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Curso de Alinhamento Conceitual do PNLD

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c o m b a t e à C o r r u ç ã o e à L a v a g e m d e D i n h e i r o |I

Enriquecimento Ilícito – Antecedentes, Significados e


Consequências

1. Introdução

A Constituição Federal (CF) impõe à administração pública e, como consectário


lógico, aos agentes públicos a observância do princípio da moralidade, concretizado nos
deveres de probidade, decoro e boa-fé. Como sucedâneo, os agentes públicos devem, além
de observar os preceitos legais cabíveis, pautar sua conduta em elevados padrões éticos e
morais, condizentes com os valores máximos protegidos pelo ordenamento jurídico pátrio.

A inobservância dos deveres de probidade, decoro e boa-fé pode atingir o núcleo da


moralidade administrativa, configurando, em situações mais graves, ato de improbidade
administrativa (ou, como alguns preferem, uma imoralidade administrativa qualificada),
decorrente de dano ao erário, enriquecimento ilícito ou violação de princípios reitores da
administração pública. Nessa hipótese, o art. 37, § 4º, da CF estabelece o seguinte:

Art. 37 [...] § 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a


suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e
gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Dessa forma, a importância do princípio da moralidade foi consagrada na própria CF,


que estabeleceu que sua inobservância configura improbidade administrativa, com aplicação
de diferentes sanções. Nessa linha, Maurício Lopes1 disse: “o velho e esquecido conceito de
probus e do improbus administrador público está presente na Constituição de República,
que pune a improbidade administrativa com sanções políticas, administrativas e penais”.
O Supremo Tribunal Federal (STF)2 defendeu, então, que “os agentes públicos não
devem ser somente honestos e probos, devendo também [...] mostrar que possuem tal
qualidade”. O STF objetiva, por óbvio, proteger a moralidade administrativa, garantindo, em
última análise, que os agentes públicos, ao exercerem as atribuições a eles conferidas,
mantenham uma imagem compatível com a moralidade administrativa.

1
Ética e administração pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 57.
2
Recurso Extraordinário n.° 160.381-SP, Relator. Min. Marco Aurélio.
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Por se tratar de uma norma constitucional de eficácia limitada, o art. 37, § 4º, da CF
disciplinou que caberia a legislação infraconstitucional definir aquilo que seria juridicamente
relevante para caracterizar como improbidade administrativa, ou seja, aquilo que seria
potencialmente mais ofensivo ao princípio da moralidade, com capacidade de trazer danos
materiais e imateriais relevantes para a administração pública e, por via reflexa, para a
coletividade.

2. Lei de Improbidade Administrativa

Sobreveio, então, a Lei de Improbidade Administrativa (n.° 8.429, de 02/06/92),


definindo, em linhas gerais, os atos de improbidade (atos que importam enriquecimento
ilícito, dano ao erário e violação a princípios), as penalidades aplicáveis e as orientações
para os procedimentos necessários para devida responsabilização do agente ímprobo, que
inobserva seus deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às
instituições.

Neste contexto, estabeleceu-se, no art. 9º da Lei n.° 8.429, de 02/06/92, que


“constitui ato de improbidade importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de
vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego
ou atividade nas entidades” mencionadas na Lei de Improbidade. Esse dispositivo legal
subordina todos aqueles que são considerados agentes públicos para os fins previstos da
Lei n.° 8.429, de 02/06/92, in verbis:

“Art. 2° […] todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou


sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação
ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo,
emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.”

A propósito, as entidades supracitadas englobam os órgãos integrantes da


Administração Direta, os quais, conforme art. 4º, I, do Decreto-Lei n.° 200, de 25/02/67,
constituem os serviços integrados à Presidência da República e aos Ministérios, e as
entidades da Administração Indireta, que, segundo art. 4º, II, do Decreto-Lei n.° 200, de
25/02/67, incluem as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas e as
sociedades de economia mista.
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Além dos órgãos e entidades já mencionadas, a Lei de Improbidade Administrativa


prevê, em seu art. 1º, que seus comandos legais também se aplicam aos agentes públicos
vinculados a empresas incorporadas ao patrimônio público, a entidades para cuja criação ou
custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio
ou da receita anual e, também, às seguintes entidades:

“Art. 1º […] Parágrafo único. […] entidade que receba subvenção,


benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem
como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido
ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da
receita anual [...]”.

