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AULA 1

NEUROCIÊNCIA EDUCACIONAL

Prof. Wagner Allan Cagliumi


CONVERSA INICIAL

Raízes da neurociência: desmistificando a neuroanatomofisiologia –


entender o cérebro para ensinar melhor

É com imenso prazer que usamos este espaço para apresentar um


momento de reflexão sobre a neurociência na educação – esta ciência que
enriquece nossa existência com múltiplas experiências, com inúmeras
possibilidades de exploração, de sentimentos e de sensações. Uma diversidade
de cores, aromas, sabores, dores, flores, folhas e frutos. Mas, sobretudo no
entendimento da diversidade de pessoas, com inúmeras limitações e infinitas
possibilidades.
Esta diversidade, que faz deste planeta uma obra de arte pulsante e
indescritível, também está presente em nossa sala de aula. Entretanto, nestas
circunstâncias, nem sempre compreendemos a infinidade de possibilidades de
aprendizagem, e contemplar ou explorar este inusitado conhecimento que a
neurociência proporciona. O que nos leva, por diversas vezes, à sombra, às
dúvidas e ao medo de fracassar.

CONTEXTUALIZANDO

É com base na diversidade encontrada na maneira de aprender daqueles


que divergem do padrão que este material será construído: apresentaremos uma
interpretação da neurociência dedicada ao ofício do educador, e que tentará
responder, lançando mão de fundamentos científicos, as dúvidas mais comuns
dos educadores acerca do desenvolvimento das habilidades cognitivas.
Ao longo das aulas serão abordados temas tendo em mente a busca da
construção de um espaço interativo, cujos objetivos são facilitar o entendimento
da aprendizagem do ser humano e possibilitar o desenvolvimento de estratégias
que favoreçam sua autonomia e humanizar o ensino como meio de ascender à
cidadania.

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TEMA 1 – FUNDAMENTOS: DESDE O PRINCÍPIO, APRENDENDO PARA
SOBREVIVER

O início desta viagem data dos primórdios do planeta, quando, em um


determinado momento, fatores ambientais como a mistura de elementos químicos
diversos e fenômenos físicos propiciaram uma fusão que deu origem à vida. Desta
forma tivemos os primeiros organismos vivos: os seres unicelulares.
À medida em que os organismos evoluíram de uni para pluricelulares,
células foram se agrupando constituindo tecidos; tecidos foram se desenvolvendo,
formando órgãos especializados, nos quais cada uma das funções era antes
exercida pelas organelas, de tal modo que, em seu conjunto, os organismos
passaram a ser constituídos por sistemas mais ou menos autônomos, porém
interligados.
Deve-se ressaltar que essa evolução ocorreu para que esses organismos
unicelulares pudessem sobreviver ao meio, e essa sobrevivência dependia de que
estes organismos tivessem habilidades mais ou menos complexas de perceber e
responder aos estímulos nocivos deste meio.
Assim inicia-se o processo de aprendizagem, no qual o organismo percebe
tais estímulos e responde com o afastamento ou com algum tipo de defesa; a
partir deste momento, inicia-se um processo que, ainda que rudimentar,
chamaremos de memória.
É claro que estamos falando de processos extremamente primitivos, mas
que nos impulsionam a buscar entender os processos que futuramente nos
parecerão de alta complexidade.
Ao passo em que os seres ficaram mais complexos, tornou-se necessário
um controle central, algum tipo de estrutura responsável pelo controle do trabalho
conjunto de todos os sistemas; um sistema que pudesse receber as informações
tanto dos outros sistemas do próprio organismo quanto do meio exterior, e utilizar
estas informações para manter a sobrevivência, a reprodução, a alimentação, a
excreção e todas as demais funções necessárias para manter o indivíduo vivo e
em boas condições de funcionamento (Schwartzman, 2001).
As células que se especializaram para exercer estas funções
administrativas do conjunto vivo foram denominadas neurônios, que, juntamente
com as células chamadas de gliais, ou neuróglia, passam a constituir o substrato
do tecido nervoso.

