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Princípios da tributação internacional sobre

a renda

MARCÍLIO TOSCANO FRANCA FILHO

SUMÁRIO

1. Introdução. 2. Universalidade e territo-


rialidade na tributação internacional. 2.1. O
princípio da territorialidade. 2.2. O princípio da
universalidade. 3. O problema da pluritributação.
3.1. A questão da bitributação internacional. 4. A
tributação da renda no Brasil. 4.1. O imposto de
renda de pessoa jurídica. 5. Conclusão.

1. Introdução
Há muito as práticas comerciais extra-
polaram as fronteiras geográficas nacionais.
Afinal, a própria diversidade de fatores
produtivos, bem como as demandas sociais de
consumo, peculiares a cada país, impul-
sionavam os Estados à prática de uma economia
aberta. A interdependência econômica inter-
nacional sempre conduziu os Estados a uma
inexorável prática de comércio exterior.
No atual estágio de desenvolvimento do
comércio, além das informações circularem em
velocidade cada vez maior, os produtos têm
agora um mercado mundial. Assim, pode-se
concluir que, numa ótica produtiva e comercial,
o processo de globalização se traduz numa
crescente homogeneização internacional das
estruturas de oferta e demanda1; fenômeno que,
a um só tempo, garante e facilita:
• a majoração de ganhos de escala, com a
ampliação da produção e do mercado de con-
sumo;
• a uniformização de técnicas produtivas,
estratégias administrativas e métodos de orga-
nização do processo produtivo, comprovada
Marcílio Toscano Franca Filho é Procurador do pelas exigências crescentes de certificação
Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da internacional2;
Paraíba, Professor do Departamento de Direito
Público da UFPB e Aluno do Mestrado em Ciências 1
BAUMANN, op. cit., p. 34.
Jurídicas da UFPB. Ex-aluno da Universidade Livre 2
O prestígio da International Organization of
de Berlim. Standartization (ISO), com suas normas sobre
Brasília a. 35 n. 137 jan./mar. 1998 83
• a mudança do eixo da competitividade, e taxa de juros), evitando-se desequilíbrios que
que deixa de ser o produto em si para ser a favoreçam movimentos especulativos, como os
tecnologia de processos (não só de produção, que já desestabilizaram algumas economias
mas de fornecimento, de controle da qualidade, latino-americanas recentemente.
de atendimento e informação ao consumidor, Ao sabor desses novos ventos, a afluência
de assistência técnica, entre outros); de determinantes externos na ordenação das
• o maior investimento na formação de economias nacionais faz com que, à agenda
econômica dos Estados, fiquem também
mão-de-obra qualificada e aperfeiçoada, na
pesquisa e no desenvolvimento de produtos, associados outros temas de relevância supra-
com consultas aos clientes a fim de atender a nacional, como proteção ambiental, tributação,
necessidades mais específicas; monitoramento das empresas transnacionais
etc. Será sobre um desses novos temas,
• a descentralização geográfica da pro- especificamente a tributação internacional, que
dução das empresas, o que provoca a sua espe-
cialização nas áreas em que são mais eficientes nos deteremos a partir de agora.
As notas que ora iniciamos, aproximando
e, assim, otimizam as vantagens comparativas Direito Tributário, Finanças Internacionais e
de cada lugar e originam a “fábrica-global”; Direito Internacional, terão como objetivo
• a formação de vínculos mais rígidos entre sistematizar a noção de alguns princípios
empresas, por meio de joint ventures, partici- tributários − particularmente aqueles referentes
pações acionárias e franquias, já que a produção à tributação internacional das rendas das
global exige padrões mais rígidos de forneci- empresas.
mento e qualidade de componentes e matérias-
primas e um investimento (leia-se risco)
ampliado em tecnologia. 2. Universalidade e territorialidade na
Um outro fator característico da globa- tributação internacional
lização, agora sob um ponto de vista insti- Viu-se acima que, com a maior integração
tucional, aponta para a convergência da dos mercados nacionais à economia mundial,
regulação político-econômica dos países3. Para valorizou-se a importância das empresas
se garantir a maior mobilidade de capitais, multinacionais – aquelas cujas unidades
fatores produtivos e bens de consumo, promove- (matriz, subsidiárias, coligadas, filiais etc.)