Dessa forma, os agentes públicos, assim considerados pela Lei de Improbidade


Administrativa, vinculados aos diferentes órgãos e entidades mencionados, devem estar
atentos aos ditames legais correlatos aos atos de improbidade previstos na Lei n.° 8.429, de
02/06/92, destacando-se, na ocasião, aqueles previstos no art. 9º, os quais se relacionam a
enriquecimento ilícito e podem acarretar, na hipótese de sua inobservância, diferentes
sanções.

O art. 12 da Lei n.° 8.429, de 02/06/92, dispõe, por sua vez, que o ato de
improbidade sujeita o agente público à perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao
patrimônio, ressarcimento integral de eventual dano ao erário, perda da função pública,
suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o
Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, sem prejuízo de
outras sanções cabíveis.
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3. Enriquecimento Ilícito

Superadas as questões preliminares, o debate sobre enriquecimento ilícito será


aprofundado. José Armando da Costa3 reforça, a propósito, que os bens jurídicos tutelados,
no art. 9º da Lei n.° 8.429, de 02/06/92, são, de forma imediata, a moralidade administrativa
e, de modo mediato, o patrimônio público. Protege-se, sobretudo, a honra e a dignidade do
serviço público, indispensáveis para manutenção da credibilidade da Administração Pública.

Apesar de haver a possibilidade de o ato de improbidade ser enquadrado no caput


do art. 9º da Lei n.° 8.429, de 02/06/92, que comporta todas as possíveis formas e
manifestações desonestas do agente que importem enriquecimento ilícito, sobrelevam-se,
nos diversos incisos do art. 9º, em rol meramente exemplificativo, enquadramentos
específicos que, devido aos danos potenciais à moralidade e, em alguns casos, ao
patrimônio público, foram detalhados, in verbis:

Art. 9º [...] I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou


imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a
título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem
tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou
amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente
público;
II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a
aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a
contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço
superior ao valor de mercado;
III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a
alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de
serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;
IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas,
equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à
disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta
lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou
terceiros contratados por essas entidades;
V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou
indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de
lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer
outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;
VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou
indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em
obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso,
medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens
fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

3
Direito Administrativo Disciplinar. Rio de Janeiro, Método, 2. ed., 2009.
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VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo,


emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor
seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente
público; [grifo nosso]
VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria
ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha
interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou
omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a
atividade;
IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou
aplicação de verba pública de qualquer natureza;
X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou
indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a
que esteja obrigado;
XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas,
verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades
mencionadas no art. 1° desta lei;
XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores
integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art.
1° desta lei.

De maneira geral, enriquecimento ilícito decorre, conforme disciplinado na Lei de


Improbidade Administrativa, de ação ou omissão, relacionada de forma direta ou indireta ao
exercício do cargo, emprego ou função pública, ocasionando a incorporação inidônea,
incompatível ou desproporcional de bens, direitos e/ou valores ao patrimônio do próprio
agente público ou de pessoa interposta, independentemente de danos materiais ao erário.

Após leitura atenta do art. 9º da Lei n.° 8.429, de 02/06/92, sobrepõe-se, então, a
seguinte regra: a) quando o enriquecimento ilícito decorreu de algum ato ou abstenção
comprovado, o ato de improbidade será enquadrado em uma das hipótese dos incisos I a VI
e VIII a XII do art. 9º; b) quando há acréscimo patrimonial desproporcional comprovado, o
ato de improbidade será enquadrado no inciso VII do art. 9º, que é residual. Wallace Paiva
Martins Júnior4 explica:

“A grande vantagem do art. 9º, VII, é que ele é norma residual para a
punição do enriquecimento ilícito no exercício de função pública. De
fato, se não se prova a prática ou a abstenção de qualquer ato de
ofício do agente público que enriqueceu ilicitamente, satisfaz o
ideário da repressão à moralidade administrativa provar que seu
patrimônio tem origem inidônea, incompatível, desproporcional (...).”

