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Derecho y Cambio Social N.

° 58, OCT-DIC 2019

O papel da Organização para a Cooperação e


Desenvolvimento Econômico (OCDE) no combate à
bitributação(*)
The role of the Organization for Cooperation and
Economic Development (OECD) in combating
bitribution
El papel de la Organización para la Cooperación y
Desarrollo Económico (OCDE) en el combate a la
bitributación

Flávia Calmon Rangel Teixeira1


Marcelo Fernando Quiroga Obregon2

Sumário: Introdução. 1. O que é a OCDE. 2. Conceito de


bitributação. 3. Impactos negativos na economia do país. 4. Papel

(*)
Recibido: 20 setiembre 2019 | Aceptado: 10 julio 2019 | Publicación en línea: 1ro. octubre
2019.
Esta obra está bajo una Licencia Creative Commons Atribución-
NoComercial 4.0 Internacional

1
Graduanda em Direito pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV).
flaviarangelt@gmail.com
2
Doutor em Direito. Direitos e Garantias Fundamentais na Faculdade de Direito de Vitória -
FDV, Mestre em Direito Internacional e Comunitário pela Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais, Especialista em Política Internacional pela Fundação Escola de Sociologia
e Política de São Paulo, Graduado em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo,
Coordenador Acadêmico do curso de especialização em Direito Marítimo e Portuário da
Faculdade de Direito de Vitória - FDV -, Professor de Direito Internacional e Direito
Marítimo e Portuário nos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito de
Vitória - FDV.
mfqobregon@yahoo.com.br

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N.° 58, OCT-DIC 2019
Flávia Calmon Rangel Teixeira
Marcelo Fernando Quiroga Obregon

da OCDE no combate à bitributação. – Considerações finais. –


Referências.

Resumo: Com a intensificação do fenômeno da globalização,


aumentou a ocorrência de fatos geradores que sofrem com a dupla
tributação internacional, em razão do maior fluxo de bens,
serviços, pessoas e capital entre diferentes países. Essa situação,
além de ser prejudicial aos contribuintes, pois aumenta a carga
tributária, prejudica também a arrecadação dos países, devido à
maior ocorrência de evasão, elisão e elusão fiscal, redução de
investimentos externos entre outros. Diante do problema
econômico envolvendo diversos países, a OCDE, por meio de seu
conselho fiscal, criou uma convenção-modelo para auxiliar os
países a celebrarem tratados bilaterais para enfrentar o fenômeno
da bitributação. O papel da Organização no enfrentamento à
bitributação é o que será analisado no presente artigo, a partir da
base teórica principalmente das obras de Luiz Flávio Neto e
Alberto Xavier.
Palavras-chave: bitributação, OCDE, fenômeno da
globalização.

Abstract: With an intensification of the phenomenon of


globalization, the occurrence of crisis-generating factors has
increased, with international taxation, the greater proportion of
goods, services, people and capital between different countries.
This situation, in addition to harming taxpayers, as it increases the
tax burden, also harms the country's collection, the greater
incidence of tax evasion, elision and avoidance, the reduction of
external investments, among others. In view of the procedural
problem countries, the OECD, through the fiscal council, is a
model convention to assist the member countries of the
comparative system for the phenomenon of double taxation,
which will be analyzed in this article, having as theoretical base
mainly the works of Luiz Flávio Neto and Alberto Xavier.
Key-words: double taxation, OECD, globalization phenomenon.

Resumen: Con la intensificación del fenómeno de la


globalización, la ocurrencia de eventos desencadenantes de doble
tributación internacional ha aumentado, debido al mayor flujo de
bienes, servicios, movimiento de personas y capitales entre los
diferentes países. Esta situación, además de ser perjudicial para
los contribuyentes, ya que aumenta la carga tributaria, también
perjudica la recaudación de los países, debido a la mayor
incidencia de la evasión, elusión y evasión fiscal, reducción de las

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à bitributação

inversiones extranjeras, entre otros. Ante el problema económico


que afecta a varios países, la OCDE, a través de su consejo fiscal,
creó un convenio modelo para ayudar a los países a firmar
tratados bilaterales para hacer frente al fenómeno de la doble
imposición. El papel de la Organización frente a la doble
tributación es el que se analizará en este artículo, basado
principalmente en la base teórica de las obras de Luiz Flávio Neto
y Alberto Xavier.
Palabras clave: bitributación, OCDE, fenómeno de la
globalización.