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TEMA 2 – NEUROCIÊNCIA CELULAR: NEURÔNIOS – GERENTES DA VIDA

Iniciaremos o estudo dos neurônios, as células que no processo evolutivo


se especializaram a fim de gerenciar todo o organismo e sua relação com o meio
ambiente. É imperioso entendermos como funciona um neurônio para podermos
nos inteirarmos, mais adiante, de processos como a aprendizagem, e de outras
funções nervosas superiores, bem como de distúrbios e deficiências.
Temos em nosso organismo aproximadamente 85 bilhões de neurônios,
dez vezes mais células da glia, ou neuróglia, que estudaremos futuramente.
A unidade funcional do tecido nervoso é o neurônio, ainda que as células
da glia desempenhem um papel significativamente importante em todos os
processos do sistema nervoso, inclusive em funções executivas, como o
pensamento, o planejamento e o julgamento. Até recentemente considerava-se
que as funções destas células eram secundárias às do neurônio.
Os neurônios são células que basicamente constituem-se de corpos
celulares e organelas como as demais, porém com prolongamentos denominados
dendritos – que trazem estímulos do exterior da célula para o corpo celular e
estímulos sensoriais (ou aferentes) – e um prolongamento que leva os estímulos
do corpo celular para fora, estímulos eferentes ou motores, chamado de axônio.
Apesar destes nomes a princípio nos parecerem difíceis, se levarmos em
consideração sua etimologia, perceberemos que sua nomenclatura está
estritamente relacionada à sua forma ou função.
“Dendrito”, do grego dendro, significa “ramo” ou “árvore”, devido à forma
que estes prolongamentos possuem. Axônio, por sua vez, deriva de axis, que
significa “eixo”, pois realmente este é o eixo do neurônio.
Os neurônios se comunicam com outros neurônios ou outros tecidos ou
glândulas por meio da sinapse – cuja etimologia vem de sin (“junto”), e apse
(“como”) – ou seja: “como se fosse junto”, pois há um pequeno espaço entre as
células onde ocorrerá a transmissão do impulso.
Cada neurônio pode estabelecer em média 1.500 sinapses, sendo que em
alguns locais, como no cerebelo, alguns neurônios, denominados células de
Purkinje, chegam a estabelecer cerca de 300 mil sinapses (Annunciato, 2002).
Estas sinapses podem ocorrer de forma química – por meio de
neurotransmissores (os quais estudaremos adiante); de forma elétrica – sem a

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presença de neurotransmissores; e até mesmo por sinapses gasosas, que
ocorrem por meio de gases específicos, como NO e CO.
Ainda no neurônio encontraremos, na porção final do axônio, o botão
sináptico, no qual poderá ser percebida a presença de vesículas contendo os
neurotransmissores.
Sabemos que todas as células estão em um meio líquido, assim como há
presença de líquidos internamente. O líquido que está fora da célula é chamado
de líquido extracelular (LEC), e o do meio interno denominamos líquido intracelular
(LIC).
No líquido extracelular há predominantemente uma carga positiva; já no
líquido intracelular, há uma carga negativa. A este fenômeno denominamos
polarização, o que significa que as células são polarizadas.
A forma como ocorre a transmissão do impulso no neurônio depende
basicamente da despolarização e repolarização da célula, o que se realiza quando
um estímulo atinge algum local da membrana celular, fazendo com esta mude sua
permeabilidade, permitindo a entrada de íons positivos no meio intracelular;
consequentemente, como tudo tende a um equilíbrio, a célula irá se repolarizar,
gerando um novo impulso no neurônio subsequente.

TEMA 3 – SISTEMA NERVOSO: BASES ANATÔMICAS

Atenção “neurocuriosos”: neste Tema estudaremos o sistema nervoso


humano, suas principais divisões e também as funções predominantes de cada
estrutura, o que nos dará base para que possamos entender as funções nervosas
superiores, como emoção, pensamento, planejamento, julgamento e linguagem,
dentre outras.

3.1 Divisão do sistema nervoso: partes de um todo indivisível

Como todas as estruturas do corpo humano – e para facilitar o seu estudo


– o sistema nervoso foi dividido didaticamente em partes para uma maior
compreensão. Entretanto é importante ressaltar que o ser humano é um todo, e,
independentemente da área que o estude, deve sempre ser visto como um
conjunto. Ademais, devemos levar em conta que, ainda que estejamos estudando
as neurociências, essa só terá seu devido valor quando entendida para alguém, e
não para algo.

