde
passava o eixo propulsor era de fibra de vidro, e não de aço como o resto do comparti-
mento do motor. Um conjunto Diesel-gerador é um equipamento que trabalha gerando
muito ruído e vibrações. Por esse motivo é conveniente que seja feito um calçamento
amortecedor (coxins) entre o bloco do conjunto e a base que o suporta. Assim, as invitá-
veis vibrações proporcionadas pelo funcionamento de um motor Diesel seriam amorteci-
das pelos coxins e não seriam, por conseguinte, reverberadas na estrutura do barco.
Contudo, foi constatada a entrada de água do lago no compartimento do motor e isso
ocorreu provavelmente devido a uma folga na passagem do eixo pelo casco naquele
compartimento. Com a vibração do conjunto Diesel-gerador, o eixo propulsor, que a ele
era rigidamente acoplado, também vibrava, admitindo-se que o sistema amortecedor era
deficiente ou até inexistente. Como a antepara da rabeta do eixo22 era toda em fibra de
vidro, menos resistente à fadiga em comparação ao aço, o material próximo à abertura
da gola de passagem do eixo cedeu e perdeu a estanqueidade que lhe era esperada.
Entrando água naquele compartimento por esse motivo e sabendo que nele se encon-
trava também o gerador do barco, tem-se a explicação pela falta de energia que acome-
teu o Imagination naquela viagem.

A partir daí tem-se configurada uma cadeia de eventos plenamente desenvolvida:

A água do lago penetra no compartimento Bombas edutoras elétricas alimentadas pelo gerador
onde se encontra o gerador de energia elé- e que esgotavam a água que entrava em outros com-
trica do barco. partimentos do barco, já bastante deteriorados, dei-
xam de funcionar.

22
Antepara da rabeta do eixo é o termo que descreve a parte posterior do compartimento do motor por onde passava
o eixo propulsor no caso do Imagination.
44

O embarque de água nos flutuadores se


torna progressivo e a reserva de flutuabili-
dade da embarcação, já severamente dimi- NAUFRÁGIO
nuída pela sobrecarga de material adicional
e pelo excesso de passageiros, é eliminada.
45

11. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Consultando inicialmente o Relatório de Inquérito Administrativo por Fato da


Navegação – IAFN (Anexo 02), temos uma convergência quanto às causas que provo-
caram o acidente da navegação em análise, com a ressalva de que o embarque de água
pelo compartimento do motor não foi mencionado nesse relatório. Igualmente, o Relatório
Pericial do Inquérito Policial do Departamento de Polícia do Distrito Federal (Anexo 05),
elaborado pelo Instituto de Criminalística de Brasília, também corrobora com as conclu-
sões a que aqui chegamos, à exceção da ressalva aqui mencionada.
A respeito disso, a fim de não introduzir informações em demasia, optou-se
por anexar extratos dos referidos relatórios, omitindo-se partes que não contribuem para
a documentação bibliográfica.
A realização de uma perícia técnica para esse evento contou com uma equipe
multidisciplinar de engenharia, além da experiência de profissionais habilitados em aci-
dentes náuticos. Nesse desiderato foi muito importante a participação dos peritos da Di-
retoria de Portos e Costas da Marinha do Brasil.
Outra instituição que teve uma atuação muito importante para a lisura do tra-
balho pericial foi a do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, responsável pela tarefa
de reflutuação da embarcação no Lago Paranoá e a tomada submersa de fotografias.
Esse trabalho permitiu que a perícia técnica pudesse ser feita sem danificar a estrutura
da embarcação e, consequentemente, prejudicar a cognição necessária para se apurar
as verdadeiras causas do acidente.
Por fim, acrescentou-se à referência bibliográfica os pertinentes diplomas le-
gais afetos ao caso, sobretudo a Norma de Autoridade Marítima nº 2 – NORMAM 02 que,
como explicado, subsidia a Norma Regulamentadora nº 30 – NR 30 nos aspectos con-
cernentes à segurança do trabalho aquaviário afetos ao presente caso.
46

12. APLICAÇÃO DE UM PROGRAMA DE PREVENÇÃO DE RISCOS AMBIENTAIS

Com o propósito de realizar uma análise de riscos ambientais pertinentes ao caso,


tem-se por salutar inferir se a intromissão de um Programa de Prevenção de Riscos Am-
bientais, nos moldes da Norma Regulamentadora nº 9 – NR 9 do Ministério do Trabalho
e Emprego, poderia, como razão óbvia, prevenir sobre os riscos inerentes à atividade
destinada à embarcação de passageiros Imagination, reduzindo a probabilidade de um
naufrágio conforme casuisticamente ocorreu. Essa tarefa não é fácil devido aos seguin-
tes fatores:
a. A constituição obrigatória de um Grupo de Segurança e Saúde no Trabalho a
Bordo das Embarcações – GSSTB, conforme previsto no item 30.4.1 da NR 30,
se dá somente para embarcações com no mínimo 100 unidades de Arqueação
Bruta, o que dispensaria o barco Imagination desse ônus23. Tal fato se deve ao
porte do barco, pois é de se supor que tais embarcações não possuem um número
expressivo de trabalhadores embarcados que justifique tal obrigação. De fato, de
acordo com o subitem 30.4.5.1 da NR 30 tal se dava impraticavelmente ao Imagi-
nation24, visto que só havia previsão para o embarque nele de dois tripulantes,
sendo os demais profissionais não tripulantes25 ou passageiros; e
b. O enquadramento dos agentes físicos, químicos e biológicos por ventura existen-
tes no ambiente de trabalho Imagination capazes de causar danos à saúde do
trabalhador aquaviário. As vítimas fatais do naufrágio faleceram em sua maioria
por afogamento, sendo denominado tecnicamente de asfixia por imersão em lí-
quido, o que se aproxima da definição de agente químico constante no subitem

