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A VOZ NECESSÁRIA
Encontro com os profetas do século VIII a.C.
BRODOWSKI
2011
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Este livro foi publicado pela Paulus em 1998: A voz necessária: encontro com os
profetas do século VIII a.C. São Paulo: Paulus, 1998, 144 p. - ISBN 8534910634.
Comunicamos com a presente que a obra supracitada está com estoque zerado e sairá
de nosso catálogo de publicações, retornando os direitos autorais da obra ao AUTOR.
Assinado: Zolferino Tonon - Diretor Editorial Multimedial.
O texto aqui publicado é o mesmo da edição impressa. Apenas os textos que tratam do
contexto histórico, o texto bíblico, as notas de rodapé e a bibliografia foram atualizados.
O texto pode ser baixado e utilizado para fins educacionais e não comerciais. Sua
reprodução na Internet é proibida.
Isaías 1-39 constitui o primeiro bloco de profecias. Aí boa parte dos oráculos é de
Isaías. Durante o exílio foram produzidos os capítulos 40-55 por um profeta anônimo
que viveu na Babilônia. É chamado de Dêutero-Isaías pelos especialistas atuais. Após o
exílio, durante o século VI a.C., foram escritos os oráculos de Is 56-66, provenientes,
talvez, de vários profetas da época da reconstrução de Judá na época persa.
Depois olharei os acréscimos feitos a Is 1-39 e, por fim, tentarei uma síntese do
pensamento do profeta.
Em seguida é apresentado o amor de Iahweh para com o povo: como um pai que
cria e dá tudo a seus filhos. E estes se revoltam contra tal pai, colocando-se em
condição inferior à de animais domésticos, como o burro e o boi.
2 . "A metáfora de Sodoma e Gomorra, para falar de Jerusalém, se concentra no v. 10 nos chefes e
governantes. O paralelo 'príncipes/povo' demonstra que a acusação é dirigida contra os que dirigem o povo,
prevenindo-nos contra uma frequente generalização do 'povo' de Israel pecador", alerta-nos CROATTO, J.
S. Isaías. Vol I: 1-39, p. 34.
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"Lavai-vos, purificai-vos!
Tirai da minha vista vossas más ações!
Cessai de praticar o mal,
aprendei a fazer o bem!
Buscai o direito (mishpât), corrigi o opressor!
Fazei justiça ao órfão, defendei a causa da viúva!" (Is 1,16-17).
"Sua terra está cheia de prata e de ouro: não há fim para seus tesouros;
sua terra está cheia de cavalos: não há fim para seus carros,
sua terra está cheia de ídolos,
e adoram a obra de suas mãos,
aquilo que seus dedos fizeram" (Is 2,7-8).
Isaías acredita que o homem será expulso deste ambiente, será humilhado até o
pó da terra, em condições infra-humanas (vv. 9-11). E nos vv. 12-17 lemos que no "dia
de Iahweh" todas as obras das quais os homens se orgulham, quer sejam da natureza
(cedros, carvalhos, montanhas, colinas), quer sejam aquelas produzidas por suas mãos
(como torres altas, muralhas, navios de grande porte, embarcações de luxo), serão
condenadas por Iahweh, cabendo, por último, ao homem ser diretamente humilhado.
E o que fará o homem? Os vv. 18-22 concluem que, naquele dia, só lhe restará
tentar esconder-se de Iahweh nos abismos, nas tocas, onde for possível, como bicho
apavorado.
4. "Trata-se de um poema lírico: um dos fragmentos mais puramente líricos de Isaías", diz
SCHÖKEL, L. A. Estudios de poética hebrea. Barcelona: Juan Flores, 1963, p. 96-97. GONZAGA DO
PRADO, J. L. Traduzir: interpretar ou re-criar? Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 32, p. 92, 1991, propõe a
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É possível que este texto não se refira à vocação de Isaías de um modo geral,
mas seja uma preparação para uma missão específica na vida do profeta. De qualquer
maneira, como em todo texto de vocação, o relato foi escrito muito tempo depois do
seguinte tradução do v. 7: "Parece que vocês não ouviram bem o que ele queria: 'Esperava o direito, aí o
despeito, a justiça, aí a cobiça!'".
5 . Segundo outra cronologia, Ozias teria morrido em 736 a.C., embora não governasse desde 756
a.C., pois estava atacado pela lepra. Cf. SCHWANTES, M. Isaías: Textos selecionados. São Leopoldo:
Comissão de Publicações da Faculdade de Teologia da IECLB, 1979, p. 25-27.