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A divisão anatômica do sistema nervoso se dá em sistema nervoso central
e sistema nervoso periférico. Funcionalmente temos também o sistema nervoso
autônomo ou, como alguns neurocientistas preferem, sistema nervoso vegetativo.
Já comentamos que as respostas dos seres vivos passam por três grandes
eixos, ou seja, uma aferência – encaminhamento da informação; um
processamento desta informação e, finalmente, a resposta à informação.
Desta forma, pode-se dizer que o sistema nervoso central é a estrutura que
processa a informação. Sua localização está no neuroeixo, estrutura envolvida
pelos ossos do crânio e em conjunto com a coluna vertebral; já as estruturas que
se projetam fora do neuroeixo formarão o sistema nervoso periférico.
O sistema nervoso central é composto por cérebro, cerebelo e tronco
encefálico de medula espinal. O cérebro é dividido em telencéfalo e diencéfalo; o
tronco encefálico é dividido em mesencéfalo, ponte e bulbo. O conjunto formado
por cérebro, cerebelo e tronco encefálico denomina-se encéfalo.
Gostaríamos de salientar que na mídia em geral, fala-se muito de cérebro,
como se fosse a única estrutura responsável pelas funções nervosas superiores;
entretanto, principalmente nas últimas décadas, há evidências de que a
participação de cerebelo e tronco encefálico nestas funções é significativa. Por
isso, ao longo deste material pretendemos dar a merecida importância a estas
estruturas.
Ressaltamos a importância de nos familiarizar com estes nomes todos, com
sua localização e, principalmente, com suas possíveis funções, para que
possamos entender como ocorrem determinados processos em nossos alunos,
desde a leitura e escrita até algumas respostas comportamentais.

3.2 Encéfalo

O encéfalo constitui-se de 80% de água, 10% de lipídios, 8% de proteínas


e 2% de outros materiais, com um volume de aproximadamente 1.350 cm, sendo
estruturalmente composto de substância cinzenta (corpos neuronais) – córtex – e
substância branca (axônios mielinizados).
Possui capacidade computacional de 1.013 a 1.016 operações por
segundo, o que equivale a aproximadamente às operações realizadas por 10 mil
computadores Apple 64.

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3.3 Córtex cerebral

O cérebro está dividido em dois hemisférios: direito e esquerdo, com


possíveis diferenças funcionais.
Ele é recoberto por um manto, que estirado tem aproximadamente 2 metros
quadrados com 4 mm de espessura denominado córtex – do latim “casca” – e é
dividido por 5 lobos: frontal, parietal, temporal e occipital, visíveis externa e
internamente; sob o lobo temporal observa-se o lobo insular (ou da ínsula), que
como o próprio nome diz, “ilha”, isto é: trata-se de um lobo isolado dos demais.
O córtex cerebral, nos hominídeos, cresceu continuamente nos últimos 4,4
milhões de anos e, em seu desenvolvimento, ganhou uma infinidade de sulcos
para permitir que o cérebro esteja suficientemente compacto para caber na calota
craniana, que não acompanha o seu crescimento. Por isso, no cérebro adulto,
apenas 1/3 de sua superfície fica "exposta” – o restante permanece por entre os
sulcos.
Em seguida, discutiremos as funções predominantes de cada lobo;
utilizamos a palavra predominantes, pois nas neurociências termos como
absolutamente, exclusivamente, sempre e nunca nos levam frequentemente a
equívocos, pois ainda há muito a ser desvendado sobre este sistema.

TEMA 4 – SISTEMA NERVOSO: BASES FISIOLÓGICAS

4.1 Os lobos cerebrais: funções divididas em subfunções

Conheceremos agora os cinco lobos cerebrais e suas funções


predominantes. Podemos dizer que as funções gerais do córtex cerebral são o
pensamento, o julgamento, a antecipação, os movimentos voluntários, a
linguagem e a percepção.
Cada lobo tem determinadas responsabilidades em funções específicas.
Vejamos o lobo occipital, por exemplo: é conhecido por suas relações com a
visão; neste lobo encontramos as áreas visuais responsáveis pela recepção da
informação visual, pela análise da imagem e pela busca na memória nas fibras de
associação.
O lobo parietal, por sua vez, está relacionado às áreas somato-sensoriais,
áreas de percepção espacial, de imagem corporal e de associação polimodal –

