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REVISTA ÂMBITO JURÍDICO ®

Direito e dever de planejamento tribut?o ou de otimiza? da carga tribut?a

1 – DIREITO AO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO

O planejamento tributário tem no princípio da eficiência a sua justificação ética e axiológica. Assim, ligado à idéia de eficiência, o planejamento
tributário é direito subjetivo de qualquer pessoa.

O planejamento tributário visa, em última análise, otimizar, nos marcos da ordem jurídica, o montante dos encargos tributários a serem suportados
por uma pessoa natural ou coletiva. Assim, por exemplo, ele tem em mira casos em que a legislação prevê a possibilidade de escolha entre regimes
de tributação que podem levar a uma carga tributária menor; é aquilo que Hector Villegas[1] e Narciso Amorós Rica[2] denominam “economia de
opção” que pode ser explícita ou tácita[3]. Exemplos clássicos existem na legislação do imposto de renda brasileiro em relação a: (a) possibilidade de
certas empresas optarem pela tributação com base no lucro presumido ou com base no lucro real; e (b) a possibilidade que as pessoas físicas têm de
considerar certos rendimentos como tributados exclusivamente na fonte, como é o caso de alguns tipos de ganhos financeiros.

Do mesmo modo, situa-se no âmbito do planejamento tributário a escolha de um local para instalação de uma unidade produtiva tendo em vista a
existência de áreas onde existam incentivos fiscais ou financeiros ou em que a tributação seja menor. Por outro lado, o planejamento tributário, como
ação que persegue a otimização da carga tributária, pode ser feito mediante o deslocamento do eixo da tributação para aproveitar as diferenças
existentes, por exemplo, entre a alíquota do Imposto de Renda que é devido pelas empresas e pelas pessoas físicas. Em outras circunstâncias, o
eixo da tributação é deslocado para uma outra jurisdição (um outro país) com o propósito de obter acesso a gravames tributários mais amenos como
são, por exemplo, os paraísos fiscais e as regiões de incentivos fiscais concedidos por países que não participam desta categoria.

A idéia de que existe um direito natural de obter uma otimização da carga tributária é antiga. Aliomar Baleeiro, diz, com todas as letras: “em princípio,
se não viola proibição instituída em lei, ou não comete falsidade material ou ideológica, o contribuinte tem livre eleição dos atos jurídicos e
instrumentos que, do ponto de vista fiscal, são mais convenientes aos seus interesses”.[4] Portanto, a partir deste ponto de vista, o planejamento
tributário situa-se na esfera jurídica de toda pessoa como um direito de proteção de seus interesses individuais, posto que a ordem jurídica os
protege tanto quanto o faz em relação aos interesses da coletividade que são resguardados pela lei que prescreve sanções para aqueles que não
cumprem o que é obrigatório ou fazem o que é proibido.

2 – DEVER DE PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO

Há casos em que o planejamento tributário se converte num dever. O administrador eleito para dirigir uma empresa deve, segundo a ordem jurídica
vigente, adotar todas as medidas que, de acordo com a lei o direito, tragam as menores desvantagens possíveis para a empresa. O direito positivo
não deve condenar, para utilizar uma expressão em voga no direito francês, a “destreza fiscal”, e ninguém pode ser compelido a escolher, entre
alternativas válidas e lícitas, aquela que leve à maior carga tributária.

Os administradores são eleitos para cumprir um mister, a realização do objeto social e enquanto desempenham tal função subordinam-se à lei e ao
direito. A eles é vedado conduzir os negócios sociais à margem da lei e do contrato e adotar condutas contrárias à relação de confiança inerente aos
cargos que ocupam.

Na forma do art. 1.011 do NCC, o administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem
ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios. Preceito com idêntico mandamento é encontrado no art. 153 da Lei n°
6.404/76; tal preceito, em essência, repete a norma do parágrafo 7° do art. 116 do Decreto-lei n° 2.627/40 e o enunciado da norma do art. 142 do
antigo Código Comercial.

Ao administrador, em face desse mandamento, não basta agir com labor e presteza, sem omissões ou retardamentos; importa ainda atuar
escrupulosamente na defesa dos interesses em função dos quais obtém atribuições legais.[5] Assim, o administrador deve servir com lealdade a
sociedade e manter reservas sobre os negócios da empresa, sendo-lhe vedado: (a) usar, em beneficio próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo
para a sociedade, as oportunidades comerciais de que tenha conhecimento em razão do exercício de seu cargo, (b) omitir-se no exercício ou
proteção de direito da sociedade ou, visando à obtenção de vantagens, para si ou para outrem, deixar de aproveitar negócios de interesse da
sociedade, (c) adquirir para revender com lucro, bem ou direito que sabe necessário à sociedade, ou que esta tencione adquirir.

Com base no conteúdo do art. 154 da Lei nº 6.404/76, que pode, com as devidas adaptações, ser aplicado às demais sociedades, deve o
administrador perseguir os interesses da sociedade, sendo-lhe vedado: (a) praticar atos de liberalidade à custa da sociedade exceto quando
autorizado pelos sócios e ressalvados os casos definidos no contrato ou estatuto social; (b) apropriar-se, sem autorização dos sócios ou sem a justa
compensação, bens e direitos da sociedade, ou celebrar negócios em condições mais vantajosas para si do que as que sociedade contrataria com
terceiros, e, (c) receber vantagens, diretas ou indiretas, de terceiros, sem autorização do contrato, do estatuto ou dos sócios.

O dever de lealdade e a obrigação de cumprir o contrato e de levar a sociedade e a empresa a cumprirem os seus desideratos não esgotam o rol das
ações que devem ser adotadas pelos administradores. Outras obrigações lhes são impostas pela lei e pelo contrato ou estatuto social ao qual
aderem e se vinculam de modo que eles estabelecem um “dever de ofício”.

Ao administrador cabe realizar a escolha que melhor atenda à demanda do triplo centro de interesses que estão catalisados na sociedade
empresária; os interesses dos sócios, da própria organização e dos que nela trabalham ou com ela negociam. O exercício do poder dos
administradores é pautado pela busca da finalidade da sociedade e pelo desenvolvimento da atividade que constitui o objeto social; por tal razão, os
atos de gestão devem perseguir um resultado positivo em prol do patrimônio social; todavia, essa busca não pode ser empreendida com violação do
contrato social ou da lei.