INTRODUÇÃO
Com o advento da nova ordem mundial, após a guerra fria, a economia se
tornou globalizada e as relações entre os Estados estreitaram. As pessoas
físicas e jurídicas possuem cada vez mais elos com outros países, tanto no
que tange à comunicação, quanto viagens e negócios, ampliando as
possibilidades de comércio.
A revolução tecnológica foi fator imprescindível para permitir que se
atingisse o atual estágio de globalização, pois possibilita que diversas
transações ocorram entre pessoas localizadas em países diferentes, sem
necessidade de deslocamento.
Apesar de trazer muitos benefícios, esse contexto de globalização, por
permitir que umas gamas de possibilidades de relações sejam estabelecidas
entre pessoas de diversos países, acaba por criar dificuldades no que tange à
tributação, uma vez que cada país possui uma estrutura jurídica diferente, e
muitos fatos acabam se sujeitando a normas de dois ou mais países.
O fenômeno, chamado de bitributação internacional, ocorre quando um
contribuinte está sujeito a duas jurisdições fiscais que podem lhe exigir
tributos.
Essa situação, além de gerar um sentimento de injustiça por parte do
contribuinte, cria dificuldades de arrecadação para os Estados em
decorrência da evasão, da elusão e da elisão fiscal, além de inibir
investimentos, podendo, inclusive, causar um retrocesso na economia
mundial.

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O confronto entre a globalização das economias e a soberania fiscal dos


Estados cria os conflitos tributários internacionais, cujos prejuízos são
tamanhos para os Estados que estes, por meio de uma iniciativa política,
tentam reduzi-los, traçando tratados internacionais.
Em face a essa dificuldade, os líderes das principais potências mundiais
criaram um Conselho Fiscal na Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico - OCDE. Desse Conselho surgiu a Convenção
Modelo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico,
que orienta a criação de tratados internacionais cujo escopo é o combate à
bitributação ou pluritributação internacional.
Diante do exposto, este artigo objetiva a análise do papel da mencionada
Organização na solução dos conflitos envolvendo a bitributação ou
pluritributação internacional.
O primeiro capítulo discorrerá sobre a criação da OCDE e seus objetivos, ao
passo que no segundo capítulo será exposto o conceito de bitributação e
porque ela ocorre, sendo que o terceiro capítulo abordará os impactos
negativos desse fenômeno para as economias mundiais. Por fim, o quarto
capítulo apresentará o papel da OCDE para evitar a ocorrência da
bitributação internacional, seguido das considerações finais.

1 SOBRE A ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E


DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO - OCDE
A origem da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
remonta ao fim da segunda guerra mundial, quando os líderes europeus
perceberam que para garantir a paz duradoura era melhor encorajar a
cooperação e a reconstrução, em vez de punir os derrotados3. Nesse época, a
organização se chamava Organização para a Cooperação Econômica
Europeia e era restrita aos Estados desse continente.
Foi criada, à época, para executar o Plano Marshall, financiado pelos EUA,
para a reconstrução de um continente devastado pela guerra. Diante do
sucesso da Organização e com o objetivo de ampliar o trabalho a nível
global, os Estados Unidos da América e o Canadá participaram da nova
Convenção da OCDE, e, em 14 de dezembro de 1960, tornaram-se membros.
Dessa forma, surgiu oficialmente a Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 30 de setembro de 1961, quando
a Convenção entrou em vigor.

3
Informações disponíveis no site oficial da OCDE: <http://www.oecd.org/about/history/>.
Acesso em: 29 ago. 2018.

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A partir de então, outros Estados passaram a aderir à Organização, que


