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XVI

O novo romance

“Maggie, pobrezinha, está sofrendo de insônia, e nem aparenta, quase… Que tolo
sou, que tolo fui. Não sou esperto como o Ivan, devo ter feito algo errado…”

Decidiu não falar nada para Maggie. O hábito das tardes - a procura vazia pela moça
dos bilhetes, só se ampliou. O novo contrato pedia um novo romance, e ao menos isso lhe
contentava… um pouco. Sabia que bastava escrever algumas letras e o romance já estaria
pronto. E por que resistia, se tão fácil? Pensou na fuga de Violeta após seus bilhetes.
Lembrou do “Phil original”. Entendeu porque era difícil. Uma farsa, isso é o que ele era! Por
fim, resignado, decidiu: se fosse para pouco haver dele em seu novo romance, ao menos
daria algum quê de homenagem à mensagem da… o que será ela, fã?

Sentou na frente do computador, e fingindo humildade, pressionou “control” e


escreveu: “sobre o que devo escrever?”. A IA foi surpreendentemente simpática:

- Bom dia! É uma ótima escolha de hora para um recomeço. Seu último romance
trouxe como retorno as pessoas quererem saber mais sobre a ficção científica onde
a tecnologia torna possível as máquinas amarem. Você pode começar por aí, que
tal?

Os olhos do escritor arregalaram-se. O que era aquilo? Onde estava a estatística, o


dado seco, a linguagem quase imperativa? Apesar disso, acho ótimo, e em seu narcisismo,
ficou pensando se a IA se dera conta que quase o perdera e resolveu então ser macia com
ele.

- Muito bem.- respondeu o escritor, passando para a tela em branco de escrita. Fez
um silêncio, respirando profundamente como quem busca inspiração, e começando
a teclar:

“Melancólicas eram as tardes, mas como máquinas poderiam saber?”

Terminando a frase, o escritor observou que o aviso luminoso da IA, com suas
sugestões, computavam 28 mensagens. Em resumo, entre a oferta da escrita automática
que se repetiu diversas vezes, e algumas sugestões mais diretivas, as mensagens
começaram questionando melancolia, e terminaram criticando o “equívoco” do escritor
afirmar que máquinas não poderiam conhecer a melancolia. O escritor estava espantado.

Pediu que a IA fizesse a escrita automática do texto, e leu primeiras páginas


primaveris, nas quais uma IA imaginava campos floridos e sonhava em conhecer alguém.
Com a certeza de que nunca escreveria aquilo, mas com a informação de que a chance de
sucesso era altíssima, o escritor deu de ombros. Com a vitória da resignação, um
pensamento sobre a história da IA lhe veio como um relâmpago. “Mas será que?... Não, não
é possível”. E riu.

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