4
Probidade Administrativa, Saraiva, 1ª ed., 2001, p. 198.
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Pela razão exposta, Hely Lopes Meirelles5 leciona que, dentre os diversos atos de
improbidade exemplificados na Lei n.° 8.429, de 02/06/92, o ato previsto no inciso VII do art.
9º merece maior destaque, dado seu notável alcance: “Nessa hipótese, quando
desproporcional, o enriquecimento ilícito é presumido, cabendo ao agente público a prova
de que ele foi lícito, apontando a origem dos recursos necessários à aquisição.”

A rigor, a variação patrimonial desproporcional configura-se na hipótese de as


despesas e os investimentos do agente público, em certo período, ultrapassarem os
recursos auferidos. Afinal, importa enriquecimento ilícito adquirir, para si ou para outrem, no
exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública bens de qualquer natureza cujo
valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público.

Dessa forma, a CGU6 enfatiza que, se a administração comprovar a


desproporcionalidade entre o patrimônio adquirido e a renda declarada, haverá presunção
legal relativa de ato de improbidade. Nessa situação, o agente público deverá comprovar a
origem do bem a descoberto, dissociada do exercício do cargo, a fim de afastar a presunção
e, por conseguinte, o enquadramento em ato de improbidade administrativa.

Nesses casos, a admissibilidade das provas indiretas é essencial,


exigindo-se da acusação que prove não que a evolução patrimonial
do agente decorre deste ou daquele delito específico, mas que prove
que ele não decorre de nenhuma fonte legal conhecida (salário,
herança, empréstimo, prêmio, etc.), transferindo-se assim ao
acusado o ônus de demonstrar com que meios adquiriu seus bens.
Trata-se de uma técnica de evidenciação dedutiva, partindo-se do
princípio de que, para qualquer pessoa honesta, não é difícil
demonstrar os meios com que mantém seu estilo de vida (BENTO,
20097) .

Portanto, a administração deverá comprovar a desproporção patrimonial para


caracterizar enriquecimento ilícito, e o agente público, caso queira se eximir de
responsabilização, deverá demonstrar que sua conduta observa os deveres de honestidade
exigidos, apresentando a origem do acréscimo patrimonial. O art. 9º, VII, da Lei n.° 8.429, de

5
Direito Administrativo Brasileiro, 26ª ed., Malheiros, 2001, p. 469.
6
Disponível em: http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ApostilaTextoCGU.pdf.
Acesso em: 10 de junho de 2011.
7
Improbidade Administrativa por Enriquecimento Ilícito - O Problema da Inversão do Ônus da Prova.
In: Revista da CGU, Ano IV, n.º 7, dez. 2009, p. 48. Disponível em:
http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/RevistaCgu/Arquivos/7edicao.pdf. Acesso em 10 de jun. de 2011.
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02/06/92, é inequívoco, considerando, como ato de improbidade, a evolução patrimonial


desproporcional aos rendimentos auferidos.

Nesse sentido, Antonio A. Ferraz e Antonio H. Benjamin8 explicitam que a


administração não tem o dever de demonstrar as irregularidades específicas que deram
origem ao acréscimo patrimonial do agente público, estará obrigada, isto sim, a provar
“apenas a desproporção entre patrimônio e renda do funcionário!”, facultando, logicamente,
ao agente público a demonstração de eventual origem lícita dos recursos que subsidiaram a
evolução patrimonial incompatível.

A Advocacia-Geral da União (Despacho do Advogado-Geral da União, de 09/05/06,


aprovando o Despacho do Consultor-Geral da União nº 361/2006) entende que a lei “[...]
estabelece [...] uma presunção de fato, supondo verdadeiro que a aquisição de bens de
valor incompatível com a evolução do patrimônio ou da renda do servidor é uma aquisição
de bens de valor desproporcional, e essa presunção prevalece até que o servidor demonstre
que esse fato não é verdadeiro”.
“[...] Quer dizer, a desproporção prova o tipo material da improbidade,
podendo no entanto o interessado desfazer a presunção desse fato
pela justificação da desproporção. Aliás, não se cuida de inversão do
ônus da prova até porque cabe ao servidor, logicamente, demonstrar
a compatibilidade de sua renda e patrimônio com a aquisição de bem
de valor desproporcional, em face do regime disposto no art. 13 e §§
da Lei n° 8.429/92, que disciplina a apresentação ordinária de
declaração de bens e valores que compõem o seu patrimônio
privado, seu e da sua família, e que deve ser atualizada anualmente,
constituindo infração grave recusar-se a fazê-lo. Assim, nestas
circunstâncias, a desproporção constitui presunção natural produzida
pelo próprio servidor, a quem cabe a obrigação funcional de, desde
logo, declará-la justificadamente ou, quando instado, demonstrá-la.”
(Despacho do Advogado-Geral da União, de 14/09/06, aprovando o
Despacho do Consultor-Geral da União nº 616/2006)