se a homogeneização das relações jurídicas e situam-se sob diversas jurisdições. Um ponto
econômicas entre os sujeitos privados da particularmente importante no que diz respeito
atividade econômica e os Estados, aproximando a essa atividade empresarial multinacional é o
os institutos jurídicos referentes sobretudo a que trata da tributação internacional de suas
sociedades comerciais, consumidor, mercado rendas.
financeiro e tributação. O sistema internacional contemporâneo de
Um segundo aspecto institucional da tributação sobre as rendas é orientado por dois
economia a ser sublinhado é a crescente perda princípios distintos: o da territorialidade e o
de soberania das autoridades responsáveis pelas da universalidade. Ambos constituem elemen-
políticas econômicas nacionais na ordem tos de conexão entre Estado e contribuinte,
globalizada. Tal fato se deve tanto à formação estabelecendo critérios para definir o exercício
dos blocos econômicos, como à necessidade de do poder estatal de tributar.
adaptação das economias nacionais às migra- Excludentes entre si, a opção por qualquer
ções internacionais dos fatores produtivos. As um deles nos sistemas tributários dos Estados
políticas cambial e salarial, por exemplo, é decidida apenas pela conveniência e opor-
passam a depender muito mais das regras tunidade de um ou outro princípio em relação
externas do que da vontade exclusiva das às políticas fiscais planejadas e pretendidas
autoridades monetárias ou fiscais. Se, de um pelos países. Como princípios que são, a
lado, o cenário internacional globalizado territorialidade e a universalidade orientam
mostra inúmeras oportunidades e facilidades toda a atividade legislativa e hermenêutica que
por meio da captação de recursos estrangeiros, lhes é subseqüente nos Estados que as adotam.
de outro, impõe algumas restrições rígidas às
políticas macroeconômicas nacionais (câmbio 2.1. O princípio da territorialidade
qualidade e padronização (ISO 9000 e ISO 14000, Também conhecido como source income
por exemplo), dá provas desse fenômeno. taxation ou base territorial, o princípio da
3
BAUMANN, op. cit., p. 35. territorialidade significa que todas as situações
84 Revista de Informação Legislativa
jurídicas que dêem origem à produção de renda, em seu território, poderá haver uma fuga de
por nacionais ou residentes, localizadas dentro investimentos para outras praças onde o tributo
do território de um Estado, geram uma não seja tão pesado.
obrigação tributária4.
A territorialidade tributária é, afinal, 2.2. O princípio da universalidade
decorrência lógica do próprio poder soberano No contexto atual de internacionalização da
de qualquer Estado, já que todos os fatos economia, a evasão fiscal é fenômeno comum
ocorridos dentro do seu território são ordenados e constante que precisa ser combatido. Do
e disciplinados pelo seu sistema jurídico. Pode- mesmo modo, a maior necessidade de operações
se concluir que é a base territorial uma internacionais para um número crescente de
manifestação pura da jurisdição, aquele poder- operadores privados requer a flexibilidade e
dever de que dispõe o Estado para, nos limites previsibilidade do regime legal-tributário
territoriais de sua soberania, aplicar o seu aplicável aos investimentos internacionais.
Direito. Assim, em oposição à base territorial, o
Acerca da opção entre a territorialidade e a sistema de tributação de rendas apresenta o
universalidade, Heleno Torres5 chega a afirmar: princípio da universalidade – também deno-
“Em verdade, tal escolha paira, tão- minado de base global, princípio da pessoa-
somente, na opção entre adotar o lidade, princípio da renda mundial ou ainda
princípio da universalidade, ou não, world-wide income taxation – que melhor
porque o princípio da territorialidade é atende às exigências de isonomia entre os
imanente a todo e qualquer ordenamento contribuintes que têm rendas apenas no
jurídico. Não há uma terceira opção”. mercado doméstico e aqueles que atuam em
Segundo o princípio da territorialidade, a praças financeiras no exterior, favorecendo-se
imponibilidade dependerá tão-só da localização de benefícios fiscais estrangeiros.
