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O Mistério Cristão da Transubstanciação segundo a Filosofia Perene

Por Mateus Soares de Azevedo

Frithjof Schuon, o principal porta-voz da Filosofia Perene, não nega o conceito cristão
da Transubstanciação e tampouco contesta a validade do mistério da Consagração. Ele
trata claramente destes tópicos em "Evidência e Mistério", capítulo do livro Logique et
Transcendance (Paris, 2007). A Filosofia Perene encara a questão da Transubstanciação
de um ponto de vista metafísico ou esotérico. Isso significa que ela o considera de
acordo com uma perspectiva objetiva, não-formal, pluridimensional e universalista. Não
a partir do ponto de vista específico de uma determinada teologia, nem de um
exoterismo "interessado".

O que Schuon avalia é que se deve aplicar à doutrina da Eucaristia a mesma doutrina
que aplicada à questão das duas naturezas de Cristo, a natureza divina e a humana. O
fato de que, segundo a teologia cristã, Cristo é o Logos, e o Logos é Deus, não impede
que Jesus Cristo seja ao mesmo tempo homem. Desta forma, logicamente, assim como o
Cristo é, segundo a teologia, “verdadeiro homem e verdadeiro Deus”, do mesmo modo
deve-se considerar o pão eucarístico como "verdadeiro pão e verdadeiro Corpo", e o
vinho eucarístico como "verdadeiro vinho e verdadeiro Sangue”.

Mas a teologia convencional, por outro lado, diz que o pão deixa de ser pão, e passa a
ser única e exclusivamente "Corpo" após o processo de Transubstanciação. Igualmente,
diz que o vinho deixa de ser vinho, e passa a constituir única e exclusivamente
“Sangue" (isso pelo menos do ponto de vista católico, pois o Cristianismo oriental
prefere o termo "transmutação").

A Filosofia Perene nunca pôs em xeque este mistério cristão. Pelo contrário, Frithjof
Schuon nos ensinou a olhar para ele com olhos novos, mais universalistas e
"desinteressados" que os convencionais e “exotéricos”. O que está em jogo, segundo
ele, é a "interpretação literal e quase matemática de certas palavras da Escritura"
(Logique et Transcendance, p. 107). E Schuon é o primeiro a compreender e a ressaltar
que a ideia católica da Transubstanciação "tem o valor de um argumento propulsivo,
feito para evitar qualquer interpretação naturalista ou psicologista do mistério" (p. 108).

Quando Jesus, que era um oriental, nota Schuon, diz: "Tomai e comei, isto é o meu
corpo" e "Bebei todos dele, pois este é o meu sangue" (Mateus 26: 26-28), isso significa
no entendimento oriental que estes elementos "são equivalentes ao corpo e ao sangue de
Jesus no contexto da inerência Divina e do poder salvífico (....); mas, em linguagem
ocidental, no entanto, as palavras do Cristo não têm senão o sentido de uma equação
física rigorosa e massiva, como se tal equação comportasse a menor vantagem
metafísica ou sacramental " (p.107).

O cerne da questão é que a Filosofia Perene fala aqui com a autoridade da metafísica
pura, que é universalista e supra-formal; esta perspectiva, ao mesmo tempo em que
compreende e leva plenamente em consideração o ponto de vista teológico, penetra no
cerne deste último, revelando assim sua universalidade. Poder-se-ia também dizer que a
Sophia perennis vai além dos limites da perspectiva exotérica e da abordagem religiosa
"fundamentalista".
Quando um metafísico como Frithjof Schuon explica enigmas do pensamento exotérico
e unidimensional, ele principia da perspectiva privilegiada da verdade desinteressada.
Esta última vê, por assim dizer, a paisagem a partir de múltiplos pontos de vista,
considerando simultaneamente os diversos aspectos do objeto em questão. Ao passo que
a teologia comum percebe seu objeto a partir de um único ponto de vista, e enfatiza
apenas um dos vários aspectos deste objeto.

Schuon, em contraste com isso, fala a partir do domínio do conhecimento puro, que
admite a interação de aspectos e pontos de vista sem nunca ficar limitado por
alternativas artificiais.

Às vezes, o ponto de vista supraformal e metafísico intensifica, ou aprofunda, a


perspectiva teológica. Mas, por outro lado, às vezes inevitavelmente vai contra esta
última. "Se desejas o miolo, diz o grande mestre do esoterismo cristão Mestre Eckhart,
é preciso quebrar a casca."

Um gênio metafísico como Schuon nunca iria rejeitar uma doutrina tão importante para
o Catolicismo. Mas ele certamente tem o direito de apontar suas limitações como
entendida pela teologia comum: "Que não haja mal-entendidos: não temos nenhuma
opinião preconcebida contra a ideia da Transubstanciação, mas se alguém diz que a
prova dessa ideia está nas próprias palavras de Cristo, não temos escolha a não ser
responder que estas palavras em si não implicam o significado atribuído a elas" (p. 108).

Para o leitor interessado em aprofundar este tópico, duas das obras-primas de Schuon
são altamente recomendadas. A primeira é "O Mistério das Duas Naturezas", capítulo
de Forma e Substância nas Religiões (Sapientia, 2010). A outra é "Evidência e
Mistério", capítulo de Logique et Transcendance.

(Uma versão deste texto foi publicada na edição No. 28 da revista canadense Sacred
Web.)

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