23
Lembrando que o barco Imagination possuía uma AB de 27.
24
30.4.5.1 O Grupo de Segurança e Saúde do Trabalho a Bordo - GSSTB fica sob a responsabilidade do comandante
da embarcação e deve ser integrado pelos seguintes tripulantes: (Todo o item alterado pela Portaria MTE n.º 2.062,
de 30 de dezembro de 2014)
- Encarregado da segurança;
- Chefe de máquinas;
- Representante da seção de convés;
- Responsável pela seção de saúde, se existente;
- Representante da guarnição de máquinas.
25
De acordo com a Lei nº 9.537/97, artigo 2º, inciso XVI, profissional não-tripulante é todo aquele que, sem exercer
atribuições diretamente ligadas à operação da embarcação, presta serviços eventuais a bordo.
47

9.1.5.2 da NR 926. Uma única vítima fatal teve a causa mortis traumatismo crani-
ano, o que se assemelha da definição de agente físico, na forma do subitem
9.1.5.1 da NR 927;
Contudo, tentaremos estabelecer um procedimento de análise de risco que possa
nos levar a um plano de contingências apropriado à natureza da atividade e ao número
de pessoas expostas a esse tipo de acidente. Inicialmente devemos considerar que, em-
bora um PPRA se aplique a todas as empresas que possuam empregados regidos pela
Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (vide item 9.1.1 da NR 9), os tripulantes, os
profissionais não tripulantes e os passageiros deverão ser indistintamente considerados
trabalhadores (usuários) para efeito de aplicação do referido plano de prevenção. Sem
essa premissa, a confecção do PPRA restaria deveras inviável sob o ponto de vista da
abrangência e profundidade dependentes das características dos riscos e das necessi-
dades de controle inerentes ao caso vertente (vide item 9.1.2 da NR 9). Tal extrapolação
é sadia do ponto de vista da segurança do ambiente de trabalho e coaduna-se com o
propósito da NORMAM 02/DPC/MB, norma, como já nos referimos, complementar à NR
30.

12.1. Antecipação e Reconhecimento dos Riscos

A fim de balizarmos os possíveis riscos a que esse tipo de atividade se expõe,


iremos nos reportar ao disposto nos artigos 14 e 15 da Lei nº 2.180/54 que tratam dos
acidentes da navegação28 e dos fatos da navegação29, respectivamente:
Art . 14. Consideram-se acidentes da navegação:
a) naufrágio, encalhe, colisão, abalroação, água aberta, explosão, incêndio, vara-
ção, arribada e alijamento;
b) avaria ou defeito no navio nas suas instalações, que ponha em risco a embar-
cação, as vidas e fazendas de bordo.

26
9.1.5.2 Consideram-se agentes químicos as substâncias, compostos ou produtos que possam penetrar no organismo
pela via respiratória, nas formas de poeiras, fumos, névoas, neblinas, gases ou vapores, ou que, pela natureza da
atividade de exposição, possam ter contato ou ser absorvidos pelo organismo através da pele ou por ingestão.
27
9.1.5.1 Consideram-se agentes físicos as diversas formas de energia a que possam estar expostos os trabalhadores,
tais como: ruído, vibrações, pressões anormais, temperaturas extremas, radiações ionizantes, radiações não
ionizantes, bem como o infra-som e o ultra-som.
28
Consideram-se acidentes da navegação os sinistros ocorridos com a carga e/ou com o navio essencialmente relaci-
onados a eventos danosos.
29
Os fatos da navegação se consubstanciam em ocorrências inadequadas, procedimentos eivados de impropriedades
e/ou irregularidades.
48

Art . 15. Consideram-se fatos da navegação:


a) o mau aparelhamento ou a impropriedade da embarcação para o serviço em
que é utilizada, e a deficiência da equipagem;
b) a alteração da rota;
c) a má estimação da carga, que sujeite a risco a segurança da expedição;
d) a recusa injustificada de socorro a embarcação em perigo;
e) todos os fatos que prejudiquem ou ponham em risco a incolumidade e segu-
rança da embarcação, as vidas e fazendas de bordo.
f) o emprego da embarcação, no todo ou em parte, na prática de atos ilícitos, pre-
vistos em lei como crime ou contravenção penal, ou lesivos à Fazenda Nacional.
(Incluído pela Lei nº 5.056, de 1966)