territorial da fonte geradora da renda. Descrita Segundo o princípio da base global do
a hipótese de incidência na lei e ocorrendo o imposto sobre a renda, passa a ser tributada a
fato gerador no território nacional, nasce a universalidade dos lucros, rendimentos e
obrigação tributária. Pelo princípio da territo- ganhos de capital auferidos (nos mercados
rialidade, importa essencialmente determinar doméstico e exterior) por pessoas jurídicas
a localização da fonte reditual produtora, se em domiciliadas no país. Todas as rendas obtidas
território nacional ou estrangeiro. Evidenciado por pessoas jurídicas sediadas nos Estados que
que essa fonte está localizada em país adotam a base global, mesmo aquelas obtidas
estrangeiro, seria inegável que o fato gerador fora do território nacional, encontram-se dentro
estaria fora do alcance de validade da legislação do âmbito da incidência do IR. Em suma, o
tributária nacional6. princípio da base global do IR obriga a taxação
A maior integração das praças comerciais da renda onde quer que ela venha a ser
e financeiras mundiais experimentada nas produzida.
últimas décadas desvalorizou a adoção da base A adoção da base global vem se tornando
territorial pelas economias nacionais, sobretudo
cada vez mais freqüente nas economias
em razão da evasão fiscal internacional
contemporâneas, sobretudo aquelas mais
decorrente de pesados estímulos fiscais
desenvolvidas, exportadoras de capital e
estrangeiros (guerra tributária para atração de investimento. Com propriedade, Heleno Torres8
investimentos) e da formação de paraísos anota como virtudes do princípio da univer-
fiscais7. Obviamente que, quando um Estado salidade, entre outras, a ampliação do finan-
tributa apenas as fontes redituais localizadas ciamento do Estado, decorrente da maxi-
4
“Obrigação Tributária é uma relação de Direito mização da sua base fiscal, a vocação isonômica
Público, prevista na lei descritiva do fato que lhe dá daquele princípio (v. supra) e, sobretudo, a sua
origem, pela qual o Fisco (sujeito ativo) exige do melhor adaptação aos princípios tributários da
contribuinte (sujeito passivo) uma prestação capacidade contributiva e da progressividade.
(objeto)” (NOGUEIRA, 1990, p. 145). Revela-nos Antônio Carlos Rodrigues do
5
1997, p. 69. Amaral9 que, em histórica decisão, a Suprema
6
CASELLA, [s.d.], p. 83. Corte norte-americana, ainda no início da
7
TORRES (1997, p. 73) indica como paraísos década de 20, já se pronunciara acerca da
fiscais para rendimentos de pessoas jurídicas, entre
8
outros, Uruguai, Groelândia, Belize, Bahamas, Costa 1997, p. 73.
9
Rica, Panamá, Bermudas e Hong Kong. 1997, p. 310.
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constitucionalidade da adoção da base global no capítulo a seguir e b) a substancial perda de
no case Cook v. Tait (1924). importância dos paraísos fiscais como atrativos
Argüido em 15 de abril de 1924 e decidido aos capitais internacionais.
