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Edmilson Rodrigues de Sousa Junior; Kaio Emanuel de Sousa Junior; Wesley Silva dos Santos;
Virna Pires Vilar de Freitas.
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comprove, através de laudo médico ou do Constitucionalismo alemão na Carta de
psicológico a alta probabilidade de não mais Weimar, efetiva o reconhecimento de que a
modificar sua identidade de gênero. A pessoa não é apenas um mero reflexo da
cirurgia e outros laudos psicopatológicos ordem jurídica (meio), mas constitui o
(reconhecidamente ultrapassados, pois objetivo essencial e supremo da República
identidade sexual não é doença, como entende (fim). Estando, pois, escrito na ordem jurídica,
o Conselho Federal de Medicina) ficam este princípio deve nortear a ação do Estado
inteiramente dispensados. na promoção de todos os meios necessários
(frise-se: todos os meios necessários) a uma
O presente trabalho visa a demonstrar a vida humana digna. Como assevera Canotilho,
importância da decisão judicial ora abordada, “o ser humano é o limite e fundamento do
considerando-se o avanço conquistado por tal domínio político da República”.
feito graças ao Princípio da Dignidade
Humana, princípio que, para o Direito, motiva
e inspira a determinação dos Direitos Citado nos votos de quase todos os ministros,
Humanos. esse princípio tem um papel essencial dentro
da questão analisada pelo STF: “deverá servir
METODOLOGIA de farol para a busca da efetividade dos
direitos constitucionais do transexual”
A pesquisa baseou-se no método indutivo e
(ARAÚJO, 2000, p.73).
utilizou-se de um denso repertório de decisões
jurisprudenciais, notícias e artigos científicos Dito isso, cabe o seguinte questionamento:
de outros autores, a fim de dar o máximo de que associação o Princípio da Dignidade
validade e confiabilidade às teses e Humana guarda em relação ao caso da
informações neste trabalho desenvolvidas. alteração do prenome e sexo por transexuais?
A resposta pode ser muito bem sintetizada
RESULTADOS E DISCUSSÃO pela fala da ministra Nancy Andrighi em
decisão proferida pelo Superior Tribunal de
O princípio da dignidade humana está
Justiça no REsp n° 1008.398/SP:
consagrado expressamente na legislação
pátria como fundamento do Estado Para o transexual, ter uma
vida digna importa em ver
Democrático de Direito no inciso III do art. 1° reconhecida sua identidade
da CF/88. Este princípio, conquista pioneira sexual, sob a ótica
psicossocial, a refletir a
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verdade real por ele jurídica, (o Direito em sentido estrito) foi feita
vivenciada e que se reflete
na sociedade (BRASIL, para ele e por ele. Não é nem um pouco
2009a, p. 1, 2).
coerente a ordem estabelecida ir de encontro
Ora, se o Estado tem o papel de garantir que o
ao desenvolvimento humano, tolhendo as
indivíduo tenha a sua disposição os meios
potencialidades individuais, limitando
necessários a uma vida digna, inclusive o
capacidades saudáveis do indivíduo (sua
desenvolvimento integral de sua
identidade sexual, naturalmente
personalidade e de sua identidade pessoal, a
desenvolvida), dificultando a legitimidade e o
este autor parece que os requisitos
reconhecimento de seus sentimentos e de sua
anteriormente citados para a mudança do
autopercepção. Não se admite
nome e sexo nos assentos civis são
discricionariedade estatal numa esfera tão
inteiramente desprovidos de justificativa
íntima do ser humano, cabendo apenas o seu
racional e coerência. Ao Estado não cabe
reconhecimento e respeito. Ainda sobre esta
genitalizar a pessoa humana, pois, se assim
questão, convém citar Carlos Santiago Nino
fosse, estaria o Estado limitando e
apud Edson Fachin:
dificultando o completo desenvolvimento das
Sendo valiosa a livre
potencialidades humanas, característica que eleição individual de
não se coaduna com o princípio em questão. planos de vida e da adoção
de ideais de excelência
Nesse sentido, cabe citar relevante avaliação humana, o Estado (e
demais indivíduos) não
trazida pelo Dr. Paulo Iotti na representação deve interferir nessa
eleição ou adoção,
de Amici Curiae: limitando-se a desenhar
instituições que facilitem a
Não se pode colocar a persecução individual
existência de uma genitália desses planos de vida e a
ou de determinados genes satisfação dos ideais de
como “indispensável” para virtude que cada um
a definição de sua sustenta e impedindo a
identidade pessoal e interferência mútua no
sexual, tendo em vista que curso de tal persecução
a identidade de gênero (BRASIL, 2018c, p.13).
depende pura e
simplesmente da forma Portanto, como bem escreveu o ministro
como a pessoa se identifica
Edson Fachin em seu voto, “a identidade de
e é identificada na
sociedade relativamente ao gênero é manifestação da própria
gênero que assume e
vivencia como seu personalidade e, como tal, cabe ao Estado
(BRASIL, 2009b, p. 50).
