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“Quem não se enquadrar vai

DANÇAR”
Por Lúcio Lambranho

Revista Empreendedor n. 90 Abril/2002

O consultor Sérgio Almeida defende uma mudança radical na forma com que
as empresas atendem seus clientes. Para ele, mais do que satisfazer, é preciso
encantar a clientela
Sérgio Almeida é considerado um dos
mais requisitados conferencistas do
Brasil na área empresarial quando o
assunto envolve clientes, atendimento e
qualidade em serviços. Pós-graduado em
Administração, com formação em
Engenharia e Economia e autor de sete
livros, entre eles os best sellers Cliente,
Nunca Mais e Cliente, Eu Não Vivo Sem
Você, Almeida acredita que no Brasil
existam “ilhas de excelência” em
departamentos de vendas. Nessa
entrevista, ele faz um diagnóstico
completo de todos os mitos criados pelos
vendedores na hora de atender os
clientes e cita os passos que o
empreendedor precisa dar para
estruturar seu planejamento de
marketing.

Empreendedor – Com sua experiência em consultorias e palestras sobre os


temas relacionados a “clientes” e “atendimento”, dá para se ter um
diagnóstico de como anda a área de vendas nas empresas brasileiras?
Sérgio Almeida – A sensação é de um 11 de setembro, de que houve um ataque ao
World Trade Center de vendas. A mudança é radical. Valores, princípios, marketing de
relacionamento, foco do cliente, vendedor como consultor. Preocupação principal com
a manutenção de clientes, não apenas com a conquista; revogação da lei de Gerson,
ética. Enfim, a mudança é radical. Quem não se enquadrar vai dançar. A sensação é de
que tem muita gente atordoada, ainda perdida, buscando novos referenciais. Eles já
estão disponíveis. Um desafio da gerência é alinhar – e rápido – a equipe de vendas a
uma nova prática de negócios.

Empreendedor – Na sua opinião, atualmente quais são os segmentos de


mercado que desempenham melhor a missão de atender bem e, por
conseqüência, vender mais no Brasil?
Almeida – Não vejo um setor que se destaque sobremaneira em relação aos outros. O
que vemos são ilhas de excelência. Ou seja, uma ou outra empresa. Entretanto, na
vanguarda, que se adiantou e saiu na frente, estão as manifestações em diversos
setores, inclusive nos mais variados portes de empresas, da multinacional ao
microempresário.

Empreendedor – Quais são os passos essenciais para o empreendedor que


está começando a estruturar sua área de vendas ou de contato direto com os
clientes?
Almeida – Comandar uma revolução no sentido de assegurar que todos –
principalmente ele – tenham efetivamente o foco do cliente. Que atue no dia-a-dia
baseado na premissa de que hoje a medida do sucesso de uma empresa para o
profissional tem que ser a mesma medida do sucesso do cliente. Ou seja, se o cliente
não está mais que satisfeito, encantado, a missão não está cumprida. Definitivamente,
todos têm que entender que acabou a Era da Transação; hoje vivemos a Era da
Relação. Precisamos fazer com que o cliente volte sempre, e ele só voltará se estiver
encantado. Satisfazer já não é mais suficiente; o cliente tem que estar encantado. Esta
é a verdadeira proteção de mercado que alguém possa ter de uma investida de um
potencial concorrente. Todo mundo na empresa, do presidente ao office-boy, tem que
pensar e agir assim, principalmente os vendedores.

Empreendedor – O consumidor final como cliente dá mais trabalho que os


clientes corporativos? Devem existir estratégias distintas para atender esses
dois mercados dentro de uma empresa?
Almeida – Cliente não dá trabalho. Ele exige solução, conveniências. E isso tem que
ser customizado, um a um; não só os clientes corporativos, mas também pessoas. É
bom encarar o cliente corporativo como pessoa. Afinal, o que está por trás dessas
paredes, máquinas? Gente. Gente que busca facilidade, conveniência, gente que
demanda – e compra – produtos e serviços que venham lhe facilitar a vida.

“Satisfazer já não é mais suficiente, o cliente tem que


estar encantado. Esta é a verdadeira proteção de
mercado que alguém possa ter de uma investida de um
potencial concorrente”

Empreendedor – Como o empreendedor deve focar sua estratégia de


marketing para atender bem seus clientes? Como ele pode aplicar o conceito
que você chama de mikromarketing?
Almeida – Chamo de mikromarketing (com “k”), o marketing feito no momento da
verdade. É nesse momento que o cliente testa se de fato o fornecedor é sua melhor
alternativa. O prazo foi cumprido? As promessas, compromissos, foram atendidos? A
assistência técnica? A troca? As conveniências? Enfim, quando o cliente aciona o
fornecedor, qual a performance dele? Chega?! Além de centenas de alternativas, os
clientes estão cansados de promessas, propaganda mentirosa e enganosa. Lembro de
corretores de imóveis sempre prometendo um paraíso no céu. Passaram 100 anos
fazendo marketing de emboscada. Tudo isso fez com que o cliente virasse um São
Tomé. Ele quer ver para crer se um determinado fornecedor é para ele a sua melhor
alternativa. E como ele chega a isso? No dia-a-dia, nas cente nas de momentos da
verdade que ele tem, não apenas com os vendedores, mas com toda a empresa
(entrega, assistência técnica, secretária e setor administrativo).