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áreas estas presentes em todos os lobos, corroborando para a ideia de
interdependência de todas as funções do sistema nervoso.
Abaixo do lobo parietal, está o lobo temporal, conhecido por suas áreas
auditivas, de aquisição, de memória visual, de memória geral e também o córtex
de associação polimodal. Este é um lobo importante nas relações de leitura – ao
estudarmos as dislexias, voltaremos a citar estas áreas.
Um lobo quase não citado na literatura é o lobo da ínsula, área cortical
que pode ser vista abaixo do lobo temporal, relacionado ao olfato.
Finalmente temos o lobo frontal, relacionado ao planejamento,
pensamento, imaginação, avaliação e considerações. Neste lobo podemos
encontrar as áreas motora, pré-motora, motora suplementar (área descrita
somente em 1988, com o auxílio de novas tecnologias de neuroimagem) e uma
grande área denominada córtex de associação pré-frontal, também conhecida por
área pré-frontal. O lobo frontal foi uma das áreas encefálicas que mais cresceu no
ser humano nos últimos milhões de anos. Esta área está relacionada, dentre
inúmeras funções, à inibição de respostas primitivas; em estudos recentes, é
considerada uma das áreas envolvidas no Transtorno de Déficit de Atenção e
Hiperatividade (TDAH).
Os lobos têm responsabilidades distintas em determinadas funções.
Entretanto, devido às inúmeras fibras de projeção intra-hemisféricas, fibras de
associação inter-hemisféricas e as áreas de associação que estão distribuídas em
todo o córtex cerebral, não podemos deixar de salientar que a resposta funcional
final é dependente de praticamente todas as áreas encefálicas.

4.2 Sistema límbico: primitivo, porém sofisticado

O sistema límbico é um complexo de estruturas localizadas ao redor do


tálamo e abaixo do córtex cerebral. Este complexo estrutural está
significativamente implicado nos processos emocionais, ainda que as emoções
estejam relacionadas ao sistema nervoso por completo. Este sistema é composto
pelo hipotálamo, glândula pituitária, amígdala e hipocampo, estruturas que serão
brevemente descritas neste artigo.
O hipotálamo é uma pequena estrutura localizada abaixo do tálamo, e está
relacionado principalmente com a homeostase, processo de ajuste corporal
relacionado à regulação da fome, sede, resposta à dor, níveis de prazer,
satisfação sexual, ira e comportamento agressivo, dentre outros. Regula também

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o funcionamento do sistema nervoso autônomo, estando então implicado na
regulação da pressão sanguínea, respiração, batimento cardíaco e ativação
fisiológica nas respostas referentes a circunstâncias emocionais.
Estudos recentes indicam que há uma proteína, a leptina, que é liberada
quando comemos de forma demasiada. O hipotálamo aparentemente percebe os
níveis de leptina na corrente sanguínea e responde com a queda da sensação de
apetite. Sugere-se que algumas pessoas têm uma mutação genética em um gene
que produz a leptina e seu corpo não envia a mensagem para o hipotálamo
informando que já se comeu o suficiente, o que dá origem a uma hipótese para a
obesidade, ainda que muitos obesos não apresentem esta mutação genética, o
que leva mais uma vez, ao cuidado com afirmações absolutas quando falamos
sobre o sistema nervoso.
O hipotálamo também está química e neurologicamente relacionado com a
glândula pituitária, conhecida como a glândula mestra. Esta glândula libera
hormônios relacionados à regulação do crescimento e do metabolismo.
O hipocampo consiste de duas estruturas que formam uma curva partindo
da amígdala. Está significativamente relacionado à conversão de memória
imediata em memória de longa duração. Pesquisas demonstram que quando o
hipocampo é lesionado o indivíduo não consegue construir novas memórias, como
se tudo o que fosse experimentado desaparecesse após algum tempo; entretanto,
não se perde o acesso a memórias mais antigas.
As amígdalas são estruturas em forma de amêndoas situadas em ambos
os lados do tálamo, no extremo inferior do hipocampo. Quando estimuladas
eletricamente em animais, estes respondem com agressividade. Por outro lado,
quando as amígdalas são extirpadas, os animais se tornam extremamente dóceis
e não respondem a estímulos que lhes causariam raiva e medo, além de haver
diminuição das respostas sexuais. Vale ainda lembrar que amígdalas são
estruturas pertencentes ao sistema límbico – diferentemente das popularmente
conhecidas amígdalas presentes na garganta, cuja denominação correta é
tonsilas palatinas.

