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UNIDADE 2

Construção do texto

Objetivos de aprendizagem
„„ Identificar as condições em que um
conjunto de enunciados constitui um todo
organizado de sentido, o texto.

„„ Conhecer os elementos constitutivos de


gramaticalidade e de textualidade.

„„ Caracterizar o gênero textual redação oficial.

„„ Conhecer o seu próprio fazer como


autor de textos em geral.

„„ Conhecer o seu próprio fazer como autor de textos


agrupados sob a designação de redação oficial.

Seções de estudo
Seção 1 O texto: aspectos introdutórios à redação oficial

Seção 2 O texto linguístico e os seus elementos


constitutivos de gramaticalidade

Seção 3 O texto linguístico e os seus elementos


constitutivos de textualidade
Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


Inicialmente, vamos nos deter no texto verbal.

Nosso foco estará posto em qualidade.

E então:
O que faz um texto ser bom?
Um texto é bom por garantir a expressão de uma
intenção comunicativa?
Um texto é bom por ter sido escrito ‘bonito’?
(Aliás, o que seria um texto bonito, mesmo?!!)

Em princípio, o texto existe para cumprir sua finalidade.


Como tal, deverá veicular, adequadamente, a intenção
do autor.
Está aí uma das chaves da qualidade.

Você vai ver estas afirmações detalhadas e complementadas nas


seções que seguem.

Seção 1 – O texto: aspectos introdutórios à redação oficial

Quantas vezes você ouviu orientações como esta, na


escola e em casa: Tem de caprichar mais na escrita!

Para atender a tais orientações, você deveria, antes, poder


conceituar com clareza o que é escrita.

Vale a pergunta, então:

— Você conseguia/consegue definir para si mesmo/a o que é escrita?

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Uma sucinta noção de escrita


Apenas introdutoriamente,

a) caso se escolha uma visão mecanicista de escrita, pode‑se


dizer que se trata de uma tecnologia de comunicação
criada pelo homem – uso de sinais, de símbolos, para
registrar ideias em determinado suporte: papel, madeira,
vidro, etc.;

b) a visão funcional pode fazer concluir que a escrita como


tecnologia tem aplicabilidade na produção de textos verbais;

c) já, do ponto de vista biossocial, o papel da escrita não se


limita a ser registro: é, também, transcrição. Entenda‑se
que, nesta acepção, o pensamento é entendido como uma
função do cérebro humano e ligado com a linguagem
– forma da sua expressão material, ao dar a conhecer a
realidade imediata da ideia.

A escrita é, assim, uma prática inteligente e está posta


ao redator e ao leitor potencial. É fundamental ao
desenho da cultura humana.

Com o aparecimento da forma escrita, fortaleceu‑se a


identidade dos grupos sociais, foi possível entender a
evolução humana no seu todo e estabelecer relações entre
os diferentes grupos sociais. [...]

O desenvolvimento da escrita foi também um instrumento


essencial para a evolução da ciência e um sintoma do
aparecimento da nova estrutura econômica, social e
política: a cidade [...] (GOMES, 2011, site).

Entretanto gera dificuldades ao ato da escrita, o


fato de o autor ter de expressar conteúdos sem o
apoio da situação (como, por exemplo, a presença
do interlocutor, o tempo e o lugar da enunciação,
conforme ocorre com a fala). (BASTOS, 1992).

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Neste sentido, Faraco e Mandryk (2008, p.12) ainda completam:


“O ato de escrever é como que um diálogo a distância, uma
conversa sem a presença do outro [...] e, para superarmos esta
dificuldade, acabamos assumindo o papel de autor e o de leitor.
Temos de escrever e, imediatamente, julgar o (nosso) texto,
assumindo, agora, a função de leitor.”

Em seu caso, como você vê o texto que acabou de


escrever? Você gosta deles em geral?

Use o espaço a seguir para a análise:

Falamos das complexidades, vamos voltar às questões da qualidade.

A propósito, veja o que dizem Faraco e Mandryk:

[...] a qualidade maior de um texto escrito é a clareza: não


devemos poupar esforços neste sentido. O leitor não deve
ter dificuldades de compreender o que estamos querendo
transmitir. (De outro modo) a comunicação poderá
frustrar‑se. (FARACO e MANDRYK, 2008, p. 12‑13).

Vamos cuidar destas afirmações aplicadamente, então, estudando


aspectos de textualidade e gramaticalidade em próximas seções.