Prescinde, ainda, comprovar o vínculo entre o enriquecimento ilícito e o exercício do


cargo, emprego ou função pública. Em outras palavras, a administração pública não precisa
demonstrar que a incompatibilidade patrimonial decorre de ato associado ao cargo, emprego
ou função pública exercido pelo agente público, limitando-se, pois, a revelar a
incompatibilidade patrimonial, hipótese que ensejará a presunção relativa de enriquecimento
ilícito, a saber:

8
A Inversão do Ônus da Prova na Lei de Improbidade Administrativa. In: Teses Aprovadas no X
Congresso Nacional do Ministério Público. Cadernos – Temas Institucionais, 1995.
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Superior Tribunal de Justiça - MS 12536 / DF – 2007/0002481-4


[…] 6. A conduta do servidor tida por ímproba não precisa estar,
necessária e diretamente, vinculada com o exercício do cargo
público. Com efeito, mesmo quando a conduta é perpetrada fora das
atividades funcionais, se ela evidenciar incompatibilidade com o
exercício das funções do cargo, por malferir princípios basilares da
Administração Pública, é sim passível de punição [...]

Como a lei não tem palavras inúteis (“verba cum effectu, sunt accipienda”), observa-
se, portanto, que a evolução patrimonial desproporcional constitui, por si só, um ato de
improbidade, privilegiando-se, dessa maneira, em conformidade com o contexto social e
político subjacente, a coerência do sistema jurídico e o sentido correto do seu conteúdo
normativo. Corroborando a tese ora sustentada, o Analista de Finanças e Controle Leonardo
Valles Bento9 assevera:

“Afinal, se para provar que a evolução desproporcional do patrimônio


do agente público caracteriza improbidade é necessário demonstrar a
ocorrência de um ilícito anterior que lhe dera causa, então se poderia
embasar a condenação por improbidade simplesmente neste delito
antecedente, sem necessidade de demonstrar a incompatibilidade da
evolução patrimonial.”

Consentâneo a entendimento já exposto, reitera-se que “os agentes públicos não


devem ser somente honestos e probos, devendo também [...] mostrar que possuem tal
qualidade”. Em última análise, busca-se preservar a moralidade administrativa, consagrada
em âmbito constitucional, obrigando os agentes públicos a manter uma imagem compatível
com tal princípio, de modo a resguardar, também, a administração pública10.

Por essa razão, aplica-se, no caso de sinais exteriores de riqueza e de


movimentação financeira incompatível, a mesma lógica. A administração deve apenas
comprovar a incompatibilidade do padrão de vida ou da movimentação financeira do agente
com as receitas por ele auferidas, presumindo-se, então, o seu enriquecimento ilícito, que

9
Improbidade Administrativa por Enriquecimento Ilícito - O Problema da Inversão do Ônus da Prova.
In: Revista da CGU, Ano IV, n.º 7, dez. 2009, p. 44. Disponível em:
http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/RevistaCgu/Arquivos/7edicao.pdf. Acesso em 10 de jun. De 2011.
10
Da mesma forma, a Convenção Interamericana contra a Corrupção, de 29/03/96 (promulgada pelo Decreto nº
4.410, de 07/10/02), e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, de 31/10/03 (promulgada pelo
Decreto n.° 5.687, de 31/01/06), orientam seus países signatários.
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será afastado somente se o agente público justificar o elevado padrão de vida ou a


incompatível movimentação financeira.