4.3 Cerebelo: nosso pequeno cérebro

As tradicionais abordagens neurobiológicas afirmam que o cerebelo é a


parte do encéfalo responsável pela manutenção do equilíbrio e postura corporal,
controle do tônus muscular e dos movimentos voluntários, bem como pela

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aprendizagem motora. É formado por dois hemisférios – os hemisférios
cerebelares – e por uma parte central, chamada de verme cerebelar. O termo
cerebelo deriva do latim, e significa "pequeno cérebro".
Estudos atuais indicam que o cerebelo, por meio de circuitos cérebro-
cerebelares – projeções entre o cerebelo e diferentes áreas do córtex cerebral –
tem participação relevante em funções como atenção, linguagem e outros
aspectos da cognição.
Pode-se dizer que um grande marco no estudo do cerebelo envolvendo
funções cognitivas se deu na década de 1980, quando um pesquisador chamado
Erick Courchesne, da Universidade da Califórnia (San Diego, EUA), em suas
investigações neuroanatomofuncionais relacionadas ao autismo infantil, percebeu
que não haveriam alterações no córtex cerebral de autistas, mas sim em seus
cerebelos.
Vejam que o cerebelo até então, nas abordagens tradicionais, aparece
como uma estrutura relacionada a funções motoras e de equilíbrio, e nenhuma
destas funções é descrita como alterada no autismo infantil – distúrbio
caracterizado pelo prejuízo em três áreas do desenvolvimento: interação social,
comunicação e presença de comportamento restrito e repetitivo, nenhuma das
áreas com referências motoras significativas.
Então qual seria a relação entre cerebelo e autismo?
Courchesne e seus colaboradores sugerem que a relação estaria implicada
em funções não motoras para o cerebelo. Esta pesquisa desencadeou uma série
de outros estudos no mundo todo, reconsiderando o cerebelo como estrutura
envolvida em processos nervosos superiores.
Podemos citar o envolvimento do cerebelo em funções como linguagem,
atenção seletiva, memória, e também em distúrbios como transtorno de déficit de
atenção e hiperatividade e autismo infantil. Além disso, são descritas duas
síndromes cerebelares cujas manifestações predominantes não são de origem
motora: a síndrome cerebelar afetivo-cognitiva, caracterizada por manifestações
comportamentais, e a síndrome da fossa posterior, caracterizada principalmente
por mutismo após cirurgias do cerebelo.
O objetivo, neste momento, é apenas o de apresentar o cerebelo sem
cometer a injustiça de relacioná-lo somente a funções motoras e de equilíbrio, e
demonstrar que, como as demais estruturas do sistema nervoso, suas funções
são complexas e interdependentes.

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4.4 Tronco encefálico: passagem para a vida

O tronco encefálico é uma estrutura do sistema nervoso central relacionada


predominantemente às funções mais primitivas, ou seja, aquelas que controlam a
manutenção da vida, como a respiração, os batimentos cardíacos e o estado de
vigília-sono. Contudo, pesquisas recentes indicam que o tronco encefálico possui
uma importante relação com uma função nervosa superior: a atenção, como
veremos logo adiante.
Anatomicamente, o tronco encefálico é dividido em mesencéfalo, ponte e
bulbo, e está localizado anteriormente ao cerebelo. Suas funções gerais
consistem em receber informações sensitivas de estruturas cranianas, controlar
os músculos da cabeça, transmitir informações da medula espinal para outras
regiões do encéfalo, e deste para a medula espinal, além de desempenhar
funções motoras e sensitivas específicas.
Na região do tronco encefálico há um cruzamento de projeções nervosas,
que fazem com que o lado esquerdo do cérebro controle os movimentos do lado
direito do corpo, e o lado direito do cérebro controle o lado esquerdo. Além disso,
ele faz conexão com 10 dos 12 nervos cranianos.
O tronco encefálico está relacionado também a outra função –
particularmente interessante para nós educadores – a regulação da atenção, por
meio da formação reticular.
A formação reticular é a agregação de neurônios de tamanhos e tipos
diferentes, separados por uma rede de fibras nervosas e está localizado na parte
central do tronco encefálico.
As grandes vias ascendentes (que levam informações) e sistemas como o
piramidal e visual, passam pela formação reticular, o que demonstra que esta
estrutura tem importância significativa em processos nervosos superiores.
A formação reticular está relacionada ao estado de sono e vigília, pois ela
é capaz de ativar o córtex cerebral a partir do sistema ativador reticular
ascendente (SARA). Além disso, contém mecanismos capazes de regular o sono
de forma ativa. O sono não é homogêneo: possui vários estágios, entre estes está
o sono paradoxal (ou sono REM, chamado assim pelo fato de os olhos se
moverem rapidamente, e ainda que o indivíduo esteja em sono profundo, é nesta
fase que ocorrem os sonhos, e estudos recentes relacionam este sono com a
capacidade de transformar a memória imediata em memória de longa duração).