As ações e omissões dos administradores devem ser pautadas pela cláusula conhecida por business judgment rule, forjada nos tribunais
norte-americanos. No conteúdo significativo deste mandamento estão as pautas que devem ser observadas para que o administrador atenda aos
postulados do dever de cuidado ou diligência. Segundo ela, o administrador deve perseguir decisões ponderadas, eqüitativas e oportunas, o que se
obtém através de um processo de monitoração das informações recebidas, da imediata investigação sobre questões que podem causar algum
prejuízo à empresa e à sociedade, e, enfim, pela adoção pronta e imediata de todas as providências necessárias, segundo as circunstâncias do
momento, para a produção de decisões racionais; vale dizer, decisões que sejam plena e adequadamente justificáveis segundo os padrões inerentes
à ação de todo homem ativo e probo.

Ao impor finalidades a serem perseguidas e ao estabelecer algumas pautas de condutas, a lei societária visa a prestigiar a busca eficiência segundo
parâmetros. A eficiência é um bem de grande importância para a ordem jurídica positiva: é um mandamento constitucional endereçado aos poderes
públicos[6] e um direito dos particulares. Os particulares podem perseguir a eficiência em seu próprio interesse e o Estado deve persegui-la em
atendimento ao interesse público; tal exigência decorre de um princípio geral implícito na ordem jurídica que impõe um “dever de boa administração”
no cumprimento da função pública de cada órgão estatal[7]. De um ponto de vista sistemático, o dever de eficiência supera a exigibilidade de busca
da melhor relação custo e benefício que está na raiz do princípio da economicidade; o dever de eficiência exige isto e algo mais: ele dirige a ação
estatal para melhoria das condições de funcionamento do aparelho estatal e melhoria da qualidade dos serviços prestados à comunidade.

Portanto, a perseguição da eficiência[8] é um dever da administração pública que, em razão disto, torna-se obrigada a estar atentar paras as lacunas
e distorções no ordenamento tributário de modo a prover o Poder Executivo de informações necessárias a estabelecer mudanças no direito positivo.

No âmbito das relações de Direito Privado, a busca da eficiência no cumprimento das obrigações tributárias em função das demandas dos interesses
estabelecidos em torno da empresa constitui um dever de todo administrador. A eficiência vai além do princípio da economicidade (a melhor relação
entre custo e benefício); ela abrange a busca da citada relação e também da melhoria continua dos processos econômicos de produção e distribuição
de bens, o que abrange o uso adequado dos melhores recursos tecnológicos e pessoais no atendimento das funções da empresa como um todo.
No mundo contemporâneo, a busca a eficiência pode ser atrelada aos princípios reitores da “governança corporativa”.

A chamada “governança corporativa” é uma idéia nova entre nós, mas que advém da preocupação de entidades internacionais em criar mecanismos
que melhorem o funcionamento das empresas ao redor do mundo, e têm merecido atenção de importantes órgãos como a OCDE[9]. O princípio
reitor da “governança corporativa” é da transparência das relações internas das empresas em geral e nas relações destas com a sociedade como um
todo. Os princípios da “governança corporativa” visam, mal comparando, a criar bloqueios contra ardis e ações e omissões que não sejam de boa fé
em prol da eficiência do mercado. A ética e a transparência passam a orientar, com maior profundidade, o mundo dos negócios.

O dever de diligência que é cometido a todo administrador deve nortear a sua atuação na busca da otimização da carga tributária. De fato, se o
planejamento tributário é sempre uma ação ou omissão lícita adotada antes da ocorrência da ocorrência do fato gerador e que observa as formas e
as condições exigidas em lei e não causa prejuízo ao Estado arrecadador, ele está inserido no âmbito do “dever de diligência” e lealdade que é
inerente à condição de administrador.

As conclusões expostas valem integralmente para os sócios que administram o seu próprio negócio. Esses podem – e devem, em certas
circunstâncias – agir da mesma forma que um administrador profissional com a única diferença que agem no próprio interesse sem desconsiderar a
existência de outros que merecem tutela e proteção da ordem jurídica positiva.

3 – DEVER DE PLANEJAMENTO E ATO ANORMAL DE GESTÃO

Nas recentes discussões sobre os limites do planejamento vivemos uma espécie de “vale tudo”. Argumentos de várias origens são esgrimidos em
favor das normas gerais antielisivas e para combater o argumento central da corrente liberal que entende ser o planejamento tributário um direito –
por vezes é um dever – do sujeito passivo que pode adotar quaisquer práticas elisivas que sejam lícitas que não desfigurem o fato gerador previsto
em lei.

Dentre a mixórdia dos argumentos em prol das normas gerais antielisivas está o dos “atos anormais de gestão”. Há aqui um problema semântico: o
planejamento tributário é bastante abrangente e, desta forma, não é feito unicamente de atos de gestão de uma empresa ou um conglomerado; ele
diz respeito, especialmente, ao poder de disposição da propriedade por parte dos empresários e pessoas em geral que, desde tempos imemoriais,
buscam otimizar a carga tributária incidente sobre seus negócios.

A doutrina do “ato anormal de gestão” é uma contribuição francesa para as discussões sobre os limites do planejamento tributário. No fundo, esta
doutrina diz respeito ao mérito de certas operações, especialmente aquelas que traduzem diminuição patrimonial suscetível de reduzir, ao menos em
tese, a base tributável e, ainda, a falta de exigência de contrapartida para certas operações ativas que poderiam gerar acréscimo naquela base de
tributação. No primeiro caso há a preocupação com a dedução de certas cifras e, no segundo, com certas receitas que poderiam ter sido ganhas.