atualmente, conta com 36 países membros. Estes buscam identificar, debater
e apresentar soluções para problemas comuns.
Atualmente, a finalidade da OCDE é promover medidas para melhorar o
bem-estar econômico e social dos indivíduos em todo o mundo, ao passo que
tenta evitar as práticas de terrorismo, negociações desonestas e sonegação
fiscal.
Em seu sítio eletrônico, a organização declara que atualmente, seu foco de
ação se concentra em4:
Restaurar a confiança nos mercados e nas instituições que os fazem funcionar.
Restabelecer as finanças públicas saudáveis como base para o futuro
crescimento econômico sustentável.
Fomentar e apoiar novas fontes de crescimento através da inovação,
estratégias ecológicas de “crescimento verde” e o desenvolvimento de
economias emergentes.
Garantir que pessoas de todas as idades possam desenvolver as habilidades
para trabalhar produtiva e satisfatoriamente nos trabalhos de amanhã.
Percebe-se, portanto, que a Organização se preocupa com um crescimento
econômico sustentável e ético, com base na inovação e no trabalho, de forma
coordenada entre os países. Conforme o sítio do Ministério das Relações
exteriores do Brasil5:
A OCDE busca coordenar definições, medidas e conceitos, o que contribuiria
para a comparação entre países que enfrentam problemas similares. Ademais
de fomentar a formação de enfoques comuns para políticas públicas, essas
características permitem à OCDE tratar de temas controversos, de definição
difícil em organismos de vocação universal, como as Nações Unidas e na
OMC.
Como se vê, busca, ainda, estabelecer uma comparação entre medidas
econômicas e solucionar problemas comuns.
Os dados extraídos do sítio da Organização demonstram o sucesso
econômico obtido pelos países após se tornarem membros. Segundo a
página, a riqueza nacional dos Estados Unidos da América quase triplicou
nas cinco décadas que sucederam a criação da OCDE, calculada em termos
de produto interno bruto per capita da população. Além dos EUA, outros

4
Idem.
5
Informações disponíveis no site oficial do ministério das relações exteriores do Brasil:
dahttp://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/diplomacia-economica-comercial-e-
financeira/15584-o-brasil-e-a-ocde; acesso em: 29 ago. 2018.

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países obtiveram progressos semelhantes, como por exemplo o Brasil, a


Índia e a China, que apesar de não serem membros, são parceiros da OCDE6.
Esses países parceiros, que há pouco eram considerados pequenos no cenário
mundial, hoje são vistos como "novos gigantes econômicos". Segundo o sítio
da organização, esta "traz em torno de sua mesa 39 países que respondem
por 80% do comércio mundial e investimento, dando-lhe um papel
fundamental na abordagem dos desafios que a economia mundial enfrenta"7.
Um dos desafios enfrentados pelas economias mundiais com o incremento
do fluxo internacional de pessoas, de capitais, de bens e de serviços foi o
aumento das possibilidades de evasão e de fraude fiscais, que decorrem da
ocorrência de bitributação.

2 CONCEITO DE BITRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL


A bitributação internacional é fenômeno que ocorre quando dois Estados
tributam a mesma pessoa em relação ao mesmo fato gerador. Segundo
Alberto Xavier8, dupla tributação:
É um conceito com que, no direito tributário, se designam os casos de
concursos de normas.
Como se sabe, há concurso de normas quando o mesmo fato se integra na
previsão de duas normas diferentes. Assim, há concurso de normas em Direito
Tributário quando o mesmo fato se integra na hipótese de incidência de duas
normas tributárias materiais distintas, dando origem à constituição de mais de
uma obrigação de imposto.
Para a ocorrência da bitributação são dois os requisitos necessários, quais
sejam, a identidade do fato e a pluralidade de normas. No que tange ao
primeiro requisito, a doutrina tem estabelecido a "regra das quatro
identidades" que consiste em9:
para que possa falar em identidade do fato (e portanto em dupla tributação),
seria necessária (i) a identidade do objeto, (ii) a identidade do sujeito, (iii) a
identidade do período tributário e (iv) a identidade do imposto. Por outras

6
Informações disponíveis no site oficial da OCDE: <http://www.oecd.org/about/history/>.
Acesso em: 29 ago. 2018.
7
Informações disponíveis no site oficial da OCDE: <http://www.oecd.org/about/history/>.
Acesso em: 29 ago. 2018.
8
XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6. ed., atualizada. Rio de
Janeiro : Forense, 2004, p. 31
9
XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6. ed., atualizada. Rio de
Janeiro : Forense, 2004, p. 33

