Você está na página 1de 26

CONTROVÉRSIAS SOBRE A POLÍTIcA FIScAL INTERNAcIONAL PÓS-BEPS

DEBATES ABOUT THE POST-BEPS INTERNATIONAL TAX POLIcY


RODrIGO ALEXaNDrE LaZarO PINTO
Advogado e Contabilista em São Paulo-SP. Mestrando em Tributação Internacional pelo IBDT.
Pós-graduado em Direito Tributário e Empresarial. MBA em Gestão Tributária.
Cursou extensão em Business Law pela Concordia University (CA).
rodrigolazp@yahoo.com.br

Resumo: As mais diversas jurisdições fiscais poderão Abstract: The most diverse tax jurisdictions may apply
aplicar as recomendações do Projeto BEPS da OCDE the recommendations of the OECD´s BEPS Project with
com respeito ao tripé coerência (harmonização das respect to the tripartite coherence (harmonization of
regras domésticas com as internacionais), substância domestic rules with international rules), substance (to
(afastar arranjos feitos apenas para reduzir tributos) e eliminate arrangements made only to reduce taxes)
transparência (troca de informações entre jurisdições, and transparency (exchange of information between
solução de conflitos e fornecimento de dados pelos jurisdictions, settlement of disputes and provision
contribuintes). O futuro propõe a moralização fiscal of data by taxpayers). The future proposes a fiscal
por um Fisco Global, mas os interesses de países em moralization by a Global Tax, but the interests of
desenvolvimento na competição internacional ainda developing countries in international competition persist
persistem como um problema não resolvido na pretensa as an unresolved problem in the so-called reform of
reforma da tributação internacional proposta pela OCDE. international taxation proposed by the OECD. The
O artigo abordará brevemente o projeto BEPS, sua article will briefly address the BEPS project, its partial
materialização parcial por um instrumento multilateral materialization by a multilateral instrument and it will
e avaliará de forma problematizada sua legitimidade evaluate - in a problematized discussion - its legitimacy
quanto às soluções de problemas de competitividade in solving problems of international competitiveness.
internacional.

Palavras-chaves: Direito Tributário Internacional; Keywords: International Tax Law; fiscal policy;
política fiscal; concorrência internacional; erosão da international competition; erosion of the tax base;
base tributária; OCDE; soberania colaborativa; mundo OECD; collaborative sovereignty; world after BEPS
pós-Projeto BEPS. Project.

Sumário: 1. Introdução - 2. Projeto BEPS: 2.1. Ações do Projeto BEPS: 2.1.1. Ação 1: Desafios da economia
digital; 2.1.2. Ação 2: Entidades e instrumentos híbridos; 2.1.3. Ação 3: Fortalecer as regras de CFC; 2.1.4.
Ação 4: Dedutibilidade de juros; 2.1.5. Ação 5: Práticas fiscais prejudiciais; 2.1.6. Ação 6: Abuso na aplicação
de tratados contra bitributação; 2.1.7. Ação 7: Estabelecimento permanente; 2.1.8. Ações 8 a 10 e 13: Preço
de transferência; 2.1.9. Ação 11: Medição e monitoramento de BEPS; 2.1.10. Ação 12: Regras de disclosure;
2.1.11. Ação 14: Tornar os mecanismos de resolução de conflitos mais eficientes; 2.1.12. Ação 15: Desenvolver
um instrumento multilateral que auxilie as jurisdições interessadas a integrarem e alterarem suas convenções
em conformidade com as orientações do grupo de trabalho do BEPS; 2.2. Adesões ao MLI pelos países latino-
americanos: 2.2.1. México; 2.2.2. Argentina; 2.2.3. Panamá; 2.2.4. Colômbia; 2.2.5. Brasil - 3. Conclusão
- 4. Referências.
146 REVISTA TrIBUTÁrIA E DE FINANÇAS PÚBLICAS 2018 • RTrIB 139

1. INTRODUÇÃO

Ao longo das últimas décadas, os Estados assumiram o papel de custear novas


despesas relacionadas ao bem-estar social, obrigando-se a buscar novas fontes de
receitas para fazer frente aos crescentes dispêndios aplicados à saúde, educação,
previdência e assistência social.

Com o aparelhamento inchado e, muitas vezes, pouco eficiente, a preocupação


com a arrecadação tomou conta da agenda internacional das últimas décadas. Para o
Brasil, não foi diferente, mas, infelizmente, a agenda brasileira colocou em segundo
plano o compromisso com a austeridade e aplicação coerente dos gastos públicos.

Ao longo dos anos, o capital se tornou móvel em razão dos encurtamentos das
distâncias promovidos pela tecnologia e multiplicação da participação do investimento
estrangeiro nas mais diversas jurisdições internacionais.

Como cita Yariv Brauner e Miranda Stewart,1 a preocupação dos países em


desenvolvimento (PED) com a arrecadação é para aplicar estes recursos na busca
do desenvolvimento econômico e social.

Como instrumento para incrementar suas receitas, apostaram na atração de


Investimento Estrangeiro Direto (IED) por políticas de indução.2 Outro fator sensível
pela busca do IED é a transferência direta e indireta de tecnologia e know-how de
empresas multinacionais para os PED, fator este considerado a pedra de toque para
o descolamento no desenvolvimento econômico dos países desenvolvidos (PD).

O Consenso de Washington, apoiado por diversos órgãos supranacionais, sugeriu


aos PED a busca de IED para superar a crise econômica generalizada dos anos 80.
Com isso, o discurso para incrementar políticas de incentivos fiscais para investimentos
estrangeiros foi tratado como prioridade para estes países nos anos subsequentes e
reforçando a competitividade entre as mais diversas jurisdições fiscais no mundo.3

Cada vez mais os PED procuram encorajar a vinda de IED e investimentos de


portfólio por meio da demonstração de vantagens, como incentivos fiscais4 e taxas
de juros que façam frente ao risco de sua aplicação. Assim nasce a preocupação de
se tornar um país competitivo para essa atração de capital estrangeiro.

1
BRAUNER (2013, pg. 38)
2
BRAUNER (2013, pg. 39). Os citados autores ainda questionam se o crescimento econômico trará, automaticamente, um
desenvolvimento social. Realmente, faz muito sentido afastar o conceito de desenvolvimento do crescimento econômico.
3
ALMEIDA (2013, p. 99): Um dos efeitos deletérios da opção é transferir a arrecadação da base tributária do capital (alta
mobilidade) para o consumo ou trabalho (menos móveis), como cita o Prof. Carlos Otávio Ferreira de Almeida.
4
ALMEIDA (2013, p. 18): O ônus tributário, assim como o incentivo fiscal, é apenas um subfator de influência na decisão do
fluxo de IED: “Em geral, são fatores espaciais, avaliados pelos atores globais na decisão da localização dos investimentos,
aqueles relacionados: (i) aos custos de disponibilidade de fatores de produção: arrendamento de terrenos, construção civil,
matéria-prima, mão de obra, tarifas energéticas, infraestrutura de transporte (portos, aeroportos e malha rodoviária). (ii)
ao processo produtivo> condições naturais, grau de organização de cadeias produtivas; (iii) à comercialização: potencial
de vendas, distancias físicas até o consumidor; (iv) a disposições estatais: ônus tributário, controle alfandegário, ordem
econômica (salvaguarda da concorrência, disposições constitucionais, risco de intervenção, confisco, incentivos fiscais;
(v) fatores estratégicos.
CONTROVÉRSIAS SOBRE A POLÍTIcA FIScAL INTERNAcIONAL PÓS-BEPS 147

O prof. Avi Nov5 alerta que a busca pela alteração da rota de IED faz com que os
mais diversos territórios travem uma “guerra cega” com os investidores, especialmente
as multinacionais, jogando diversas jurisdições umas contra as outras.6

Na verdade, é uma inversão do próprio conceito de soberania, em que as empresas


multinacionais buscam a tributação que lhe melhor convier ante as opções disponíveis
no mundo. Assim é travada a famigerada corrida para o fundo (race to the bottom),7
decorrente da concorrência entre jurisdições sem uma coordenação internacional
nesse sentido.8

Assim, a Organização de Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE)


emitiu o relatório Harmful Tax Competition de 1998,9 reconhecendo que os países
precisam modernizar sua estrutura fiscal e manter uma política fiscal doméstica que
visem promover a neutralidade.10

O Prof. Carlos Otávio Ferreira de Almeida destaca os pontos balizares do citado


relatório,11 em especial à inferência para aplicação de ações internacionalmente
coordenadas contra essa competição nociva entre jurisdições fiscais, notadamente
sobre a recomendação de adoção de “regras assecuratórias de que a renda de fonte
estrangeira, beneficiada por incentivos caracterizados por práticas nociva, não se
qualifique para o método de isenção para eliminar bitributação”; aplicação de regras
CFC; quanto aos acordo de bitributação, “considerar a adoção de cláusulas LOB,
limitando os benefícios de um acordo de bitributação a entidades ou rendas não cobertas
por práticas concorrenciais nocivas, além de “acesso de informações bancárias para
fins tributários”.

Posteriormente, foi constituído um grupo de trabalho pela OCDE, chamado Fórum


Global, com o objetivo de criar um meio eficaz de exercício de atos de fiscalização

5
NOV (2004, p. 668)
6
Nem todos os efeitos da concorrência podem ser classificados como negativos, como pode-se citar o (i) aumento da
eficiência do Estado, a busca de (ii) política de contenção da carga tributária, a busca do (iii) equilíbrio orçamentário e,
por fim, a (iv) maximização do bem-estar social.
7
ALMEIDA (2013, p. 99): “Levando ao extremo, o conjunto de políticas fiscais nacionais voltadas à atração de capital
poderia conduzir a uma “corrida para o fundo” (race to the bottom), com significativo declínio de receitas advindas da
tributação do capital, capaz de fazê-la tender a zero. Este o pensamento da chamada “teoria tradicional da concorrência
tributária” (tax competition), que predominou nos anos 1990.”
8
BRAUNER (2013, p. 40), exemplo citado pelos professores: “In sum, one may say that taxation plays a relatively small
role in the original decision to engage in foreing direct investment and that in many cases, political systems and market
climate are more important. However, taxation is a factor relevant at the margin. For example, consider a multinational
enterprise in the business of manufacturing sporting goods that wishes to increase production to respond to demand. (…)
Now, let us hypothesize that Thailand, Malaysia, and Vietnam are all appropriate in terms of infrastructure, transportation
costs and other institutional factors. It is only at this stage where on can see tax entering the equation. If one of these
countries can secure a better financial package (with taxes considered) for the investor, it may be at an advantage.”
9
ALMEIDA (2013, p. 104): “Em vista disso, o sucesso da neutralização da concorrência fiscal nociva depende, em larga
escala, de ações internacionalmente coordenadas, dadas as características hodiernas de mobilidade do capital. Nesse
sentido, a OCDE, em seu Relatório 1998 e atualizações, conclamou membros e não membros a intensificarem a cooperação
internacional, por mio de recomendações segmentas em três frentes: (i) concernentes à legislação doméstica (...) (ii)
concernentes aos acordos de bitributação (...); (iii) concernentes à intensificação da cooperação internacional.”.
10
AVI (2004, p. 14). O citado professor ainda defende uma posição diferente ao sustentar que: “In my view, we must accept
that variations in tax regimes, including a very low corporate tax rate, are a good thing because they give tax payers more
choice, and thus more chance of being satisfied as well as forcing countries to compete by offering different combination
of public goods and taxes.”
11
ALMEIDA (2013, p. 104)
148 REVISTA TrIBUTÁrIA E DE FINANÇAS PÚBLICAS 2018 • RTrIB 139

sobre rendas forâneas para garantir a exequibilidade da norma tributária dos países de
residência em relação a possíveis evasões, elisões e elusões fiscais. A grande questão
que surgiu foi a seguinte: como impor a exequibilidade da norma tributária do estado
de residência em relação à renda oculta em terceira jurisdição?