Segundo Gilbert Tixier, as regras sobre atos anormais de gestão estão previstas no artigo 39-1 do CGI e no artigo L. 64 do LPF e funda-se no
princípio de que “as relações comerciais implicam uma troca equilibrada entre as partes, ou seja, que qualquer ato realizado por uma empresa em
proveito de uma outra deve ter a seu favor uma contrapartida normal: assim, empréstimos devem dar lugar ao pagamento de juros”.[10] Entre nós,
João Rolim nos dá notícias sobre alguns casos sobre esta questão que foram julgadas pelos tribunais franceses.[11]

Na latitude extrema desta teoria, o fisco poderia vir a questionar certas decisões empresariais baseado em critérios subjetivos como exigir
explicações sobre o uso de um mármore em lugar de uma cerâmica em determinada obra cujo custo está sendo objeto de depreciação que diminui o
lucro líquido do período; ou ainda, perquirir sobre a razão de instalação de um escritório na avenida Paulista em São Paulo quando o aluguel no
“centro velho” é mais módico. Como se vê, essa doutrina poderia levar a questionamentos absurdos.

Os atos anormais representam, via de regra, violações à lei de ordem pública ou ao contrato ou estatuto. Exemplos típicos de atos que podem ser
qualificados como anormais são os considerados atos de liberalidade, assim considerados aqueles importam diminuição patrimonial sem a devida
contrapartida total ou parcial.[12] Tais atos, no entanto, contam com uma cláusula geral excludente da ilicitude que é a razoabilidade do valor da
liberalidade e sua eventual conexão com o cumprimento da função social da empresa.[13]

Por outro lado, a anormalidade pode estar nas condições dos negócios realizados ou pode estar na natureza inusual do ato. Um ato não usual é
aquele não ordinário e, portanto, praticado fora dos limites do objeto da empresa que, dependendo da constância, pode redundar em mudança tácita
do objeto social ou em desvio de poder dos administradores.[14]

Há atos, porém, que, a despeito de serem realizados fora do objeto social, são úteis aos interesses da sociedade ou aos da empresa e não
prejudicam os demais interesses que giram em torno da empresa situada em dada comunidade. Podem existir casos em que os negócios não usuais,
a despeito de não serem admitidos pelo ordenamento jurídico interno da sociedade (o Contrato ou Estatuto), são lícitos em si, ou seja, não são
proibidos por normas de ordem pública e, ao mesmo tempo, são altamente compensadores e lucrativos; basta pensar num negócio não previsto no
objeto social que seja rendoso para a empresa e para os sócios que participam dos resultados. Neste último caso, desde que o citado negócio não
seja ilícito ou contrário aos bons costumes, nada haveria a negar-lhe a validade, ainda que eles não possam participar da categoria dos atos
ordinários. Basta, no caso, que haja alguma utilidade que não seja nociva a terceiros e a todos que têm interesses em torno da empresa; em outros
casos, pode ser necessária a realização daqueles atos para evitar problemas maiores.

Portanto, a utilidade e necessidade retiram, em princípio, qualquer eiva de ilegitimidade dos atos inusuais, salvo se em relação a eles não forem
adotadas condições negociais eqüitativas, caso em que poderá ser aplicada a pecha de anormalidade ou, se for o caso, outra norma que tenha a
finalidade de reprimir atos abusivos[15] ou susceptível de ser enquadrado como crime[16]. A anormalidade, que, neste caso, tem sentido de ilicitude
pode ser elidida por situações que possam caracterizar um “estado de necessidade” ou, ainda, quando o negócio realizar-se no âmbito de um grupo
em que o interesse grupal preponderar sobre o individual de cada sociedade.

Um negócio marcado pela anormalidade é aquele em condições econômicas não eqüitativas, ou seja, em que uma sociedade aliena bens de seu
ativo a terceiros por valores inferiores ao de usual negociação com terceiros, nas mesmas quantidades e condições, salvo quando houver uma
situação que possa ser caracterizada como bona fide commercial reason. Um outro tipo de negócio anormal é aquele em que a sociedade adquire
bens ou serviços de terceiros por valores superiores aos correntes no mercado do lugar. Enfim, são anormais os atos que sejam ruinosos à
sociedade e à empresa e que são, via de regra, realizados com a finalidade de eludir responsabilidades perante terceiros.

A anormalidade de um ato, do ponto de vista societário, pode ou não ter alguma repercussão no campo do Direito Tributário; o juiz da eventual
escolha é a lei.

4 – ATOS ULTRA VIRES

A par dos atos anormais de gestão existem os atos qualificados como ultra vires ou sem a cobertura (falta ou excesso) de poderes[17]. Os atos ultra
vires podem ser considerados sob a perspectiva da sociedade (ultra vires the company) ou sob o ponto de vista do administrador (ultra vires the
agent). No primeiro caso estão compreendidos os atos praticados além do objeto social fixado no estatuto ou contrato, enquanto que no segundo
caso, o ato é praticado em nome da sociedade, mas além dos poderes estatutários do dirigente.[18]

É de se salientar, no entanto, que esta teoria perdeu o vigor. Ela limitava-se a aportar critérios de interpretação problemas atinentes ao objeto social,
o qual, por sua vez, cede terreno para a idéia de interesse social.[19]

De fato, uma das causas do esvaziamento da importância do princípio do ultra vires societário é o surgimento de uma figura de maior espectro a do
objeto social: trata-se do interesse social. A maior abrangência material desta noção decorre do fato de em torno dele estão refletidos os diferentes
interesses que giram em torno da comunhão de recursos para exploração de uma dada atividade econômica[20]. Em razão disto, certos atos que
afetam o patrimônio social, para mais ou para menos, podem vir a ser considerados legítimos a despeito de não guardarem congruência com o objeto
social.
É certo, porém, que a idéia mais expansiva de interesse social não pode dar guarida a abusos; para coibir os abusos que causem danos contra
quaisquer dos interesses em jogo o ordenamento jurídico contém regras de repressão como são as relativas à responsabilidade social;
desconsideração da personalidade jurídica e crimes envolvendo empresas.

Em apertada síntese, a referida teoria dos atos ultra vires visa, em princípio, aportar critérios de explicação que possam aparelhar decisões em
situações concretas em que estão em jogo os limites impostos aos diversos órgãos das sociedades pela cláusula do objeto social; é o princípio da
especialidade do fim.[21] Para Waldírio Bulgarelli, parte-se “da idéia de que a sociedade existe apenas para a realização do objeto social e sendo
perigosos os atos que o violam, tanto para os acionistas quanto para os credores, devem ser declarados nulos por terem sido praticados ultra vires.”
[22]

No ordenamento jurídico vigente no Brasil os atos ultra vires são, em princípio, anuláveis mas podem ser considerados nulos de pleno direito se
enquadráveis da moldura do art. 166 do Código Civil de 2002. De acordo com esse preceito, é nulo o negócio jurídico quando: (a) celebrado por
pessoa absolutamente incapaz; (b) for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; (c) o motivo determinante, comum às partes, for ilícito; (d)
não revestir da forma prevista em lei; (e) tiver por objetivo fraudar lei imperativa; (e) a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem
cominar sanção.