Empreendedor – De que maneira o empreendedor deve criar uma postura


proativa nos funcionários que estão na linha de frente do atendimento?
Almeida – Dando o exemplo. Esta é a maior lição. Cultura de foco do cliente é
indelegável. Tem que ser comandada pela liderança. Tem que ser puxada de cima para
baixo. Mostrando a todos – não com palavras, mas com fatos – que a pessoa mais
importante na empresa hoje não é o chefe, o dono, mas sim o cliente!

Empreendedor – Uma boa gestão tecnológica e um sistema de CRM garantem


que a qualidade do serviço será mantida?
Almeida – Não. CRM é o último estágio. O que faz a diferença, antes de tudo, é gente.
Gente motivada, compromissada, preparada. Gente consciente de que o cliente é
verdadeiramente o motivo de sucesso, não só dele, mas de toda a empresa. Depois de
gente vêm procedimentos, padrões-referência (não camisa de força normativa, isso
não!). Por último, CRM. Com isso afirmamos que o CRM não seja importante? Não. É
muito importante. Mas de que adianta software na mão de gente que não tem a menor
consciência de que todos estão ali para servir o cliente. Um faca amolada é sempre
uma faca. Pode cortar uma fruta e dar de comer a alguém, ou assassinar uma pessoa.
O que dá vida, destino, função, são as pessoas. Já passou o tempo de todos,
definitivamente, entenderem isso. Quer revolucionar sua empresa, suas vendas?
Primeiro, cuide das pessoas. O resto, ainda que importante, vem depois, só depois;
nunca antes.

Empreendedor – A terceirização dos serviços de atendimento ao cliente é uma


boa saída para os empreendedores? Como você qualifica as empresas desse
setor?
Almeida – Terceirize tudo, pouco importante. Mas lembre-se: se existe um problema
ou o serviço não é satisfatório, o cliente não quer saber se a culpa é do terceirizado ou
não. Esse argumento é um absurdo! A culpa é sua e pronto. Argumentar que a culpa é
do terceiro é assinar um atestado de incompetência. “E por que você contratou eles?
Por que tercerizou?” Portanto, tercerize tudo, menos o seu destino! Entretanto, antes
certifique-se e monitore que o terceirizado vai tratar seu cliente de forma igual, ou
melhor que você. Se não tiver esta certeza, desista! Senão o cliente é que vai desistir
de você!

“O que faz a diferença, antes de tudo, é gente. Gente


motivada, compromissada, preparada. Gente consciente
de que o cliente é verdadeiramente o motivo de sucesso,
não só dele, mas de toda a empresa”

Empreendedor – Qual é a importância da chamada Inteligência Emocional


numa equipe de vendas?
Almeida – Inteligência Emocional é um novo nome para velhas e importantes
práticas. Veja o exemplo das pessoas vitoriosas, não só agora, mas sempre. São
pessoas que respeitam o outro, sabem entrar, sabem sair, são educadas, sabem
recuar taticamente e são equilibradas. Que há de novo? Nada. Apenas que muita gente
até que se deu bem nas últimas décadas sem respeitar, sem preceitos. Agora com o
mercado hipercompetitivo, onde o cliente, em condições normais, tem à sua disposição
centenas de alternativas, não respeitar isso é cavar a própria cova.

Empreendedor – Quais são os principais mitos criados pelos departamentos


de vendas e como o empreendedor deve combatê-los?
Almeida – Falar de mitos é um capitulo à parte; são dezenas. Mitos são equívocos
utilizados como dogmas, incontestáveis, que podem prejudicar muito uma empresa,
uma pessoa. Entre eles, podemos citar: “Lei de Gerson”; “Negócios são negócios.
Amizade à parte”; “O bom vendedor vende até terreno na lua”; “O importante é
cumprir a meta, custe o que custar”. É preciso pensá-los, repensá-los, antes de
sairmos por aí, repetindo-os, praticando-os. Questionar antes de aceitar – não com o
espírito de porco, destrutivo, mas com idéias, argumentos. Este deve ser um princípio
fundamental da pessoa que é locomotiva, e não vagão.

Revista Empreendedor n. 90 Abril/2002 Entrevista por Lúcio Lambranho www.empreendedor.com.br

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