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fato6. Isto possibilitou ao profeta refletir sobre o sentido de sua missão e aqui,
especificamente, sobre o insucesso de sua pregação. Sua função foi de fato, reflete
Isaías, pregar o fim e a morte de Judá.
A ameaça conjunta das forças israelitas do norte e das forças sírias em 734 a.C.
levou Judá a invocar o auxílio assírio. Deu resultado, mas, para ter esta proteção, Judá
perdeu toda a sua independência.
Entre outras coisas, Judá viu-se obrigado a reconhecer os deuses assírios. Acaz
teve que apresentar-se a Tiglat-Pileser III, rei da Assíria, para prestar-lhe obediência e
render homenagem aos deuses assírios. Uma cópia do altar sobre o qual Acaz
sacrificou aos deuses assírios foi, em seguida, instalada no Templo de Jerusalém, ao
lado do altar de Iahweh ali existente. É o que conta 2Rs 16,10-16.
Havia, contudo, uma esperança. Que se chamava Ezequias, e era filho de Acaz.
Ainda criança, Ezequias foi associado ao trono, em 728/7 a.C.
Isto porque ensinava-se em Judá que Iahweh elegera Sião como lugar
privilegiado e fizera à dinastia davídica a promessa de permanência eterna no poder. Se
um rei não fosse bem sucedido no governo, o problema poderia ser resolvido com o rei
seguinte. Acaz estava indo muito mal, mas Ezequias era uma esperança de dias
melhores8.
6 . Como Is 6,1-13 está muito ligado aos capítulos 7-12, que tratam da guerra siro-efraimita, a
redação deste texto supõe a atividade do profeta durante a época de Acaz (734/3-716 a.C.).
7 . "Isaías entrou em choque com todo mundo: lutou contra o rei, os funcionários, às vezes contra
os sacerdotes e, com eles, contra toda a sua sabedoria. Tentou fazê-los ver, ouvir, compreender. Mas eles
deixaram de lado os planos de Deus, as promessas da dinastia, para seguirem seus próprios planos. É por
isso que Isaías declara com frequência: 'Israel não sabe, meu povo não entende'", comenta ASURMENDI, J.
M. Isaías 1-39. São Paulo: Paulus, 1980, p. 33.
8 . Cf. <http://www.airtonjo.com/historia23.htm>.
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Isaías vai ao encontro de Acaz acompanhado por seu filho Sear-Iasub (Um-resto-
voltará), indicação ou sinal de esperança frente à crítica situação que se desenha. Acaz
está cuidando das defesas de Jerusalém.
Segundo Isaías, a dinastia davídica está ameaçada por dois fatores: os planos
inimigos e o medo do rei. Os planos inimigos fracassarão, o temor e as alianças políticas
farão o rei de Judá fracassar. O que dá estabilidade é a fé a confiança em Iahweh 10. O
que Isaías diz a Acaz, segundo os vv. 4-9 do capítulo 7, é o seguinte:
Is 7,10-17 relata novo encontro de Isaías com Acaz, desta vez, talvez, no
palácio, no qual o profeta oferece ao rei um sinal de que tudo se arranjará diante da
ameaça siro-efraimita.
Com a recusa do rei em pedir um sinal a Iahweh, Isaías muda de tom e relata a
Acaz que Iahweh, por própria iniciativa, dar-lhe-á um sinal.
Que consiste no seguinte: a jovem mulher ('almâh) dará à luz um filho, seu nome
será Emanuel (Deus-conosco) e ele comerá coalhada e mel até que chegue ao uso da
razão. Até lá Samaria e Damasco serão destruídas.
"À luz do contexto do oráculo e dos textos siro-cananeus bem anteriores, parece
que se pode determinar: essa que é chamada 'almâh é muito provavelmente a jovem
rainha, talvez designada assim antes do nascimento do primeiro filho"11.
É bem provável que o menino seja Ezequias, filho de Acaz. Isaías falou a Acaz
nos primeiros meses de 733 a.C., e Ezequias teria nascido no inverno de 733-32 a.C.
Por outro lado, o sinal não seria, segundo alguns, de salvação, mas de castigo.
Acaz é rejeitado porque não confia em Iahweh. O alimento do menino, do mesmo modo,
supõe um período de devastação e miséria em Judá, como consequência da política
filo-assíria de Acaz12. É mais provável, entretanto, que seja um alimento de tempos de
abundância, como sugerem as passagens de Ex 3,8.17 e 2Sm 17,29.