em 5 de maio de 1924, o caso cuidava de uma
repetição de indébito movida (por Cook) contra 3. O problema da pluritributação
um coletor (Tait) da Receita Federal norte-
americana (Internal Revenue Service – IRS), 3.1. A questão da bitributação internacional
objetivando recuperar a soma de US$298,34, Não demanda muito esforço se concluir que
referente à primeira parcela do imposto sobre a adoção da base global no Imposto de Renda
uma renda advinda de uma propriedade situada
pode favorecer o concurso de pretensões
na cidade do México – fora da jurisdição
tributária americana, portanto. tributárias entre dois ou mais Estados sobe-
Doutrinariamente, aquela decisão da Corte ranos – fenômeno a que se dá o nome de pluri-
Suprema baseava-se no argumento de que o tributação internacional. Desde logo é preciso
sistema tributário de um país é fundamentado ressaltar entretanto que, apesar de ser um
pela presunção de que “o Governo, por sua fenômeno que inibe circulação internacional de
própria natureza, beneficia o cidadão e suas capital e, por isso, contrário às atuais tendências
propriedades onde quer que estejam situadas”10. de abertura da economia11, a pluritributação
Finalmente, vale observar que duas são as internacional é um procedimento nacional
principais conseqüências da adoção da base legítimo e não pode ser limitada por nenhuma
global no IRPJ: a) a bitributação internacional lei ou norma constitucional, já que decorre
da renda, que veremos mais detalhadamente diretamente do poder estatal de tributar.
A fim de evitar os problemas e injustiças
10
U.S. Supreme Court. COOK v. TAIT, 265 U.S. decorrentes da pluritributação internacional, os
47 (1924). Mr. Justice McKENNA: “[In United Estados passaram a adotar duas ordens de
States v. Bennett] The contention was rejected that medidas – unilaterais e bilaterais, dependendo
a citizen’s property without the limits of the United
States derives no benefit from the United States. da política fiscal desejada.
The contention, it was said, came from the confusion Entre as medidas internas (unilaterais) para
of thought in ‘mistaking the scope and extent of the evitar a bitributação estão a isenção (tax
sovereign power of the United States as a nation exemption), o crédito de imposto (tax credits)
and its relations to its citizens and their relation to e a dedução de impostos com despesas. Veja-se
it.’ And that power in its scope and extent, it was
decided, is based on the presumption that
• Isenção (tax exemption) – é o efeito de
certas normas que, ao incidirem sobre deter-
government by its very nature benefits the citizen
and his property wherever found, and that opposition
minados fatos, previstos nas respectivas hipó-
to it holds on to citizenship while it ‘belittles and teses de incidência isentiva, eliminam a possi-
destroys its advantages and blessings by denying the bilidade de surgimento da obrigação tribu-
possession by government of an essential power tária12. Pelo sistema do tax exemption o Estado
required to make citizenship completely beneficial.’ se nega a impor qualquer exação (ou aplica uma
In other words, the principle was declared that the exação progressiva) a certas categorias redituais
government, by its very nature, benefits the citizen de fonte estrangeira.
and his property wherever found, and therefore has
the power to make the benefit complete. Or, to • Crédito de imposto (tax credits) – é um
sistema que concede ao contribuinte o direito
express it another way, the basis of the power to tax
was not and cannot be made dependent upon the subjetivo de abater dos impostos sobre a renda
situs of the property in all cases, it being in or out of devidos ao Estado de residência, sob a forma
the United States, nor was not and cannot be made de crédito, os valores pagos no estrangeiro sobre
dependent upon the domicile of the citizen, that as mesmas categorias redituais13.
being in or out of the United States, but upon his
11
relation as citizen to the United States and the ROLIM (1996, p. 85) relata que “a dupla
relation of the latter to him as citizen. The tributação internacional acarreta, além de ser um
consequence of the relations is that the native citizen obstáculo para o comércio e investimentos, uma
who is taxed may have domicile, and the property repartição injusta dos encargos fiscais entre
from which his income is derived may have situs, in contribuintes, conforme tenham interesses no
a foreign country and the tax be legal − the estrangeiro ou se entreguem a atividades limitadas
government having power to impose the tax. ao território nacional”.
12
Judgment affirmed.” (http://www.findlaw.com./ TORRES, 1997, p. 290.
13
cgibin/getcase.pl?court=US&vol=265&invol=47). Ibidem, p. 298.
