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White Paper: Desafios e oportunidades para aumento de

escala da restauração florestal com espécies nativas na bacia


hidrográfica do rio Itacaiúnas, Pará
Markus Gastauer, Sâmia Nunes, Rosane L. Cavalcante, José O. Siqueira

Apresentação
Nas últimas décadas, diversas iniciativas do governo brasileiro e da sociedade civil
buscaram reduzir o desmatamento no país, principalmente na Amazônia. Mais
recentemente, iniciou-se um movimento global para aumentar a área de floresta no
mundo, o que influenciou fortemente o governo a se comprometer com metas e políticas
de recuperação da vegetação nativa. Como destaques estão o Acordo de Paris e a Política
Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa que preveem a recuperação de 12 milhões
de hectares no país até 2030. O maior desafio agora é aumentar a escala da restauração
florestal com espécies nativas para atender às metas nacionais, atingir os objetivos de
mitigação do clima e, ao mesmo tempo, promover ganhos socioeconômicos vindos da
floresta.
Neste contexto, a Vale anunciou uma meta de recuperar e proteger 500 mil hectares de
áreas degradadas além das fronteiras da empresa até 2030. Com ~4,1 Mha, a bacia
hidrográfica do rio Itacaiúnas (BHRI), estado do Pará, na qual os maiores
empreendimentos da Vale estão localizados, oferece grandes oportunidades para alcançar
parte dessa meta. A bacia já perdeu mais da metade de sua vegetação nativa, e seus
remanescentes estão concentrados principalmente em áreas protegidas. O avanço da
restauração florestal na BHRI, assim como na Amazônia, depende de um conjunto de
estratégias e incentivos que aliem o ganho ambiental ao retorno econômico e segurança
alimentar.
Com base em uma extensa revisão de literatura e análise de dados locais foram
identificados desafios e oportunidades para aumentar a escala da restauração. Isso inclui
o passivo ambiental da bacia, estratégias de implementação, a disponibilidade de
sementes e mudas, monitoramento do sucesso da restauração, aspectos econômicos e
sociais.

1. Requerimento legal para a preservação permanente (1). Porém,


desde a revisão da Lei de Proteção da
recomposição florestal da Bacia
Vegetação Nativa em 2012, percebe-se
do Itacaiúnas que somente a obrigação legal não foi
Devido ao histórico de uso do solo na suficiente para estimular a adequação
BHRI, a região perdeu 51% de suas ambiental dos imóveis rurais e reduzir
florestas, convertidas principalmente em efetivamente o passivo ambiental. O
pastagens. Isso gerou um passivo desafio é implementar mecanismos que
ambiental de 574 mil ha em propriedades incentivem o produtor rural a investir na
privadas, dos quais 328 mil ha precisam restauração e aumentar o conhecimento
ser recuperados por lei – 59% em áreas sobre espécies nativas para atender às
de reserva legal e 41% em áreas de demandas nacionais para restauração de

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passivo em larga escala. Uma das florestas funcionais em menor tempo
oportunidades é utilizar modelos possível.
produtivos que deem um retorno A reversão da degradação do
econômico ao produtor e utilizar as ecossistema depende do manejo
áreas degradadas em processo de adequado do solo. O risco de insucesso
regeneração, para acelerar o processo da restauração florestal com espécies
de restauração, reduzindo custos. Um nativas aumenta quando faltam
estudo baseado nos dados do informações sobre sua adaptação e
MapBiomas, estimou que existem 251 desempenho em relação aos atributos
mil ha em algum estágio de regeneração físicos e químicos do solo.
na BHRI, sendo 47% nos cinco Para restauração florestal em
primeiros anos de desenvolvimento. larga escala com espécies nativas, é
necessário produzir conhecimentos
2. Implementação sobre estas espécies. Isso abrange
As principais estratégias de restauração conhecimentos ecológicos para fomentar
florestal aplicadas na Amazônia são a a seleção de espécies para cada
regeneração natural e o plantio total de situação e técnicas de manejo
mudas e/ou sementes. Sua escolha silviculturais como demandas
influencia diretamente no custo do nutricionais e questões fitossanitárias
projeto e depende do nível e do histórico para maximizar a sobrevivência e
da degradação, da cobertura florestal crescimento das plantas.
remanescente e das metas de restauração
desejadas, devendo ser integrada com 3. Disponibilidade de sementes e
atividades de produção para aliar mudas
benefícios socioeconômicos com melhor A restauração ativa depende da
performance de serviços ecossistêmicos. disponibilidade de sementes e mudas de
Na BHRI, 44% da área que deve ser espécies nativas, o que ainda é um
restaurada é classificada com alto desafio para restauração em larga escala
potencial para a regeneração natural, na Amazônia. Considerando o plantio
1% apresenta potencial médio e 55% total nas áreas de passivo da BHRI,
baixo potencial (2). seriam necessárias 379 milhões de
A seleção de espécies a serem mudas para recompor as áreas com
plantadas depende dos solos, do clima baixo potencial para regeneração
regional atual, do clima esperado para natural. Isso equivale ao dobro da
o futuro, dos resultados desejados e da capacidade máxima instalada dos
estratégia de restauração. Plantios viveiros da Amazônia identificada por
comerciais como Sistemas (3) somada a dos viveiros do projeto
Agroflorestais (SAFs) e Integração PROSAF no estado do Pará. Por isso a
Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) importância da escolha da técnica de
requerem espécies que garantam o restauração a ser utilizada em cada local
rápido retorno dos custos de e de um mapeamento mais preciso das
implementação, de acordo com a aptidão fontes de sementes e mudas.
e interesse dos produtores rurais. A A coleta e a qualidade de
restauração ecológica para compensação sementes de muitas espécies nativas são
ou reparação de impactos ambientais, limitadas por padrões de
pode exigir a seleção de um número desenvolvimento irregulares, curtos
maior de espécies para atingir períodos de colheita e rápida dispersão.
De forma similar, a dormência das