Portanto, para que possa determinar os efeitos dos atos ultra vires é necessário indagar sobre a compleição formal e substantiva dos mesmos em
cada caso concreto. Assim, se eles forem enquadrados em qualquer uma das condições referidas, a nulidade é insanável porquanto, em face do
disposto no art. 169 do Código Civil, o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo. Exceção à
regra da nulidade absoluta é o disposto no art. 170 do referido Código, segundo o qual se o negócio jurídico tipicamente nulo contiver os requisitos de
outro (válido), subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade. Se, por
outro lado, os atos ultra vires forem anuláveis, isto é, se forem, firmados por agente relativamente incapaz ou por vício resultante de erro, dolo,
coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores (art. 171), eles podem ser confirmados ou convalidados se respeitarem direitos de
terceiros (art. 172). Portanto, os atos ultra vires, salvo os inquinados de nulidade absoluta, podem ser convalidados pelos sócios reunidos em
assembléia ou reunião, de que sejam preservados os direitos de terceiros.

A exemplo do que ocorre com os atos anormais de gestão, atos que possam ser catalogados como ultra vires dizem respeito à economia interna das
sociedades empresárias. O eventual interesse do Estado (sentido amplo) acerca dos efeitos destes atos no campo tributário é manifestado e
protegido pela lei.

5 – PRINCÍPIO DA OTIMIZAÇÃO COMO FUNDAMENTO AXIOLÓGICO DO DIREITO DE PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO

Nas discussões sobre os limites do planejamento tributário, volta e meia, surgem questões acerca da causa[23] e dos motivos[24] dos atos ou
negócios jurídicos que produzam alguma espécie de elisão. A discussão, segundo nos parece, é válida porquanto enriquece o debate a despeito do
fato de que certos autores – como Giuliani Fonrouge[25] – rechacem a pertinência das discussões sobre o conceito de causa no campo do direito
público.

Para certa doutrina, a questão está conectada com a idéia de “abuso do direito”. Assim, seriam abusivos os negócios jurídicos que forem realizados
sem outra causa que não a redução do ônus tributário. No fundo, as discussões em torno da “causa” levam a uma outra: a exigência ou não de um
propósito negocial.

Em princípio, não existe um ato ou negócio jurídico que seja realizado apenas com fins elisivos; a motivação pode ser a obtenção de alguma forma
de otimização da carga tributária; no entanto, o negócio produz outros efeitos, no campo do direito privado, especialmente. Logo, para justificar a
ação ou omissão elisiva, é apenas imprescindível que, além da forma de acordo com a lei e o direito, as decisões pessoais e administrativas que
constituem tais práticas tenham uma causa lícita e verdadeira. Em outro falar, não pode ser considerada legítima uma operação declarada que não
tenha sido efetivamente realizada ou que tenha sido revertida de forma artificiosa.

A causa ou o motivo do negócio não tem, em princípio, importância para a aplicação ou não de uma norma tributária. Tudo fica a depender dela
própria (a norma), que pode exigir ou não a ocorrência de um ou de outro ou de ambos concomitantemente.

Ouçamos a lição de Moreira Alves, acatado ex-ministro do Supremo Tribunal Federal:

“A causa do negócio jurídico nada mais é do que a finalidade econômico-prática a que visa a lei quando cria um determinado negócio jurídico. Assim,
por exemplo, na compra e venda, a causa do negócio jurídico é a troca da coisa pelo dinheiro (preço). O motivo é de ordem subjetiva das partes que
se utilizam de determinado negócio jurídico. Por exemplo, uma pessoa pode utilizar-se do contrato de compra e venda para adquirir alguma coisa
com – e é o motivo – a finalidade subjetiva de desfazer-se desta coisa”. [26]

A doutrina de Moreira Alves coincide com a de Pontes de Miranda. Para esse último, motivos são as pré-intenções que dão ensejo ao negócio
enquanto que causa é o “alicerce para construção da figura”.[27]

A causa dos negócios jurídicos é absorvida pelo seu conteúdo[28] e este constitui a propósito negocial: portanto, não há propósito negocial nos atos
ou negócios jurídicos sem causa sincera; a falta de lisura milita contra a seriedade do negócio ou do ato. Em outras palavras, o propósito negocial
tem estreita conexão com a idéia de causa; a identidade entre causa (causa final) e propósito negocial é apresentada por Orlando Gomes[29]:

“A causa é um requisito útil, particularmente como o meio de se recusar proteção jurídica a negócios sem significação, ou ilícitos. Se não se leva em
consideração o propósito negocial definido no ordenamento jurídico – causa final dos negócios jurídicos –, o exercício da autonomia privada não
pode, como deve, ser fiscalizado e controlado.”

De fato, quando alguém celebra um negócio jurídico e cumpre as obrigações assumidas o faz com a finalidade de movimentar a sua autonomia
privada e atingir a função social que é inerente ao negócio. Assim, a causa está pressuposta no conteúdo[30] e a falta deste corresponde a uma
“causa ilícita”.[31] A partir deste ponto de vista, a falta de causa é prova suficiente da ocorrência de fraude ou simulação e o ordenamento jurídico
contém normas de bloqueio para cercear a produção de efeitos tributários em operações que sejam formalmente documentadas, mas que não
tenham causa real.

De acordo com o que já foi dito, há uma razão econômica que dá suporte ou propósito negocial a qualquer operação de envolva a circulação e
riqueza suscetível ou não de gerar tributo. Trata-se do optimality principle, que busca a otimização de todas as coisas como um ideal de eficiência e
utilidade.

À vista das considerações precedentes fica patente que se um negócio foi efetivamente realizado ou não, cumpriu-se ou não a causa que lhe é
inerente. Trata-se, portanto, de uma questão ligada à prova dos atos ou negócios jurídicos em geral, e sujeitos às normas tributárias impositivas.