“A lei também censura os sinais exteriores de riqueza e a aquisição


de bens ou valores para outrem, e pune igualmente artifícios
empregados para dissimular o enriquecimento ilícito, revelados na
estrutura do dispositivo em exame ao referir a aquisição em proveito
próprio ou alheio, querendo, justamente, abranger hipóteses de
triangularizacão, omissão de titularidade patrimonial, ou seja, meios
diretos, e indiretos de aquisição.11”

Observada a necessária individualização da pena, concretizada à luz dos princípios


da razoabilidade e proporcionalidade, pode-se dizer que os agentes ímprobos sujeitam-se,
presentes elementos comprobatórios, independentemente do enquadramento realizado, às
penas previstas na Lei de Improbidade. Para tanto, é necessário observar o processo
judicial e/ou o processo administrativo disciplinar, sem prejuízo de eventual sindicância
patrimonial prévia.

11
Wallace Paiva Martins Junior. Enriquecimento Ilícito de Agentes Públicos – Evolução Patrimonial
Desproporcional à Renda ou Patrimônio – Lei Federal n.° 8.429/92. In: http://bdjur.stj.gov.br. Acesso em 14 de
junho de 2011.
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4. Da Declaração de Bens

Avançando na matéria, destaca-se que, para facilitar a identificação de eventual


enriquecimento ilícito, o art. 13 da Lei de Improbidade Administrativa12 determina que os
agentes públicos devem, para fins de posse e exercício, apresentar suas declarações de
bens e valores que compõem o seu patrimônio privado, a qual deverá ser arquivada no
serviço de pessoal respectivo. A Lei de Improbidade Administrativa também disciplina:

Art. 13. […] § 1° A declaração compreenderá imóveis, móveis,


semoventes, dinheiro, títulos, ações, e qualquer outra espécie de
bens e valores patrimoniais, localizado no País ou no exterior, e,
quando for o caso, abrangerá os bens e valores patrimoniais do
cônjuge ou companheiro, dos filhos e de outras pessoas que vivam
sob a dependência econômica do declarante, excluídos apenas os
objetos e utensílios de uso doméstico.
§ 2º A declaração de bens será anualmente atualizada e na data em
que o agente público deixar o exercício do mandato, cargo, emprego
ou função.
§ 3º Será punido com a pena de demissão, a bem do serviço público,
sem prejuízo de outras sanções cabíveis, o agente público que se
recusar a prestar declaração dos bens, dentro do prazo determinado,
ou que a prestar falsa.
§ 4º O declarante, a seu critério, poderá entregar cópia da declaração
anual de bens apresentada à Delegacia da Receita Federal na
conformidade da legislação do Imposto sobre a Renda e proventos
de qualquer natureza, com as necessárias atualizações, para suprir a
exigência contida no caput e no § 2° deste artigo .

Como demonstrado, o agente público deve declarar, com exceção dos objetos e
utensílios de uso doméstico, os diferentes bens e valores que compõem seu patrimônio,
bem como os do cônjuge ou companheiro, dos filhos e de outras pessoas que vivem sob
sua dependência econômica, devendo, ainda, atualizar sua declaração todos os anos e na
data em que deixar o exercício do mandato, cargo, emprego ou função pública.

12
A Lei nº 8.730, de 10 de novembro de 1993, estabelece a obrigatoriedade da declaração de
bens e rendas para os seguintes agentes: Presidente da República; Vice-Presidente da República;
Ministros de Estado; membros do Congresso Nacional; membros da Magistratura Federal; membros
do Ministério Público da União; todos quantos exerçam cargos eletivos e cargos, empregos ou
funções de confiança, na administração direta, indireta e fundacional, de qualquer dos Poderes da
União.
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O Decreto n.º 5.483, de 30/06/05, disciplinou o art. 13 da Lei n.° 8.429, de


02/06/9213, e instituiu a sindicância patrimonial. Destaca-se, na ocasião, o disposto no § 2º
do art. 3º, que prevê, a critério do agente público, a possibilidade de ser autorizado o acesso
à declaração de imposto de renda apresentada à Secretaria da Receita Federal do Brasil,
como forma de suprir a exigência do art. 13 da Lei de Improbidade Administrativa. Além
disso, destacam-se os seguintes dispositivos:

Art. 4o O serviço de pessoal competente manterá arquivo das


declarações e autorizações previstas neste Decreto até cinco anos
após a data em que o agente público deixar o cargo, emprego ou
função.
Art. 5o Será instaurado processo administrativo disciplinar contra o
agente público que se recusar a apresentar declaração dos bens e
valores na data própria, ou que a prestar falsa, ficando sujeito à
penalidade prevista no § 3o do art. 13 da Lei no 8.429, de 1992.
Art. 6o Os órgãos de controle interno fiscalizarão o cumprimento da
exigência de entrega das declarações regulamentadas por este
Decreto, a ser realizado pelo serviço de pessoal competente.