O Fórum Global elegeu, como sendo os principais obstáculos à transparência dos


mercados internacionais, o sigilo bancário, fiscal e societário, reputados como meios
a facilitar a ocultação de evasão e fraude que, na ausência desta limitação, poderiam
ser evitadas, controladas e sancionadas.

Assim, concluiu o citado grupo que a impossibilidade de alcance de dados fiscais


relevantes em jurisdições estrangeiras, por parte das autoridades fiscais dos países
de residência, poderia ser mitigada com a implementação de uma troca global de
informações fiscais e bancárias para o combate das práticas fiscais danosas.

A ideia central do grupo de trabalho é a utilização combinada de compartilhamento


automático de informações bancárias e compartilhamento de informações fiscais “a
pedido” para alcançar os citados dados ilegitimamente ocultos, especialmente após
a consolidação de informações em uma base de dados integradas pelas diversas
jurisdições aderentes aos instrumentos multilaterais propostos pela OCDE.

No entanto, as soluções propostas pelo Fórum Global não possuem a necessária


cogência (enforcement) por serem soft law. Outro ponto importante desenvolvido
foi encontrar um meio para convencer as diversas jurisdições fiscais em alterarem
sua política de atração de investimentos, renunciando ao plano de sigilo absoluto
de dados, a fim de promoverem mudanças em suas normas internas relativas ao
compartilhamento de dados bancários, fiscais e societários.

Em 2002, o Fórum Global da OCDE manteve a estratégia em apostar em soft law


e publicou um Modelo de Acordo de Troca de Informações em Matéria Tributária -
TIEA12 no formato de um instrumento multilateral e um modelo de acordo bilateral,
a fim de promover a instrumentalização do compromisso de troca de informações.
Assim, as recomendações do Fórum Global ainda não teriam o poder de impor sanções
aos países com relativa opacidade, assim como jurisdições resistentes ao processo
de troca de informações.

Como indicado, o soft law não possui meios para impor a coatividade esperada
pelo citado grupo, cabendo cada país decidir por si quais ações considera necessárias
para garantir a efetiva aplicação de suas leis tributárias.

Em paralelo ao Fórum Global, a OCDE divulgou listas de jurisdições com baixa


tributação e opacidade de dados (listas cinza e negra)13 que poderiam contribuir com
atividades de lavagem de dinheiro, terrorismo e evasão fiscal.

12
“Tax Information Exchange” - TIEA
13
Lista Cinza, países com opacidade que tomarão medidas de ajuste em relação à transparência e Lista Negra, países não
comprometidos com política de transparência de informações para com outras jurisdições fiscais.
CONTROVÉRSIAS SOBRE A POLÍTIcA FIScAL INTERNAcIONAL PÓS-BEPS 149

Na prática, as jurisdições que constarem nas listas negra e cinza podem sofrer sanções
comerciais dos demais atores internacionais, diminuindo o fluxo de investimento e
ajudas financeiras de órgãos multilaterais, além de sofrerem consequências fiscais
mais severas das legislações tributárias dos demais países. Entre 2000 e 2002, mais
de trinta jurisdições assumiram compromissos formais para implementar os padrões
de transparência e troca de informações da OCDE. Atualmente, não existem paraísos
fiscais listados como jurisdição não colaborativa com a transparência fiscal.

Para estimular a adesão aos instrumentos propostos pelo Fórum Global, o


Progress Report (Relatório OCDE 2009) propôs que seriam consideradas como
tendo “substancialmente implementado” o padrão internacional aquelas jurisdições
que firmaram TIEA com mais de 12 jurisdições.14

Na época da publicação do relatório, diversos países sofreram os reflexos da crise


econômica global de 2008. Com isso, sobrevieram mais de quatrocentos tratados
bilaterais de trocas de informações fiscais firmados em menos de uma década.
Reputa-se como “um caso histórico de eficácia de soft law na área internacional,
não existindo dúvida da eficácia dos modelos enquanto instrumentos de soft law”.15

Desde 2009, o Fórum Global conduziu um trabalho de revisão dos processos de


adoção da transparência por seus pares (Peer Review) em relação aos instrumentos
de troca de informações fiscais. Em abril de 2016, os países foram chamados para
atualizar sua classificação no Fórum Global para, pelo menos, "largely compliant"
em relação ao padrão de troca de informações fiscais. Após a adoção de um programa
“fast-track review procedure”, em julho de 2017, apenas seis jurisdições ainda eram
consideradas “parcially compliant” ou “Provisionally Partially Compliant” e apenas
uma “Non-Compliant”.

O esforço indicado não coibiu que as diversas empresas multinacionais, com


destaque às americanas, buscassem jurisdições que lhes concedessem benefícios,
como, por exemplo, a alíquota de imposto de renda de pessoa jurídica da Irlanda
(12,5%)16 , inferior à média da Europa (19,75%) e Estados Unidos, e regimes jurídicos
favoráveis para investimentos offshores para transferência de bens intangíveis, como
Holanda e Luxemburgo.17

A fragmentação dos sistemas tributários e a adoção de incentivos por alguns


países possibilitaram que as empresas multinacionais criassem estruturas complexas
que permitiram minorar a tributação nos mais diversos mercados em que atuam,

14
OWENS (2013, p. 448)
15
SPONQUIADO (2017, p. 211)
16
BRAUNER (2013, p. 27): “Ireland´s 12.5 percent corporate income tax is a well-known example. One may argue that
this is not a true tax incentive because it applies universally and equally within a jurisdiction. However, the diversion of
the applicable tax rate from the normal or average level of corporate income tax rates internationally may be viewed as
aimed at encouraging or luring investment from competitor jurisdiction.”
17
Outro ponto importante é o efeito do Free Riders (caroneiros), sendo aqueles que obtém uma vantagem que não era alvo
inicial na criação da política de indução (efeito carona).
150 REVISTA TrIBUTÁrIA E DE FINANÇAS PÚBLICAS 2018 • RTrIB 139

quantificando perdas arrecadatórias de até US$ 240 bilhões ao ano para estas
jurisdições.18

Como reação a essa medida pela divulgação das perdas arrecadatórias pelo
fisco inglês, sobrevieram boicotes de consumidores ingleses contra uma das citadas
multinacionais: Starbucks. Os países da OCDE, sensibilizados pela repercussão da
questão, iniciaram um trabalho conjunto, inicialmente incluindo seus membros e
posteriormente admitindo outras jurisdições, inclusive PED e o G20, para o debate
de meios para reduzir a erosão das bases tributáveis e a transferência de resultados
entre países.19

Assim, o Projeto BEPS nasce em 2013 com o intuito de estudar instrumentos para
afastar os efeitos causados pelas assimetrias das legislações domésticas e internacionais
que criam oportunidades tributárias para planejamentos tributários agressivos para
empresas multinacionais.

2. PROJETO BEPS

A ideia original do Projeto BEPS é defender uma reforma tributária internacional


para viabilizar o alinhamento das mais diversas jurisdições para uma cooperação
sem precedentes na luta contra a erosão das bases tributáveis e a transferência de
resultados entre países (BEPS).

Como se tratam de diversos interesses envolvidos, há uma clara dificuldade na


formação de um consenso entre os diversos players na formatação da política de
combate ao BEPS. Não há apenas as dicotomias entre os países de residência e fonte,
mas também o enfrentamento de disputas de interesses de PD e PED, política de
blocos, etc. O Brasil e outros países latino-americanos participaram como supervisores
do progresso do Projeto BEPS20 para tentar acomodar os interesses desses países na
força tarefa indicada.21

18
A OCDE estimou que entre 4% e 10% dos lucros das empresas, em âmbito global, não seriam tributados adequadamente,
uma vez que são transferidos para países com alíquotas de imposto de renda reduzidas. Com isso, os governos estariam
perdendo anualmente entre US$ 100 bilhões e US$ 240 bilhões em arrecadação.
19
ALMEIDA (2013, p. 100). O prof. Carlos Otávio Ferreira de Almeida cita autores como Michael Rodi, Benassy-Quere,
Fontagn, Lahreche-Revil, para esclarecer os fatores para os países buscarem a redução da exação do imposto de renda
corporativo: “Aferir com exatidão os efeitos da tributação sobre o fluxo de capital é questão complexa que divide
pesquisadores. (...) ao sustentarem que os mecanismos de preços de transferência e os contratos de mutuo entre empresa
do mesmo grupo facilitam a alteração dos lucros para jurisdições de menor tributação, independente do local de produção
desses lucros. (...) (i) a concorrência tributária não precisará conduzir a uma tributação zero, ao contrário, países atrativos
saberão explorar suas vantagens locacionais, mantendo seus índices de arrecadação; (ii) há uma sensibilidade assimétrica
do IED com relação ao diferencial do Imposto de Renda corporativo na fonte e na residência do investidor. Enquanto
alíquotas mais baixas na fonte que na residência não estimulam significativamente o fluxo de IED alíquotas mais alteras
tendem a desestimula-lo com mais intensidade.”
20
Foram admitidos alguns países da América Latina no debate, incluindo Argentina, Bahamas, Barbados, Belize, Brasil,
Chile, Colômbia, Costa Rica, Haiti, Jamaica, México, Panamá, Paraguai, Peru, Trinidad e Tobago e Uruguai. Como
membro do G-20, o Brasil participou das discussões e implementou em sua legislação interna algumas das medidas
previstas no Projeto BEPS.
21
Segundo o Ministério da Transparência do Brasil: “O Brasil foi eleito, ao lado de África do Sul, China e Índia, integrante
do "Bureau Plus" do BEPS (na categoria de "non-OECD countries"), grupo encarregado de supervisionar o progresso do
Projeto e levar a cabo o processo decisório. Com isso, passou a influenciar a agenda da iniciativa, de modo a acomodar as
CONTROVÉRSIAS SOBRE A POLÍTIcA FIScAL INTERNAcIONAL PÓS-BEPS 151

Pela promessa pela OCDE em liderar esse movimento de justiça tributária


internacional com o apoio dos demais países, o desejo dos PED ingressantes pela
política do Inclusive Framework era a busca da tributação internacional equitativa,
justa e legitima entre iguais pela cooperação e transparência internacional. Seria a
forma mais adequada de redistribuição entre indivíduos e países de baixa renda serem
incluídos na discussão possibilita a reforma da desigualdade. Estabelecer termos
justos de cooperação viabiliza o desenvolvimento dos países menos desenvolvidos.