Rememorando:
usamos a escrita para redigir textos; nosso objetivo é escrever
textos qualificados.

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Língua Portuguesa e Redação Oficial

Mas o que é um texto, afinal?


Você já tem uma concepção pessoal do que seja um texto?

Uma sucinta noção de texto


[...] a palavra texto veio do verbo latino texere, que
significava tecer. O que ocorreu foi a extensão do sentido
de tecer para o ato de escrever – uma imagem, aliás,
muito bonita: quando nos pomos a escrever um texto é
como se nos sentássemos ao tear para produzir um tecido.

Ao tecer não apenas juntamos os fios; é preciso construir


uma trama, ou seja, é preciso entrelaçar os fios de modo
a garantir a unidade do todo. Assim também ao escrever:
não basta juntar sentenças; é preciso entrelaçá‑las num
todo. (FARACO et MANDRYK, 2008, p.171).

Segundo Cereja (1999, p.30), “Texto (verbal) é uma


unidade linguística concreta, percebida pela audição (na
fala) ou pela visão (na escrita), que tem unidade de sentido e
intencionalidade comunicativa.”

Daí se deduzir que:

1. tanto quando se fala, como quando se escreve,


produzem‑se textos;

2. o texto exige determinadas habilidades do falante (texto


oral) e do redator (texto gráfico).

E quais seriam estas habilidades?

Faraco e Mandryk as enumeraram, especificamente no contexto


do texto escrito. Vamos analisá‑las?

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Roteiro para redigir um texto


[...] Estes pontos estão aqui para servir como um roteiro das
opções que você deve sempre fazer, antes de se pôr a escrever
um texto.
„„ Para que um conjunto de sentenças constitua um bom
texto, é fundamental que haja:
a) unidade temática (o conjunto deve tratar do
mesmo assunto);
b) unidade estrutural (o conjunto deve ter boa
sequência de ideias e boa costura entre as partes).
„„ Para planejar um texto, é importante responder com
clareza às seguintes questões:
a) Sobre que vou escrever? (assunto);
b) Para quem vou escrever? (destinatário);
c) Com que finalidade? (objetivo).
„„ Depois disso:
a) tendo em vista meu(s) destinatário(s), meu(s)
objetivo(s) e tudo que sei sobre o assunto:
— Quais as informações mais relevantes que
devem estar em meu texto? (seleção de ideias);
— Qual a melhor sequência para estas ideias?
(o que colocar na abertura do texto; como dar
continuidade ao texto; o que reservar para o
fechamento do texto?)
„„ Ao escrever:
a) Cuidar para que todas as partes estejam
harmonicamente costuradas.
Fonte: Faraco e Mandryk (2008, p.188).

Tantos conceitos revistos, diga então: que relações


você já consegue estabelecer entre seus atuais
conhecimentos sobre Linguagem e Língua e a
Redação Oficial, objetivamente?

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Faça as suas anotações neste espaço abaixo e confira com as


disposições adiante.

1. Sabemos que a Redação Oficial é a maneira pela qual o


Poder Público redige atos normativos e comunicações.

2. A qualificação deste tipo de redação passa pela


impessoalidade, pelo uso do padrão oficial de linguagem,
pela clareza, concisão, formalidade e uniformidade.

Fundamentalmente esses atributos decorrem da Constituição


Federal, que dispõe, no artigo 37: ‘A administração pública
direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência [...]’. Sendo a publicidade
e a impessoalidade princípios fundamentais de toda
administração pública, claro está que devem igualmente
nortear a elaboração dos atos e comunicações oficiais.
(MANUAL DE REDAÇÃO DA PRESIDÊNCIA DA
REPÚBLICA, BRASIL, 2002).

3. Mais: ao redigir este tipo de texto, você vai lembrar que:

„„ o texto escrito não é um produto acabado, suficiente


em si mesmo, que inicia com a intenção do redator
e se encerra com o ponto final.

4. Para garantir qualidade à sua redação em geral, você


deve definir:

„„ o que pretende comunicar;

„„ a quem destina a sua mensagem.

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No caso específico da Redação Oficial, quem comunica é


sempre o Serviço Público (este ou aquele Ministério, Secretaria,
Departamento, Divisão, Serviço, Seção). E é em nome do
Serviço Público que você efetua a comunicação.

Completando:

O que se comunica é sempre algum assunto relativo às


atribuições do órgão que comunica; quem recebe essa
comunicação ou é o público, o conjunto dos cidadãos, ou outro
órgão público, do Executivo ou dos outros Poderes da União.