13. "Deus lhe recomenda tomar distância 'deste povo'. É a terceira vez que aparece esta designação
depreciativa da classe dirigente de Jerusalém (cf. 6,9;8,6)", explica CROATTO, J. S. o. c. p. 70.
v. 3: opressão/libertação: jugo
canga
bastão
v. 4: guerra/paz: bota
veste
v. 5a: desespero/esperança: um menino nasceu
um filho nos foi dado
v. 5b: liderança
v. 5c: competência: Conselheiro-maravilhoso: sabedoria na administração
Deus-forte: capacidade bélica
Pai-eterno: zelo pela prosperidade do povo
Príncipe-da-paz: preocupação com a felicidade do povo
v. 6: permanência: domínio multiplicado
paz perpétua
casa de Davi: direito e justiça.
Os verbos estão no hifil, forma causativa do verbo hebraico. Isto indica que é
Iahweh quem faz tudo isso que o poema descreve.
Esta alegria enorme é causada pelo fim da opressão - o jugo, a canga e o bastão
do opressor foram quebrados -, pelo fim da guerra (a bota e a veste militares foram
queimadas) e pelo nascimento de um menino em Judá:
Este versículo marca o ápice do poema. Começa com "palavras curtas, não para
maior rapidez, mas para serem pronunciadas lentamente, enchendo, com seu pequeno
volume, uma medida rítmica maior - como o menino em sua pequenez. A sonoridade é
toda cheia de aliterações e sons suaves, para o saborear da pronúncia lenta: kî yeledh
yulladh lânû bên nitan lânû ["Porque um menino nos nasceu, um filho nos foi dado"].
Contraste curioso: o verso menor é o mais importante do poema", observa L. A.
Schökel15.
Is 10,1-4 traz uma ameaça aos juízes injustos que abusam de seu cargo para
oprimir e saquear os desvalidos: os fracos: dallîm, os pobres: 'aniyyîm (cf. Am 2,7: "Eles
esmagam sobre o pó da terra a cabeça dos fracos [dallîm] e tornam torto o caminho dos
pobres ['anâwîm]"), as viúvas e os órfãos. Um dia encontrar-se-ão com uma instância
superior, juiz divino.
v. 2: as qualidades do personagem
terá o espírito de Iahweh (rûah Yhwh)
espírito de sabedoria (hokhmâh)
e de discernimento (bhînâh)
espírito de conselho ('êtsâh)
e de fortaleza (gebhûrâh)
espírito de conhecimento (da'ath)
e de temor de Iahweh (yir'ath Yhwh)
17 . Assim LACK, R. La symbolique du livre d'Isaie, p. 49. Outros acreditam que o texto se refere
à entronização de Ezequias em 728/7 a.C. Assim ASURMENDI, J. M. Isaías 1-29, p. 70.
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v. 9: conclusão
ninguém fará mal nem destruição em Jerusalém
porque haverá conhecimento de Iahweh (da'ath Yhwh) em Israel.
Os verbos que se referem aos animais, por exemplo, como morar, deitar, andar,
guiar, pastar, brincar, transpiram paz, transmitindo o sentido do tempo de prosperidade
e paz anunciado pelo profeta.
Is 28,1-4 deve ter sido proferido pouco antes da queda de Samaria (722 a.C.),
cidade à qual é endereçada. O profeta denuncia a orgulhosa capital do reino do norte,
cujos habitantes se embebedam e se coroam, como a cidade coroada por suas
muralhas (v. 1), mas que não percebe a aproximação de uma terrível tempestade, a
destruidora Assíria (v. 2). Samaria será engolida como um figo temporão e os
samaritanos esmagados como uma coroa calcada aos pés (vv. 3-4).
Após tomar posse como rei, com a morte de seu pai Acaz, Ezequias manteve-se
fora das rebeliões anti-assírias, insufladas pelo Egito, que explodiam a todo momento na
região. E aproveitou a situação de pouca vigilância assíria para fazer uma reforma em
Judá.
