Você está na página 1de 3

Referência COMPLETA:

ELIAS, Norbert. A civilização como transformação do comportamento humano. IN: O processo civilizador: volume 1 –
uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994, p.21.

CAPÍTULO DOIS
A CIVILIZAÇÃO COMOM TRANSFORMAÇÃO DO
COMPORTAMENTO HUMANO

I
O desenvolvimento do conceito de civilité

1.
A auto-imagem do Ocidente durante a Idade Média era obtida pela antítese ao paganismo e ao cristianismo
oriental. O conceito de civilité começou a ganhar expressão em um momento de desmembramento da sociedade
cavalheirosa e do poder da Igreja Católica Romana. [67]

2.
O cunho específico do conceito civilité aqui discutido teve seu primeiro aparecimento no século XVI, mais
precisamente na obra de Erasmo de Rotterdam intitulada “Da civilidade em crianças”. Ela teve inúmeras edições e foi
traduzida para várias línguas. No mesmo século, apareceram obras em francês com o título Civilité. [68].

3.
“Com seu tratado, Erasmo deu nova nitidez e força a uma palavra muito antiga e comum, civilitas.
Intencionalmente ou não, ele obviamente expressou na palavra alga que atendia a uma necessidade social da epoca.”
(68). A palavra civilitas acabou ganhando versões em todos os idiomas modernos. A obra de Erasmo foi sintoma de uma
grande mudança que ocorria na sociedade da época. [68-69].

4.
O tema do tratado de Erasmo pode nos mostrar “em que sentido era necessário o novo conceito” (69). O tema era
o comportamento em sociedade, mais especificamente “do decoro corporal externo” (69). O livro fala de atitudes que
perdemos e que hoje consideramos naturais. Usa o exemplo do olhar, da maneira correta de escarrar, como sentar ou
cumprimentar alguém e a maneira de comer (na época se comia com as mãos, então Erasmo ensinava o jeito distinto de
utilizar os dedos para seleção do alimento). [69-71]

5.
Toda a discussão promovida por Erasmo deu novo impulso ao conceito de civilitas. A maneira como este autor
coloca a conduta humana do período pode parecer embaraçoso/repugnante para as pessoas hoje. Isso acontece quando
estamos diante de outra “estrutura de emoções” (72). Isso que hoje parece grosseiro não é uma antítese ao nosso atual
comportamento, mas uma fase inicial de um processo que ainda continua. Possivelmente nossos descendentes também
sentirão vergonha de alguns aspectos da nossa própria vida, visto que esse processo ainda está em andamento. [72-73].

II
Dos costumes medievais

1.
Mesmo antes de Erasmo tal reflexão em torno do comportamento adequado para a vivência em sociedade
também existia. “Este processo que não teve fim pode ser remontado indefinidamente ao passado” (73). Elias tomará o
padrão medieval como ponto de partida. A Idade Média deixou grande volume de vestígios da maneira socialmente
aceitável de comportamento. Comer e beber eram situações centrais na convivência das pessoas nessa época. Tais
normas podem ser apreendidas a partir de alguns tratados escritos por religiosos: cita alguns deles. A partir do século
XIII, é possível encontrar algumas referências a bons modos também em cartas com linguas leigas. Cita alguns livros
que trabalham com o tema. Para finalizar a relação de fontes, relaciona os “poemas mnemônicos” feitos para inculcar
boas maneiras nas pessoas. Avalia a importância de tais poemas em uma sociedade onde poucos sabiam ler. [73-75]
2.
Esses livros ou poemas não são trabalhos individuais no sentido moderno. “O que nos chegou por escrito são
fragmentos de uma grande tradição oral, reflexo do que era realmente costumeiro nessa sociedade” (75). Podemos
encontrar nesse “padrão medieval” que Elias tenta construir variabilidades, tanto em nível das tradições nacionais [75]
quanto ao nível dos diversos estratos sociais. Tal padrão era diferente do nosso, mas nem por isso pior ou melhor.
“compreender o que realmente aconteceu” (76). [75-76]

3.
O padrão de comportamento da Idade Média é, assim como em outros períodos, representado por um conceito,
capaz de dar aos membros das classes dominantes uma auto-imagem positiva: cortesia. Como é esse padrão?
Primeiramente, se compararmos com as regras posteriores, elas parecem bem simples. Isso porque a violência e
manifestada mais violenta e diretamente. Cita diversas recomendações de atitudes na hora da refeição, muitas vezes
comparadas com a dos rudes camponeses. [76-78]

4.
As regras anteriores desembocarão no modo francês de portar-se. Outras tradições (italiano e provençal),
entretanto, também podem ser resgatadas. Muitos dos conselhos feitos acima também são válidos para essas tradições.
“As diferenças entre eles são menos importantes que seus aspectos comuns, que correspondem a unidade do
comportamento concreto na classe superior medieval, quando comparada com o período moderno” (79). Cita exemplo
de livro italiano com novas recomendações. [78-79] Cita exemplo de livro alemão onde mostra o costume das pessoas
utilizarem utensílios comuns. [79-81]