Veja, detalhadamente, nas próximas seções, o que deve e o que


não deve fazer em Redação Oficial.

Seção 2 – O texto linguístico e os seus elementos


constitutivos de gramaticalidade
Você já consegue conceituar textualidade. Sabe que se trata
de um conjunto de características as quais fazem com que um
texto seja considerado como tal, e não como um amontoado de
palavras e frases.

Vamos detalhar estas características?

A coesão (conectividade sequencial) e a coerência (conectividade


conceitual) caracterizam o texto como tal.

a) Coesão

A coesão assegura o necessário encadeamento de


significados para que se crie um texto. Compreenda
melhor a noção de encadeamento através desta
imagem proposta por Abaurre:

“[...] pense, por exemplo, na construção de


uma casa. Podemos assumir que as paredes

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constituem a base de sustentação. No texto, as


ideias, formações e argumentos equivaleriam
aos tijolos que, dispostos lado a lado, permitem
que as paredes de uma casa sejam erguidas.

Ocorre, porém, que assim como não conseguimos


construir uma casa apenas colocando tijolos uns
ao lado dos outros, um texto também não se
escreve pela simples disposição linear de ideias,
informações e argumentos.

É preciso encontrar elementos que estabeleçam


uma ligação entre eles, da mesma maneira que a
argamassa vai unindo os tijolos de nossa casa.”
(ABAURRE, 2001, p.129).(grifo nosso).

Coesão textual é exatamente a ligação textual que se obtém, ao se


utilizarem elementos linguísticos adequados. Em Abaurre (2001,
p. 130), estes elementos são comparados a nós linguísticos.

Veja a seguir alguns casos de coesão frásica entre


componentes da frase. Trata‑se das ligações (ou nós
linguísticos) que se estabelecem, por exemplo, entre:

  sujeito e verbo  sintaxe de concordância verbal:


Nós / saímos. (E não: Nós saiu.)

  verbo e seus complementos  sintaxe de regência


verbal:
Gosto / de / flores. (E não: Gosto / 0 / flores.)

  nomes e seus complementos  sintaxe de regência


nominal:
Horror / a / deslealdade. (E não: Horror / em /
deslealdade.)

  determinantes (os adjetivos, artigos, numerais,


pronomes adjetivos) e determinados (os substantivos)
 sintaxe de concordância nominal:
As / belas / coisas/ que então você me contava...
(E não: As / bela / coisa/ que então você me contava...

– Estes conteúdos devem ser aprofundados em estudos morfossintáticos


voltados ao padrão oficial da língua.

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b) A coerência

Coerência está ligada à compreensão, à possibilidade


de interpretação daquilo que se diz ou se escreve. Para
ter sentido, a comunicação tem de apresentar nexo
entre ideias, lógica interna.

Entenda coerência, ao ler um texto sem coerência!

O VERDADEIRO AMIGO NÃO COMENTA SOBRE


O PRÓPRIO SUCESSO QUANDO O OUTRO ESTÁ
DEPRIMIDO E EM MARÉ RUIM.

Apoiado neste mandamento, João começou a


descrever seu próprio prestígio profissional recém
alcançado, suas novas conquistas amorosas e a
capacidade que tem de neutralizar as piores situações.

A ideia era tirar Fernando de tanta depressão e


negativismo.

Fonte: PEAD, 2011. UFRJ. Coerência e Coesão.

Percebeu?

O texto diz que o verdadeiro amigo não comenta, etc., e, logo


em seguida, veicula o amigo comentando exatamente o que não
deveria comentar.

Em síntese:

„„ Coerência diz respeito ao nexo entre os conceitos, ideias.

„„ Coesão diz respeito à expressão formal desse nexo na


construção do texto.

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Seção 3 – O texto linguístico e os seus elementos


constitutivos de textualidade
Como podemos concluir do título, os elementos constitutivos
de textualidade garantem que uma manifestação de linguagem
se torne texto. Sem eles, teríamos apenas um amontoado de
palavras, jamais uma unidade significativa. Conheça‑os um a um.

Atenção:

1. Relativamente aos elementos constitutivos de


textualidade, você poderá encontrar classificações
e indicações diferentes das que lhe trazemos. Tudo
depende da corrente teórica adotada.

2. Embora apresentados didaticamente, um a um, estes


elementos se necessitam e se articulam para assegurar
textualidade ao escrito.