apenas reconhecê-la, nunca constituí-la”
Reitere-se: o indivíduo não é o meio, mas o
(BRASIL, 2018c, p.13).
fim último da ordem jurídica. A ordem
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Além do mais, vincular o exercício de vida digna não se restringem apenas à mera
manifestar livremente a identidade sentida à correção dos “papéis de cartório”. O
realização de um procedimento cirúrgico tão transexual se encontra em situação de
invasivo é atentatório contra a própria vulnerabilidade desde a infância, quando se vê
autonomia individual, o que afronta oprimido de todos os lados por xingamentos,
diretamente a dignidade humana, olhares maliciosos e rejeições dos mais
considerando-se que não é a cirurgia quem variados tipos por pessoas que desconhecem o
define a transexualidade, ela se constitui processo da formação identitária humana e
como uma mera consequência advinda do apesar disso, destilam ódio e ressentimento
desejo espontâneo do indivíduo em fazer esta sobre um cidadão tão comum quanto elas e
conformação em seu corpo físico. Como bem que nada fez para não ser aceito, senão “ser
sustentou Berenice Dias em primorosa obra quem de fato é”. Esta
sobre a temática: “a sexualidade não se limita violação causa dor, sofrimento e
à anatomia dos órgãos genitais, mas sim a um constrangimento ao transexual, pois a
conjunto de fatores psicológicos, sociais e sociedade, em geral, conforme preceitua
culturais” (BENTO, 2000, p. 56). Em muitos Berenice Bento, consegue reprimir o livre
casos, por exemplo, essa cirurgia não é nem desenvolvimento das aptidões e gostos
desejada pelo transexual, porque inviabiliza humanos. Segundo a socióloga, a sociedade é
completamente ou faz diminuir o prazer marcada por um “terrorismo contínuo”,
sexual. porque a transexualidade representa um
perigo para as normas de gênero dominantes:
O mínimo que o princípio da Dignidade
Humana carece para que se efetive é que o Há um heteroterrorismo a
cada enunciado que
homem possa desenvolver autonomamente incentiva ou inibe
comportamentos, a cada
suas capacidades, desde que não desrespeite o insulto ou piada
homofóbica. Se um
direito dos outros. Portanto, num Estado menino gosta de brincar de
Democrático de Direito, não é função do boneca, os heteroterroristas
afirmarão: “Pare com isso!
Estado impossibilitar o desenvolvimento Isso não é coisa de
menino”. A cada reiteração
completo das personalidades individuais, mas de um pai, de uma mãe ou
professor, [...] a
garanti-lo. subjetividade daquele que
é o objeto dessas
reiterações é minada
É oportuno lembrar ainda que as (BENTO, 2008, p. 68).
consequências da privação do direito a uma
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Ora, diante de tão sérias constatações, ainda se entende, como se vê e da maneira como se
restará dúvida de que o transexual se vê “constrói” no mundo para realizar seus ideais
vulnerabilizado em sua condição cidadã e que pessoais e viver em felicidade.
por isso padece o princípio da Dignidade em REFERÊNCIAS
face deste ser humano? Imperioso lembrar: o
homem não é mero objeto da razão. É um ser
ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção
complexo, possuidor de virtudes e defeitos, constitucional do transexual. 1 ed. São Paulo:
sentimentos e emoções. Portanto, precisa ser Saraiva, 2000. 60-110 p.
CONCLUSÕES
BRASIL. Constituição (1988). Constituição
da República Federativa do Brasil. Brasília,
Diante dessas observações, pode-se observar DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 3
p.
que a escolha feita pelo Tribunal foi uma das
mais acertadas possíveis dentro do contexto
constitucional e sua justificativa coerente com ______. Lei nº 6.015, de 18 de dezembro de
1973. Dispõe sobre os registros públicos, e dá
os princípios norteadores do Estado Brasileiro
outras providências. Casa Civil, Subchefia
(CF/88, art. 1°). Reconhecer aos transexuais a para Assuntos Jurídicos, Brasília, DF, 18 nov.
alteração do prenome e sexo nos registros 2011. Seção 1, p. 1-4. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6
públicos efetiva a dignidade dessa classe, a 015compilada.htm >. Acesso em: 10 jun.
medida que o Estado reconhece e legitima a 2018.
manifestação individual da personalidade de
seus cidadãos, dando-lhes a oportunidade para ______. Supremo Tribunal Federal. Ação
desenvolver livremente o seu projeto de vida direta de inconstitucionalidade n° 4275/DF-
Distrito Federal. Relator: Ministro Marco
e sua identidade. Como desenvolvido Aurélio. Pesquisa de Jurisprudência.
anteriormente, ao Estado não cabe uma Petição inicial, 21 de julho de 2009.
Disponível em: <
interferência arbitrária deste tipo no foro file:///C:/Users/Rayanna/Downloads/ADI%20
íntimo dos seus cidadãos. Ao contrário, o 4275.pdf >. Acesso em: 10 de fevereiro 2018.
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