Na evolução das discussões, ficou demonstrado que o Projeto BEPS foi silente
na razão real para participação de não membros da OCDE nas discussões das ações
propostas. O valor da inclusão dos países não membros nas discussões sobre tributação
internacional foi legitimar as decisões da OCDE como um líder global de política
tributária.

Por tangenciar a discussão de um sistema tributário global e não avançar em


medidas para ajustar o nexo da fonte e residência de forma equitativa, evidenciou-
se uma questionável legitimidade dos grupos “eleitos” para dirigir a discussão da
proposta de “Reforma Tributária Internacional”. Por outro lado, não há clareza na
escolha dos líderes participantes e na tomada de decisão no website e documentos
da OCDE,22 inclusive negociações, agendas, contratos, estruturas e etc.

No entanto, a citada opacidade da OCDE em relação aos acessos à hierarquia


entre os não membros e processos de decisão, é possível que surja futuras discussões
sobre igualdade entre os players nas negociações e a regularidade da implementação
das medidas de coordenação fiscal internacional.

O ideal seria criar esclarecimentos sobre a igualdade dos participantes em razão


das diferenças dos membros e tentar conciliar a essência da OCDE de “grupo dos
países ricos” com a inclusão equitativa de não membros nos Fóruns Globais.

A longo prazo, sem uma definição clara de equal footing da Estrutura Inclusiva
com um desenho institucional e procedimentos de decisão, a falta de transparência
correrá o risco de ser uma mera política de retórica.

Ademais, a política inclusiva da OCDE percebeu, em 2014, que o pacote BEPS


não poderia ser incluído em muitos países por incapacidade operacional e técnica
dos fiscos domésticos. Ademais, essas políticas vinham de encontro à pressão de
investimentos externos por exações mínimas e opacidade de dados. A solução foi

aspirações dos países em desenvolvimento. O relatório final do Projeto BEPS, com seu Plano de Ação, foi apresentado pela
OCDE e endossado pelos países Líderes do G20 na Cúpula de Antalya, na Turquia, em novembro de 2015. Em julho de
2016, os Ministros de Finanças do G20 aprovaram um "quadro inclusivo" ("inclusive framework") para a implementação
e monitoramento do projeto BEPS, que permitirá estender as medidas previstas no BEPS à adesão de novos países,
especialmente países em desenvolvimento. O Brasil integra ainda o grupo de países que vêm negociando o chamado
Acordo Multilateral Tributário (AMT), correspondente à ação 15 do Projeto BEPS, cujo objetivo é multilateralizar” em
um único instrumento os resultados das várias ações do projeto BEPS que modificam dispositivos de acordos para evitar
a dupla tributação (ADTs). Na falta do AMT, seria necessário renegociar e incorporar bilateralmente essas modificações
em cada ADT.”
22
CHRISTIANS (2018, p. 1).
152 REVISTA TrIBUTÁrIA E DE FINANÇAS PÚBLICAS 2018 • RTrIB 139

ajudar os países em desenvolvimento com definição de prioridades e mais tempo


para os ajustes de seus ordenamentos jurídicos internos.

Como conclusão parcial do ponto enfrentado nesse item, verifica-se que o foco
do Projeto BEPS foi a disputa pela exação de receitas forâneas, especialmente de
empresas multinacionais americanas,23 as quais seriam consideradas Stateless Income.24
Foi deixada de lado a oportunidade de discussão ampla e intensa nesse fórum sobre
a correta alocação das receitas entre PD e PED como forma equitativa de tributação
da renda internacional.

No entanto, há de se indicar que o Projeto BEPS iniciou uma discussão importante


sobre o poder de tributação da fonte e geração de valor como divisão do poder de
tributação entre jurisdições internacionais, mas materializou seu soft law apenas na
defesa das fatias de recursos no exterior, principalmente perquirindo a repartição de
receitas em jurisdições de baixa ou nenhuma tributação.

É possível que muitos PED não tinham uma ideia clara como e se suas bases
fiscais foram atingidas por planejamentos tributários agressivos e quais seriam seus
interesses efetivos na participação do Projeto BEPS. Ao invés de se oporem ao
movimento parcial de reforma tributária internacional apenas com foco no Stateless
Income, optaram pelo alinhamento para proteção de suas bases tributárias.

Assim, o interesse velado dos PED foi direcionado no fórum para proteção de
suas bases tributáveis por instrumentos bilaterais e domésticos, bem como o acesso à
informação de seu interesse por meio do compartilhamento de informações fiscais e
bancárias internacionais. Deveras, não importou muito a função clara do planejamento
tributário agressivo aos PED, mas a falta de declaração e sua renda oponível à base
tributária de sua jurisdição fiscal, sendo alvo a possibilidade de alcance de rendas
forâneas como foco para o esforço de alinhamento com a política de transparência
e cooperação internacional.

2.1. Ações do Projeto BEPS

Como se verá abaixo, o Projeto BEPS gerou quinze relatórios de 2013 a 2016,
balizados em três pilares: coerência, transparência e substância. O presente artigo

23
Essas empresas americanas tiveram um incentivo para expansão de suas atividades no exterior desde os anos 1990 com
a aplicação da regra check in the box rules, diferindo a tributação pelo Corporate Income Tax apenas no momento do
ingresso das receitas nos Estados Unidos. Em alguns casos, alteraram sua residência para outros países de baixa tributação
e, como a manutenção de rendas no exterior sem a tributação era vantajosa para essas empresas multinacionais, aliadas
a estruturas tributárias complexas baseadas em transferência de intangíveis para países de baixa tributação, separação
das atividades por diversas jurisdições, evitando a criação de estabelecimentos permanentes e a criação de meios de
compartilhamento de despesas e empréstimos, há uma forma lícita de redução da carga tributária do grupo econômico e
consequente maximização da rentabilidade do negócio como um todo. Assim, são capazes de não criar estabelecimento
permanente em diversos países ou extrair o lucro dos países com tributação alta por meio de royalties e juros pagos com
retenção na fonte com percentual reduzido ou zero.
24
KLEINBARD (2012, p. 1) esclarece seu conceito: “Stateless income is income that is derived for tax purposes by a
multinational group from business activities in a country other than the domicile of the group's ultimate parent company
but that is subject to tax only in a jurisdiction that is neither the source of the production factors through which it was
derived nor the domicile of the group's parent company”.
CONTROVÉRSIAS SOBRE A POLÍTIcA FIScAL INTERNAcIONAL PÓS-BEPS 153

não pretende exaurir o conteúdo de cada relatório, mas busca indicar o escopo de
cada relatório, inclusive se contemplado no tratado multilateral e se foi internalizado
no ordenamento jurídico nacional.

A Ação 2 (instrumentos e arranjos híbridos), Ação 4 (Dedução de juros), Ação


3 (Regras de CFC) e Ação 5 (Prática tributária prejudicial) estão inseridas no pilar
“Coerência”, perquirindo reduzir as inconsistências jurídicas conceituais de tratamentos
de operações negociais realizadas em âmbito internacional.

A Ação 6 (Prevenir abusos de tratados), Ação 7 (Evitar o status de estabelecimento


permanente), Ação 8 (Regras de preço de transferência sobre ativos intangíveis), Ação
9 (Regras de preço de transferência sobre capital e risco) e Ação 10 (Regras de preço
de transferência sobre transações de alto risco) estão inseridas no pilar “Substância”,
buscando alinhar o reconhecimento do lucro nas jurisdições onde se desenvolveram
as funções e atividades de criação de valor, aperfeiçoando o princípio Arm´s Length.

A Ação 11 (Metodologia e análise de informações), Ação 12 (Regras de disclosure),


Ação 13 (Documentos de preço de transferência) e Ação 14 (Resolução de disputas)
estão inseridas no pilar “Transparência”, sendo necessária a previsibilidade e certeza
nas regras tributárias internacionais. Exemplos dessa política é a divulgação de
informações adicionais para se evitar prejuízos aos fiscos (coutry by country report,
local file e master file de preço de transferência e a divulgação de planejamentos
tributários).

Como bases dos três pilares, a Ação 1 (Desafios da economia digital) e a Ação 15
(adoção de um instrumento multilateral). A Ação 15 propõe uma reforma no sistema
para que materialize os resultados das Ações em um instrumento multilateral que
simplificará as medidas de combate à erosão fiscal e transferência de lucros.

O presente trabalho abordará de forma resumida cada uma das Ações para, enfim,
enfrentar a questão da moralização fiscal e a segurança jurídica aos contribuintes por
um Fisco Global.

2.1.1. Ação 1: Desafios da economia digital

A Economia digital criou um desafio adicional para a atual sistemática de tributação,


uma espécie de “contribuintes sem fronteiras”. Assim, as empresas multinacionais
podem operar nas mais diversas jurisdições e evitar a definição de estabelecimento
permanente e suportar tributos reduzidos ou inexistentes no país de residência.