A causa, portanto, esgota-se com a prova da realização efetiva do ato ou negócio jurídico, mas a lei tributária – e somente ela – pode prescrever que
os eventuais efeitos do ato ou negócio estejam conectados a uma dada finalidade. Portanto, uma coisa é causa – no sentido jurídico – e outra,
completamente diferente, é a justificativa para os atos negócios jurídicos.

No direito positivo brasileiro, existe inúmeras regras que estabelecem alguma finalidade relevante para fins tributários. Exemplo de regra que estipula
que a causa de um ato ou negócio jurídico esteja ligada uma específica finalidade está a existente na legislação do Imposto de Renda que prescreve
que somente serão dedutíveis – para fins de determinação do lucro real – as despesas que sejam necessárias à atividade da empresa e manutenção
da respectiva fonte produtora[32]. Logo, gastos sem causa ou com causa não pertinente às necessidades da empresa não são admitidos como
dedutíveis. Este exemplo mostra que as questões em torno da causa dos atos ou negócios podem – e devem – estar na lei.

Note-se que, em qualquer ato ou negócio jurídico, a causa, ao menos no plano lógico, precede a finalidade. Portanto, o ato ou negócio em si não
pode ser causa de nada – nem mesmo da elisão lícita ou ilícita – se ele é efetivamente realizado debaixo das normas sobre a sua validade, a
problemática da causa se esgota.

Outra coisa completamente diferente da causa é o motivo do ato ou negócio jurídico.

A questão da exigência de um motivo para justificar atos do comércio da vida privada é um pouco mais intrincada. De acordo com a doutrina de
Moreira Alves, antes exposta, o motivo é algo de ordem subjetiva, e, portanto, localiza-se no campo da “intenção” ou “vontade”.

Ocorre que a intenção e a vontade (enquanto não declarada) não têm relevância para o direito tributário; a obrigação tributária surge do fato gerador
independentemente de haver concordância a respeito por parte do sujeito passivo eleito pela lei. Assim, se realizada em concreto a situação prevista
em lei como necessária e suficiente para a configuração do chamado fato imponível, a obrigação tributária surge independentemente de consulta
sobre a intenção ou vontade de praticá-lo. Dessa forma, ainda é atual a doutrina de Amílcar de Araújo Falcão; para ele, “o fato gerador se conceitua
objetivamente, de acordo com o critério estabelecido na lei. Para sua configuração, a vontade do contribuinte pode ser mero pressuposto, mas nunca
elemento criador ou integrante”.[33]

Há casos, porém, que a lei impõe a revelação dos motivos para a prática de certos atos. É o caso, por exemplo, do art. 225 da Lei nº 6.404/76, que
exige que, nos casos de reorganizações societárias que envolvem a cisão, fusão ou incorporação de sociedades sejam estipulados, nos documentos
societários, os motivos e as finalidades da operação. Tal exigência justifica-se em razão da finalidade da norma citada, que é proteger os acionistas
minoritários e credores contra eventuais manobras do sócio controlador.

De certo modo, há um consenso de que as operações que envolvam reorganizações societárias visam: a reduzir despesas e duplicidade de
controles; permitir a melhor administração do ponto de vista logístico e financeiro; atender a exigências legais, etc. Ora, se os contribuintes declaram
esses motivos para realizar certa operação (que estão de acordo com a legislação) eles dificilmente podem ser contestados pela fiscalização. É
possível que essas declarações encubram o verdadeiro motivo; o de reduzir a carga tributária. Em tais casos, como identificar esse “real motivo”, sem
cair no psicologismo inútil?

É óbvio, como já foi dito, que a lei tributária pode determinar que estas categorias (causa e motivo) venham, eventualmente, a compor o conjunto de
critérios de validade material dos atos e negócios. Neste momento, as idéias de causa e de motivo mostram-se estreitamente relacionadas com a
idéia de propósito negocial. A rigor, este, quando presente, absorve aqueles.

Na falta de lei, certa doutrina considera que a causa, motivo ou razão para justificar a realização de certos atos e negócios jurídicos deve ser
encontrada em outro lugar, fora da lei tributária. Ouçamos a exposição enfática de Hermes Marcelo Huck:

“Repita-se, e mais uma vez, que o indivíduo tem o direito de organizar seus negócios e pagar o menor imposto possível, porém essa liberdade deve
decorrer de circunstâncias ou eventos ligados à conveniência pessoal, a interesses de ordem familiar, a questões de natureza econômica ou ligadas
ao desenvolvimento da empresa, ao seu aprimoramento ou ao incremento de sua eficiência. Sempre que for assim, estará sendo utilizado o direito
dentro de sua finalidade, sem abuso, e não haverá que se falar em desconsideração do negócio ou ato para efeitos fiscais”.[34]

Restaria saber se nos limites da “conveniência pessoal” poderiam ou não ser consideradas as operações sinceras (portanto, com causa lícita) que
tenham por exclusiva finalidade de otimizar a carga tributária ou, dizendo de outro modo, se a razão da otimização é ou não, em si, aquela razão
suficiente. Fico a imaginar como se faria o controle da validade de uma causa pessoal; tenho dúvidas de como deveria se comportar uma autoridade
fiscal diante de uma situação em que certa prática notoriamente elisiva viesse a ser justificada com esse tipo de argumento.

O que haveria de se dizer se uma dada conveniência pessoal fosse fundada na simples vontade de pagar o menor tributo. A esse respeito o citado
autor não é claro; diz ser “sofismática a afirmação de que o simples fato de economizar impostos, por si, só já caracterizaria um business purpose”;
todavia, faz tal declaração logo depois de ter afirmado que:

“No mercado competitivo das modernas relações empresariais, o processo de planejamento, como um todo, passou a ser necessidade básica. Tão
essencial quanto um planejamento econômico, técnico, comercial, de mercado etc., o planejamento tributário é aquele que visa a eficiência em seu
campo, ou seja, o menor ônus tributário para o negócio, dentro dos limites da lei”.[35]

Fico na dúvida se existe algum sofisma mais notório do que dizer que algo é “tão essencial” e, ao mesmo tempo, dizer que esse “essencial” não pode
legitimar certas decisões administrativas para fins tributários.