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Por esta estrutura ser um filtro de informações que deve ter acesso ao
córtex cerebral, há evidências que esteja relacionada ao transtorno de déficit de
atenção e hiperatividade (TDAH), pois teoricamente, não faria corretamente a
“filtragem” de estímulos que chegam ao córtex, levando o indivíduo acometido por
este distúrbio a não selecionar adequadamente o que explora em sua atenção.
Na prática, é como se a pessoa não conseguisse diferenciar a importância de um
professor falando e um ruído que esteja ocorrendo fora da sala de aula.

4.5 Sistema vestibular e equilíbrio

A capacidade do ser humano de manter a postura ereta e de se mover


sobre o solo se desenvolveu ao longo de milhares de anos.
Como parte deste processo evolucionário, diversos sistemas
neuromusculares e neurossensoriais foram gerados para indicar com precisão a
correta orientação espacial de um indivíduo, sua postura, sua relação com o meio
e sua locomoção.
O sistema vestibular detecta a posição da cabeça no espaço; isto é,
determina se ela está ereta com relação à força gravitacional da Terra, se está
jogada para trás, voltada para baixo, ou em outra posição. Detecta também as
mudanças bruscas de movimento. Para a execução dessas funções, o aparelho
vestibular divide-se em duas secções fisiologicamente distintas: a mácula do
utrículo e do sáculo e os canais semicirculares.
O sentido de equilíbrio depende de grupos de células sensoriais ciliadas
localizadas na parede interna do sáculo e utrículo e na base dos canais
semicirculares. As fibras nervosas que partem dessas células sensoriais levam
informações sobre a posição relativa dos cílios até os centros de equilíbrio no
encéfalo.
Quando a cabeça se movimenta, a inércia do líquido no interior dos canais
semicirculares exerce pressão sobre os cílios das células sensoriais. A pressão
faz com que os cílios se curvem, estimulando as células sensoriais a gerar
impulsos nervosos e transmiti-los ao encéfalo.
A sensação de tontura que sentimos quando rodopiamos resulta do conflito
de duas percepções: os olhos informam ao sistema nervoso que paramos de
rodopiar, mas o movimento do líquido dos canais semicirculares da orelha interna
informa que nossa cabeça ainda está em movimento.

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4.6 Neurotransmissores: a química cerebral

Muitos de nossos comportamentos são guiados pela “química” cerebral, ou


seja, a neurobioquímica, um universo tão apaixonante que cremos que “haverá
uma química entre vocês e esse conhecimento”.
Nossos movimentos, pensamentos, memória e até mesmo gostos estão
relacionados a pequenas moléculas geralmente produzidas pelos neurônios, que
sinalizam e estimulam grupos de neurônios, os quais, por sua vez, processam e
respondem ao estímulo às quais denominamos de neurotransmissores.
Os neurotransmissores são formados de substâncias que servem como
meio de comunicação entre as células do cérebro. Estimulam a continuidade de
um impulso ao efetuar a reação final no órgão ou músculo-alvo permitindo a
comunicação celular cerebral.
Quando um sinal elétrico passa por um neurônio e atinge o terminal pré-
sináptico, um ou mais neurotransmissores podem ser liberados na sinapse. A
partir daí, existem receptores pós-sinápticos no outro neurônio aos quais os
neurotransmissores se ligam. Todo esse processo é chamado de transmissão
sináptica.
Os neurotransmissores são conhecidos por promovem respostas
excitatórias ou inibitórias entre neurônios que se comunicam por sinapses
químicas. Eles podem ser excitatórios (provocam a despolarização da
membrana pós-sináptica), ou inibitórios (promovem a hiperpolarização da
membrana pós-sináptica).
Muitas drogas impactam o sistema nervoso alterando a atividade desses
neurotransmissores de várias formas. Essas podem afetar a produção, o
armazenamento, a liberação ou a desativação de neurotransmissores, e podem
também bloquear os receptores ou conseguir se ligar a eles por serem parecidos
com neurotransmissores.
Problemas relacionados aos neurotransmissores podem resultar em
cansaço, insônia, ganho de peso, ansiedade, prejuízos cognitivos, entre outros.
Existem vários tipos de neurotransmissores. Entre os mais conhecidos estão:

 Acetilcolina: sua função é estimular a propagação dos impulsos nervosos


das células nervosas para células motoras e músculos esqueléticos. Essa
molécula está relacionada ao controle do tônus muscular, aprendizado e
desempenho sexual.