86 Revista de Informação Legislativa
• Dedução de impostos como despesas – “Com efeito, nos seus primórdios, a
consiste na possibilidade de deduzir da base de legislação do imposto de renda brasileiro
cálculo do imposto doméstico, sob a forma de dispunha que o tributo incidia exclusi-
despesa, o valor dos tributos efetivamente pagos vamente sobre os rendimentos produ-
no exterior14. Tal método se justifica pelo fato zidos no Brasil. Com o passar do tempo,
de que os tributos pagos no exterior são despesas face ao desenvolvimento da atividade
inerentes à produção da renda. empresarial brasileira, tornou-se neces-
Além desses modelos, para se livrar dos sário regular, do ponto de vista fiscal, a
efeitos maléficos da pluritributação inter- apuração dos resultados das pessoas
nacional, os Estados contemporâneos adotam jurídicas cuja operacionalidade não mais
soluções bilaterais – os acordos e convenções se circunscrevia ao território nacional.
internacionais para evitar a bitributação. Tanto Coexistindo a intributabilidade dos
a ONU (1980) como a Organização de rendimentos produzidos no exterior com
Cooperação e Desenvolvimento Econômico –
OCDE – (1992) apresentam modelos de a sujeição ao tributo dos rendimentos
convenção desse tipo. aqui produzidos, impunha-se a insti-
tuição de normas reguladoras para os
casos em que a mesma pessoa jurídica
4. A tributação da renda no Brasil exercesse atividades fora e dentro do
4.1. O imposto de renda de pessoa jurídica país”.
Com a vigência da Lei nº 9.249, de 26 de
No Brasil, ao contrário do que ocorria com dezembro de 1995, entretanto, passou-se a
o Imposto de Renda de Pessoa Física, que tributar, a partir de 1996, a universalidade dos
adotava o princípio da universalidade dos lucros, rendimentos e ganhos de capital
rendimentos, o Imposto de Renda de Pessoa auferidos por pessoas jurídicas aqui sediadas –
Jurídica, até recentemente, adotava o princípio passando-se a adotar a base global no IRPJ
da territorialidade15, segundo o qual ficavam brasileiro. Os lucros de filiais, sucursais,
sujeitos àquele tributo apenas os rendimentos controladas e coligadas, auferidos no exterior
produzidos no âmbito do Estado brasileiro. por pessoa jurídica domiciliada no Brasil, do
Corroborando esta afirmação, veja-se o que
estatuía o art. 337 do Regulamento do Imposto mesmo modo, também passaram a ser tribu-
de Renda de 1994: tados pelo IRPJ em nosso país.
“Art. 337 – O lucro proveniente de Para os doutrinadores do Direito Tribu-
atividades exercidas parte no país e parte tário17, a adoção do princípio da universalidade
no exterior somente será tributado na no IRPJ brasileiro seria um parâmetro mais
parte produzida no país”. adequado para se avaliar a capacidade
Vê-se, pois, que as rendas obtidas fora do contributiva dos sujeitos passivos da exação,
território brasileiro por pessoas jurídicas como previsto no art. 145, §1º, da CF/88
domiciliadas no Brasil encontravam-se fora da (“sempre que possível, os impostos terão caráter
incidência do IR até recentemente. A esse pessoal e serão graduados segundo a capacidade
respeito, o eminente jurista Paulo Borba econômica do contribuinte”). Do mesmo modo,
Casella16 já lecionou: a adoção da base global no IRPJ brasileiro
14
concretiza a hipótese definida no art. 153, §2º,
Ibidem, p. 321. I da CF/88 (“o imposto de renda será informado
15
Relata TORRES (1997, p. 39) que “o Brasil, pelos critérios da generalidade, da univer-
por exemplo, com o Dec. Leg. nº 2.397, de 22.12.87,
alterou o regime de tributação de pessoas jurídicas salidade e da progressividade, na forma da lei”).
que produzem rendas no exterior, passando do O tratamento normativo da Lei nº 9.249/95
princípio da territorialidade para o princípio da renda é, basicamente, o seguinte:
mundial. (world-wild income taxation), ou princípio “Art. 25 – Os lucros, rendimentos e
da universalidade. Dois meses após, com do Dec. ganhos de capital auferidos no exterior
Leg. nº 2.413, de 10.2.88, determinou a taxação serão computados na determinação do
inclusive das rendas produzidas mediante subsi- lucro real das pessoas jurídicas corres-
diárias. Dois meses mais tarde, mediante o Dec. Leg.
nº 2.429, de 15.4.88, no seu art. 11, restabeleceu o pondente ao balanço levantado em 31 de
princípio da territorialidade, fazendo retornar tudo dezembro de cada ano.
ao status quo ante. Uma verdadeira alquimia fiscal (...)
em menos de um ano”.