Comecemos com os possíveis acidentes da navegação que possam por em risco


os usuários daquele meio de transporte:
I. Naufrágio. Do latim navis fracta (quebra do navio, em inglês shipwreck), traduz-
se como a submersão da embarcação sem possibilidade de reimersão por meios
próprios. É o risco mais premente a que se sujeita uma embarcação. O grau de
risco de um naufrágio envolve uma gama de fatores endógenos e exógenos ao
barco, o que exige uma transcrição de todas as técnicas modernas de segurança
contra esse tipo de acidente. O barco Imagination era uma embarcação certificada
classe 2 (EC 2), por ser de passageiros e possuir 27 AB, o que lhe obrigava portar
um Certificado de Segurança da Navegação – CSN. Sendo uma embarcação ne-
cessariamente certificada e desde que cumpridos os requisitos de concessão do
CSN, o risco de naufrágio pode ser considerado baixo (grau 1).
II. Encalhe. É a circunstância em que uma embarcação perde a sua capacidade de
flutuação devido à ação ascendente do fundo sob o seu casco, sem que tenha sido
concorrido para isso qualquer atitude intencional. O grau de risco de encalhe está
diretamente relacionado com a perícia da navegação e do levantamento hidrográ-
fico da região por onde a embarcação navega. Presumindo-se que o condutor (co-
mandante) da embarcação é habilitado como profissional fluviário e o Lago Para-
noá é cartografado conforme Carta DHN 2792 do Centro de Hidrografia da Mari-
nha, o risco de encalhe é considerado médio (grau 2).
III. Colisão. É a circunstância em que uma embarcação navegando colide com um
obstáculo qualquer que não seja uma outra embarcação ou, sendo uma outra em-
barcação, essa esteja insusceptível de navegar ou manobrar. O grau de risco de
49

colisão está relacionado com a perícia da navegação e com a densidade de obs-


táculos presentes no local e no momento da singradura. Presumindo-se que o
condutor da embarcação é habilitado como profissional fluviário e que o Lago Pa-
ranoá é razoavelmente desimpedido de obstáculos à navegação, o risco de colisão
é médio (grau 2).
IV. Abalroação. Circunstância em que uma embarcação navegando entra em choque
com uma outra embarcação também navegando. O grau de risco de albaroação
também está relacionado com a perícia da navegação e com a densidade do trá-
fego no local e no momento da singradura. Presumindo-se que o condutor da
embarcação é habilitado como profissional fluviário e que a navegação no Lago
Paranoá é relativamente pouco densa, o risco de colisão é médio (grau 2).
V. Água Aberta. Circunstância em que há um alagamento descontrolado para o in-
terior do casco que comprometa a estanqueidade da embarcação. Várias causas
podem ensejar um alagamento, sendo os mais comuns o não fechamento ou o
mau fechamento das aberturas do casco ou a ruptura do casco abaixo das obras
vivas30. O grau de risco de água aberta vai depender da presteza da tripulação em
reestabelecer a estanqueidade e da eficiência do equipamento de bombeamento
e controle de avarias. Um componente estrutural do casco que é bastante útil para
conter um alagamento progressivo são as anteparas estanques, que subdividem
o interior do casco em compartimentos estanques. Essas anteparas, no entanto,
de acordo com o item 0647 da NORMAM 02/DPC/MB, só são exigíveis para em-
barcações de casco metálico com comprimento de regra31 superior a 20 metros, o
que não se aplica ao Imagination. Contudo, as condições de manutenção do casco
podem influenciar sobremaneira o grau de risco de água aberta, e isso será evi-
denciado por meio de um cronograma de vistorias a cargo da entidade certifica-
dora. Presumindo-se que a tripulação da embarcação é habilitada como profissio-
nais fluviários e sendo uma embarcação necessariamente certificada, desde que
cumpridos os requisitos de concessão do CSN, o risco de água aberta pode ser
considerado baixo (grau 1).

30
Obras vivas: Termo náutico. É a parte do casco que fica abaixo do plano de flutuação.
31
Comprimento de regra é um termo de engenharia naval utilizado para estabelecer critérios de certificação de em-
barcações com o propósito de parametrizar requisitos de segurança.
50

VI. Explosão. É o desprendimento abrupto e intenso de energia em forma de calor


que possa vir a causar danos. Esse tipo de acidente é mais comum em embarca-
ções que transportam cargas perigosas, como líquidos inflamáveis ou carga ga-
sosa sob pressão. No caso do Imagination temos a presença das ampolas de GLP
que abastecem o fogão da cozinha, sendo esse o fator mais sensível presente
nesse contexto. O posicionamento dessas ampolas em local arejado se torna por-
tanto imperioso. Por essa razão considera-se o risco de explosão médio (grau 2).
VII. Incêndio. É a combustão em alta temperatura de algum material inflamável. Esse
tipo de acidente é mais comum em embarcações que transportam carga inflamá-
vel, como combustíveis e outros materiais com baixa temperatura de ignição. Con-
tudo, o combustível utilizado pela própria embarcação e a preparação de alimentos
na cozinha podem ser fatores sensíveis a provocar um incêndio a bordo, associado
aos materiais que compõe a estrutura da embarcação, como madeiras, alumínio,
vernizes, tintas, plásticos e têxteis. O grau de risco inerente a esse tipo de acidente
vai depender da presteza da tripulação em combater o incêndio e do rol de material
de combate a incêndio disponível a bordo. No caso do Imagination o Anexo 4-D
da NORMAM 02/DPC/MB determina que a embarcação deve possuir 4 extintores
de incêndio classe ABC, sendo um no compartimento do motor, um na cozinha e
um em cada convés. Presumindo-se a presteza da tripulação em combater esse
tipo de acidente e o número de extintores, admite-se que o risco de incêndio médio
(grau 2).
VIII. Varação. É a circunstância em que uma embarcação perde a sua capacidade de
flutuação devido à ação ascendente do fundo sob o seu casco, mas que tenha sido
concorrido para isso uma atitude intencional. Esse tipo de acidente é um recurso
extremo que o comandante da embarcação adota para salvar a embarcação de
um naufrágio iminente, pois é preferível a perder a embarcação e a sua carga. Os
motivos que levam o comandante a tomar tal atitude podem ser vários, mas em
regra se relaciona com a incapacidade da embarcação de continuar flutuando.
Para tanto, é imprescindível que a embarcação chegue a tempo de atingir um local
raso e nem sempre as circunstâncias que motivam a varação permitem que tal
51