Como resultado, observa-se que o serviço de pessoal deve, além de receber e


arquivar as declarações de bens e valores ou as autorizações de acesso às declarações de
imposto de renda, representar às instâncias correcionais competentes na hipótese de o
servidor se recusar a apresentar a declaração devida ou na hipótese de constatar prestação
de informações falsas, de modo a viabilizar a deflagração tempestiva do procedimento
disciplinar cabível.

13
A Portaria Interministerial - MPOG/CGU nº 298, de 05/09/07, regulamenta a entrega de bens
e valores de todos os agentes públicos.
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5. Dos Procedimentos Administrativos e do Processo Judicial

A entrega da declaração de bens e valores ou a autorização de acesso à declaração


apresentada à Secretaria da Receita Federal facilita, sem prejuízo de outros meios (p. ex.
denúncia, representação, notícia na mídia etc.), a identificação de eventual enriquecimento
ilícito e viabiliza a persecução administrativa e/ou judicial do agente público ímprobo, que
inobserva seus deveres de honestidade e probidade. José Armando da Costa 14
contextualiza:

Relava salientar que referida norma coercitiva, caso venha a se


efetivar na prática, irá sem sombra de dúvida funcionar como fator de
promoção da regularidade e aperfeiçoamento do serviço público
geral prestado pelo Estado. Tais amarras – pressionando os
funcionários a demonstrarem anualmente, o volume de sua variação
patrimonial – irão, certamente, evitar golpeamentos criminosos [...]”.

A CGU pode, por isso, com fulcro no art. 7º do Decreto n.º 5.483, de 30/06/05,
acompanhar a evolução patrimonial dos agentes e, quando necessário, instaurar ou
determinar a instauração de sindicância patrimonial. Trata-se de faculdade conferida à CGU,
não afastando, por óbvio, o dever de os órgãos e entidades acompanharem a evolução
patrimonial dos seus agentes públicos e, quando cabível, procederem à instauração de
sindicância patrimonial

Sem adentrar em maiores especificidades, a sindicância patrimonial pode ser


utilizada como instrumento preparatório de procedimento disciplinar punitivo e/ou de ação
judicial. Dado o disposto no art. 9º, § 3º, do Decreto n.º 5.483, de 30/06/05, a comissão de
sindicância patrimonial deve, ao final, à luz das diferentes provas coletadas, opinar pelo
arquivamento ou, se for o caso, por sua conversão em processo administrativo disciplinar,
observando, em seguida, o que segue:

Art. 10. Concluído o procedimento de sindicância nos termos deste


Decreto, dar-se-á imediato conhecimento do fato ao Ministério
Público Federal, ao Tribunal de Contas da União, à Controladoria-
Geral da União, à Secretaria da Receita Federal e ao Conselho de
Controle de Atividades Financeiras.

14
Direito Administrativo Disciplinar. Método, 2. ed., 2009, p. 542-543.
Curso de Alinhamento Conceitual do PNLD
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A propósito, as esferas judicial e administrativa não devem ser confundidas, haja


vista a consagrada independência das instâncias. Salienta-se, dessa forma, que o
persecutório judicial ensejará, acaso comprovado o enriquecimento ilícito, o enquadramento
nas hipóteses constantes da Lei n.° 8.429, de 02/06/92, e o persecutório administrativo
ensejará o enquadramento no ilícito constante do art. 132, IV, da Lei n.° 8.112, de 11/12/90.

Superior Tribunal de Justiça - MS 15.504-DF


“[…] Embora a lei estatutária do servidor público também tenha
previsto no art. 132, IV, como causa de demissão o ato de
improbidade, isso não significa que ele e a infração disciplinar
tenham uma só natureza, visto que submetem-se cada qual ao seu
regime peculiar e, assim, não se excluem. Daí que mesmo as
improbidades não previstas ou fora dos limites da Lei n. 8.429/1992
envolvendo servidores continuam sujeitas à lei estatutária [...]”