Sofismas à parte; parece claro que as pessoas têm a seu favor uma razão econômica a priori que legitima toda e qualquer decisão individual pessoal
ou administrativa destinada a ordenar ou reordenar a forma dos seus negócios ou dos bens que produzem riqueza suscetível de ser alcançada por
norma tributária impositiva. Essa razão a priori está pautada pela legalidade positiva ou negativa (norma inclusiva e exclusiva); trata-se do optimality
principle, que persegue a otimização de todas as coisas como um ideal e, portanto, se espraia para as questões práticas como as relacionadas à
produção empresarial e logística até as relativas à roupagem jurídica das operações.

A otimização está ligada à idéia de eficiência, como um processo de busca contínua de melhorias em todos os setores da vida. É algo que não tem
fim; há sempre um aspecto a ser melhorado. A otimização da carga tributária insere-se neste contexto assim como se inserem as providencias
legislativas tendentes a eliminar as possibilidades de elisão tributária e obter maiores receitas para o Estado arrecadador de tributos. Neste último
caso, a otimização decorre de um dever de boa administração que visa a dar maior efetividade ao princípio constitucional da eficiência administrativa.

Uma empresa vive em constante mudança; isto impõe um processo contínuo de reelaboração dos objetivos e das estruturas necessários à criação,
manutenção ou expansão de um mercado que consuma os produtos e serviços que oferece; isto requer inovação.

Ora, a mudança não é algo que possa ficar confinado ao interior das pessoas ou possa ser limitada a estruturas físicas; elas têm repercussões no
campo econômico e, em alguns casos, no campo jurídico. A demanda por mudanças requer ação por parte dos administradores que ficam obrigados
a procurar todos os meios necessários a reposicionar a empresa no mercado; para preservação de sua posição pessoal ou da empresa como ente
econômico atuante.

O núcleo do optimality principle é a necessidade de inovação contínua; a criação de novas estruturas e a invenção de novas formas de fazer as
coisas. De acordo com lição de Peter Drucker[36]:

“A segunda função de uma empresa é, portanto, inovação – a provisão de diferentes satisfações econômicas. Não basta que ela forneça quaisquer
bens e serviços econômicos: deve oferecer bens e serviços melhores e mais econômicos. Não é necessário que uma empresa cresça; mas é
necessário que ela se aperfeiçoe constantemente”.

A busca por novas fórmulas operacionais ou negociais é uma necessidade para toda empresa que atua num mercado competitivo. De acordo com
Robert Tomasko, a administração de empresas, nesta época, requer atividades próprias de um designer de estruturas operacionais internas e
externas; na base dessas atividades estão as permanentes ações tendentes ao redimensionamento (resize) operacional e estratégico e à
reformulação (reshape) das estruturas. Essa atividade envolve uma atitude comprometida com a mudança: deste modo, a todo tempo, os
administradores repensam (rethink) a empresa como um todo[37] e estabelecem novas formas de atuação.

Aqui retorna o problema de um motivo ou finalidade extra-tributária, já abordado; consoante tem sido apregoado, todas as razões podem justificar a
elisão fiscal exceto se ela – a elisão – for a única e exclusiva. Essa consideração, consoante já foi assaz demonstrado, pode levar a absurdos: de
fato, ao admitir que, do ponto de vista tributário, negócios idênticos possam ser atribuídas soluções distintas; mas a justificar a distinção não seria
uma circunstância prevista na lei tributária, mas sim algo que não está compreendido no campo normativo dela e que, portanto, não fez parte das
cogitações do legislador.
Argumentos desta natureza invertem a ordem natural das coisas: a norma tributária passa a ter importância menor que a circunstância pessoal
eventualmente prevista em outra norma existente para tutelar um outro interesse, aquele denominado extra-tributário.

Há que se considerar, por outro lado, que, em certas circunstâncias, a própria lei tributária despreza a causa (o propósito negocial) e o faz de forma
explícita. No âmbito da legislação do Imposto de Renda calculado com base no lucro real, certas normas negam a dedutibilidade de cifras
contabilizadas sem que seja demonstrado o recebimento, pela empresa, de bens, direitos ou serviços que tenham alguma relação com atividade
produtiva. Em outras situações, é exigida incidência de um imposto sobre certos pagamentos, como é o caso, por exemplo, o artigo 61 da Lei nº
8.981/95. Assim, a pessoa jurídica que efetuar pagamento a beneficiário não identificado ou não comprovar a operação ou a causa do pagamento
efetuado ou recurso entregue a terceiros ou sócios, acionistas ou titular, contabilizados ou não, bem como não comprovar o pagamento do preço
respectivo e o recebimento dos bens, direitos ou mercadorias ou a utilização de serviços, referidos em documento emitido por pessoa jurídica
considerada ou declarada inapta, sujeitar-se-á à incidência do imposto, exclusivamente na fonte, à alíquota de 35%, a titulo de pagamento a
beneficiário não identificado e/ou pagamento a beneficiário sem causa. Neste caso, o pagamento do imposto de fonte supera as questões acerca da
licitude do pagamento sem causa.

A necessidade da mudança legitima a priori a adoção de medidas jurídicas tendentes a reduzir ou redimensionar a carga tributária nos limites da lei e
do ordenamento jurídico. No campo tributário, para levar a cabo as mudanças que decorrem de uma exigência natural para a empresa enquanto tal,
os empresários ou os administradores, não ficam obrigados, salvo disposição expressa de lei, a justificar as suas ações: se não podem apresentar
justificativas para se escusar ao cumprimento de obrigações tributárias quando praticam o chamado “fato gerador” previsto em lei; não devem, ao
reverso, explicar porque não o praticam ou porque escolhem meios menos onerosos que sejam permitidos pela lei; a permissão, no caso, abrange a
“permissão forte”, aquela que está explícita na lei, e abrange, de igual forma, a “permissão fraca”, assim considerada aquela baseada na regra
inclusiva segundo a qual o que não está proibido está permitido.