ocorra. Diante da possibilidade de naufrágio ou da sua inevitabilidade, o coman-


dante deve tomar tal atitude se as circunstâncias admitirem. No caso do Lago Pa-
ranoá, dado ser um lago de pequenas dimensões e as suas margens serem pró-
ximas, a varação pode ser um recurso apto a salvar vidas. Presumindo-se que o
comandante da embarcação é habilitado como profissional fluviário e que a nave-
gação no Lago Paranoá se dá em águas restritas, o risco de varação pode ser
considerado médio (grau 2).
IX. Arribada. É a circunstância em que a embarcação desvia da sua rota previamente
programada, demandando um abrigo não previsto na derrota32. Fatores justificá-
veis, como tempestades e prestação de socorro, e injustificáveis, como contra-
bando e descaminho, podem ensejar o risco de arribada. No caso de uma embar-
cação de passageiros como o Imagination será considerada uma arribada o em-
barque de passageiros excedentes durante a derrota (injustificável) ou a ocorrên-
cia de mau tempo durante a viagem que comprometa o empreendimento (justifi-
cável). Presumindo-se que o comandante da embarcação é habilitado como pro-
fissional fluviário conhecedor das normas que regem a atividade de transporte
aquaviário, e dado que as condições atmosféricas no Lago Paranoá são predomi-
nantemente amenas, o risco de arribada pode ser considerado baixo (grau 1).
X. Alijamento. É a circunstância deliberada de lançar ao mar a carga transportada a
fim de salvaguardar a integridade da embarcação e das pessoas a bordo. No caso
do Imagination esse tipo de acidente da navegação não seria, a princípio, tecnica-
mente provável por não se tratar de uma embarcação de carga. Porém, dado que
há (havia) uma substancial quantidade de mobiliário e itens de adorno na embar-
cação, podemos vislumbrar uma situação de sobrecarga que seria solucionada
com o alijamento desses objetos na água do Lago Paranoá. Presumindo-se que a
embarcação é (era) necessariamente certificada, desde que cumpridos os requisi-
tos de concessão do CSN, entre eles os requisitos de distribuição de pesos e porte
bruto33, o risco de alijamento pode ser considerado baixo (grau 1).

32
Derrota é um termo náutico empregado para designar a rota programada que uma embarcação irá empreender. É o
resultado do planejamento de uma viagem e uma informação importante para quem tem interesse em conhecê-la.
33
O porte bruto é a diferença entre o deslocamento carregado e o deslocamento leve, correspondendo ao peso dos
passageiros e de todos os materiais não estritamente necessários à operação da embarcação, como bagagens por exem-
plo.
52

XI. Avaria. Circunstância em que a embarcação se encontra debilitada para realizar


a sua função em razão de um defeito ou duma inoperância de algum equipamento
importante. Esse risco é o mais comum de ocorrer no transporte aquaviário e suas
especificações podem ser das mais variadas a depender do tipo de embarcação,
sua idade, da atividade que ela executa, do local onde executa e, sobretudo, da
manutenção adotada nos seus componentes. Quando uma embarcação é cons-
truída artesanalmente, ou seja, quando as técnicas de construção não seguem um
projeto homologado de engenharia, o que infelizmente é a tônica da construção
naval das embarcações de médio porte no Brasil, e esse sendo o caso do Imagi-
nation, bem como não há um plano de manutenção implementado pela maioria
dos armadores34, o grau de risco de avaria é alto (grau 3).
Adicionamos os possíveis fatos da navegação que possam por em risco os usuá-
rios daquele meio de transporte:
XII. Mau aparelhamento, impropriedade da embarcação para o serviço em que é
utilizada e deficiência da equipagem. Por mau aparelhamento refere-se à insu-
ficiência ou à obsolescência dos aparelhos de bordo, como por exemplo o aparelho
de fundear e de suspender responsável pelo manuseio das amarras e do ferro
(âncora). Se esse aparelho operar mal pode causar sérios acidentes pessoais e
materiais (o navio pode garrar e ficar a deriva, por exemplo). A impropriedade da
embarcação para o serviço em que é utilizada diz respeito à sua desvirtuação em
relação ao fim a que ela se destinava quando foi construída. Um exemplo disso é
utilizar uma embarcação de esporte e recreio como embarcação de passageiros.
Para essa os requisitos de material de salvatagem, comunicações e compartimen-
tagem são bem mais rigorosos. Por deficiência da equipagem entende-se a inap-
tidão da tripulação em guarnecer a embarcação para navegar. Esse risco está in-
timamente relacionado com o risco de avaria citado anteriormente, pois não raro o
acidente avaria ocorre associado a esses fatos da navegação. Isso decorre do
sucateamento das embarcações, da improvisação do seu uso e da má qualificação