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palavras, seria necessária, em princípio, a justaposição das hipóteses de


incidência das normas tributárias em concurso, considerando todos os
critérios, aspectos ou elementos que os tipos legais se podem compor.
No entanto, o autor alerta que a análise da identidade do fato não pode se
ater a critérios formais rígidos, pois as normas em conflitos são provenientes
de ordenamentos jurídicos distintos, baseados em princípios diferentes,
utilizando técnicas e conceitos também distintos, devendo haver uma
"adaptação".
Parte da doutrina ainda faz uma diferenciação entre a dupla tributação
jurídica e a dupla tributação econômica. Na primeira, há identidade de
sujeitos, enquanto que na segunda, a identidade do objeto coexiste com a
diversidade dos sujeitos.
Xavier10 cita como exemplo da dupla tributação econômica:
situação em que duas sociedades interdependentes residentes em dois Estados
distintos se atribuem rendimentos não dedutíveis num deles e tributáveis no
outro.
Referente à pluralidade de normas, estas necessariamente devem pertencer a
ordenamentos tributários distintos, e quando esses ordenamentos
pertencerem a Estados diferentes, ocorrerá a chamada bitributação
internacional, ao passo que se chama bitributação interterritorial quando os
sistemas fiscais diferentes pertencerem a espaços fiscais autônomos do
mesmo Estado (por exemplo, conflito entre União e estados)11.
Quando ocorre no plano internacional internacional, a bitributação resulta da
existência de relações que ultrapassam as fronteiras de um Estado, junto com
o confronto entre diferentes critérios de delimitação das competências
tributárias internacionais.
Isso porque, os fatos da vida que desencadeiam a incidência de um tributo
geralmente estão diretamente relacionados com situações que demonstram
riqueza por parte do contribuinte, pois visam a concretizar o princípio da
capacidade contributiva. No entanto, cada país possui um critério para
tributar.
Pode-se citar como exemplo o critério da residência, segundo o qual o tributo
é devido no país onde a pessoa reside. Apesar de dois países aparentemente
possuírem a residência como critério de tributação, uma pessoa pode ser

10
XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6. ed., atualizada. Rio de
Janeiro : Forense, 2004, p. 36
11
XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6. ed., atualizada. Rio de
Janeiro : Forense, 2004, p. 36-37

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considerada residente em mais de um Estado, a depender do conceito de


"residente" adotado em cada um deles.
Outro critério utilizado é o da fonte, mas muitas vezes os Estados conceituam
fonte de forma diferente, podendo ser considerada como local em que as
atividades são realizadas, ou onde ocorre a disponibilidade jurídica e
econômica da renda.
Apesar de haver a possibilidade da existência de bitributação envolvendo
países que adotam o mesmo critério, mas utilizam conceitos diferentes, os
casos mais comuns são os resultantes de critérios diferentes.
Dessa forma, com a maior circulação de riquezas entre países há uma grande
possibilidade de uma situação concreta ser considerada fato gerador de
tributos em dois ou mais Estados distintos, a depender do critério de
tributação utilizado, ocorrendo o fenômeno da bitributação ou da
pluritributação internacional.
Inúmeros exemplos podem ser trazidos para ilustrar a situação, sendo que o
mais evidente deles diz respeito ao imposto que incide sobre a renda. Eveline
Vieira Brigido12 cita como exemplo:
uma empresa norte-americana que seja sócia de uma empresa francesa. A
tributação poderia ocorrer tanto nos Estados Unidos quanto na França. Tudo
depende do elemento de conexão (critério para tributar) adotado por cada
país. Supondo-se que os Estados Unidos adotem o critério da nacionalidade
ou residência do contribuinte e a França o da fonte dos rendimentos, haveria
tributação em ambos os países.
Se nas hipóteses de bitributação interterritorial "o poder central pode impor
a adoção de regras de conflitos próprias de cada sistema, tendentes a eliminar
a dupla tributação", nas relações entre os Estados soberanos, "não há uma
terceira autoridade que lhe seja superior e que delimite definitivamente o
poder tributário de cada um"13.
Nesse contexto, deve-se ressaltar que a inexistência de um poder central não
acarreta a anarquia do direito internacional, pois não impede a existência de
normas comuns observadas por Estados distintos. Como explica Luís Flávio

12
BRIGIDO, Eveline Vieira. Bitributação internacional da renda: as cláusulas de tax sparing e
matching credit. Amicus Curiae: Curso de Direito UNESC. V.9, N.9 (2012), 2012. Local:
Ediunesc, 2004. Anual. ISSN 2237-7395. disponível em:
http://periodicos.unesc.net/amicus/article/view/869/824 acesso em: 05 set. 2018
13
XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6. ed., atualizada. Rio de
Janeiro : Forense, 2004, p. 37-38.