Dentro da perspectiva da otimização da carga tributária, salvo condições impostas pela lei (devidamente justificadas em face do princípio da
proporcionalidade), o sujeito passivo pode adotar todas as medidas que estiverem ao seu alcance para obtê-la; é necessário, no entanto, que exista
uma causa válida, vale dizer, é imprescindível que os atos ou negócios sejam sinceros e pautados pela legalidade e transparência. Por tais razões
parece cristalino que a otimização da carga tributária é, em si, uma razão absolutamente válida para realização de atos ou negócios jurídicos porque
– como foi dito anteriormente – trata-se de um direito que, em certas circunstâncias, se converte em dever.

6 – CUIDADOS NO PLANEJAMENTO

Tenho dito e redito que o planejamento tributário é coisa séria: não pode ser feita por amadores ou profissionais negligentes. O planejamento
tributário sério deve ser conduzido de modo a reduzir os riscos: o bom êxito dessa redução depende da correta e bem conduzida análise de todos os
aspectos envolvidos. De acordo com o melhor do nosso entendimento os riscos devem ser avaliados tendo em conta, ao menos, três fatores, que
denominamos “filtros de legalidade e sinceridade” que dizem respeito à legitimidade dos meios e dos fins.

O primeiro filtro diz respeito à legalidade formal e material. É necessário examinar se o modelo engendrado pode ser licitamente utilizado ou se o
mesmo constitui ou não uma forma direta ou indireta de burla a normas de imperativas ou ordem pública, aquelas que não podem ser desprezadas
ou contornadas pelos particulares sob pena de sanção, o que inclui a invalidade (nulidade ou anulabilidade) dos atos ou negócios jurídicos
celebrados sem que elas sejam observadas.

O segundo filtro diz respeito legalidade teleológica, que tem relação com a higidez jurídica da função dos atos ou negócios, ou finalidade a ser
alcançada; é necessário estabelecer se os atos ou negócios jurídicos – a despeito do atendimento aos requisitos da legalidade formal e material –
destinam-se a alcançar um resultado legítimo.

O terceiro filtro – filtro de sinceridadedos atos e negócios – diz respeito à verificação do comportamento das partes. Interessa atestar se as partes
agem efetivamente para dar realidade negocial às formas engendradas, isto é, se os negócios declarados são efetiva e verdadeiramente realizados e
de acordo com o arcabouço jurídico aplicado às referidas formas ou se, por outro lado, a forma está a serviço de falsa representação da realidade.

A licitude formal dos atos ou negócios jurídicos não é suficiente para impedir que as autoridades fiscais possam vir, nos limites da lei, a contestar os
resultados produzidos. Especialmente nas operações entre partes relacionadas (empresas ou pessoas ligadas por qualquer forma), são necessários
cuidados especiais para afastar artificialismos.

Nas operações de prestações de serviços entre partes relacionadas, especialmente, as autoridades fiscais tendem a submeter tais decisões a um
“teste de efetividade” em dois níveis. Em primeiro lugar, procuram aquilatar a existência de uma estrutura operacional (recursos humanos e materiais)
na sociedade prestadora de serviços que fosse suficiente para realizar os serviços contratados. Em segundo lugar, exigem provas de que os serviços
contratados foram de fato e de direito prestados; isto é, se a contratante (a tomadora dos serviços) recebeu os benefícios dos serviços.

Ao menos em uma ocasião as autoridades desconsideraram uma pessoa jurídica que teria sido constituída “com artificialismo” para prestar serviços a
outra de um mesmo grupo. O caso foi examinado pela 1ª Câmara do Conselho de Contribuintes, em decisão que tem a seguinte ementa:

“Comprovada a impossibilidade fática da prestação de serviços por empresa pertencente aos mesmos sócios, dada a inexistente estrutura
operacional, resta caracterizado o artificialismo das operações, cujo objetivo foi reduzir a carga tributária da recorrente mediante a tributação de
relevante parcela de seu resultado pelo lucro presumido na pretensa prestadora de serviços. Assim sendo, devem ser desconsideradas as despesas
correspondentes. Todavia, se ao engendrar as operações artificiais, empresa que pretensamente prestou os serviços sofreu tributação, ainda que de
tributos diversos, há de se recompor a verdade material, compensando-se todos os tributos já recolhidos.” (Acórdão nº 101-95.208: Recurso nº
139.359, publicado no Diário Oficial da União em 10.02.2006).

O planejamento tributário engendrado perseguia a tributação da receita pelo lucro presumido e dedução da despesa por empresa tributada com base
no lucro real. O plano foi mal conduzido: os planejadores pretendiam reduzir a carga tributária, mas só conseguiram simular uma prestação de
serviços.

No caso, as autoridades fiscais concluíram que a constituição da empresa prestadora de serviços foi algo artificial (não real) porquanto esta não tinha
condições operacionais de entregar os serviços contratados. A segunda fase do teste de efetividade – que consistiria no exame da prova da real
prestação do serviço - não foi feita porquanto o modelo engendrado não passou pelo primeiro teste.

Várias lições podem ser extraídas da decisão administrativa acima e que podem contribuir para a produção de alternativas de planejamento tributário
com segurança jurídica.

Em primeiro lugar há o fato de que nenhuma contestação foi feita em relação à circunstância de ter havido a constituição de uma empresa prestadora
de serviços interligada (sócios controladores comuns). Em segundo lugar, nenhum óbice foi levantado contra a finalidade perseguida, de modo que a
operação passa tranquilamente pelo filtro da “legalidade teleológica”. De fato, o modelo engendrado não sofreu qualquer restrição mesmo diante do
fato notório de que o mesmo foi concebido com a finalidade de obtenção de redução da carga tributária; isto significa dizer que a busca da otimização
da carga tributária é um direito inalienável dos particulares e constitui um propósito negocial legítimo.