16 17
[s.d.], p. 81. AMARAL, 1996, p. 310.
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§5º – Os prejuízos e perdas decor- imposto que não seria pago lá motivaria a
rentes das operações referidas neste integralidade da cobrança do IRPJ no Brasil.
artigo não serão compensados com lucros Ao passo que, havendo pagamento de Imposto
auferidos no Brasil. sobre a Renda nas Ilhas Cayman, a pessoa
(...) jurídica poderá compensá-lo até o limite do
Art. 26 – A pessoa jurídica poderá Imposto sobre a Renda incidente no Brasil.
compensar o Imposto sobre a Renda Por outro lado, veja-se o que ocorre na Ilha
incidente, no exterior, sobre os lucros, da Madeira, território onde é vigente a
rendimentos e ganhos de capital compu- Convenção para Evitar a Dupla Tributação em
tados no lucro real, até o limite do Matéria de Imposto sobre o Rendimento,
Imposto sobre a Renda incidente, no celebrada entre Brasil e Portugal e aprovada
Brasil, sobre os referidos lucros, rendi- pelo Decreto nº 69.393, de 21.10.71:
mentos ou ganhos de capital”. “[O art. 7º, §1º, da Convenção Brasil-
Conforme o esquema geral proposto na Lei –Portugal] determina que os lucros de
nº 9.249/95, em seus arts. 25 e 26, a implemen- uma empresa de um dos Estados contra-
tação da base global implicará18: 1) rendimentos tantes (no caso, Portugal), só podem so-
obtidos no exterior tributados anualmente, frer tributação nesse mesmo Estado, a
independentemente de efetiva distribuição; 2) menos que essa empresa exerça a sua
impossibilidade de compensação dos prejuízos atividade no outro Estado contratante (no
obtidos no exterior; 3) possibilidade de caso, o Brasil) através de estabelecimento
compensação do imposto pago no exterior (tax estável aí situado. A sociedade sediada
credits)19; 4) obrigatória utilização do regime na Ilha da Madeira somente nesse local
de tributação com base no lucro real. poderia sofrer tributação. No entanto, a
Conseqüência imediata da adoção da base Ilha da Madeira, sendo considerada uma
global para as pessoas jurídicas brasileiras passa zona franca, há isenção de tributação do
a ser a preocupação em se evitar a bitributação imposto de renda, o que significa que os
internacional sobre as suas rendas. Após as
rendimentos estariam isentos de tribu-
mudanças introduzidas pela Lei nº 9.249, de
26 de dezembro de 1995, partiu-se assim para tação”20.
a busca de soluções que evitassem aquele custo O Brasil, anota Amaral21, mantém tratados
adicional extraordinário. Em um sistema firmados para evitar a bitributação, entre outros,
comercial altamente competitivo, como o atual, com os seguintes países: Argentina, Áustria,
a perseguição da maior qualidade e menor custo Bélgica, Canadá, China, República Checa,
nos produtos e serviços é uma constante. Nesse República Eslovaca, Dinamarca, França,
novo âmbito, mais importante e útil que a Alemanha, Equador, Holanda, Hungria, Itália,
manutenção de subsidiárias brasileiras em Japão, Luxemburgo, Noruega, Portugal,
paraísos fiscais do exterior, passou a ser a Espanha e Suécia. Por meio desses tratados,
criação de sociedades em países com que o frustra-se a intenção do legislador brasileiro de
Brasil celebrou convenções destinadas a tributar os lucros, rendimentos e ganhos de
impedir a bitributação. capital gerados por subsidiárias brasileiras
Pelo sistema de tax credits não haveria localizadas no exterior.
vantagem de se estruturar uma subsidiária nas Por fim, não se pode deixar de lado o papel
Ilhas Cayman, por exemplo, já que aquele brasileiro dentro da organização do Mercosul.