Na sequência, você terá detalhadas a conectividade; a


intertextualidade; a informatividade; a contextualidade;
a intencionalidade e aceitabilidade.

1) Conectividade
Para assegurar conectividade ao seu texto, você evitará a redação
contraditória, incoerente.

Sem a necessária interrelação entre ideias e significados, o


pretendido texto torna‑se um amontoada de palavras e frases soltas.

O aviso amarelo é o segundo menos importante de


uma escala de quatro níveis. [...] Face às temperaturas
elevadas, a Direção‑Geral da Saúde (DGS), na
segunda‑feira, colocou os distritos de Bragança,
Portalegre, Évora e Beja em alerta amarelo – o nível
intermediário de uma escala de três.

Unidade 2 63
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A escala não pode ser de três e de quatro níveis


simultaneamente. Esta afirmação é contraditória e o
nível de alerta impreciso.

2) Intertextualidade
Intertextualidade remete à experiência compartilhada, pelo autor
e pelo receptor, de temas e vivências. Por exemplo: Você lê um
texto e, súbito, uma passagem aqui, uma reflexão ali evocam
impressões suas, pessoais, que você canaliza em um processo
inteligente e faz interagir com o universo do autor, da obra...
Aqui, se trata de um mecanismo espontâneo.

Mas tenha claro que a intertextualidade pode derivar de uma


prática intencional também:

„„ uma programação metódica, como por exemplo: consulta


a diferentes textos, os quais enunciam um mesmo
posicionamento teórico sobre determinado tema; ou, ao
contrário, se contradizem; ou, ainda, se complementam.

Diz Abaurre (2001, p. 79):

“Ao (se) estabelecer uma relação de intertextualidade,


(ocorre) uma interação entre o sentido dos dois textos, o
que permite, por sua vez, a construção de um terceiro
sentido para o texto desencadeador da intertextualidade.”

A intertextualidade desenha como que uma base comum de


significados gerais, a qual, por sua vez, assegura interação entre o
leitor e o texto.

Ferreira (2000) contextualiza os meandros e as fronteiras da


intertextualidade em ensaio com este título. Veja na sequência:

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[...]
No lar, na escola, nos livros, na roda dos amigos, na leitura, na
escuta das informações da imprensa ou na Internet, estamos
apenas no circuito de linguagem que é nossa e dos outros [...]
o caráter intertextual da expressão e da linguagem nos mostra
o patrimônio comum de que participamos nesta grande teia
universal do pensamento e da comunicação escrita e falada [...
João Ferreira
Brasília 8 de julho de 2000
Fonte: Usina de Letras, 2008.

Citações em textos teóricos constituem um bom


exemplo de intertextualidade intencional. Ou
ainda – agora em mecanismos de intertextualidade
espontânea –, naquela conexão com um relato
efetuado por um amigo: Eu também / A propósito / Eu já
vivi isto / E tem mais, etc. E, com certeza, em programas
de humor, com personagens que retextualizam figuras
de nosso cenário cotidiano.

3) Informatividade
Para assegurar informatividade ao seu texto, você evitará
alongar‑se em explicações supérfluas; e, em sentido oposto,
evitará redigir um texto com baixo grau de informação ou
de significado previsível. Isto lhe prejudicaria os objetivos
essencialmente.

A Campanha do Desarmamento recebeu o Prêmio


Unesco.

Esta frase deveria ser complementada minimamente com


informações do tipo o que, quando, por quê:

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A Campanha do Desarmamento recebeu o Prêmio Unesco 2004,


na categoria Direitos Humanos e Cultura da Paz. (A iniciativa foi
considerada uma das melhores estratégias de promoção da paz já
desenvolvidas na história do Brasil.)

4) Contextualidade
De acordo com Houaiss (versão eletrônica), contexto representa
o conjunto de condições de uso da língua, que envolve,
simultaneamente, o comportamento linguístico e o social, e é
constituído de dados comuns ao emissor e ao receptor[...].

“No meio do caminho tinha uma pedra


tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.”

Carlos Drummond de Andrade

Estes versos, já universais, fazem sentido no contexto da poética,


jamais em estudos de mineralogia.

Um escrito descontextualizado em relação ao destinatário ou


aos fins a que se propõe seguramente não poderia constituir um
texto, na acepção do termo.

Trata‑se de uma questão complexa, bastante levantada em


arguições de teses doutorais, dissertações de mestrado, ensaios
políticos, análises socioeconômicas, etc.