Um dos alvos da reforma teria sido a ruptura com práticas cultuais não-javistas
dos agricultores. Entre outras coisas, teria abolido os lugares altos (bâmôt), quebrado as
estelas (matsêbôt), cortado o poste sagrado („asherâh). Até mesmo do Templo de
Jerusalém Ezequias teria retirado símbolos dos cultos da fertilidade, como uma serpente
de bronze. É o que nos conta 2Rs 18,4, embora aqui a OHDtr tente apresentar uma
justificativa para a presença desta serpente de bronze no Templo (“que Moisés havia
feito, pois os israelitas até então ofereciam-lhe incenso” – cf. Nm 21,8-9).
19 . Assim ASURMENDI, J. Isaías 1-39, p. 74-77. Asurmendi é partidário da tese de que não há
textos messiânicos no livro do proto-Isaías, pois "o messianismo supõe a falência da instituição régia e uma
intervenção divina que a ultrapassa. Seria de estranhar que um homem tão ligado à instituição, para quem a
ideologia régia é tão central, tenha pensado numa mudança tão radical" (p. 76).
Entretanto, por motivos ainda hoje desconhecidos, talvez uma peste, Senaquerib
levantou o cerco de Jerusalém e retornou à Assíria. A cidade voltou a respirar, no último
minuto, mas teve que pagar forte tributo aos assírios. Não se sabe porque Jerusalém se
salvou. 2Rs 19,35-37 diz que o Anjo de Iahweh atacou o acampamento assírio. Existe
uma notícia de Heródoto, História II,141, segundo a qual num confronto com os egípcios
os exércitos de Senaquerib foram atacados por ratos (peste bubônica?). Talvez
Senaquerib tenha partido por causa de alguma rebelião na Mesopotâmia. Ou ainda: há
autores que pensam que Jerusalém nem precisou ser sitiada para ser vencida. Nos
Anais de Senaquerib se diz o seguinte:
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"No décimo quarto ano do rei Ezequias, Senaquerib, rei da Assíria, subiu
contra todas as cidades fortificadas de Judá e apoderou-se delas. Então
Ezequias, rei de Judá, mandou esta mensagem ao rei da Assíria, em Laquis:
'Cometi um erro! Retira-te de mim e aceitarei as condições que me
impuseres'. O rei da Assíria exigiu de Ezequias, rei de Judá, trezentos
talentos de prata e trinta talentos de ouro, e Ezequias entregou toda a prata
que se achava no Templo de Iahweh e nos tesouros do palácio real. Então
Ezequias mandou retirar o revestimento dos batentes e dos umbrais das
portas do santuário de Iahweh, que... rei de Judá, havia revestido de metal, e
o entregou ao rei da Assíria".
22 . BRIEND, J. (org.) Israel e Judá: Textos do Antigo Oriente Médio, p. 76. Sobre a reforma de
Ezequias, a invasão de Senaquerib e o governo de Manassés, cf. FINKELSTEIN, I. ; SILBERMAN, N. A. A
Bíblia não tinha razão, p. 318-364; LIVERANI, M. Para além da Bíblia: História antiga de Israel, p. 195-
209; DA SILVA, A. J. O Contexto da Obra Histórica Deuteronomista. Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 88,
p. 11-27, 2005.
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Oriente Médio naquela época - e dos ossos de camelos adultos em Tell Jemmeh, uma
localidade vizinha a Gaza.
Is 1,4-9 apresenta a situação de Judá após a derrota sofrida em 701 a.C. Mas o
profeta mostra que isto aconteceu porque todo o país estava tomado pela corrupção. O
v. 4 apresenta, por exemplo, quatro denominações para Judá em ordem crescente de
intimidade com Iahweh, enquanto os qualificativos mostram uma ordem crescente de
mal, incompatível com a condição de filhos conferida pouco antes. As consequências da
corrupção são apresentadas nos vv. 5-9, sob a imagem de um escravo flagelado por
seu senhor.
"Que tens tu, afinal, que todos os teus habitantes sobem aos telhados
cheios de júbilo, cidade ruidosa, cidade vibrante?
Os teus trespassados não foram trespassados à espada,
nem foram mortos na guerra.
Os teus comandantes fugiram todos juntos,
sem arcos, foram capturados,
todos juntos foram capturados;
eles tinham fugido para longe.
Diante disso, eu disse:
'Desviai de mim os vossos olhos, que eu choro amargamente;
não insistais em consolar-me
da ruína sofrida pela filha do meu povo'" (Is 22,1b-4).
Em Is 30,1-5 o profeta ameaça aqueles que confiam nas alianças com o Egito e
abandonam Iahweh, cometendo idolatria política25. Isaías demonstra que assim Judá
fracassará. O contexto histórico continua sendo a crescente ameaça de Senaquerib a
partir de 705 a.C. e as negociações de Judá para formar uma coalizão anti-assíria.