34
Armador: Termo náutico. É o empresário responsável pelo aprestamento da embarcação para navegar, não neces-
sariamente sendo o seu proprietário.
53

dos aquaviários no Brasil. No presente case, dadas as características que o per-


meiam, entendemos que o grau de risco associado a esses fatos da navegação é
alto (grau 3).
XIII. Alteração da rota. É a circunstância em que a embarcação desvia da sua rota
previamente programada, atrasando-se em relação ao seu destino. Difere da arri-
bada pelo fato de que o destino não é alterado, apenas houve um desvio motivado
por algum contratempo, como por exemplo um indício de mau tempo. É um risco
aqui considerado mas quase inaplicável e de impraticável mensuração, visto que
o Imagination não realiza viagens em mar aberto, onde tal análise faria sentido.
Contudo, para fins pedagógicos, ele pode ser considerado baixo (grau 1).
XIV. Má estimação da carga, que sujeite a risco a segurança da expedição. Refere-
se ao equívoco em se estimar a carga efetivamente embarcada, comprometendo
as condições de estabilidade previstas para a embarcação. A embarcação não
pode ficar carregada em demasia nem ficar muito leve a ponto de assumir uma
condição de equilíbrio perigosa. Esse fato não se aplica tecnicamente ao Imagina-
tion por não se tratar de embarcação de carga, porém a superlotação de passa-
geiros agride sobremaneira as condições de estabilidade previamente estabeleci-
das e certificadas pela entidade certificadora. O grau de risco assim delineado vai
depender da prudência não só da tripulação como dos outros usuários que, ao
perceberem que a embarcação irá navegar com excesso de passageiros, devem
comunicar tal fato ao representante da autoridade marítima da jurisdição da em-
barcação. Entendemos que devido a fatores culturais arraigados à nossa socie-
dade e à parca fiscalização desse contexto, o grau de risco é alto (grau 3).
XV. Recusa injustificada de socorro a embarcação em perigo. Trata-se de uma
atitude de consequências jurídicas, cuja responsabilização recai sobre o coman-
dante. Não é percuciente ao ambiente de trabalho objeto da nossa proteção, o que
nos leva a entender que não é aplicável quanto ao risco, porém, num esforço um
tanto quanto proselitista, a imagem da empresa (embarcação) envolvida em tal
fato poderia tornar o ambiente de trabalho nocivo do ponto de vista ético. Pode-
mos, nesse raciocínio, atribuir um grau de risco baixo (grau 1) a esse fato da
navegação.
54

XVI. Todos os fatos que prejudiquem ou ponham em risco a incolumidade e se-


gurança da embarcação, as vidas e fazendas de bordo. É um risco de caráter
genérico que corresponde a um risco residual em relação aos demais riscos elen-
cados aqui. Um exemplo que poderá se enquadrar nesse tópico é o uso de subs-
tâncias entorpecentes ou a ingestão desmoderada de bebidas alcoólicas por parte
dos usuários, agravando-se caso se dê com membros da tripulação. O grau de
risco desse fato da navegação é de difícil mensuração e contém uma certa carga
de subjetividade. Contudo, o risco existe e o meio náutico não é imune a ele. Atri-
bui-se a isso um risco médio (grau 2).
XVII. O emprego da embarcação, no todo ou em parte, na prática de atos ilícitos,
previstos em lei como crime ou contravenção penal, ou lesivos à Fazenda
Nacional. Isso pode se dar em qualquer meio de transporte e incorre na apreen-
são da embarcação. O risco relacionado pode ser conjecturado na interdição do
ambiente de trabalho e a possível perda de empregos por parte de membros da
tripulação. No caso de uma embarcação de passageiros destinada a passeios tu-
rísticos no Lago Paranoá podemos afirmar que esse risco é baixo (grau 1).
Os artigos 14 e 15 da lei nº 2.180/54 antecipam, portanto, os possíveis riscos ine-
rentes à atividade de transporte aquaviário. Para cada risco assim identificado, fizemos
o reconhecimento qualitativo com a descrição da respectiva tipologia e quantificamos
com base na experiência35 os graus de risco associados.

12.2. Avaliação dos Riscos e da Exposição dos Usuários

Iremos agora classificar esses riscos reconhecidos de acordo com a sua natureza
a fim de facilitar a identificação das suas fontes geradoras (item 9.3.3 “b” da NR 9). Para
tanto, as descrições dos riscos no tópico anterior será de grande valia para essa classifi-
cação, que se dará em quatro grupos, a saber:
GRUPO A – Riscos de Falha Humana
GRUPO B – Riscos de Falha do Equipamento
GRUPO C – Riscos de Transgressão Normativa
GRUPO D – Riscos de Herança Cultural

35
É inevitável uma certa dose de subjetividade na avaliação quantitativa dos riscos. Aqui a experiência do autor dessa
monografia se faz sentir, se permitindo a servir como fonte de dados (item 9.3.3. “f” da NR 9).
55