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sementes é comumente observada em No entanto, como medições em
ecossistemas marcados pela campo consomem tempo e dinheiro, o
sazonalidade climática enquanto as monitoramento da recomposição
sementes recalcitrantes sensíveis à florestal em larga escala representa um
dessecação continuam sendo um desafio desafio logístico e financeiro. Com o
significativo para a conservação ex situ e intuito de reduzir custos e tempo nesse
a produção de mudas. Portanto, a processo, as tecnologias de
otimização do tempo de colheita e a sensoriamento remoto oferecem meios
definição de métodos de para monitorar as florestas de
processamento, armazenamento e maneira eficaz, repetitiva e
plantio são necessários para aumentar comparativa.
a qualidade das sementes e o sucesso
da propagação. 5. Aspectos socioeconômicos
A restauração da paisagem florestal
4. Monitoramento do sucesso da beneficia o desenvolvimento rural, por
restauração florestal meio do aumento da renda familiar, das
O monitoramento da recomposição oportunidades de emprego e da
florestal é um requisito legal no Brasil, resiliência das comunidades. Para cada
necessário para medir o sucesso da sua 1.000 hectares em restauração,
implementação e a redução do passivo estima-se a geração de 200 empregos,
ambiental. Dependendo dos objetivos através da coleta de sementes,
sociais, econômicos ou ambientais da produção de mudas, plantio e
recomposição florestal, uma gama de manutenção (4). Para o passivo a
indicadores está disponível para essa restaurar da BHRI, isso representaria
finalidade. uma oportunidade de geração de 65.600
Para verificar o impacto social, o empregos.
número de empregos criados e a Os benefícios da restauração
capacitação de pessoas pode ser podem compensar os custos de
quantificada. Em termos econômicos, implantação e custos de oportunidade
custos relacionados com a da produção agrícola (5). A adoção da
implementação e ganhos através de abordagem de restauração da paisagem,
comercialização de produtos madeireiros com metas de larga escala, deve ser
ou não-madeireiros, além de pagamentos adotada por fornecer maior eficiência
por serviços ecossistêmicos, devem ser econômica e melhor relação custo-
considerados. Avaliações ambientais benefício (6). Um estudo no Pará
devem incluir parâmetros estruturais da mostrou que dependendo da técnica
vegetação como fechamento de dossel e utilizada e do sistema produtivo, a
biomassa; medidas relacionadas a restauração pode gerar lucro de R$
biodiversidade; e medições de processos 2.110/ha, como o caso de manejo
ecológicos como funcionamento de solo, florestal sustentável de espécies nativas
redes de interação e performance de em áreas restauradas, a pesar de ser uma
serviços ecossistêmicos, a fim de inferir atividade de baixa liquidez e alto risco
sobre o status da restauração. Porém, a comparado a outras atividades agrícolas
inferência sobre o status ambiental (7). O custo está diretamente relacionado
requer a definição de critérios a partir ao método utilizado, podendo variar de
dos quais uma floresta pode ser R$ 2.385 para condução da regeneração
considerada restaurada. natural sem cercamento, até R$ 17.492
para plantio total de mudas em condições