18
A esse respeito, vale destacar inicialmente que
Ibidem. o Tratado de Assunção, em seu art. 1º,
19
Mais uma vez é AMARAL (1996, p. 309) estabelece:
quem observa que “as repartições diplomáticas
localizadas no exterior dificilmente estarão aptas a “O Mercado Comum implica:
verificar da correção, ou não, do documento a) A livre circulação de bens, serviços
arrecadatório que lhe for submetido para auten- e fatores produtivos entre os países,
ticação. Os Estados Unidos, para essa, entre outras através, entre outros, da eliminação de
finalidades, além de uma ampla rede de acordos direito aduaneiros e restrições não
internacionais em matéria tributária e de troca de tarifárias à circulação de mercadorias e
informação com os fiscos naionais, possui diversos qualquer outro meio equivalente.
escritórios do Internal Revenue Service (Receita
20
Federal norte-americana) em vários países do CASELLA, op. cit., p.85.
21
mundo”. 1996, p. 309.
88 Revista de Informação Legislativa
b) O estabelecimento de uma TEC nômico-fiscal, como também uma política
(...) em relação a terceiros Estados ou comum dos Estados-partes. Dentro desse
grupos de Estados. complexo sistema, há dois princípios básicos a
c) A coordenação de políticas fiscal serem perseguidos:
(...), aduaneira (...) e outras que se • A proibição de bitributação: é funda-
acordem. mental que a tributação da renda ou do patri-
d) O compromisso dos Estados-partes mônio de um contribuinte seja efetuada apenas
de harmonizar suas legislações em áre- uma vez, sob pena de criar injustiças e impedir
as pertinentes, para lograr o processo de o desenvolvimento.
integração”. • A supressão de fronteiras fiscais: a
Pode-se concluir daí que é condição abolição das fronteiras fiscais, que tem por
indissociável para a constituição de um finalidade nivelar as cargas tributárias, é
mercado comum que os Estados-membros resultado da exigência de integração em um
harmonizem os regimes tributários comunitário “mercado comum” real.
e particular. As distorções implicam existência A fim de se captar com maior precisão as
de discriminações de origem fiscal que alteram distorções entre os diversos sistemas tributários
as condições de concorrência e as correntes dos Estados do Mercosul, veja-se a tabela
ordinárias de tráfego comercial. A harmo- abaixo que apresenta, com algum deta-
nização há de estender-se a todos os tributos, lhamento, os aspectos mais particulares da
salientando-se, outrossim, que a harmonização tributação da renda na Argentina, no Brasil,
fiscal pressupõe não só harmonização eco- no Paraguai e no Uruguai.

Imposto de Renda Pessoa Jurídica - Quadro Comparativo


Argentina Brasil Paraguai Uruguai
Base de Cálculo Renda Líquida Renda Líquida Renda Líquida Renda Líquida
Alíquota 30% (a) 25% (b) 30% 30%
Critério Territorial Fonte Mundial Fonte Mundial Fonte Paraguaia Fonte Uruguaia
Proporcional ou Proporcional Progressivo Proporcional Proporcional
Progressivo
Ajuste pela Inflação Não Sim Não Sim
Perdas Fiscais 5 Anos 4 Anos 3 Anos 3 Anos
Retenções de Sim Sim Sim Não
Remessas ao Exterior
Dividendos Não há 15% 5% (c)
Juros 12% 25% 17,5% Não há
Royalties 18 e 24% 25% 17,5% 20%
Assistência Técnica 24% 25% 25,5% (d)

Legenda:
(a) Sociedades nacionais ou sucursais estrangeiras
(b) Mais o adicional de 10% e contribuição social
(c) Pagos a residentes: isentos; remetidos ao exterior: sujeitos a retenção de 30%. Se taxados no
país do acionista ou da matriz, haverá um crédito pela taxa paga no Uruguai.