GRUPO E – Riscos de Força Maior


Os riscos de falha humana (GRUPO A) são aqueles em que os profissionais in-
vestidos na condução do empreendimento tomam decisões equivocadas diante de uma
situação de risco, expondo-se a danos efetivos ou potenciais.
Os riscos de falha no equipamento (GRUPO B) são aqueles relacionados à fadiga,
à má conservação e aos erros de projeto do equipamento empregado no empreendi-
mento.
Os riscos de transgressão normativa (GRUPO C) são aqueles que dizem respeito
à infringência de normas impostas por uma autoridade legal e relacionadas à atividade
do empreendimento. Ressalta-se que esses riscos se referem às consequências da
transgressão e não à transgressão em si mesma.
Os riscos de herança cultural (GRUPO D) são decorrentes do ethos social pre-
sente no macroambiente envolvente ao empreendimento e que direta ou indiretamente
influencia o comportamento dos seus atores.
Os riscos de força maior (GRUPO E) são aqueles que, mesmo que possam ser
razoavelmente previstos, fogem ao controle dos responsáveis pelo empreendimento,
como por condições atmosféricas adversas.
Com base nessa classificação e nos reconhecimentos de risco anteriormente co-
mentados, confeccionamos o seguinte quadro, sendo que as células preenchidas signifi-
cam a sua ocorrência no grupo correspondente:

Tabela 1 – Classificação de Riscos Inerentes à Navegação de Passageiros

GRUPO GRUPO GRUPO GRUPO GRUPO Classificação


A B C D E de Risco
Risco I
Risco II
Risco III
Risco IV
Risco V
Risco VI
Risco VII
56

Risco VIII
Risco IX
Risco X
Risco XI
Risco XII
Risco XIII
Risco XIV
Risco XV
Risco XVI
Risco XVII

Essa tabela nos ajuda a identificar os mecanismos de controle que porventura


possam inibir a ocorrência de danos em decorrência desses riscos. Ao risco baixo atribui-
se o grau 1, ao risco médio o grau 2 e ao risco alto grau 3, assim:

Tabela 2 – Graus de Risco de Acordo com a Gravidade

Graus de Risco
Baixo 1
Médio 2
Alto 3

Por exemplo, o Risco VII – Incêndio foi classificado nos grupos A, B e C; e o seu
controle pode se dar mediante um programa periódico e adequado de adestramento em
controle de avarias em embarcações ministrado pelo Corpo de Bombeiros ou por em-
presa credenciada para esse fim (Grupo A), um plano de manutenção dos equipamentos
de combate a incêndio (Grupo B) e da instalação desses equipamentos na forma pres-
crita em normas para a certificação da embarcação (Grupo C). Como foi atribuído um
grau de risco médio para esse tipo de acidente (grau 2), multiplicando esse grau pelo
número de grupos em que ele se manifesta chegamos à nota 6, cuja classificação de
risco é de risco considerável. Assim, para cada risco isoladamente considerado combi-
nou-se quantitativamente, conforme o grau de risco atribuído e ao(s) grupo(s) em que ele
57

se manifesta, determinadas cores que indicam um gradiente de classificação de risco


com a seguinte convenção:

Tabela 3 – Gradiente de Classificação de Risco de Acordo com o Grau

Cor Notas (grau X nº de grupos) Classificação do Risco


1a3 Risco Baixo
4a6 Risco Moderado
7a9 Risco Considerável
10 a 12 Risco Alto
13 a 15 Risco Elevado

12.3. Implantação de medidas de controle e avaliação de sua eficácia

Como pode ser observado, os riscos tipo XI - Avaria e tipo XII - Mau aparelha-
mento, impropriedade da embarcação para o serviço em que é utilizada e deficiência da
equipagem; são os que mais cobram atenção por parte do gerenciamento de riscos. A
avaria é muito frequente em embarcações de longo tempo de uso, necessitando cuidados
quanto à avaliação da integridade dos seus equipamentos essenciais, entre eles o casco
e a sua capacidade de geração de energia. O mau aparelhamento tem relação íntima
com a possibilidade de avaria e dispensa um comentário redundante para a sua caracte-
rização. A impropriedade da embarcação para o serviço em que é utilizada é um fator de
risco, como descrito alhures, relacionado com a informalidade presente em algumas re-
giões carentes de fiscalização pela autoridade marítima, muito comum em embarcações
empregadas na via fluvial e lacustre, de construção artesanal e empregadas no transporte
de passageiros, veículos e até animais. Quanto à deficiência da equipagem, como já
comentado, decorre da deficitária formação profissional dos aquaviários, cuja classe é
muito pouco coesa e permite uma subordinação quase irrestrita aos proprietários de em-
barcações e armadores. É muito comum, sobretudo quando se trata de superlotação, a
pressão dos empresários sobre esses profissionais para transgredir as normas de segu-
rança com o intuito de aumentar a margem de lucro.
58