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5) Intencionalidade e Aceitabilidade
Para assegurar aceitabilidade ao seu texto, este deverá ter
mensagem pertinente, cumprir sua intenção.

Quando alguém escreve um texto, fá‑lo tendo em conta um


determinado objetivo, uma dada intenção. É tendo por base essa
intenção que vai escolher a estrutura do texto, a sua articulação,
etc. Por exemplo, se pretender escrever uma mensagem de
correio eletrônico para dar uma notícia, articulará o texto de
forma diferente do que se pretender fazer um convite ou um
pedido formal.
Da mesma forma que a intencionalidade centra‑se no autor
do texto, a aceitabilidade centra‑se no seu receptor. Ao ler o
texto, ele vai formular juízos de valor sobre esse texto e vai
reconhecê‑lo, ou não, como coeso e coerente. [...]
Fonte: Ciberdúvidas, 2011.

Veja um exemplo de não aceitabilidade:

‘E então, meu Chefe:

Quando sai a sua decisão sobre meu pleito?


Sei que as urgências do andar de cima não podem
incluir urgências pessoais, ou não querem, mas, por
aqui, o relógio é o da realidade, quanta pressão!

Apesar da ousadia,
aguardo confiante,
NM’

Leia, a seguir, o estudo empreendido por Felisbino (2001), o


qual bem sintetiza e interrelaciona elementos de gramaticalidade
e textualidade, evidenciando, em sua descrição, a natural
articulação entre eles.

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AVALIAÇÃO DE PRODUÇÃO TEXTUAL


Felipe Felisbino
[...]

Um texto caracteriza‑se como texto por sua textualidade [...]

São sete os fatores responsáveis pela textualidade: coerência


e coesão (que têm relação com os elementos conceituais
e linguísticos do texto); e intencionalidade, aceitabilidade,
situacionalidade, informatividade e intertextualidade (que têm a
ver com os fatores pragmáticos envolvidos no processo).

A coerência é responsável pelo sentido do texto, enredando


fatores lógicos e cognitivos, porque depende da partilha de
conhecimentos entre interlocutores. Ou seja, um discurso é
coerente, quando apresenta uma configuração conceitual
compatível com o conhecimento de mundo do recebedor.
Assim, o sentido do texto também é construído pelo recebedor,
que o interpreta. Em conclusão: a coerência do texto deriva
de sua lógica interna, resultante dos significados que sua
rede de conceitos e relações põe em jogo, mas também da
compatibilidade entre essa rede conceitual — o mundo textual –
e o conhecimento de mundo de quem processa o discurso.

A coesão é responsável pela unidade formal do texto e se


constrói através de mecanismos gramaticais e lexicais, ou seja, é
a manifestação linguística da coerência.

Nos mecanismos gramaticais, estão os pronomes anafóricos, os


artigos, a elipse, a concordância, a correlação entre os tempos
verbais, as conjunções, etc. A coesão lexical faz‑se pela reiteração,
pela substituição e pela associação.

A intencionalidade é entendida como o empenho do produtor


em construir um discurso coerente e coeso e capaz de satisfazer
os objetivos que tem em mente, num ato comunicativo. A
intenção pode ser informar, impressionar, alarmar, convencer,
pedir, defender, etc., orientando a elaboração do texto.

A aceitabilidade refere‑se à expectativa do recebedor, no sentido


de que o conjunto de coerências com que se defronta seja um
texto coerente, coeso, útil e relevante, capaz de levá‑lo a adquirir
conhecimentos ou a cooperar com os objetivos do produtor.

A situacionalidade refere‑se aos elementos responsáveis


pela pertinência e relevância do texto quanto ao contexto em
que ocorre. É a adequação do texto à situação comunicativa.

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O contexto pode realmente definir o sentido do discurso e,


normalmente, orientar tanto a produção, quanto a reflexão.

Segundo Costa Val (1991), a conjunção dos três fatores já


mencionados resulta numa série de consequências para a
prática comunicativa. Em primeiro lugar, é importante para
o produtor saber com que conhecimentos do recebedor ele
pode contar e que, portanto, não precisa explicitar no seu
discurso. Outra consequência é a existência dos diversos tipos
de discurso. A praxe acaba por estabelecer que, numa dada
circunstância, tendo‑se em mente determinada intenção
ilocucional, deve‑se compor o texto dessa ou daquela maneira.