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 Endorfina: Esse neurotransmissor relaciona-se a sentimentos como
euforia e êxtase. Esse neurotransmissor atua também aliviando a sensação
de dor e reduzindo o estresse.
 Dopamina: A função da dopamina está relacionada com o local onde ela
atua. Assim como a endorfina, essa molécula também está relacionada
com a euforia e, além disso, apresenta ligação com a execução de
movimentos suaves e regulação das informações advindas das diferentes
partes do cérebro.
 Noradrenalina: Esse neurotransmissor é responsável pela excitação física
e mental, bem como é conhecido por promover o bom humor produzido no
locus coeruleus, atuando como mediador dos batimentos cardíacos,
pressão sanguínea e conversão de glicogênio em energia, entre outros.
 Serotonina: Esse neurotransmissor relaciona-se, por exemplo, com
estímulos dos batimentos cardíacos, regulação dos níveis de humor e início
do sono.
 Ácido Gama Amino Butírico (GABA): O principal neurotransmissor
inibitório do encéfalo. O processo inibitório ocorre quando o GABA se liga
ao receptor, permitindo dessa forma a entrada de cloro para dentro da
célula. Responsável pela sintonia fina e coordenação dos movimentos
entre outros.
 Glutamato: Principal neurotransmissor excitante do cérebro, vital para
estabelecer os vínculos entre os neurônios que são a base da
aprendizagem e da memória em longo prazo. A atuação do glutamato é
fundamental no processo de memória.

TEMA 5 – BASES DA NEUROPLASTICIDADE

Neuroplasticidade cerebral é uma característica do sistema nervoso.


Refere-se à capacidade do cérebro de se readaptar, alterando algumas das
propriedades morfológicas e funcionais em resposta ao ambiente.
Está relacionado ao processo de aprendizagem e é fundamental para
qualquer atividade que gere um estímulo criativo, o qual faz com que o cérebro se
torne flexível e mutável.
Quando acontece um estímulo inicial ou adquirido, o controle motor é
acionado, ou seja, esse estímulo recebido é maximizado para que se torne um
aprendizado.
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O cérebro é adaptável durante toda a vida do indivíduo. Porém a
neuroplasticidade é um processo que ocorre mais facilmente na infância devido
ao maior crescimento de neurônios e a capacidade de aprendizagem e, com o
passar do tempo, esse processo tende a diminuir, mas não chega a desaparecer.
No passado acreditava-se que o cérebro possuía uma capacidade limitada
de regeneração, e que ao alcançar certa idade, ou devido a doenças, o indivíduo
teria uma diminuição de células cerebrais, perdendo assim funções importantes.
No entanto, com o avanço tecnológico principalmente a partir da década de 1970,
constatou-se que a plasticidade promove novas interações entre neurônios,
criando novos caminhos neurais, modificando toda a rede de conexão. Podemos
dizer que uma célula, com capacidade de aprender e de executar funções
distintas, pode se modificar e se adaptar como resultado da experiência. Quando
uma área cerebral imprescindível para o funcionamento do sistema é afetada, esta
poderá ser substituída, mesmo sendo de função diferente.
Em outra perspectiva, podemos dizer que na presença de lesões, o sistema
nervoso central se utiliza desta capacidade na tentativa de recuperar funções
perdidas ou, principalmente, fortalecer funções similares relacionadas às originais.

5.1 Formas de neuroplasticidade

Vamos apresentar a seguir, algumas das formas descritas da ocorrência


da plasticidade cerebral:

 Regenerativa: consiste no recrescimento dos axônios lesados. É mais


comum no sistema nervoso periférico;
 Axônica (ou ontogenética): ocorre de zero a dois anos de idade. É a fase
crítica, fundamental para desenvolvimento do sistema nervoso;
 Sináptica: capacidade de alterar a sinapse entre as células nervosas;
 Dendrítica: alterações no número, no comprimento, na disposição espacial
e na densidade das espinhas dendríticas. Ocorre principalmente nas fases
iniciais do desenvolvimento do indivíduo;
 Somática: capacidade de regular a proliferação ou a morte de células
nervosas. Somente o sistema nervoso embrionário é dotado dessa
capacidade.