A princípio poderíamos concluir erroneamente que o naufrágio do Imagination,


tema central desse trabalho, contraria essa prevenção de riscos ambientais pelo fato
desse barco ter sofrido um naufrágio, acidente da navegação que foi classificado como
de risco baixo. Porém, a explicação não é difícil de ser esclarecida. Ocorre que o Imagi-
nation sofreu uma pane elétrica (Avaria – Risco Tipo XI) causada pelo embarque descon-
trolado de água (Água Aberta – Risco Tipo V) no casco onde se encontrava o gerador de
alimentação das bombas de esgoto. As condições de má conservação do casco, com
furos e rachaduras, explicam a entrada de água nos flutuadores da embarcação (Mau
Aparelhamento – Risco Tipo XII). Esses fatores, associados à sobrecarga da embarcação
com a instalação de pesos adicionais não aprovados na certificação bem como o excesso
de passageiros (Má Estimação da Carga – Risco Tipo XIV), desaguaram no naufrágio do
barco (Naufrágio – Risco Tipo I). Trata-se, portanto, de uma cadeia de eventos (causas)
associada ao excesso de peso (concausa) que convergiu para um desfecho infortunístico
(resultado), conforme diagramaticamente mostrado no item 10 desse trabalho.
Então pergunta-se: por que um Programa de Prevenção de Riscos Ambientais -
PPRA baseado nessa avaliação não confirma qualitativamente os riscos apontados no
parágrafo anterior e assumidos pelo Imagination no seu naufrágio? Simples. É porque as
premissas que foram postas aqui nessa avaliação de riscos parte do princípio que a em-
barcação é certificada e que os profissionais tripulantes são qualificados para o gerenci-
amento dos riscos inerentemente descritos nesse trabalho. Se a embarcação é certifi-
cada por uma entidade certificadora é porque ela é periodicamente vistoriada para a cer-
tificação das suas conformidades, e se os tripulantes são de fato aquaviários é porque
eles receberam a formação adequada para a realização do seu mister. Se, no entanto, a
despeito dessas premissas os agentes responsáveis pela condução da atividade de na-
vegação de passageiros ignoram recomendações fiáveis, desrespeitam normas de se-
gurança, alteram a embarcação sem o aval técnico especializado e burlam a confiança
depositada no empreendimento, é claro que a avaliação de riscos apresentaria outro gra-
diente distinto daquele aqui mostrado.
O naufrágio do Imagination, portanto, se deu, também, justamente por falhas na
implantação de medidas de controle e na avaliação de sua eficácia por parte de outros
players que não os seus proprietários e tripulantes. Faltaram a eles, esses outros, como
59

a autoridade marítima, a entidade certificadora, os passageiros e profissionais não tripu-


lantes e o público náutico em geral exercer uma maior fiscalização sobre a atividade. Aos
dois primeiros cabem uma fiscalização formal, que houve mas não foi suficientemente
rigorosa a ponto de antever as consequências que advieram. Aos dois últimos, embora
leigos, poderia ter feito uma fiscalização informal no que tange ao embarque de passa-
geiros acima da capacidade permitida. Nesse sentido, o usuário deve conscientizar-se
que ele é uma vítima em potencial para esse tipo de empreendimento e a observância
de normas mínimas de segurança, como informações sobre a capacidade de passageiros
e a sua discriminação por convés, não requer uma tradução técnica a respeito. Infeliz-
mente esse controle social assim considerado seria talvez o melhor dos controles, pois
seria feito por quem mais diretamente se expõe aos riscos discriminados nesse texto.
60

13. CONSIDERAÇÕES FINAIS, CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Sinistros envolvendo meios de transporte muitas vezes incorre na perda de vidas.


Embarcações de passageiros são veículos de transporte coletivo que se utiliza da via
hídrica cujo ambiente pode se tornar hostil à presença humana, daí a necessidade de
meios de salvatagem como coletes, bóias e balsas salva-vidas. É recomendável instruir
os usuários desse meio de transporte, tripulantes, profissionais não-tripulantes e passa-
geiros em geral a conhecerem a localização desse material a bordo e como deve utilizá-
lo em caso de emergência. Rotas de fuga devem estar devidamente sinalizadas e de-
sobstruídas para que a evacuação das pessoas se dê na maior calma possível.
Um plano de manutenção periodicamente preventivo é muito importante, dado que
qualquer equipamento se deteriora ou descendentemente perde a sua eficiência com o
tempo de uso, podendo colocar o sistema como um todo em risco, como ocorreu com o
barco Imagination. A mentalidade preventiva deve prevalecer sobre a avidez por resul-
tado econômico, visto ser a manutenção um investimento e não um custo como se cos-
tuma considerar. Infelizmente, existe uma outra mentalidade que advoga por um investi-
mento em marketing e embelezamento (vide Apêndice), visando atrair a clientela leiga a
embarcar numa aventura náutica que não conhece as suas nuances ou não tem o mesmo
grau de esclarecimento que se espera de um profissional aquaviário sobre eventuais de-
ficiências não evidentes ou ocultas.
Por essa razão exige-se das embarcações que se dispõe a transportar um número
expressivo de pessoas um certificado de conformidade a certas regras de engenharia de
segurança, inclusive do trabalho, a fim de creditar do público leigo que tais embarcações
podem navegar com segurança para o fim que se destinam. Nesse sentido, profissionais
não tripulantes e passageiros ficam amparados pelas mesmas normas protetivas indis-
tintamente, tanto pelas normas de autoridades marítima quanto pelas normas regulamen-
tadoras do Ministério do Trabalho e Emprego, visto que aqueles não exercem as suas
atividades diretamente na operação da embarcação. Portanto, devemos considerar
nesse específico contexto que as normas de autoridade marítimas editada pela Diretoria
de Portos e Costas da Marinha do Brasil devem ser encaradas como um complemento,
61

no que for cabível, às normas regulamentadoras em engenharia de segurança do traba-