Para fins de aplicação de sanção disciplinar, o Manual de PAD da CGU recomenda,


na hipótese de ser necessária definição jurídica mais detalhada, que a Comissão de PAD,
além de enquadrar o enriquecimento ilícito no art. 132, IV ,da Lei n.° 8.112, de 11/12/90,
acrescente alguma definição prevista nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei n.° 8.429, de 02/06/92,
alertando, ainda, quanto à possibilidade de enquadramentos administrativos múltiplos.

Importa, mais uma vez, destacar a independência das instâncias administrativa e


judicial, que preveem persecutórios autônomos e que acarretam penalidades diferentes. Os
arts. 14 a 18 da Lei n.° 8.429, de 02/06/92 reforçam esse entendimento, prevendo a
possibilidade de a autoridade administrativa apurar atos de improbidade, na forma prevista
nos arts. 148 a 182 da Lei n.° 8.112, de 11/12/90, e, em seguida, detalhando aspectos
correlatos à possível ação judicial.

Superior Tribunal de Justiça - MS 12536 / DF


“[...] a apuração de falta administrativa realizada no PAD não se
confunde com a ação de improbidade administrativa, esta
sabidamente processada perante o Poder Judiciário [...]”.

Superior Tribunal de Justiça - MS 15.504-DF


“[…] a independência das instâncias civil, penal e administrativa
permite que a Administração imponha ao servidor a pena de
demissão em caso de improbidade administrativa, pois uma infração
disciplinar tanto pode ser reconhecida como ato de improbidade na
via administrativa quanto se sujeitar ao processo judicial
correspondente. [...] o que distingue o ato de improbidade
Curso de Alinhamento Conceitual do PNLD
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administrativa da infração disciplinar de improbidade, quando


coincidente a hipótese de fato, é a natureza da infração, pois a lei
funcional tutela a conduta funcional do servidor, enquanto a lei de
improbidade dispõe sobre sanções aplicáveis a todos os agentes
públicos, servidores ou não, principalmente no interesse da
preservação e integridade do patrimônio público.

O entendimento ora perfilhado coaduna-se, enfim, com a legislação vigente, com a


jurisprudência pátria e com a melhor doutrina, reforçando, sem dúvidas, posicionamentos
mais consentâneos ao interesse público, que repulsa, por óbvio, comportamentos contrários
à moralidade administrativa e exige, por isso, respostas adequadas da administração
pública, com vistas a resguardar os valores máximos protegidos pelo ordenamento jurídico.

Afinal, “enriquecimento ilícito, ou sem causa, é o que se promove, empobrecendo


injustamente outrem, sem qualquer razão jurídica [...]”. No caso dos agentes públicos,
enriquecimento ilícito, ou sem causa, é o que se promove com o empobrecimento da
própria sociedade, onde o agente público, ao se locupletar indevidamente, traz prejuízos,
materiais e imateriais, incomensuráveis ao Estado e, o que é pior, a toda sociedade.
Curso de Alinhamento Conceitual do PNLD
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Referências

BENTO, Leonardo Valles. Improbidade Administrativa por Enriquecimento Ilícito - O


Problema da Inversão do Ônus da Prova. In: Revista da CGU, Ano IV, n.º 7, dez. 2009.
Disponível em: http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/RevistaCgu/Arquivos/7edicao.pdf. Acesso
em 10 de junho de 2011.

CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Manual de Processo Administrativo Disciplinar.


Disponível em:
http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ApostilaTextoCGU.pdf. Acesso em:
10 de junho de 2011.

COSTA, José Armando. Direito Administrativo Disciplinar. Método, 2. ed., 2009.

LOPES, Maurício. Ética e administração pública. Revista dos Tribunais, 1993.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26ª ed., Malheiros, 2001.

MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. Saraiva, 1ª ed., 2001.

_______ . Enriquecimento Ilícito de Agentes Públicos – Evolução Patrimonial


Desproporcional à Renda ou Patrimônio – Lei Federal n.° 8.429/92. In:
http://bdjur.stj.gov.br. Acesso em 14 de junho de 2011.

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