Muito se discutiu sobre a possibilidade de manutenção das regras atuais para se


tributar os novos fenômenos econômicos criados pela tecnologia,25 especialmente

25
PARIS (2003, p. 177): “Electronic commerce represents a qualitatively new form of commerce that defies many of the
assumptions upon which existing national tax systems and the international tax regime are based, including the notion
that transactions can be located in physical space. As a result, there is a growing disjuncture between the international tax
regime and the nonterritorial character of digital commerce. (…) in asserting that taxation cannot remain a ‘‘sovereign’’
decision. If one accepts that effective sovereignty, or what I have called de facto political authority, can be and is being
154 REVISTA TrIBUTÁrIA E DE FINANÇAS PÚBLICAS 2018 • RTrIB 139

sobre a competitividade entre as empresas locais e internacionais quanto ao discrimem


na tributação sobre a renda, mas um ponto que merece aplausos é a definição da
Ação 1 que não é possível criar uma delimitação (ring fence) ao setor digital com
a criação de normas específicas. Foi nesse ponto que ocorreu a admissão implícita
de que o princípio da residência já não labora adequadamente em algumas áreas,
inclusive com a clara dificuldade de aplicar a regra atual de tributação internacional
para a economia digital.

Admitiu-se a mudança para um sistema baseado na tributação sobre consumo para


impostos sobre valor agregado aplicado sobre o consumo,26 semelhante ao MOSS27
da União Europeia, mas não houve uma evolução na discussão sobre a forma de
tributação do imposto de renda dos países de fonte ou a definição de um nexo digital.28

Deveras, a evolução da discussão sobre a presença digital significativa, a criação de


um conceito de “estabelecimento permanente virtual” como uma forma de quantificar
a participação da fonte na carga tributária da renda ou até inovar com um a criação
de um Bit Tax foi adiada para um relatório final para até 2020, após uma consulta
pública até 13/10/2017 e um futuro relatório intermediário para até o final de 2018.
Essa agenda é proposta em razão da preocupação da OCDE em relação às medidas
unilaterais dos países de fonte em tributar a renda em caso de BEPS, como ocorreu
na Austrália e Reino Unido.29

A discussão no país ainda está voltada aos tributos aplicados sobre consumo.
Atualmente, o Brasil enfrenta uma discussão relacionada à tributação entre o ISS
e ICMS no comércio eletrônico, notadamente pela aplicação concorrente da Lei
Complementar 157/2016 e do recente Convênio ICMS 106/2017 para software via
download, mas ambos perquirem a tributação no local do consumo.

disaggregated and internationalized, then sovereignty over taxation could conceivably shift from territorial states to a
decentralized ‘‘international state.’’ Indeed, this process appears already to be under way, and there are strong indications
that it will accelerate in the years to come.”
26
LAW. (2014, p 41).
27
Por outro lado, em relação aos tributos sobre valor agregado (VAT), sobreveio resposta no sentido de criar uma tributação
sobre o consumo e a participação da fonte na tributação dessa capacidade contributiva. O Mini One Stop Shop, regime
opcional que permite prestar alguns serviços via eletrônica, telecomunicação e radiodifusão/televisão na União Europeia
sem precisar se registrar em cada um dos países.
28
A União Europeia recebeu proposta para criar uma tributação de imposto de renda corporativo, conhecido como CCTB,
repartindo o imposto entre os 28 Estados Membros por meio de um rateio, semelhante ao MOSS. Se for adotado o
CCTB, suas diretrizes introduziriam efetivamente um sistema tributário corporativo único para toda a UE para grandes
multinacionais, substituindo assim os sistemas nacionais separados que operam em seus membros
29
Em abril de 2015, o Reino Unido instituiu, em sua lei doméstica, o chamado Diverted Profits Tax (DPT), com o objetivo
de combater as operações de planejamento tributário agressivo utilizadas por multinacionais para desviar lucros da sua
jurisdição, por meio de estruturas de negócio que evitam a caracterização de um estabelecimento permanente no país, seja
mediante a realização de negócios jurídicos artificiais, seja por meio da utilização de entidades sem substancia econômica.
A Austrália criou solução semelhante com Tax Integrity of Multinational Anti Avoidance Law e criou os seguintes critérios:
a operação ter sido realizada para evitar a caracterização de um estabelecimento permanente no país, o proposito principal
do contribuinte é a economia fiscal em relação ao tributo australiano, a receita do contribuinte se superior a 1 bilhão de
dólares australianos e o não residente manter vínculo com paraísos fiscais.
CONTROVÉRSIAS SOBRE A POLÍTIcA FIScAL INTERNAcIONAL PÓS-BEPS 155

2.1.2. Ação 2: Entidades e instrumentos híbridos

As empresas multinacionais utilizaram-se de arranjos e instrumentos híbridos


que, em linhas gerais, podem ter características de capital (aplicando-se o instituto da
isenção) ou podem ser classificados como juros (sendo dedutíveis por classificarem-se
como despesas). Assim, sem uma definição impositiva da fonte face a residência, é
possível ocorrer fenômenos que causam assimetria ao sistema, como a dedutibilidade
direta sem a correspondente tributação, a dupla dedutibilidade e a dedutibilidade
indireta sem a correspondente tributação.

A Ação 2 analisa as estruturas complexas e instrumentos híbridos, propondo


recomendações como medidas que levem em consideração o realinhamento do
instrumento indicado, forçando que a fonte pagadora desconsidere a dedução do
pagamento ou a jurisdição da residência a caracterize como renda tributável.

Essa recomendação não é a mesma que a União Europeia fez para seus membros,
que propõe uma forma prática de tratar a manipulação destes instrumentos, dando
prevalência ao tratamento da fonte, sendo este replicado pela residência ou que as
jurisdições prevejam a natureza legal do instrumento para se evitar o efeito indesejável
acima indicado (hybrid mismatches).

A ideia central é reescrever o papel do Princípio Arm´s length para um padrão


mais amplo para contestar a substância das operações realizadas intergrupos.

O relatório da ação buscou identificar situações sem substância, dentre essas


destaca-se a transferência de ativos intangíveis e outros ativos móveis para jurisdições
de baixa tributação por empresas do mesmo grupo, bem como afastar um grande
endividamento de uma empresa do grupo apenas para minorar seu resultado tributável
em jurisdição de alta carga tributária e avaliar se a transferência de risco para uma
jurisdição de baixa tributação em transações entre partes relacionadas não ocorreria
em partes independentes.

2.1.3. Ação 3: Fortalecer as regras de CFC

O esforço do Projeto BEPS é afastar o diferimento abusivo ou atos abusivos de


não oferecimento à tributação de resultados de coligadas e controladas do exterior
em razão da não distribuição de lucros seu ao controlador. As recomendações buscam
harmonizar as regras das mais diversas jurisdições que já adotaram as regras CFC e
buscar sua inclusão nos países que ainda não internalizaram referida disciplina em
seu ordenamento jurídico.

No Brasil, as regras CFC foram internalizadas pela Medida Provisória Nº 2.158-


35/2001 com a tributação dos lucros auferidos por controladas e coligadas no exterior
de forma automática, o que gerou muitas críticas por não adotar o modelo previsto
nos demais países. Os lucros seriam considerados disponibilizados, para fins de
156 REVISTA TrIBUTÁrIA E DE FINANÇAS PÚBLICAS 2018 • RTrIB 139

tributação pelo Imposto de Renda da Pessoa Jurídica brasileiro, na data do balanço


em que tivessem sido apurados.30

2.1.4. Ação 4: Dedutibilidade de juros

Já conhecida pela legislação brasileira, a regra Thin Capitalization prevê a criação


de limites de dedutibilidade de despesas financeiras (juros) com base em uma base
fixa entre uma proporção juros/EBITDA em um percentual de 10 a 30% a ser definido
por cada país. É possível a criação de regras alternativas e flexíveis pelos países para
que adotem um percentual apurado entre o grupo econômico e a aplicação de um
patamar mínimo para que todos os juros sejam sempre dedutíveis (minimis threshold).

No cenário interno, a legislação nacional adotou as regras de subcapitalização


pela Lei Nº 12.249/2010 e empregou a figura de um “beneficiário efetivo” e investiga
a substância da operação para se confirmar se o empréstimo não foi constituído
apenas para economia tributária.31 Decerto é uma inovação que vai ao encontro do
disciplinamento normativo proposto pelo Projeto BEPS.

2.1.5. Ação 5: Práticas fiscais prejudiciais

Com relação ao pilar da transparência, o relatório da Ação 5 recomendou a


obrigatoriedade, entre as autoridades fiscais dos Estados, “a troca automática de
informações sobre tax rulings32 que concedam ao contribuinte um tratamento fiscal
preferencial, incluindo os acordos prévios em matéria de preços de transferência”.

No que diz respeito ao pilar da substância, o relatório busca definir o conceito de


“atividade substancial” em relação aos regimes de propriedade intelectual (IP box),
limitando a aplicação de regimes preferenciais de tributação aos rendimentos de
propriedade intelectual, como royalties e ganhos de capital de intangíveis que tenham
um nexo com gastos de desenvolvimento do ativo (pesquisa e desenvolvimento, P&D).

O foco é na transparência por meio de troca de informações para fiscalizar a


substância de Regimes IP nas operações em que as subsidiárias de multinacionais
ou suas intermediárias se beneficiarem de regimes fiscais privilegiados. Como
consequência, busca-se analisar se há dano a outros países com a transferência de
atividades móveis para estes regimes.

Uma forma de analisar a substância é a obrigatoriedade na declaração, a partir


de 2017, de empresas, com receitas anuais acima de € 750 milhões, declarar a cada
jurisdição fiscal onde possuem negócios, os montantes de lucro, ativos, empregados,

30
A Lei 12.973/14 não altera os princípios básicos da tributação no Brasil dos lucros das empresas estrangeiras para abordar a
adoção de IFRS, bem como tratamento automático para lucros obtidos no exterior por entidades controladas e não controladas.
31
Lei Nº 12.249/10: “Art. 26. (...) § 1º Para efeito do disposto no inciso I do caput deste Artigo, considerar-se-á como efetivo
beneficiário a pessoa física ou jurídica não constituída com o único ou principal objetivo de economia tributária que auferir
esses valores por sua própria conta e não como agente, administrador fiduciário ou mandatário por conta de terceiro.” .
32
Intercâmbio sobre decisões administrativas que concedem tratamento tributário especial a determinados contribuintes:
“Exchange on tax ruling” – ETR.
CONTROVÉRSIAS SOBRE A POLÍTIcA FIScAL INTERNAcIONAL PÓS-BEPS 157

impostos e provisionamentos. Com essa troca de informações entre as jurisdições,


será possível analisar se há substância na operação de transferências desses ativos
e respectivos efeitos tributários adjacentes de cada operação com IP Box. Como
próximo passo, busca-se ampliar a análise para um enfoque ampliado de “caixa ao
redor da caixa” em uma revisão do relatório da Ação 5 até o ano de 2021, porém sua
análise dependerá de como os países estão aplicando as regras de descaracterização
das operações tidas como sem substância.