A informatividade diz respeito à medida pela qual as


ocorrências de um texto são esperadas ou não, conhecidas
ou não, no plano conceitual e no formal. O texto, indicador
de informatividade, precisa, ainda, atender a outro requisito: a
suficiência de dados, ou seja, o texto tem que apresentar todas
as informações necessárias, para que seja compreendido com o
sentido que o produtor pretende.

A intertextualidade concerne aos fatores que fazem a


utilização de um texto dependente do conhecimento de outro(s)
texto(s). Segundo Costa Val “um discurso vem ao mundo numa
inocente solitude, mas constrói‑se através de um já‑dito em
relação ao qual ele toma posição” (p. 15). Ou seja, alguns textos
só fazem sentido quando postos em relação a outros textos,
que funcionam como seu contexto. Desta forma, avaliar a
intertextualidade pode significar analisar a presença dessa fala
subliminar, de todos e de ninguém, nos textos estudados.

[...]

1. COSTA VAL, Maria da Graça. Redação e textualidade. São Paulo:


Martins Fontes, 1991..

2. FAVERO, Leonor Lopes. Coesão e coerência textuais. São Paulo:


Ática, 1991.

3. KOCH, Ingedore Grunfeld Wilaça. A inter‑ação pela linguagem.


São Paulo: Contexto, 1992.

Fonte: Revista Linguagem em (Dis)curso, volume 1, número 2, jan./jun.


2001. (Adaptado para esta seção, pela Autora.)

Unidade 2 69
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Complementarmente:

Na elaboração de sua redação oficial, junto aos elementos


constitutivos de gramaticalidade e de textualidade, é necessário
ainda considerar:

„„ você jamais fornecerá informações através de sugestões


indiretas, subentendidos ou implícitos: há que ser
objetivo/a e claro/a; e

„„ você jamais fornecerá informações no texto, referido/a


em pressupostos.

Atenção, especialmente, ao relatório em si mesmo e aos


subgêneros que se agrupam em torno dele. Implícitos
e pressupostos induzem duplas interpretações e geram
mal‑entendidos fora de seus contextos.

Observe as ilustrações para entender estes recursos estilísticos –


implícitos e pressupostos – o dizer sem dizer, que você não pode
adotar em Redação Oficial.

Vamos, então, esclarecer o que são Implícitos e Pressupostos.

Você já tem um conceito próprio para a palavra implícito?

implícito: contido numa proposição


mas não expresso formalmente; não
manifestamente declarado; subentendido,
tácito. (HOUAISS eletrônico).

E para pressuposto?

pressuposto: aquilo que se supõe


antecipadamente; pressuposição, conjectura,
suposição. (HOUAISS eletrônico).

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Língua Portuguesa e Redação Oficial

As tiras de humor são ricas em implícitos e


pressupostos. Convido‑o/a a observar, então, o que nos
propõe Gilmar, no site Humortadela.

Figura 2.1 ‑ Tiras de humor


Fonte: Humortadela, 2005.

Com os indícios presentes no texto verbal e não verbal


desta tira:
a) você consegue traçar o comportamento do garotinho?
b) o lugar que ele se reserva no âmbito da família?

RESP.:

Nesta tira, todos os indícios apontam para um garotinho que


participa das decisões familiares, exige espaço, negocia em pé de
igualdade e, se tiver de ir à briga, provavelmente impõe sua vontade.

Entretanto isto não está escrito no texto. Só está sugerido, só está


sinalizado, implícito.

Deduz‑se das falas, das diferentes imagens do garotinho a cada


quadro: uma imagem imperial, autoritária, aliás, pronta para o
embate, inclusive, no último quadro.

Outra pergunta: Pressupostamente, seria este o papel


que se reserva a uma criança no seio da família?

RESP.:

Não, o pressuposto é que a criança acate as determinações da família.

Unidade 2 71
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Por que a boa risada após ler a tira, então?

RESP.:

Pelo contraste entre o pressuposto que envolve a infância como


um universal de docilidade, dependência, fantasia, amorosidade,
e o comportamento do garotinho da tira, combativo, autônomo,
realista, pragmático, implícito nas falas e imagens.

E esta senhora magrinha?

Figura 2.2 - Vida Doce Vida, Arionauro


Fonte: Humortadela, 2004.

Na ilustração, a noção, prévia ao texto, de lipoaspiração e


de sua aplicabilidade para aspirar gorduras excedentes é um
pressuposto. Entretanto quem diz “doutor eu gostaria de fazer
uma lipoaspiração” é uma mulher esquelética.

O contraste entre o pressuposto (que está na mente do leitor) e os


registros do texto fazem‑nos rir.