Em terceiro lugar, a decisão deixa absolutamente claro que o modelo engendrado não pode estar unicamente suportado em atendimento às
formalidades legais. É imprescindível o atendimento aos requisitos do “filtro de sinceridade”; deste modo, caberia ao contribuinte ter demonstrado
satisfatoriamente que os serviços poderiam e foram efetivamente prestados porquanto a prestadora dos mesmos era adequadamente dotada de
recursos materiais, pessoais e financeiros necessários e suficientes à prestação. Se não bastasse isto, ao contribuinte caberia o dever de prova de
que os serviços contratados foram e são de fato e de direito prestados; isto é, se a contratante (a tomadora dos serviços) recebeu os benefícios dos
serviços. A tudo isto deve ser somada a necessidade de ser demonstrada a necessidade das despesas contabilizadas para manutenção das
atividades da empresa, de modo a serem ou não consideradas dedutíveis.
Esse exemplo me permite terminar com uma metáfora. Em planejamento tributário há o script (a moldura, o modelo, ou o enredo) é há o filme. O
script é representado por um ato ou negócio jurídico em tese: o filme é resultado dos fatos. Por vezes, alguns “diretores” (planejadores) pegam um
script bom e produzem um filme miserável, no qual o enredo que emerge se apresenta como um conjunto de mentiras e negligencias que formam um
quadro onde a fraude transborda sob o signo do dolo eventual. Como diria Horatio Caine (personagem do ator David Caruso, na série televisiva CSI
Miami), os fatos falam mais que qualquer coisa.

Notas: 1. VILLEGAS, Hector B. La evasión tributaria. Revista de direito público nº 25. São Paulo: RT, 1973, p. 31. 2. RICA, Narciso Amorós. O
conceito de fraude à lei no direito espanhol. Direito tributário: estudos em homenagem ao professor Ruy Barbosa Nogueira. 1. ed. São Paulo:
Saraiva, 1984, p. 433. 3.EZCURRA, Marta Villar. Seminário internacional sobre elusión fiscal: la experiencia de españa. Anais do Seminário
Internacional sobre Elisão Fiscal. Brasília: Ministério da Fazenda, 2002, p. 348. 4. BALEEIRO, Aliomar. Clínica fiscal. 1. ed. Salvador: Progresso,
1958, p. 62. 5. COMPARATO, Fábio Konder. Direito empresarial. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 512-513. 6. O princípio da eficiência está
previsto, explicitamente, no caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988, por obra da Emenda Constitucional nº 19/98. Em nível federal, a Lei
9.874/96, foi editada para dar efetividade a esse princípio no Processo Administrativo Federal. Ver: FERRAZ, Sérgio, e DALLARI, Adilson Abreu.
Processo administrativo. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 78-79. 7. FALZONE, Guido. Il dovere di buona ammnistrazione. 1. ed. Milão: Giufrè,
1953, p. 128. 8.GABARDO, Emerson. Princípio constitucional da eficiência administrativa. 1. ed. São Paulo: Dialética, 2002, p. 126. 9. CÂMARA,
Paulo. Códigos de governo das sociedades. Cadernos do mercado de valores mobiliários nº 15. 1. ed. Lisboa: CMVM, 2002, p. 65. 10. TIXIER,
Gilbert. O direito fiscal internacional. 1. ed. Lisboa: PEA, 1986, p. 117. 11. ROLIM, João Dácio. Normas antielisivas tributárias. 1. ed. São Paulo:
Dialética, 2001, p. 190. 12. MENEZES, José Alberto Bastos. Os atos de liberalidade nas sociedades anônimas. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro nº 11, ano XII. São Paulo: RT, 1973, p. 49; VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedades por ações. 1. ed. v. 2.
Rio de Janeiro: Forense, 1941, p. 39; e MARTINS, Fran. Direito societário. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 117. 13. REQUIÃO, Rubens.
Aspectos modernos de direito comercial: 2. volume. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 47. 14. Idem, idem. 15. Citem-se, como exemplos, as normas dos
artigos 154 e 155 da Lei nº 6.404/76. 16. Vide artigo 177 do Código Penal. Na doutrina: PEDRAZZI, Cesare, e COSTA JUNIOR, Paulo José da.
Direito penal das sociedades anônimas. 1. ed. São Paulo: RT, 1973, p. 177-180. 17. BITTENCOURT, Mário Diney Corrêa. As sociedades e os atos
ultra vires. RT v. 656. São Paulo: RT, 1990, p. 48-52. 18. BATALHA, Wilson de Sousa Campos. Comentários à lei de sociedades anônimas. 1. ed. v.
2. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 698. 19. MARTINS, Fran. Novos estudos de direito societário. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 12. 20. Idem,
idem. 21.COVIELLO, Nicolas. Doctrina general del derecho civil. 1. ed. México: UTE, 1938, p. 244. 22.BULGARELLI, Waldírio. Questões de direito
societário. 1. ed. São Paulo: RT, 1983, p. 1. 23.Abstraio, neste estudo, as discussões doutrinárias acerca da função da causa que foram e são
travadas por causalistas e anticausalistas. Sobre essa discussão: GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983,
p. 328-331. 24. Certas discussões doutrinárias colocam o motivo como integrante da causa: daí ter surgido a expressão “causa-motivo”. A respeito:
AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 151. 25.FONROUGE, C. M.
Giuliani. Conceitos de direito tributário. 1. ed. São Paulo: Lael, 1973, p. 134. 26. ALVES, José Carlos Moreira. Figuras correlatas: abuso de forma,
abuso de direito, dolo, negócios jurídicos simulados, fraude à lei, negócio indireto e dissimulação. Anais do Seminário Internacional sobre Elisão
Fiscal. Brasília: Ministério da Fazenda, 2002, p. 63. 27. MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Tratado de direito privado. v. 3. 3. ed. Rio de
Janeiro: Borsoi, 1970, p. 97-98. 28. DABIN, Jean. La teoría de la causa. 1. ed. Madri: RDP, 1929, p. 73-74. 29. GOMES, Orlando. Introdução ao
direito civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 330. 30. BETTI, Emílio. Teoria geral do negócio jurídico. t. 1. 1. ed. Coimbra: Coimbra Editora,
1969, p. 334-335. 31. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Defeitos dos negócios jurídicos. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 76. 32. Artigo
299 do Regulamento do Imposto de Renda, aprovado pelo Decreto nº 3.000/99. 33. FALCÃO, Amílcar de Araújo. Introdução ao direito tributário. 1.
ed. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976, p. 86. 34. HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e elisão: rotas nacionais e internacionais do planejamento tributário
. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 153. 35. Idem, p. 148-149, passim. 36. DRUCKER, Peter. Fator humano e desempenho. 1. ed. São Paulo:
Pioneira, 1991, p. 113. 37.TOMASKO, Robert M. Rethinking: repensando as corporações. 1. ed. Makron Books, 1994, p. 3-11.

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