O Brasil participou do projeto BEPS da OCDE e concentrou esforços para promover


alterações legislativas e normações infralegais para internalizar algumas recomendações
discutidas ao longo desse projeto. Esse esforço tem como finalidade demonstrar que é
um país alinhado com os valores do bloco, conquanto esteve ausente na cerimônia de
assinatura do Tratado Multilateral (MLI) e possua limitações econômicas significativas
para ser aprovado pelos membros da OCDE.

Em relação à legislação interna, a IN RFB 1037/1033 já prevê uma lista negra (black
list) de países com baixa tributação e opacidade, além de indicar regimes tributários
privilegiados e exigir atividade econômica substantiva de empresas holding para
demonstrar se existe a empresa. Já a IN RFB 1.634/16 exigiu, para criar o CNPJ do
Investidor Estrangeiro, a identificação de seu beneficiário final.

A IN RFB 1689/17 prevê a troca de informações para beneficiar contribuintes em


relação à aplicação de ruling para regras de preços de transferência e estabelecimento
permanente.34

Em relação ao pilar “Transparência” e a preocupação de uma cooperação entre


informações entre jurisdições fiscais, além de promulgar o acordo com os Estados
Unidos para implementação do FATCA35 em 23/09/14, o Brasil assinou a Convenção
Multilateral sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária e terá
amplo acesso a informações tributárias do exterior.36 O fisco nacional já editou
normas infralegais para ajustar as regras de troca de informações por meio da IN
RFB 1.680/16 com a identificação das contas financeiras em conformidade com o
Padrão de Declaração Comum (Common Reporting Standard – CRS)37 de pessoas
jurídicas obrigadas a apresentar a e-Financeira.38

33
Posteriormente alterada pela IN RFB 1045/10, 1658/16 e 1683/16.
34
São considerados rulings no Brasil: solução de consulta, solução de divergência e ato declaratório interpretativo.
35
O Foreign Account Tax Compliance Act ("FATCA") é uma lei americana de combate à evasão fiscal em relação a rendimentos
de investimentos estrangeiros de cidadãos norte-americanos e a cidadãos estrangeiros com obrigações fiscais nos EUA.
36
Outro fator relevante foi a decisão do Supremo Tribunal Federal do Brasil em 24/02/2016 para declarar constitucional
dispositivos da Lei Complementar 105/2001, que permitem à Receita Federal receber dados bancários de contribuintes
fornecidos diretamente pelos bancos, sem prévia autorização judicial.
37
Segundo a Receita Federal do Brasil, “o CRS fornecerá informações sobre ativos financeiros de cidadãos de todas
nacionalidades de jurisdições participantes da CML, ou de acordos similares. Este padrão de trocas está alinhado ao
atual cenário internacional, que busca mecanismos de transparência fiscal, com vistas a coibir práticas de lavagem de
dinheiro e financiamento do terrorismo. O CRS define as informações a serem intercambiadas e estabelece procedimentos
de diligência a serem seguidos pelas Instituições Financeiras declarantes para a coleta e classificação adequada destas
informações. Define também termos que delimitarão o escopo das entidades e contas passíveis de serem reportadas, assim
como o padrão de transmissão dos dados”.
38
A e-Financeira é uma obrigação acessória criada pelo Brasil, enviada pelo SPED, com as informações de saldos em conta
corrente, movimentações de resgate e investimentos, rendimentos de aplicações e poupanças e demais informações de
158 REVISTA TrIBUTÁrIA E DE FINANÇAS PÚBLICAS 2018 • RTrIB 139

2.1.6. Ação 6: Abuso na aplicação de tratados contra bitributação

O foco do relatório é dedicado ao conhecido Treaty Shopping e a utilização do


benefício de tratados internacionais para se evitar a bitributação de forma inadequada.
Deveras, busca-se deixar claro que os tratados não se destinam a ser utilizados para
gerar dupla não tributação e, ainda, a Ação 6 propõe que as jurisdições busquem
identificar situações relacionadas à sua política fiscal antes de decidir firmar um tratado
com outro país, evitando-se hipóteses indesejáveis de triangulações entre jurisdições.

Por meio deste plano de ação, buscou-se ampliar a aplicação das Cláusulas
“limitação de benefícios” (LoB), notadamente ao se distinguir objetivamente situações
em que há atividade empresarial, produtora de riquezas e geradora de investimentos,
daquelas outras situações cuja existência não se consegue comprovar e se reputa
apenas como uma empresa conduit. Ademais, é aconselhável a adoção da Cláusula
de “propósito principal” (Principal Purpose Test – PPT), mais ampla e de caráter
subjetivo, que visa alcançar casos de abuso de tratados não cobertos pelas regras
objetivas de limitação dos benefícios.

2.1.7. Ação 7: Estabelecimento permanente

A Ação 7 busca tratar de operações que pretendem se evitar artificialmente o


enquadramento de um estabelecimento permanente (Art. 7 da Convenção Modelo
da OCDE), como fracionar contratos para dividir as operações de uma atividade
empresarial em diversas jurisdições, utilização de um agente intermediário com
poder de fechar contratos que apenas oferece à tributação sua comissão, revisar as
exceções do Art. 5 (4) referida convenção em relação às atividades preparatórias ou
auxiliares, dentre outras. Nesses casos, existe um claro método de se evitar que sejam
apurados os lucros em jurisdições de alta carga tributária.

2.1.8. Ações 8 a 10 e 13: Preço de transferência

As Ações em questão têm a temática voltada às regras de preços de transferência


sob o enfoque de análise sobre (i) o valor econômico criado pela atividade desenvolvida
e (ii) os riscos assumidos e eventuais ativos empregues na atividade.

Assim, a Ação 8 tem suas recomendações voltadas à erosão da base tributável


dos intangíveis. A Ação 9 tem um papel fundamental ao analisar as jurisdições em
que há valor agregado nos produtos, serviços e negócios pela transferência de riscos
ou desmedida de alocação de capital para partes relacionadas. Já a Ação 10 pretende
avaliar essa alocação para outras operações de alto risco. Essas análises estão ligadas
às outras Ações BEPS e pode revelar uma série de consequências, como existência
de manipulação de contratos para se evitar estabelecimento permanente, a criação
de métodos indiretos para reduzir a carga tributária por transferência de ativos

movimentações financeiras contidas no Art. 5º da IN 1.571.


CONTROVÉRSIAS SOBRE A POLÍTIcA FIScAL INTERNAcIONAL PÓS-BEPS 159

intangíveis e outros exames decorrentes dos dados prestados na implementação das


recomendações dessa Ação.

Por fim, a Ação 13 propõe a troca de informações entre os Fiscos (local file e
master file) com o propósito de fortalecer a transparência fiscal dos documentos
que fundamentam o preço parâmetro entre seus contribuintes, além de avaliar os
custos de compliance dos contribuintes na sustentação documental para avaliação
de necessidade ou não de ajustes de preço de transferência.

Porém, questiona-se como fazer mais de uma jurisdição participar de uma


determinada renda sem distorções e dupla tributação. É de conhecimento notório
que a OCDE defende o método da criação de valor para alinhar o princípio do Arm´s
Lenght nas regras de preço de transferência, porquanto, mesmo não sendo considerado
um novo princípio,39 visa melhorar o sistema existente contra abusos.

Sendo uma variante do princípio da fonte, a criação de valor não deixa de ser
uma regra sem distorções.40 Isso porque qualquer atividade pode contribuir com a
criação de valor, razão pela qual tal critério pode ser mais discricionário do que o
princípio Arm´s Lenght para direcionamento da exação face os contratos firmados
entre partes relacionadas.

Uma parte da solução seria criar mecanismos como um “Mutual Agreement


Proceeding” adaptado por um fórum de disputas de criação de valor. O fórum
seria criado para fixar regras até se criar uma base fixa de valor como norte para
previsibilidade de critério universal. O formulary apportionment poderia ser negociado
no citado fórum para resolver a alocação residual do lucro para evitar manipulação
e repartição de atividades artificialmente.

Assim, a criação de valor seria um passo intermediário para uma formula de


repartição por uma política de consenso internacional com previsibilidade de aplicação.
No entanto, solução realística está longe de ser aplicada, já que se necessita aguardar
estudos dos efeitos desse critério e a definição de sua aplicação pela OCDE.

Voltando ao cenário nacional, a legislação de preços de transferência diverge


significativamente das orientações da OCDE (best practice de apuração do preço
parâmetro), sofrendo duras críticas pelo sistema atualmente vigente. O critério de
regência adota mínimo/máximo mark-up para os métodos vigentes.41 Em relação à Ação
13, o compartilhamento de informações de preços de transferência com a indicação
do valor econômico e assunção de riscos poderia ser uma ferramenta importante ao
fisco para indicação de planejamentos fiscais agressivos.42

39
HEY (2018, p. 1)
40
HELLERSTEIN (2018, p. 1)
41
As regras sofreram atualização pela Lei Nº 12.715/12.
42
O Brasil não assinou o Tratado Multilateral, conforme será analisado no próximo item.
160 REVISTA TrIBUTÁrIA E DE FINANÇAS PÚBLICAS 2018 • RTrIB 139

2.1.9. Ação 11: Medição e monitoramento de BEPS

A Ação 11 recomenda que a OCDE trabalhe com os governos para coletar e


interpretar os dados obtidos pelas jurisdições, como os dados do Country-by-Country
Report. Com isso, os governos poderão medir e monitorar os BEPS e reavaliar as
ações tomadas para abordar este tema.

2.1.10. Ação 12: Regras de disclosure

A Ação 12 recomenda a adoção de divulgação obrigatória de planejamentos


tributários agressivos antes ou após a adoção do planejamento por contribuintes. Assim,
o relatório final propõe introduzir sanções (incluindo penalidades não monetárias)
para garantir o cumprimento de regimes de divulgação obrigatória com base na
legislação nacional da jurisdição.