(d) Retenção de 30%; isenção se taxado no país beneficiário.
Fonte dos Dados:
Mercosul: A Estratégia Legal dos Negócios, p. 90.
Brasília a. 35 n. 137 jan./mar. 1998 89
5. Conclusão São marcas da contemporaneidade as
facilidades de comunicação, o processamento
Com o surgimento da nova ordem mundial, veloz de informações, a formação de blocos
desde o fim da Guerra Fria, estreitaram-se como econômicos multilaterais, a maior mobilidade
nunca as relações econômicas entre as diversas internacional dos fatores produtivos (capital,
partes do globo, sobretudo em decorrência da trabalho, matérias primas etc.) e a valorizada
revolução tecnológica. Deu-se origem, assim, importância de informação e dinheiro enquanto
ao fenômeno da mundialização da economia importantes bens de capital (“economia da
que, rompendo com as fronteiras geográficas informação”!). Nesse cenário, não somente é
nacionais do comércio e da produção, limitou contraditório, como o mais das vezes contra-
a liberdade de execução das políticas tributária producente, tentar-se impor limites e fronteiras,
e financeira dos países, já que aumentava a sejam essas nacionais ou ideológicas, ao capital-
interdependência entre eles. informação ou ao capital dinheiro22.
Quanto mais integrada a economia interna-
cional, maiores as exigências de reformulação
das estratégias de atuação do Estado e de Bibliografia
fortalecimento de seus núcleos coordenadores
AMARAL, Antônio Carlos Rodrigues do. Tribu-
e reguladores, para que se combatam a espe- tação do consumo e da renda no Mercosul. In:
culação financeira, o endividamento interno e Anais... SIMPÓSIO IOB DE DIREITO TRIBU-
a evasão fiscal – empecilhos maiores do desen- TÁRIO, 1, [s.d]. p.119-143.
volvimento econômico e social. __________
. Bases globais do imposto de renda e
A reforma do Estado, portanto, torna-se “Transfer Pricing” no Brasil. Repertório IOB de
imperativa e deve ser dirigida a articular a Jurisprudência, n. 13, p. 310-305, 1996.
segura integração dos mercados interno e BAUMANN, Renato (org.). O Brasil e a economia
global. São Paulo : Campus, 1996.
externo. Um ponto basilar nesta reengenharia CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Cons-
do Estado diz respeito à reformulação do seu titucional Tributário. São Paulo : Malheiros,
aparato legal. Na ordem globalizada, o Direito 1997.
há de adaptar-se melhor às idéias de parceria CASELLA, Paulo Borba. Circulação de capitais em
e controle e à criação de instâncias de perspectiva brasileira : entrada e saída de
negociação desestatizadas (nacionais e inter- divisas e moeda nacional. Revista de Direito
nacionais), conceitos que precisam ser melhor Mercantil, n. 103, p. 79-86.
compreendidos e utilizados pelo ordenamento MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de
positivo. Direito Administrativo. São Paulo : Malheiros,
1997.
No âmbito da nova ordem mundial, NOGUEIRA, Rui Barbosa. Curso de Direito
constata-se o enfraquecimento dos Estados Tributário. São Paulo : Saraiva, 1990.
nacionais, baseados na soberania absoluta, no ROLIM, João Dácio. Da tributação da renda
intervencionismo e no centralismo, e o mundial : princípios jurídicos. Repertório IOB
favorecimento do papel das empresas privadas, de Jurisprudência, n. 4, 96, p. 87-85, 1996.
sujeitos econômicos importantíssimos no TORRES, Heleno. Pluritributação internacional
processo de universalização da história, na sobre as rendas das empresas. São Paulo :
Revista dos Tribunais, 1997.
medida em que possuem uma mobilidade e uma UCKMAR, Victor. La evasión fiscal internacional.
capacidade adaptativa extraordinárias no meio Revista de Direito Tributário, v 4, n. 13-14, p.
ambiente econômico. 09-35, jul/dez. de 1980.

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CASELLA, op. cit., passim.
90 Revista de Informação Legislativa

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