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ambientais desfavoráveis (8). Isto potencial se concretize, é preciso
significa que a restauração do passivo na implementar novos arranjos e
BHRI localizado em áreas de alto e mecanismos para que a cadeia de valor
médio potencial para regeneração da restauração se estabeleça, desde a
natural custaria R$ 335 milhões; e a disponibilidade de sementes e mudas até
restauração das áreas de passivo com a comercialização e beneficiamento de
baixo potencial custaria R$ 3 bilhões.
produtos madeireiros e não-madeireiros.
Para alcançar uma restauração
sustentável e duradoura em larga escala,
o governo e o setor privado devem Referências
trabalhar juntos para entender a 1. S. Nunes, R. B. L. Cavalcante, W.
demanda potencial, envolver as R. Nascimento, P. W. M. Souza-
comunidades locais e implementar Filho, D. Santos, Potential for
mecanismos e incentivos financeiros Forest Restoration and Deficit
efetivos para restauração florestal e Compensation in Itacaiúnas
suas cadeias de suprimentos. Por Watershed, Southeastern Brazilian
exemplo, pagamentos por serviços Amazon. Forests. 10, 439 (2019).
ambientais, incluindo o sequestro de
carbono e produção de água, podem 2. I. Vieira, J. Ferreira, R. Salomão, S.
incentivar a restauração florestal com Brienza Júnior, M. Matsumoto, J.
potencial para produzir benefícios Braga, “Potencial de regeneração
econômicos e sociais. natural da vegetação na Amazônia”
(MMA, Brasília, DF, 2017),
(available at
Conclusão https://www.mma.gov.br/images/ar
A Bacia Hidrográfica do Rio Itacaiúnas quivos/biomas/mata_atlantica/Poten
tem uma grande oportunidade de se cial%20de%20regeneracao%20natu
destacar em termos de restauração ral%20amazonia.pdf).
florestal com espécies nativas em larga
escala. A meta da Vale de restaurar e 3. IPEA, “Diagnóstico da Produção de
conservar 500.000 hectares até 2030 é Mudas Florestais Nativas no Brasil”
parte de um desafio maior na busca para (IPEA, Brasília, DF, 2015),
uma mineração neutra em carbono. Por (available at
http://repositorio.ipea.gov.br/bitstre
isso, a empresa pode ser uma grande
am/11058/7515/1/RP_Diagn%C3%
impulsionadora, colocando a restauração
B3stico_2015.pdf).
como um modelo de desenvolvimento
econômico e territorial da região, devido 4. M. Calmon, P. H. S. Brancalion, A.
ao aproveitamento dos ativos florestais Paese, J. Aronson, P. Castro, S. C.
para comercialização, subsistência, da Silva, R. R. Rodrigues,
geração de empregos, além dos Emerging Threats and Opportunities
benefícios ambientais e consequente for Large-Scale Ecological
redução do passivo de florestas. Da Restoration in the Atlantic Forest of
mesma forma, estas iniciativas podem Brazil. Restoration Ecology. 19,
contribuir com as metas nacionais de 154–158 (2011).
mudanças do clima estabelecidas no 5. B. B. N. Strassburg, F. S. M.
Acordo de Paris e reduzir a fragmentação Barros, R. Crouzeilles, A. Iribarrem,
da região. Entretanto, para que esse J. S. dos Santos, D. Silva, J. B. B.

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Sansevero, H. N. Alves‐Pinto, R. Como citar:
Feltran‐Barbieri, A. E. Latawiec, GASTAUER, M.; NUNES, S.;
The role of natural regeneration to
CAVALCANTE, R. L.; SIQUEIRA, J.
ecosystem services provision and
O. Desafios e oportunidades para
habitat availability: a case study in
the Brazilian Atlantic Forest. aumento de escala da restauração
Biotropica. 48, 890–899 (2016). florestal com espécies nativas na
bacia hidrográfica do rio Itacaiúnas,
6. B. B. N. Strassburg, H. L. Beyer, R. Pará. White Paper. Belém, PA: ITV,
Crouzeilles, A. Iribarrem, F. Barros, 2019. 5p.
M. F. de Siqueira, A. Sánchez-
Tapia, A. Balmford, J. B. B.
Sansevero, P. H. S. Brancalion, E.
N. Broadbent, R. L. Chazdon, A. O.
Filho, T. A. Gardner, A. Gordon, A.
Latawiec, R. Loyola, J. P. Metzger,
M. Mills, H. P. Possingham, R. R.
Rodrigues, C. A. de M.
Scaramuzza, F. R. Scarano, L.
Tambosi, M. Uriarte, Strategic
approaches to restoring ecosystems
can triple conservation gains and
halve costs. Nature Ecology &
Evolution. 3, 62 (2019).

7. D. Silva, S. Nunes, Avaliação e


modelagem econômica da
restauração florestal no Estado do
Pará (Imazon, Belém, Pa, 2017).

8. R. Benini, S. Adeodato, Forest


restoration economy (The Nature
Conservancy, São Paulo, SP, 2017;
https://www.nature.org/media/brasil
/economia-da-restauracao-florestal-
brasil.pdf).

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