5.
Elias tenta desconstruir a idéia de que tais comportamentos são frutos do desconhecimento. Para tanto, utiliza o
exemplo de uma princesa grega que casada com principe napolitano acabou por utilizar um garfo à mesa. Tal fato
provocou um escândalo na sociedade da época, pois tal refinamento foi visto como demaseado pela sociedade da época.
Somente a partir do século XVI o garfo passou a ser utilizado nas classes mais altas, com grande dificuldade – cita relato
das dificuldades de utilização de tal instrumento na corte de Henrique III. [81-82] O hábito de utilização dos mesmos
utensílios a mesa é tributário do fato de que “as pessoas tinham entre si relações diferentes das que hoje vivemos. E isto
envolve não só o nível da consciência, clara, racional, pois sua vida emocional revestia-se também de uma diferente
estrutura e caráter” (82). O que falta nesse mundo era a “parede invisível de emoções” (82) evocadas sempre quando
estamos diante de situações tão embaraçosas como as apresentadas. [82]

III
O Problema da Mudança de Comportamento
Durante a Renascença.

1.
Os trabalhos dos humanistas sobre as maneiras foram uma espécie de ponte entre a Idade Média e a modernidade.
O trabalho de Erasmo, embora tenha colocado o conceito de cortesia em segundo plano, ainda estava ancorado na
tradição medieval. A rápida disseminação desse livro de boas maneiras se explica na medida que tal trabalho responde
“uma necessidade social” (83) pois “registrava os modelos de comportamento para os quais estavam maduros os
tempos e que a sociedade – ou mais exatamente a classe alta, em primeiro lugar – exigia.” (83). [82-83]

2.
“A sociedade estava em transição” (83) e isso também podia ser percebido pelas maneiras. “As pessoas
encaravam as coisas com mais diferenciação, isto é, com um controle mais forte de suas emoções” (84). Não são as
regras que distinguem os escritos dos medievos dos modernos, mas a fusão das regras de etiqueta com a própria
experiência daquele que escreve (modernos fazem isso). Cita exemplo de um diálogo envolvendo a experiência do
escritor em uma taberna alemã. [83-85]

3.
Um dos fatores que diferencia a obra de Erasmo de outros contemporâneos e de seus antecessores é a ênfase na
realidade social de seu tempo. Caracteriza Erasmo como um indivíduo extraordinário. Erasmo escreveu em um período
caracterizado pelo declínio da classe cavaleiresca e ascensão da sociedade de corte. Suas normas eram, sobretudo,
inspirada nessa última. O autor caracteriza Erasmo como um intelectual que, embora ligado a corte, possuí certa
autonomia e se orgulhava de sua posição de humanista. Nesse sentido, ele se aproxima da situação vivida pelos
intelectuais alemãos do século XVIII. [85-86]

4.
A evolução das obras sobre maneiras na Alemanhã e a forma como elas se diferenciam da francesa ilustram bem a
situação da classe média. Esses intelectuais, apesar de considerarem necessário a “suavização das maneiras”, escrevem
com certa estranheza sobre os hábitos das cortes. Isso acontece porque, na Alemanhã, a inteligentsia não se identifica
tanto com a corte como em outros países. [86-88]

5.
A obra de Erasmo teve influência na Alemanha, França, Itália e Inglaterra. Sua obra não possuí uma identificação
expressa com a sociedade de corte, pois seus preceitos são “regras humanas gerais” (89). Cita algumas obras posteriores
onde os preceitos são indicativos da distinção da classe nobre. Os escritores alemães conservaram mais essa
universalidade presente na obra de Erasmo, embora ninguém tenha consiguido alcançar o nível desse extraordinário
pensador. [88-89]

6.
Os escritores do renascimento, entre eles o melhor foi Erasmo, buscam criar suas recomendações a partir da
experiência. Na Idade Média, ao contrário, as regras eram repetidas incesantemente pela tradição. Não existe tanta
diferença nas regras, mas na maneira como as mesmas são ensinadas. [89-90]

7.
Os comportamento “próprios” e “impróprios” do período renascentista mudaram em certa medida dos anteriores,
porém não muito. O que diferencia esse período do anterior é que “as pessoas se moldavam as outras mais
deliberadamente do que na Idade Média” (91). O sucesso do trabalho de Erasmo é uma prova nesse sentido. A
sociedade, que era mais flexível durante o século XVI e XVII, torna-se inflexivel a partir do século XVIII. “O senso do
que fazer e não fazer para não ofender ou chocar os outros torna-se mais sutil e, em conjunto com as novas relações de
poder, o imperativo social de não ofender os semelhantes torna-se mais estrito, em comparação com a fase precedente.”
(91). Cita observação de uma regra da cortesia medieval e compara com uma regra defendida por Erasmo, para
confirmar que o último estava mais ligado a sociedade de corte. Cita uma recomendação de maneira de um duque a um
bispo visitante para mostrar como esse tipo de correção é mais eficaz que as brutas da idade média. Os códigos dos
séculos XVIII tem mais referência ao embaraço que as regras não observadas podem criar. [90-94]

8.
Disserta sobre a importância dos livros de comportamento na inculcação de novos hábitos. “Esses poemas e
tratados são em si mesmos instrumentos diretos de ‘condicionamento’ ou ‘modelação’, de adaptação do indivíduo a
esses modos de comportamento que a estrutura e situação da sociedade onde vivem tornam necessários” (95) [94-95]

IV. Do comportamento a mesa [95-108]

Você também pode gostar