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SANTOS, Boaventura. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2000.

“Ao contrário do que se passa com a morte dos indivíduos, a morte de um dado paradigma traz dentro
de si o paradigma que lhe há-de suceder. [...] A partir dos séculos XVI e XVII, a modernidade ocidental
emergiu como um ambicioso e revolucionário paradigma sócio-cultural assente numa tensão dinâmica
entre regulação e emancipação social” (prefácio).

A progressiva convergência que se deu entre o capitalismo e o paradigma da modernidade implicou o contínuo
esmaecimento da tensão antes existente, em decorrência, conforme o autor, da superposição da regulação sobre a
emancipação. Essa prevalência provocaria a própria crise da modernidade, impedida de renovar-se. Conforme o autor,
portanto, vivemos num período de transição paradigmática, da modernidade para a seguinte, a que o autor designa
por conhecimento prudente para uma vida decente – portanto etimológica e societal.

“A transição paradigmática tem várias dimensões que evoluem em ritmos desiguais. Distingo duas
principais: a etimológica e a societal” (prefácio).

O autor, porém, apresentando sua crítica à modernidade e, por isso, considerando-se inserido na tradição crítica da
modernidade, afirma desviar-se dela em razão de três questões principais: a) afirma a necessidade de, para a crítica
da modernidade, fugir aos seus paradigmas (desvia-se, com isso, do que chama de teoria crítica moderna e, por isso,
subparadigmática); b) afasta-se da teoria crítica moderna em objetivo e estatuto pois, enquanto essa busca a
vanguarda na desfamiliarização, a teoria crítica pós-moderna de oposição buscaria afirmar-se enquanto nova família,
como novo senso comum emancipatório; c) ao afirmar as manipulações do que critica, assume acriticamente sua
transparência a respeito do que diz sobre si própria.

“É ainda com a mesma preocupação que Bordieu nos adverte que os sociólogos tendem a ser sociólogos
em relação aos outros e ideólogos em relação a si próprios. [...] A auto-reflexividade é a atitude de
percorrer criticamente o caminho da crítica” (prefácio).

A modernidade, para o autor, é não um paradigma sócio-cultural global ou universal, mas um paradigma local que se
globalizou. As promessas da modernidade, tal como a busca da igualdade e da liberdade, a melhoria das condições de
trabalho, e tantas outras que relacionavam combinadamente o aprimoramento da tecnologia e a emancipação
humana, não se consolidaram ou ao menos não se consolidaram de modo universal tanto quanto se universalizaram
suas promessas. Ao contrário da universalização do próprio paradigma, essa realizada de forma eficaz, não se deu, de
igual modo, a universalização das conquistas desse, o que se deu apenas em dados contextos específicos, como no
Estado Providência da Europa Ocidental, relevando, no entanto, todo o resto do mundo. Conforme ressalta
Boaventura, desde a crise da década de 1980,

“os países devedores do Terceiro Mundo têm vindo a contribuir em termos líquidos para a riqueza dos
países subdesenvolvidos pagando a estes em média por ano mais 30 bilhões de dólares do que o que
receberam em novos empréstimos” (23-24).

Tratando das teorias críticas modernas, elenca suas fontes de inspiração e seus ícones analíticos mais importantes.

“Esses conceitos e as configurações teóricas em que eles se integram são ainda hoje parte integrante do
trabalho dos sociólogos e cientistas sociais e, à luz disso, é defensável pensar-se que afinal continua hoje
a ser tão fácil ou tão possível produzir teoria social crítica como antes. Julgo, contudo, que assim não é.
Em primeiro lugar, muitos desses conceitos deixaram de ter a centralidade de que gozavam antes ou
foram internamente tão reelaborados e matizados que perderam muito da sua força crítica. Em segundo
lugar, a sociologia crítica, uma crítica assente, no caso da sociologia positivista, na ideia de que o rigor
metodológico e a utilidade social da sociologia pressupõem que ela se concentre na análise do que existe
e não nas alternativas ao que existe e, no caso da sociologia antipositivista, na ideia de que o cientista
social não pode impor as suas preferências normativas por carecer de um ponto de vista privilegiado para
o fazer” (25).

Discorrendo sobre as dificuldades atuais de se formular uma teoria crítica, diante da multiplicidade de alternativas de
que se dispõe, o autor afirma que isso decorre de um problema de origem, qual seja, a concepção da sociedade como
uma totalidade, fato que implicaria, por fim, a tentativa de construção de uma teoria crítica que corresponde-se a essa
totalidade.
SANTOS, Boaventura. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2000.
“O conhecimento totalizante é um conhecimento da ordem sobre o caos. O que distingue neste domínio
a sociologia funcionalista da sociologia crítica é o facto de a primeira pretender a ordem da regulação
social e a segunda pretender a ordem da emancipação social. No final do século, encontramo-nos perante
a desordem tanto da regulação social como da emancipação social. O nosso lugar é em sociedades que
são simultaneamente autoritárias e libertárias” (26).

O sociólogo retoma a contribuição de Foucault, considerando-o o crítico moderno (e não pós-moderno, como
amplamente considerado) cuja teoria levou ao clímax e à queda da teoria crítica moderna.

“Levando até às últimas consequências o poder disciplinar do panóptico construído pela ciência moderna,
Foucault mostra que não há qualquer saída emancipatória dentro dentro deste ‘regime da verdade’, já
que a própria resistência se transforma ela própria num poder disciplinar e, portanto, numa opressão
consentida porque interiorizada” (26).

“O princípio único da transformação social que subjaz à teoria crítica moderna assenta na inevitabilidade
de um futuro socialista gerado pelo desenvolvimento constante das forças produtivas e pelas lutas de
classes em que ele se traduz. Ao contrário do que sucedeu nas transições anteriores, será uma maioria, a
classe operária, e não uma minoria, que protagonizará a superação da sociedade capitalista. A sociologia
crítica moderna interpretou este princípio com grande liberdade e, por vezes, introduziu-lhe revisões
profundas. Neste domínio, a teoria crítica moderna partilhou com a sociologia convencional dois pontos
importantes. Por um lado, a concepção do agente histórico corresponde por inteiro à dualidade entre
estrutura e ação que subjaz a toda a sociologia. Por outro lado, ambas as tradições sociológicas tiveram
a mesma concepção das relações entre natureza e sociedade e ambas viram na industrialização a parteira
do desenvolvimento” (27).

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