lho, em especial a NR 30.
62

REFERÊNCIAS

AUTOSHIP Entidade Certificadora de Embarcações Ltda. Notas Para Arqueação de


Embarcações Narq – 3087/10. Araçatuba: 2010.
BRASIL, República Federativa do. Autoship Entidade Certificadora de Embarcações
Ltda. Certificado de Segurança de Navegação ASCSN 3089B/10. Araçatuba: 2010.
GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. Departamento de Polícia Técnica. Polícia Civil do
Distrito Federal. Inquérito nº 078/2011/10ª DP. Brasília: 2011.
UNIÃO. Diretoria de Portos e Costas. Delegacia Fluvial de Brasília. Inquérito Adminis-
trativo por Fato da Navegação nº 3/2011. Brasília: 2011.
UNIÃO. Diretoria de Portos e Costas. Norma de Autoridade Marítima nº 2 – Normas
da Autoridade Marítima para Embarcações Empregadas na Navegação Interior. Rio
de Janeiro: 2005.
UNIÃO. Diretoria de Portos e Costas. Norma de Autoridade Marítima nº 9 – Normas
da Autoridade Marítima para Inquéritos Administrativos sobre Acidentes e Fatos
da Navegação. Rio de Janeiro: 2003.
UNIÃO. Congresso Nacional. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código
Penal Brasileiro. Distrito Federal: 1940.
UNIÃO. Congresso Nacional. Lei nº 9.537, de 11 de dezembro de 1997. Lei de Segu-
rança do Tráfego Aquaviário em Águas sob Jurisdição Nacional – LESTA. Brasília: 1997.
UNIÃO. Presidência da República. Decreto nº 2.596, de 18 de maio de 1998. Regula-
mento da Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário sob Jurisdição Nacional – RLESTA.
Brasília: 1998.
UNIÃO. Ministério do Trabalho e Emprego. Secretaria de Inspeção do Trabalho. Norma
Regulamentadora nº 9 – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais. Brasília:
2016.
UNIÃO. Ministério do Trabalho e Emprego. Secretaria de Inspeção do Trabalho. Norma
Regulamentadora nº 10 – Segurança em Instalações e Serviços em Eletricidade.
Brasília: 1978.
UNIÃO. Ministério do Trabalho e Emprego. Secretaria de Inspeção do Trabalho. Norma
Regulamentadora nº 13 – Caldeiras, Vasos de Pressão e Tubulações. Brasília: 1978.
UNIÃO. Ministério do Trabalho e Emprego. Secretaria de Inspeção do Trabalho. Norma
Regulamentadora nº 23 – Proteção contra Incêndios. Brasília: 1978.
UNIÃO. Ministério do Trabalho e Emprego. Secretaria de Inspeção do Trabalho. Norma
Regulamentadora nº 30 – Segurança e Saúde no Trabalho Aquaviário. Brasília: 2002.
63

APÊNDICE – Marketing do Barco Imagination

Notícias
Conheça o barco Imagination
Nasce uma parceria entre o IMAGINATION e a ASCADE, a qual certamente será coroada
de sucesso!!!
O IMAGINATION é um barco com 150 metros quadrados, construído e equipado segundo
as normas da marinha mercante, garantindo, assim, toda segurança a seus passageiros. Sua tripula-
ção foi treinada para atender com eficiência, prestar um serviço personalizado e surpreender posi-
tivamente.
Decorado com bom gosto e sofisticação, o IMAGINATION está preparado para realizar os
mais diversos eventos, desde “brunchs” e passeios turísticos até reuniões, confraternizações, ani-
versários, formaturas e casamentos.
No IMAGINATION os clientes se deparam com obras primas do design internacional,
como poltrona Diamante (Bertóia), mesa Tulipa (Saarinen) e cadeiras Panton (Verner Panton).
A iluminação da pista de dança foi projetada para criar um ambiente moderno e o som é de
última geração. O IMAGINATION conta ainda com ampla TV, cozinha de apoio e banheiros lin-
dos, confortáveis e rigorosamente higienizados.
Aqueles que navegam no IMAGINATION passam a ver Brasília com outros olhos, afinal,
o Lago Paranoá é indiscutivelmente o melhor ângulo para se conhecer esta cidade e a ASCADE o
porto de partida e de chegada ideal para esta embarcação, cujo projeto maior é realizar sonhos!!!
Visite o IMAGINATION e conheça a política de preços especiais para os sócios da
ASCADE!!!

Para mais informações: (61) 8616 0661 / (61) 8457 9637

Fale Conosco

Fones: 61 3226-4503
E-mails: contato@ascade.com.br
Endereço: Setor de Clubes Sul, trecho 02, conj. 10
64

LISTA DE ANEXOS
Anexo 01 - Notas para Arqueação de Embarcações emitido pela Certificadora AutoShip
para a embarcação de passageiros Imagination.
Anexo 02 - Relatório de Inquérito Administrativo por Fato da Navegação da Delegacia
Fluvial de Brasília
Anexo 03 – Certificado de Segurança de Navegação ASCSN 3087/10 pela Autoship En-
tidade Certificadora de Embarcações Ltda.
Anexo 04 – Notas fiscais da empresa Vidrato, fornecedora dos vidros temperados insta-
lados no Imagination.
Anexo 05 - Inquérito Policial nº 078/2011/10ª DP

Você também pode gostar