Entendido por que efetuamos este estudo complementar aos


elementos constitutivos de gramaticalidade e textualidade?

O autor do texto de redação oficial não pode atribuir ao


destinatário, pressupostamente, uma posição assumida
e referir‑se nesta hipótese para gestionar, por exemplo.
Tampouco deixará implícita no texto uma expectativa
ou uma sugestão. Trata‑se de práticas não pertinentes
a este tipo de texto.

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Língua Portuguesa e Redação Oficial

Síntese

Nesta unidade, você estudou aspectos introdutórios à teoria da


redação oficial;

deteve‑se no conceito de texto, nos elementos constitutivos de


textualidade – conectividade, informatividade, intertextualidade,
contextualidade, intencionalidade e aceitabilidade – e nos
elementos constitutivos de gramaticalidade – coerência e coesão,
realçadas as práticas que qualificarão a sua redação oficial
e aquelas a serem evitadas. Viu, ainda, os pressupostos e os
implícitos como interditos ao texto da redação oficial.

Também conheceu uma vertente para a produção de um texto:

a) unidade temática (o conjunto deve tratar do mesmo assunto);

b) unidade estrutural (o conjunto deve ter boa sequência de


ideias e boa costura entre as partes).

Planejamento:

a) Sobre que vou escrever? (assunto);

b) Para quem vou escrever? (destinatário);

c) Com que finalidade? (objetivo).

„„ Quais as informações mais relevantes que devem


estar em meu texto? (seleção de ideias);

„„ Qual a melhor sequência para estas ideias? (o


que colocar na abertura do texto; como dar
continuidade ao texto; o que reservar para o
fechamento do texto?)

Também ficou indicado que você jamais empreenderá uma


redação oficial sem ter em mente a intenção de seu enunciado e o
receptor de seu texto.

Unidade 2 73
Universidade do Sul de Santa Catarina

Atividades de autoavaliação

Após a leitura criteriosa da unidade, reflita sobre os enunciados e realize os


exercícios:

1) Você já sabe que coesão diz respeito à expressão do nexo entre ideias
no plano linguístico, ou na redação do texto. A imagem dos tijolos e da
parede em Abaurre, lembra‑se?
Bem, para garantir coesão ao seu texto, você escolheria as seguintes
alternativas na redação de suas frase (amarrando os tijolinhos):
a) (  ) “A partir disto, essas pessoas passam a ter uma dívida de gratidão
com esse ‘amigo’. Ele o auxiliou numa hora em que o Estado se
manteve inerte.”
b) (  ) “A partir disto, essas pessoas passam a ter uma dívida de gratidão
com esse ‘amigo’. Ele as auxiliou numa hora em que o Estado se
manteve inerte.”
c) (  ) O estudo que fizemos em redação oficial revelou inadequações
que ferem as normas gramaticais do português.
d) (  ) O estudo que fizemos em redação oficial revelou inadequações
que fere as normas gramaticais do português.

2) Você já conhece os elementos constitutivos de gramaticalidade do


texto. Diga, então, por que esta frase é incoerente:
“O quarto espelha as características de seu dono: um esportista, que
adorava a vida ao ar livre e não tinha o menor gosto pelas atividades
intelectuais. Por toda a parte, havia sinais disso: raquetes de tênis,
prancha de surf, equipamento de alpinismo, skate, um tabuleiro
de xadrez com as peças arrumadas sobre uma mesinha, as obras
completas de Shakespeare”.

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Língua Portuguesa e Redação Oficial

3) Os implícitos e os pressupostos têm de ser evitados em Redação Oficial.


Você os identifica nesta tira? Caso positivo, indique‑os.

Figura 2.3 ‑ Ócios do Ofício – Gilmar


Fonte: Humortadela, 2004.

4) Nesta unidade, você viu descritos os elementos constitutivos de


gramaticalidade: coerência e coesão.
Procure exemplos, acionando o seu senso de observação e confirme os
melhores usos, consultando gramáticas.

Unidade 2 75
Universidade do Sul de Santa Catarina

Saiba mais

Vamos acompanhar efeitos gerados por elementos de


gramaticalidade e textualidade estudados nesta unidade?

Primeiro passo: Leia o texto abaixo livremente, sem outras


preocupações.

Segundo passo: Localize na unidade 2 algumas referências


teóricas postas neste texto ‑ com outras palavras, naturalmente.

Terceiro passo: Compreenda o processo. Agora, vivencie o que


aprendeu.