Neste sentido, o governo federal brasileiro editou a Medida Provisória Nº 685/15,


impondo a “Declaração de Planejamento Tributário”, a fim de os contribuintes
declararem atos sem razões além das tributárias, não usuais ou listados em ato da
RFB. Caso não fizessem a declaração voluntariamente, ocorreria a multa de 150%
sobre as operações não declaradas e ofício de representação fiscal para fins penais
de ilícito definido em crime contra ordem tributária. Após severas críticas da opinião
pública, a medida provisória não foi convertida em lei e não existe obrigatoriedade
em realizar a referida declaração por nova norma legal.43

2.1.11. Ação 14: Tornar os mecanismos de resolução de conflitos mais eficientes

As medidas desenvolvidas no âmbito da Ação 14 do Plano de Ação BEPS visam


fortalecer a eficiência do processo conhecido como procedimento amigável de solução
de conflitos (mutual agreement procedure - MAP). O MAP visa minimizar os riscos
de dupla tributação entre duas jurisdições, garantindo a implementação consistente
de tratados tributários em favor de contribuintes, incluindo a resolução de litígios
quanto à sua interpretação. Essas medidas são sustentadas por um forte compromisso
político com a resolução efetiva das controvérsias do MAP e resolver rapidamente
as disputas entre jurisdições.

Com base nessa prática de solução de conflitos previsto pelos acordos assinados
pelo Brasil para Evitar Dupla Tributação, a Receita Federal do Brasil editou a IN
RFB 1669/16, incorporando medidas para implementar o MAP para contribuintes
que sofrerem situações caracterizadas como bitributação.

43
Há o Projeto de Lei 97/13, que pretende regulamentar o Art. 116 do Código Tributário Nacional, com destaque na faculdade
em prestar declaração espontânea de planejamentos tributários que gerem interpretação discordante pela autoridade fiscal.
CONTROVÉRSIAS SOBRE A POLÍTIcA FIScAL INTERNAcIONAL PÓS-BEPS 161

2.1.12. Ação 15: Desenvolver um instrumento multilateral que auxilie as jurisdições interessadas
a integrarem e alterarem suas convenções em conformidade com as orientações do grupo de
trabalho do BEPS

A Ação 15 é tida como uma solução definitiva para a reforma do sistema tributário
internacional com a implementação do Plano BEPS por meio de uma cooperação
entre os países e sua estruturação por meio de um tratado multilateral.44

Após a publicação da Ação 15, o instrumento multilateral (MLI) foi publicado


e prevê a adoção de vinte e seis artigos com as recomendações do plano BEPS que
poderão alterar os mais de três mil tratados bilaterais para se evitar a bitributação. A
OCDE propõe a atualização dos tratados vigentes sem revoga-los, com fundamento no
Art. 30 (3) da Convenção de Viena, o qual possibilita alterações de tratados bilaterais
por um instrumento multilateral desde que ambos os subscritores do tratado bilateral
tenham concordado com os termos do ulterior tratado multilateral.

Assim, a OCDE propôs uma agenda para facilitar a assinatura e vigência do


instrumento multilateral, harmonizando as novas regras com as legislações domésticas.
Inicialmente, foi proposto um prazo para os alinhamentos domésticos para concordância
da assinatura do MLI até junho de 2017, sendo, posteriormente, admitidas assinaturas
retardatárias por outros países, e, posteriormente, um prazo para os procedimentos
domésticos para ratificação dos MLI e sua incorporação na legislação interna para,
enfim, produzir efeitos em relação aos tributos abrangidos pelos tratados das mais
diversas jurisdições aderentes. A OCDE propõe que a produção de efeitos do MLI seja
a partir de dezembro de 2017 e suas regras já aplicadas a partir de janeiro de 2018.

Um passo futuro será a publicação de versões consolidadas de tratados modificados


pelo MLI para clareza e transparência para administrações fiscais e contribuintes,
além de atender exigências domésticas de regulamentação das alterações vigentes.

Como uma reforma inclusiva, permite-se admitir opções flexíveis aos países
subscritores, viabilizando escolhas simétricas e assimétricas entre os aderentes para
atender seus interesses. Assim, é possível que as opções indicadas pelos países sejam
acrescentadas nos tratados por eles escolhidos como atingidos pelo tratado multilateral
e serão acrescidas as cláusulas escolhidas do tratado multilateral, desde que alinhado
com o outro subscritor, a inclusão de cláusulas escolhidas pelo país aderente.

Nesse sentido, foi adotado um padrão mínimo de adesão, que contempla a Ação 6
(Abusos de Tratados) e 11 (Resolução de Conflitos), a fim de se criar regras uniformes
e prever situações triangulares para se evitar abusos. O MLI também prevê cláusulas
que contemplam regras recomendadas nas Ações 2, 6, 7 e 14 do Projeto BEPS.

Assim, é possível que o país aderente adote o padrão mínimo (com opções), além de
optar por previsões com características específicas, previsões opcionais e alternativas.

44
TAKANO (2016, p. 273).
162 REVISTA TrIBUTÁrIA E DE FINANÇAS PÚBLICAS 2018 • RTrIB 139

O país aderente notifica os outros países subscritores de seus tratados bilaterais


com relação às cláusulas e opções escolhidas no ato de adesão ao tratado multilateral.
As posições assimétricas45 serão negociadas bilateralmente para o fim de alterar o
tratado entre os dois países, a fim de ajustar as necessidades de ambos os interesses
envolvidos.

O MLI foi objeto de uma rodada de adesões em junho de 2017, com a adesão
de 71 países, com potencial de alterar mais 1.100 tratados. Por outro lado, seis
países assinaram cartas de intenção para que façam a adesão em breve do MLI. Até
30/10/2017, apenas dois países já ratificaram o MLI: Áustria e Ilhas Man.

Em resumo, pode-se delimitar o conteúdo do MLI pelas Partes I a IV. A Parte


I se limita a definir o âmbito de abrangência e interpretação dos tratados atingidos
pelo MLI.

A Parte II trata dos instrumentos e arranjos híbridos tratados nas Ações 2 e


6 do Projeto BEPS, detalhando sua abrangência nos Artigos 3º a 5º do MLI46 e
buscando afastar a dupla não tributação da renda por entidades transparentes, além da
caracterização de dupla não residência, dupla dedução e eliminação de diferimento.
Essas provisões não são disposições padrão mínimas e, portanto, as jurisdições de
contratação têm o direito de optar por não aplicar essas disposições aos seus tratados
bilaterais, como fez o México.47

A Parte III do MLI busca detalhar as hipóteses de combate à utilização abusiva


de tratados, sendo materializado, nos Artigos 6 a 13, as recomendações da Ação 6 do
Projeto BEPS. Em resumo, as cláusulas preveem a adoção de medidas contra abuso
de tratados, permitindo a não concessão de benefícios em circunstâncias inadequadas
e fazendo constar textualmente aos tratados que ainda não possuem a expressão:
“evitar a dupla tributação sem criar oportunidades de não dupla tributação”.48

45
É possível que um país adote uma opção diferente do outro país, sendo possível a aplicação de uma regra assimétrica por
um país se este internalizar a regra não aderida pelo outro país em sua legislação doméstica. Em regra, a regra poderá ser
válida para os dois países apenas se ambos concordarem com sua aplicação (simetricamente).
46
Vale destaque ao Artigo 5º, o qual traz um exemplo de opções de adesão para a aplicação de métodos para a eliminação
da dupla tributação. É possível as jurisdições optarem pelas seguintes regras, inclusive uma aplicação assimétrica desta
previsão: Opção A: prevê que as disposições de um CTA que de outra forma eximissem os rendimentos obtidos ou o
capital de um residente de uma Jurisdição não se aplicariam quando a outra Jurisdição aplicar as disposições do CTA para
isentar tais rendimentos ou capital; Opção B: as jurisdições de contratação não aplicariam o método de isenção em relação
aos dividendos se esses dividendos forem dedutíveis na outra jurisdição contratante; Opção C: o crédito correspondente
deve ser restrito à renda tributável líquida.
47
Estes países optaram por aplicar, aos seus tratados, os rendimentos auferidos por uma entidade ou acordo fiscalmente
transparente.
48
O MLI não incluiu uma disposição LoB detalhada, já que a intenção é incentivar um acordo bilateral que satisfaça o padrão
mínimo ou as diversas jurisdições aceitarem a regra PPT do MLI como uma regra provisória. Nesse sentido, é possível
incluir as seguintes opções nos tratados dos aderentes: Opção 1: um teste de propósito principal (PPT) apenas (Artigo
7, Parágrafo 1 do MLI); Opção 2: Uma combinação de um PPT e uma cláusula simplificada de limitação de benefícios
(LOB) (Artigo 7, parágrafo 8) do MLI); Opção 3: Uma combinação de um LOB detalhado e uma regra anti-conduta, com
base em negociações bilaterais (Artigo 7, Parágrafo 15, Parágrafo a) da MLI). O Artigo 10 prevê regras anti-abusos para
estabelecimentos permanentes situados em terceiras jurisdições, afastando-se a chamada triangular provision. O Artigo
prevê que os benefícios do tratado serão negados se um item de renda (obtido no estado-fonte) derivado por um residente
de outra jurisdição de contratação (estado de residência) e atribuível a um EP em uma terceira jurisdição, está isento de
imposto no estado de residência e o imposto na jurisdição de EP é inferior a 60% do imposto que seria o imposto no estado
de residência se o EP estava localizado lá. O Artigo 11 contém uma regra de "cláusula de salvaguarda" que preserva o
CONTROVÉRSIAS SOBRE A POLÍTIcA FIScAL INTERNAcIONAL PÓS-BEPS 163

A Parte IV do MLI descreve o mecanismo pelo qual a definição de EP nos tratados


existentes pode ser alterada de acordo com o relatório final do BEPS na Ação 7
por meio de: (i) arranjos de comissários e estratégias similares (Artigo 12); (ii)
fragmentação de atividades (Artigo 13); e (iii) a divisão de contratos (Artigo 14). O
Artigo 15 da MLI fornece a definição do termo "intimamente relacionado com uma
empresa", que é usado nos Artigos 12 a 14.

A Parte V do MLI (Artigos 16 e 17) introduz disposições que visam introduzir as


normas mínimas para melhorar a resolução de litígios (as normas mínimas da Ação
14 de BEPS) e uma série de melhores práticas complementares.

A Parte VI do MLI (Artigos 18 a 26) permite que os países incluam o arbitramento


de tratados vinculativos obrigatórios (MBTA) em seus tratados de acordo com os
procedimentos especiais fornecidos pelo MLI. Ao contrário dos outros Artigos do
MLI, a Parte VI aplica-se apenas entre as jurisdições que optarem expressamente em
aplicar a Parte VI em relação aos seus Tratados.

2.2. Adesões ao MLI pelos países latino-americanos

2.2.1. México

O México decidiu incluir no preâmbulo de seus tratados a declaração expressa


do MLI de que a intenção comum das partes é evitar a dupla tributação sem criar
oportunidades para evasão fiscal. Esta disposição é um padrão mínimo e, portanto,
deve ser incluída em todos os tratados de bitributação.