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Vejam que o processo de plasticidade das células nervosas pode ser
considerado um marco na neurociência, principalmente quando pensamos nas
infinitas possibilidades do desenvolvimento humano.
A neuroplasticidade é um precioso conhecimento para a educação. Com
base neste conhecimento, podemos ter um novo “olhar” para a diversidade, que
nos permite perceber a enorme possibilidade de desenvolvimento no ser humano.
Por maiores que sejam as limitações, ao oferecermos um meio ambiente
favorável, o conjunto biológico fará sua parte para responder adequadamente a
este meio, em um contínuo processo de evolução e adaptação.

FINALIZANDO

Nesta primeira aula pudemos percorrer um pouco pelo universo da


anatomia e do funcionamento do sistema nervoso humano. Conhecemos a
evolução filogenética e observamos que o desenvolvimento de estruturas
nervosas foi uma resposta aos estímulos do meio ambiente. Estudamos ainda a
divisão anatômica do sistema nervoso humano e suas principais estruturas. Esse
conhecimento trouxe subsídios para o entendimento das principais funções
nervosas e da bioquímica envolvida. Abordamos também as bases da
neuroplasticidade, de grande importância para nós educadores, que passamos a
entender a capacidade de adaptação neural como resposta ao ambiente de
estímulos.

LEITURA OBRIGATÓRIA DA DISCIPLINA

Texto de abordagem teórica

O texto que devemos estudar para esta aula tem uma abordagem bastante
didática da divisão do sistema nervoso central e suas funções. Você deverá
realizar a leitura do capítulo 11.
VAN DE GRAAFF, K. M. Anatomia humana. 6. ed. Barueri: Manoele, 2003.
Disponível em: <http://uninter.bv3.digitalpages.com.br/users/publications/978852
0413180>. Acesso em: 30 ago. 2018.

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Texto de abordagem prática

Esta aula básica lhe proporcionará um entendimento prático da


funcionalidade do sistema nervoso central.
GOULART, F. Neurotransmissão: sinapses. Disponível em:
<http://www.marilia.unesp.br/Home/Instituicao/Docentes/FlaviaGoulart/Aula_basi
ca%20_SNC.pdf>. Acesso em: 29 ago. 2018.

Saiba mais

O documentário produzido pela rede Discovery Channel ilustrará nossa


aula de maneira bastante agradável.
SISTEMA nervoso – completo – Discovery Channel – Ciências Já! Ciências Sem
Fronteiras, 4 dez. 2015. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=eXr-
vO03c1Q>. Acesso em: 29. ago. 2018.

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REFERÊNCIAS

AMABIS, J. M. Biologia em contexto. 1. ed. São Paulo: Moderna, 2013.

GOULART, F. Neurotransmissão: sinapses. Disponível em


<http://www.marilia.unesp.br/Home/Instituicao/Docentes/FlaviaGoulart/Aula_basi
ca%20_SNC.pdf>. Acesso em: 29 ago. 2018.

ANNUNCIATO, N. F. Desenvolvimento do sistema nervoso. Temas sobre


Desenvolvimento, v. 4, n. 24, São Paulo: Mennon, 1995.

BITTENCOURT, S. Neuromoduladores e neurotransmissores, noção geral.


Disponível em: <http://www.neurofisiologia.unifesp.br/neuromoduladores_nocaog
eral_simonebittencourt.pdf>. Acesso em: 29 ago. 2018.

CAGLIUMI, W. A. Cerebelo: revisão de estudos neuro-anátomofuncionais


relacionados aos aspectos não motores. Dissertação (Mestrado em Medicina).
Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2002.

GUYTON, A. C. Neurociência básica, anatomia e fisiologia. Rio de Janeiro:


Guanabara Koogan, 1993

KING, M. W. Neurotransmissores: diversidade e funções. Cérebro & mente,


2000. Disponível em: <http://www.cerebromente.org.br/n12/fundamentos/neurotr
ansmissores/nerves_p.html>. Acesso em: 30 ago. 2018.

LENT, R. Cem bilhões de neurônios: conceito fundamentais de neurociência. 2.


ed. Rio de Janeiro: Atheneu; Faperj, 2010.

MACHADO, A. Neuroanatomia funcional. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2002.

SCHARTZMAN, J. S. Transtorno de déficit de atenção. São Paulo, Memnon;


Mackenzie, 2001.

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