UM MERGULHO NOS TEXTOS CURTOS


As técnicas narrativas de piadas e textos humorísticos
que surpreendem o leitor com sentidos inusitados
Por Sírio Possenti*

Sabe‑se que as técnicas fundamentais dos textos que chamamos


de piadas consistem em permitir a descoberta de outro sentido,
além do que é expresso no texto. De preferência, este segundo
sentido deve ser inesperado, surpreendente, e quase sempre é
bem diferente daquele expresso em primeiro plano e que, até o
desfecho do texto, parece ser o único. Como, em geral, as piadas
são breves, nada indicaria que se trata de textos que favoreçam
a encenação da “polifonia”. No entanto, este é um traço que as
caracteriza. Freud elaborou uma tipologia bastante completa de
tais técnicas, que de certa forma se resumem à condensação e ao
deslocamento, mais tarde tratadas como metáfora e metonímia.

Ricardo Piglia (Formas Breves, São Paulo: Companhia das Letras,


2002) apresenta duas teses sobre a estrutura do conto que valem
para as piadas:
a) contam‑se sempre duas histórias (p. 89);
b) a história secreta é a chave da forma do conto e de suas
variantes (p. 91).
Comentando a primeira tese, acrescenta que “o efeito de
surpresa se produz quando o final da história secreta aparece na
superfície” (p. 90).

76
Língua Portuguesa e Redação Oficial

As teses de Piglia são válidas para histórias policiais ‑ romances,


contos, filmes ‑ e cômicas.
Valem também para as piadas, embora, neste caso, ela deva ser
modalizada, pois o final da “história secreta” não aparece na
superfície: ele deve ser descoberto a partir de um indício, que,
“analisado” pelo leitor/ouvinte, permite construir um segundo
final. Vejamos isso em dois exemplos:
1) “José visita seu amigo e leva consigo sua cadela Madona.
A cadela entra e sai da casa do amigo, que fica tão incomodado
que pede ao visitante:
— Não deixe a cadela entrar na casa. Ela está cheia de pulgas.
E o dono da cadela ordena:
— Madona, não entre na casa! Ela está cheia de pulgas.”
Duas histórias
Nesta piada há duas histórias. Uma, a que é contada na
“superfície”, deveria terminar com uma ordem do dono a
Madona para que ela não entrasse mais na casa, porque ela,
Madona, está cheia de pulgas. Observe‑se que a história contada
na superfície não é, no entanto, completamente explícita.
Todos achamos que é a cadela que tem pulgas porque é corrente
um discurso segundo o qual cães abrigam pulgas.
É um saber que faz parte de uma memória social compartilhada.
Considerando este saber, todos entendem que o dono da casa
acha (ou vê) que Madona está cheia de pulgas (e não quer que
elas “caiam” da cadela e infestem sua casa).
Por isso, pede ao amigo que ordene à cachorra que não entre
mais na casa.
Este texto é uma piada porque permite outro final, que é
inesperado, surpreendente:
segundo o dono da cadela, é a casa que está cheia de pulgas, e
ela não deve mais entrar para não ficar infestada.
O que mais interessa, do ponto de vista das técnicas verbais da
piada, é descobrir sua “chave”, o “gatilho” que faz o leitor passar
de um final (o esperado), a outro, o surpreendente.
Para “entender” essa piada, o leitor/ouvinte deve dar‑se conta de
que o pronome “ela” (na “explicação” do dono da casa “ela está
cheia de pulgas”) tanto pode referir‑se a “casa” quanto a “cadela”.

Unidade 2 77
Universidade do Sul de Santa Catarina

Em resumo: há duas histórias, que funcionam segundo certas


normas, invocando certos saberes compartilhados.
Uma delas parece ser mais “normal” (a cadela infesta a casa
de pulgas).
A outra é surpreendente: a casa infesta a cadela de pulgas.
Rimos quando nos damos conta de que esta história
“subterrânea” é possível, neste texto, por causa da
referência ambígua de “ela”: sendo um pronome feminino
e singular, pode relacionar‑se a dois termos que aparecem
antes na história: “casa” e “cadela”.
O riso decorre do prazer que causa uma construção bem “sacada”!
[...]
Fonte: Revista Língua Portuguesa, ano 5, nº 64, fevereiro de 2011,
p.16‑17. (grifos nossos)

* Sirio Possenti é professor associado do Departamento de Linguística


da UNICAMP e autor de Língua, Texto e Discurso (Contexto).

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