Ademais, para tratar de regras contra abuso de tratados, o México optou por
complementar a cláusula Principal Purpose Test - PPT com uma Simplified Limitations
on Benefits Provision - LOB em termos de cumprimento do padrão mínimo da Ação 6.

No entanto, a maioria dos parceiros de tratados firmados pelo México não


optaram por aplicar a provisão LOB simplificada e, como tal, a regra PPT (sem LOB
simplificado) se aplicaria como a posição padrão. O Canadá, por exemplo, elegeu
o PPT como uma medida provisória com a intenção de negociar futuramente uma
provisão de LOB em seu tratado com o México.

É importante observar que o MLI permite que os países apliquem a provisão de


LOB de forma assimétrica e, caso os países que preferem a provisão de LOB façam
uma reserva para toda a cláusula, restará a negociação bilateral fora do âmbito do
MLI. O México não fez nenhum desses tipos de eleições ou reservas e, como tal,
concordou com o PPT em todas as hipóteses.

Ademais, conquanto a maioria dos países signatários do MLI optou pela oferta
padrão do PPT, vários países da América Latina, incluindo Argentina, Chile, Colômbia

direito de uma parte de tributar seus próprios residentes em relação aos acordos tributários.
164 REVISTA TrIBUTÁrIA E DE FINANÇAS PÚBLICAS 2018 • RTrIB 139

e Uruguai, uniram-se ao México49 para optar pela provisão simplificada de LOB


junto com o PPT.

Em relação às entidades e arranjos híbridos do Artigo 3 do MLI, o México


optou por não restringir acesso aos benefícios dos tratados contra bitributação para
entidades transparentes, mesmo que não sejam consideradas pessoas jurídicas pela
legislação mexicana. Alguns parceiros de tratados do México também adotaram esta
regra. Como Espanha, Holanda e Reino Unido. O México também não fez reserva a
respeito do Artigo da MLI sobre entidades com dupla residência (mutual agreement
tie breaker process for dual residente entities), assim como China, Irlanda, Japão,
Holanda e Reino Unido.

O México também optou por incluir uma modificação na lista de atividades


excluídas do conceito de estabelecimento permanente do Artigo 5 (4) na maioria
dos tratados, afastando a caracterização de EP para atividades listadas desde que as
atividades sejam de natureza preparatória ou auxiliar.50 Por outro lado, foi objeto
de inclusão a cláusula “antifragmentação das atividades”, afastando-se desenhos
artificiais de separação de atividades para não caracterizarem abusivamente um EP,
assim como fizeram seus parceiros Bélgica, Espanha, França, Irlanda, Itália, Japão,
Holanda e Reino Unido.51

2.2.2. Argentina

Em relação à linguagem do preâmbulo acerca do escopo do tratado, a Argentina


reservou-se no direito de não se aplicar as disposições do Artigo 6 (1) apenas aos
tratados tributários firmados com o Chile e o México, eis que já continham uma
linguagem adequada ao MLI.

Além disso, a Argentina também optou por aplicar o Artigo 6 (3) aos seus tratados,
reforçando seu interesse em cooperação em matéria fiscal: “Desejando desenvolver
ainda mais sua relação econômica e melhorar sua cooperação em questões tributárias”.

Quanto aos efeitos desejados para se evitar abusos de tratados, a Argentina optou
por aplicar aos seus tratados tanto o PPT previsto no Artigo 7 (1)52 quanto a cláusula
LOB simplificada contida no Artigo 7 (8) até (13). A Argentina reservou-se no direito
de não aplicar o Artigo 7 aos tratados fiscais firmados com o Chile e o México, porque
eles já contêm disposições PPT e LOB.

49
A legislação tributária doméstica mexicana não inclui uma regra geral anti-elisiva. No entanto, as autoridades fiscais estão
autorizadas a contestar transações artificiais envolvendo jurisdições com baixa tributação. Na prática, as autoridades
fiscais contestaram a validade de transações em que nenhum benefício econômico é atingido, exceto a redução da carga
tributária, independentemente se as transações ocorrerem entre partes relacionadas ou não.
50
Tal opção também foi contemplada por parceiros como Alemanha, Itália, Espanha, Japão e Holanda.
51
Em relação à EP, o México fez uma reserva na cláusula relativa ao Artigo 14 da MLI que trata de questões de estabelecimento
permanente no caso de divisão de contratos relacionados a projetos de construção.
52
A legislação tributária doméstica argentina estabelece a regra da “realidade econômica”, que pode ser considerada uma
regra geral anti-elisiva. Sob essa regra, a autoridade fiscal pode contestar transações em que a forma da estrutura e contrato
não pareça consistentes com a finalidade ou objetivo econômico pretendido pelas partes que firmaram a transação.
CONTROVÉRSIAS SOBRE A POLÍTIcA FIScAL INTERNAcIONAL PÓS-BEPS 165

Em relação aos arranjos e entidades híbridas, dupla residência e entidades


transparentes, a Argentina não fez reserva em relação ao direito de aplicar os Artigos
3 a 5 em seus tratados, podendo ser aplicado em caso de simetria com seus parceiros.

2.2.3. Panamá

A lista de disposições reservadas do Panamá inclui todas as disposições que não


são consideradas um padrão mínimo. Ademais, o Panamá53 não concordou com a
aplicação da cláusula LOB, aplicando-se apenas o PPT.

2.2.4. Colômbia

A Colômbia optou por aplicar o Artigo 7 (1) como uma medida provisória para
adotar a cláusula LOB Simplificada em substituição ao Nº 1 do Artigo 7 e por meio
de negociações bilaterais.54 Ademais, optou por incluir, nas disposições do MLI, os
tratados firmados com Canadá, Chile, República Tcheca, França, Índia, Coréia do
Sul, México, Portugal, Espanha e Suíça. Em relação ao tratado firmado com o Reino
Unido, seu texto já está alinhado com as disposições do projeto BEPS.

Como a Suíça não incluiu o tratado com a Colômbia como um acordo tributário
coberto, este tratado não será modificado pelo MLI.

Com relação à aplicação das cláusulas do MLI, a Colômbia optou pelo teste do
objetivo principal e pela limitação simplificada da provisão de benefícios. No entanto,
a Colômbia decidiu não incluir as medidas destinadas a evitar incompatibilidades
híbridas e arbitragem internacional.

2.2.5. Brasil

A ausência do Brasil na cerimônia de assinatura do MLI foi justificada por alguns


especialistas na dificuldade de aprovação, pelo Congresso Nacional do Brasil, de
um instrumento complexo como o MLI.55 Isso porque esse tratado inovador poderia
gerar longas discussões no Congresso Nacional do Brasil, atrasando a aprovação do
MLI por anos o que seria um resultado indesejável.

Assim, como sua rede de tratados tributários é modesta em comparação com


os padrões internacionais, foi opção do Brasil em atualizar seus tratados por meio
de negociações bilaterais, a fim de submeter cada um deles individualmente ao
Congresso Nacional.

53
Tanto o Panamá, como Guatemala, Nicarágua e Honduras não possuem disposição geral ainti-elisiva na legislação
tributária doméstica.
54
Atualmente, a legislação tributária doméstica colombiana tem uma regra geral anti-elisiva aplicável face empresas
estrangeiras controladas (CFC) e regras de subcapitalização.
55
TOMAZELA (2017, p. 1).
166 REVISTA TrIBUTÁrIA E DE FINANÇAS PÚBLICAS 2018 • RTrIB 139

Deveras, a demora na aprovação de tratados contra bitributação assinados pelo


Brasil é recorrente. Cite-se, como exemplo, a promulgação do tratado com a Rússia
ocorrer após 13 (treze) anos da aprovação pelo Congresso Nacional do Brasil.

Como resposta às críticas, o Brasil assinou uma emenda ao protocolo com a


Argentina em 24 de julho de 2017, modificando o tratado tributário original firmado
pelos dois países, incorporando, entre outras mudanças, as recomendações articuladas
pela OCDE no MLI.

Na mesma vertente, o Brasil demonstrou esforços em assinar novos tratados,


como ocorreu em 2018 com Suíça e Singapura, inclusive valendo-se dos modelos
de cláusulas PPT e LOB indicados no MLI.56

3. CONCLUSÃO

Como se observa, a adoção das recomendações do Projeto BEPS pelas diversas


jurisdições propõe a moralização fiscal por um Fisco Global. As medidas tomadas são
baseadas na cooperação pela troca de informações entre jurisdições e a implementação
de instrumentos que descaracterizem operações sem substância. No entanto, não se
buscou um enfrentamento efetivo da problemática tratada na introdução do presente
artigo, permanecendo intactos os principais desafios gerados pela competição tributária
internacional.

É evidente que o Projeto BEPS pode ser considerado como um primeiro passo
para uma remodelação do regime de tributação sobre a renda internacional, mas ainda
persistem pontos não finalizados que serão enfrentados em um futuro próximo, como
no caso das Ações 1 e 5, além da comedida reforma do Art. 7 da Convenção Modelo
da OCDE. Por exemplo, a inclusão de uma cláusula LOB ou de Treaty Shopping no
tratado pode não ser interessante para um PED interessado, por meio de suas políticas
fiscais, a atrair IED.57 Ademais, o MLI, mesmo propondo alternativas de cláusulas e
reservas entre os subscritores, poderá um PED ter as mesmas condições de negociação
bilateral para suas opções entre tratados firmados com PD? E o investimento cessará no
caso de optar por cláusulas contra abusos, fazendo com que o IED busque outra rota?

A questão continua válida: a iniciativa do Projeto BEPS tem um justo equilíbrio entre
as necessidades e interesses entre PED e PD na competição tributária internacional?
É possível observar que o Projeto BEPS reflete predominantemente um compromisso
entre os PD e seus interesses relativos à aproximação de seus elementos de conexão

56
Desde 2001, as autoridades fiscais brasileiras consideram-se autorizadas a desconsiderar as transações realizadas pelos
contribuintes com caráter elisivo com fundamento no Artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN). A Regra Geral
Antielisiva foi incluída no CTN sem a auto-aplicabilidade necessária para as autoridades fiscais se valerem dessas regras
sem normas regulamentadoras. Até que o legislativo estabeleça uma aplicabilidade ao GAAR brasileiro, os parceiros de
tratados firmados com o Brasil terão que conviver com a incerteza jurídica de sua aplicação.
57
Ademais, o poder de barganha dos PED é menor que PD nas negociações multilaterais, porquanto é mais fácil imaginar
padrões incompatíveis com a realidade de PED prevaleçam nas negociações, como, por exemplo, a cláusula de arbitragem
pode ser mais desfavorável aos PED, tendo em vista os custos altos dessa alternativa.
CONTROVÉRSIAS SOBRE A POLÍTIcA FIScAL INTERNAcIONAL PÓS-BEPS 167

sobre a renda de multinacionais, porquanto se verifica a supressão de enfrentamento


para medidas de equilíbrio existente entre a alocação de receitas tributárias entre
"residência" e "fonte" nas 15 Ações acima abordadas. Há apenas uma clara preocupação
dos relatórios finais das Ações demonstrar a participação dos PED nas suas discussões,
especialmente os pares do G20, legitimando as suas recomendações como sendo de
interesse de todos.

