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JUNIOR, Itamar Vieira; Torto Arado. 1 ed. Portugal: Todavia, 2019, 246 p.

Escrito por Itamar Vieira Junior, Torto Arado é um texto contemporâneo que trata de
temas relevantes da realidade negra, feminina e interiorana brasileira, tais como racismo e
escravidão. A obra ganhou notoriedade com alguns prêmios literários, como Prêmio Jabuti de
Romance Literário e Prêmio Oceanos, no ano de 2020. A delicada composição estética do
livro, como sua capa lindamente ilustrada por Elisa V. Randow junto da editora Todavia,
também auxiliou na atenção gerada à Torto Arado. Já o escritor, o qual nasceu na Bahia, é
formado em geografia pela Universidade Federal da Bahia Campus Ondina (UFBA) e seu
doutorado, feito na mesma universidade, foi o início dos estudos para a composição da obra.
Além disso, os inúmeros detalhes disponibilizados nesta vêm de uma análise cultural feita por
Itamar, a fim de que sua escrita fosse a mais condizente, possível, ao dia a dia do local.
Torto Arado se passa na Bahia, mais especificamente em Água Negra, seu interior. O
enredo conta a história de duas irmãs, Bibiana e Belônisia, e sua trajetória a partir de um
incidente ocorrido, quando pequenas, com a misteriosa e mística faca de sua avó, Donana.
Depois disso, suas vidas mudaram completamente, a ponto de uma necessitar da outra e de
modo constante, desencadeando, assim, muitas situações interessantes e intrigantes. Torto
Arado é um romance, subgênero do gênero épico/narrativo que aborda de maneira categórica
a relação objeto e sujeito, segundo Aguiar e Silva (1976). Ademais, é dividido em três partes:
“Fio de Corte”, “Torto Arado” e “Rio de Sangue”, tendo cada parte narrada por uma
personagem diferente a qual se relaciona diretamente com a história. Por consequência, com
toda mudança de voz uma nova visão se instaura na obra, nos dando uma perspectiva
completa a respeito das ocorrências delineadas pelo autor.
Essas vozes expõem, normalmente, a condição desumana em que os habitantes de
Água Negra vivem, já que se apresentam detalhes sobre como eram vistos os moradores
pelos “donos da terra”, ou seja, como meros corpos que poderiam gerar lucro. Outro quesito
destacado é a realidade da própria terra, como as secas recorrentes no local, as quais afetam
diretamente a vida da comunidade. Ademais, as narradoras explicitam, de maneira sutil, mas
realística, o machismo incluso nas relações tanto matrimonias como de poder, por meio da
violência doméstica e dos assédios recorrentes no trabalho. E, por fim, majoritariamente
inclusa no romance, a questão racial. Esta tem uma presença grandiosa na obra, pois muito se
disserta sobre a vida quilombola, sendo um dos motivos para os acontecimentos decorrentes,
como a falta de recompensação financeira aos trabalhadores, mesmo estes trabalhando de
domingo a domingo. Em Olhos d’água, de Conceição Evaristo, observa-se, também, uma
descrição sobre as relações raciais em um local onde nota-se o abuso aos moradores afro-
brasileiros, com a violência social como aspecto principal dessa obra.
Todas essas decorrências são possíveis pela diversidade de detalhes dados. Vemos que
as narrações trazem, ao leitor, o reconhecimento dessa vivência árdua e desumana que as
mulheres negras passam. Nota-se, ainda, que o espaço dissertado é muito bem desenvolvido,
pois relatos de como o contato com a natureza traz vida aos trabalhadores e a percepção única
sobre as plantações, são comuns em Torto Arado. Todavia, algo bastante curioso é o
desconhecimento do tempo em que se passa a história. Indicações ligeiras parecem ser
deixadas, como o ano de nascimento do pai das irmãs (anos 30), Zeca Chapéu Grande, além
da chegada da primeira televisão ao local. No entanto, essa inviabilização pode indicar,
também, a recorrência das opressões com a população afrodescendente, tanto no presente
quanto no passado.
Com uma linguagem formal, mas acessível a maioria da população brasileira, Torto
Arado é uma obra que se direciona à todas as camadas da sociedade, especialmente àquelas
que não se sentem representadas. Itamar Vieira Junior, usou de seus conhecimentos sobre os
aspectos culturais regionais apresentados na obra, para expressar os sentimentos e as ideias
do povo feminino negro do sertão nordestino, que não consegue utilizar de sua própria voz
para lutar por sua vida, além de ajudar na desconstrução dos preconceitos impostos àquelas.
Portanto, é um livro necessário a todos que se veem na mesma condição, mas especialmente
aos que procuram entender a vivência dos afro-brasileiros no interior e reconhecer seus
privilégios sob tais, visto que o viés disponibilizado pelo autor escancara o que se passa na
realidade escravocrata de Água Negra.

Letícia Petel de Sousa é estudante do primeiro período de Letras Português-Inglês da


Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).

Referências:
SILVA, Vitor Manuel de Aguiar e; Gêneros Literários. 3 ed. Coimbra: Almedina, 1973,
769p.
TODAVIA. Torto Arado. Disponível em: https://todavialivros.com.br/livros/torto-arado.
Acesso em: 25 mai. 2021.
LITERAFRO. Itamar Vieira Junior. Disponível em:
http://www.letras.ufmg.br/literafro/autores/1270-itamar-vieira-junior. Acesso em: 24 mai.
2021.

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