Na verdade, o profeta vai escrever suas denúncias, repetidas mas não ouvidas
por seus contemporâneos. Só o futuro lhe dará razão (vv. 8-11). Entretanto, Isaías
alerta: este comportamento cego da nação vai levá-la à destruição, como uma muralha
rachada que desmorona de repente ou um vaso de barro despedaçado com violência
(vv. 12-14). A confiança de Judá está em seus inúteis exércitos e isto a destruirá, pois
só a confiança em Iahweh garantiria sua sobrevivência na crise que se aproxima (vv. 15-
17).
Embora pareça não ter mais nenhuma perspectiva, o profeta ainda sonha: Is
31,4-9 descreve a proteção de Iahweh para Jerusalém como um leão que defende sua
presa dos pastores, como aves que voam e vigiam: "Então a Assíria cairá à espada,
mas não de homem; por uma espada, mas não de mortal, ela será devorada" (v. 8a).
Muitos dos oráculos de Is 1-39 são bem posteriores à época do profeta. São
acréscimos, adaptações a contextos novos, releituras das profecias do grande Isaías do
século VIII a.C.
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A condição do rei morto não é nada privilegiada, como era em vida, segundo a
observação dos habitantes do sheol, pois "sob o teu corpo os vermes formam como um
colchão, os bichos te cobrem como um cobertor" (v. 11b). Logo este rei, ironiza o
poema, que dizia ser superior a todos, que colocaria o seu trono acima das estrelas, que
tornar-se-ia semelhante ao Altíssimo. Hoje quem te vê diz: "Porventura é este o homem
que fazia temer a terra, que abalava reinos? Que reduziu o mundo a um deserto,
arrasou-lhe as cidades e nunca permitiu que os seus prisioneiros voltassem para a sua
pátria?" (vv. 16b-17). E o pior: o rei não terá nem sepultura nem sucessores, conclui o
poema, para que nunca mais se nomeie "esta raça de malvados".
26 . "O texto atual de Isaías 1-39, seja como unidade fechada ou como parte de 1-66, deve ser lido
na perspectiva pós-exílica (...) É a chave situacional para ler todo o 'livro' de Isaías. Esta 'posição' do leitor é
fundamental para compreender este texto como uma obra e não como um aglomerado de oráculos", reitera
CROATTO, J. S. Isaías. Vol I: 1-39, p. 14.
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Is 36,1-39,8 são capítulos copiados dos livros dos Reis para completar as
tradições, reunidas pelos redatores, sobre Isaías. A data da redação final é pós-exílica.
Compõem-se os capítulos de três episódios principais: a invasão de Senaquerib e sua
embaixada (36-37), a doença e a cura de Ezequias (38) e a embaixada do rei Merodac-
Baladã, da Babilônia (39).
27 . Cf. KAISER, O. Isaiah 13-39. 2. ed. London: SCM Press, 1980, p. 173-179; CROATTO, J. S.
o. c., p. 147-149.
"Disse Iahweh:
Visto que as filhas de Sião estão emproadas
e andam de pescoço erguido e com olhos cobiçosos,
visto que caminham a passos miúdos, fazendo tilintar as argolas dos
[pés,
o Senhor cobrirá de tinha a cabeça das filhas de Sião,
Iahweh lhes desnudará a fronte" (Is 3,16-17).
Por outro lado, sua posição política depende das tradições sobre a eleição
divina de Jerusalém e da dinastia davídica. Iahweh está comprometido com a cidade e
com a descendência de Davi. É preciso que o povo confie em Iahweh e mantenha a
calma mesmo nos piores momentos. Nada de recorrer, portanto, a auxílios estrangeiros,
quer venham do Egito, quer venham da Assíria. O contrário da fé é o temor, é o medo
que se manifesta quando Judá busca segurança no poder das armas e das alianças
políticas.
Isaías quer que o homem de sua época restabeleça o equilíbrio perdido na sua
relação com Iahweh. O homem de seu tempo se colocara no cume de um panteão
terreno, dominando e decidindo tudo segundo mesquinhos interesses, sem exigências
éticas de justiça e de solidariedade. Como diz Is 2,12-17:
Se Israel não aceitar Iahweh como decisivo, então Iahweh o fará à força: virá o
"dia de Iahweh" e a arrogância humana será despedaçada.