Por outro lado, a iniciativa do Projeto BEPS em focar na busca de informação


de onde se localiza a “geração de valor” na cadeia também pode ser um indício de
prevalecer a tributação em favor de PD, podendo afastar os ajustes tradicionais de
preços de transferência em favor do PED. A dúvida é se a ampliação do princípio
Arm´s length se efetivamente alcançará o local do valor e se a mudança do sistema
apenas tornará possível o alcance da renda passiva para fonte e a renda ativa para a
residência.

Quanto à moralização do sistema de tributação, a dúvida que paira é se, sob uma
perspectiva ética, o Projeto BEPS resolverá a questão da destinação da arrecadação
para os países que tiveram sua economia depauperada,58 especialmente PED, ou se
a perseguição da renda será exclusivamente para legitimar seu alcance por PD.

Sobre esse paradigma ético, o Projeto BEPS não discutiu quem deve ser
responsabilizado pelo BEPS. O sistema fiscal internacional é o resultado da interação
de diferentes atores que compartilham a responsabilidade pela sua integridade do
sistema. Tanto Estados quanto empresas multinacionais fazem escolhas que afetam sua
função social e isso medeia qual é a sua responsabilidade ética perante a sociedade.
Deveras, os países devem cooperar para melhorar o sistema tributário internacional
de forma equilibrada, seja um PD ou PED, e as empresas devem evitar atitudes
contrárias ao bem social, desistindo de operações agressivas de planejamento tributário
que causem descompasso entre aqueles contribuintes competidores que suportam a
tributação integral nos países que sofrem com BEPS.

Em relação ao futuro, ficou claro que irá prevalecer o modelo da OCDE e os


PED já aderiram ao projeto de perseguição da renda forânea pelos instrumentos de
compartilhamento de informações e aplicações de cláusulas anti-abuso.

O fim da competição tributária e harmonização da tributação internacional


poderia ser concretizada pela constituição de um fórum independente ou órgão legal
supranacional para defesa de uma política fiscal internacional inclusiva e equitativa. A
OCDE deixou esse papel escapar de suas mãos após defender a disputa do Stateless
income como único alvo da discussão internacional. No entanto, é evidente que

58
Prof. Shoueri: “Sob esse prisma, nasce uma pretensão tributária por parte do Estado que vê sua economia depauperada
por conta de um pagamento feito ao exterior. Daí ser possível imaginar, de um lado, um estado instituindo um imposto
sobre ativos no exterior (de que ainda não se cogita, mas seria viável, do ponto de vista econômico, ainda que indesejável
por desincentivar as transações internacionais), e, de outro, um imposto sobre rendimentos pagos ao exterior (tributação
na fonte). (...) Agora, já não se trata de circunstancia de um rendimento haver sido produzido sob o manto protetor de
um Estado (enfoque do benefício), mas de ele ser pago com recursos provenientes do Estado (enfoque pagamento).”
168 REVISTA TrIBUTÁrIA E DE FINANÇAS PÚBLICAS 2018 • RTrIB 139

poucos concordam com um governo global visando a harmonização da tributação e


fim da competição tributária.

Evidencia-se na evolução da discussão do projeto BEPS que o papel dos PED como
contestadores da OCDE seria uma visão simplista e improvável, porém se viu que a
OCDE não pode apenas impor sua política sem diálogo. Pode ser uma tendência no
futuro de aumentar a força do nexo da fonte com ampliação da atribuição de lucros
por estabelecimentos permanentes, inclusive no interesse da disputa iniciado pela
economia digital.

De qualquer forma, a competição internacional se mostrou muito ruim em relação


aos seus efeitos colaterais no mercado internacional e a OCDE está disposta a incluir
os demais países no debate. O que os PED devem fazer? Uma saída interessante
seria formar um grupo denominado “Fórum Global de Transparência” para discutir
política fiscal internacional e cooperar separadamente à OCDE, com a necessária
independência para decidir sobre os rumos de sua política internacional.

Em casos de disputas entre o grupo e demais blocos internacionais, a união dos


PED viabilizaria contrapor interesses em pé de igualdade para negociar um pacto
mais equitativo e adotar modelos mais legitimados para equilibrar os interesses entre
importadores e exportadores de capital, como a convenção modelo da ONU contra
dupla tributação.

4. REFERÊNCIAS

AZAM, Rifat. Global taxation of cross-border e-commerce incomes. 31 Va. Tax


Review 639 2011-2012, 57 p.

ALMEIDA, Carlos Otávio Ferreira de. Tributação internacional da renda: A


competitividade brasileira à luz das ordens tributária e econômica, 2013. p. 30-79.

BRAUNER, Yariv. The future of tax incentives for developing countries. In:
BRAUNER, Y.; STEWART, M. (Ed.). Tax, law and development. Cheltenham, UK:
Edward Elgar Publishing Limited., 2013, p. 25-56.

BRASIL. Ministério da Fazenda do Brasil. Cooperação Tributária. http://


www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/diplomacia-economica-comercial-e-
financeira/15561-cooperacao-tributaria. Acesso em 26/10/18.

BRAVO, Natalie, The multilateral tax instrument and its relationship with tax
treaties, World Tax Journal October 2016, p. 279 et seq.

BROE, Luc de, LUTS, Joris., BEPS Action 6: Tax Treaty Abuse, 2015, 43 Intertax,
Issue 2, Pág. 122–146
CONTROVÉRSIAS SOBRE A POLÍTIcA FIScAL INTERNAcIONAL PÓS-BEPS 169

CHRISTIANS; L. Van Apeldoorn International/OECD - The OECD Inclusive


Framework, Bulletin for International Taxation, 2018, (Volume 72), Nº 4/5.

HELLERSTEIN. Walter. A US Subnational perspective on the logic of taxing


income on a Market basis

HEY, Johanna. Taxation Where the value is created and the OECD G20 Base
erosion nad profit shifting initiative. 2018

KLEINBARD Edward D. Stateless Income's Challenge to Tax Policy, Part 2,


November 12, 2012 edition of Tax Notes.

LAW. Shee Boon. In Base Erosion and Profit Shifting – Na Action Plan for
Developing Countries. Pg. 41.

MOREIRA, Francisco Lisboa. O Projeto de Combate à Erosão das Bases


Tributárias e Movimentação de Lucros (BEPS) da OCDE e a Política Tributária
Internacional Brasileira: Algumas Reflexões. in Direito Tributário Internacional.
Homenagem ao Professor Alberto Xavier (coord Sergio André e Heleno Torres). São
Paulo: Quartier Latin, 2016. Pág. 199 a 227.

NOV, Avi. Tax incentives to entice foreign direct investment: should there be a
distinction between developed countries and developing countries? In: 23 Virginia
Tax Review. 685 2003- 2004, pp. 686-700.

SCHOUERI, Luis Eduardo. O projeto BEPS: ainda uma estratégia militar In A


Tributação Internacional na era Pós-Beps soluções globais e peculiares de países
em desenvolvimento-relatório geral e coerência v.2 (coord. Marcus Livio Gomes e
Luiz Eduardo Schoueri). Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2016. Pág. 29 a 52

SHAW, Malcolm N. International law, 6th ed, Cambridge University Press, 2008,
p. 72-92 e 98-105

SPONQUIADO. Luciana Pacífico de Araújo in Miranda Gonçalves, R., Veiga,


F. S., & Magalhães, M. M. (Eds.). (2017). Derecho, gobernanza e innovación:
Dilemas jurídicos de la contemporaneidad en perspectiva transdisciplinar. Porto:
Universidade Portucalense. ISBN 978-972-9354-46-5. doi: http://dx.doi.org/10.21788/
isbn.978-972-9354465

TAKANO, Caio Augusto. A tributação internacional na era Pós-BEPS. Vol. II –


Substância e Convenção Multilateral. Ed. Lumen Juris, 2016. Pg. 273

TOMAZELA, Ramon. Brazil’s absence from the Multilateral BEPS Convention and
the new amending protocol signed between Brazil and Argentina. http://kluwertaxblog.
com/2017/09/05/brazils-absence-multilateral-beps-convention-new-amending-
protocol-signed-brazil-argentina/. Acesso em 26/10/18.
170 REVISTA TrIBUTÁrIA E DE FINANÇAS PÚBLICAS 2018 • RTrIB 139

OECD. Explanatory Statement to The Multilateral Convention to Implement


Tax Treaty Related Measures to Prevent Base Erosion and Profit Shifting.
Disponível em:https://www.oecd.org/tax/treaties/explanatory-statement-multilateral-
convention-to-implement-tax-treaty-related-measures-to-prevent-BEPS.pdf. Acesso
em 26/10/18.

OCDE. Information Brochure. 2017. Acesso: http://www.oecd.org/tax/treaties/


multilateral-instrument-BEPS-tax-treaty-information-brochure.pdf. Acesso em
26/10/18.

OECD. Tax Transparency Report, 2017. Acesso: https://www.oecd.org/tax/


transparency/global-forum-annual-report-2017.pdf. Acesso em 26/10/18.

OWENS, Jeffrey. O longo caminho rumo à transparência fiscal. In: SANTI,


Eurico Marcos Diniz de [et al] (coord.). Transparência fiscal e desenvolvimento:
Homenagem ao Professor Isaias Coelho. São Paulo: Fiscosoft, 2013, pp. 445-468.

PARIS, Roland. The Globalization of Taxation? Electronic Commerce and the


Transformation of the State. International Studies Quarterly, volume 47, issue 2,
2003, 30p.

PWC , Tax Policy Bulletin, 14 May 2018 Multilateral instrument coming into
force to change many tax treaties from 1 January 2019. https://www.pwc.com/gx/
en/ tax/newsletters/tax-policy-bulletin/assets/pwc-multilateral-instrument-coming-
into-force-changes-treaties.pdf Acesso em 26/10/18.

Você também pode gostar