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Neto14 "a ordem internacional surgiria como um padrão de previsibilidade


nas relações jurídicas, de forma a permitir a 'gestão da política internacional".
A redução da anarquia no âmbito internacional é justamente o objetivo
primordial do direito internacional tributário15:
Desde sua origem, o Direito Internacional buscaria justamente reduzir a
anarquia pela adoção de regras de conduta capazes de estabelecer relações
entre os Estados, satisfazendo as necessidades e os interesses destes, em uma
dialética entre cooperação e coexistência [...]
A OCDE surge, então, como uma Organização Internacional que pretende
cumprir o papel de auxiliar os Estados no combate à bitributação.
A ocorrência da bi ou pluritributação internacional gera um grande
desconforto nos contribuintes, pois cria um sentimento de injustiça, visto que
sobre o mesmo fato gerador há a ocorrência de dois tributos equivalentes,
causando efeito confiscatório.
Munidos desse sentimento de insatisfação, muitos contribuintes passam a
adotar medidas para evitar o pagamento de tributos, chegando muitas vezes
a praticar condutas ilegais para se verem menos onerados pelos Estados.
Os Estados, que pretendiam ampliar sua arrecadação, então, acabam sendo
prejudicados, como será exposto a seguir.

3 IMPACTOS NEGATIVOS DA BITRIBUTAÇÃO NAS


ECONOMIAS
As consequências negativas da bitributação se verificam tanto no plano da
justiça, quanto no da economia e da cultura, além de provocar a redução da
arrecadação dos Estados.
Quanto ao prejuízo para a economia, pode-se afirmar que, na maioria das
vezes, a tributação é alta, e se exigida por mais de um Estado, haveria
evidente efeito confiscatório da renda do contribuinte. Essa situação inibiria
o desenvolvimento das relações econômicas internacionais, pois se evitaria
o intercâmbio de capitais, bens, serviços e pessoas.

14
NETO, Luís Flávio Neto. Direito Tributário Internacional: "contextos" para Interpretação e
Aplicação de Acordos de Bitributação - Série Doutrina Tributário. Vol. XXII. São Paulo : Quartier
Latin. 2018, p. 64.
15
NETO, Luís Flávio Neto. Direito Tributário Internacional: "contextos" para Interpretação e
Aplicação de Acordos de Bitributação - Série Doutrina Tributário. Vol. XXII. São Paulo : Quartier
Latin. 2018, p. 64.

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No campo da justiça, o fato de um contribuinte ter que recolher tributo


equivalente para dois Estados fere os princípios da capacidade contributiva
e da igualdade, os quais são aplicáveis inclusive na esfera internacional.
Segundo Luís Flávio Neto, a proteção à bitributação pode ser entendida
como um direito fundamental do ser humano e o seu descumprimento seria
incompatível com o Direito Internacional16:
A bitributação se torna irregular sempre que implicar excesso de exação em
afronta ao princípio da igualdade e ao seu corolário da capacidade
contributiva (geralmente aceito pelas nações civilizadas).
No que tange à redução da arrecadação por parte dos Estados, esse fenômeno
ocorre em razão do aumento das práticas de elisão e elusão, por parte dos
contribuintes, na tentativa de reduzir ao máximo a carga tributária.
Quanto ao aspecto cultural, verifica-se que esse campo também é afetado,
pois os intercâmbios são reduzidos. Citam-se como exemplos, o fato de
Grupos de teatro e circo deixarem de se apresentar em outros países,
pesquisadores restringirem sua pesquisa ao seu território nacional,
campeonatos mundiais serem prejudicados, entre outros.
Verifica-se, portanto, que não é vantajoso para os países que seus
contribuintes sofram com a incidência da bi ou pluritributação internacional.

4. PAPEL DA OCDE NO COMBATE À BITRIBUTAÇÃO


Como dito, a bitributação não prejudica consideravelmente apenas os países,
mas também toda a economia global, devido à redução da troca de capital
entre os Estados.
Por esse motivo, os países passaram a adotar medidas no intuito de evitar a
ocorrência desse fenômeno, implementando medidas unilaterais, bilaterais e
até coletivas. Nesse contexto, os tratados internacionais possuem grande
relevância prática.
Segundo Xavier17, há muito tempo vêm sendo criados tratados internacionais
que versem sobre matéria tributária. Porém, antigamente, tais questões eram

16
NETO, Luís Flávio Neto. Direito Tributário Internacional: "contextos" para Interpretação e
Aplicação de Acordos de Bitributação - Série Doutrina Tributário. Vol. XXII. São Paulo : Quartier
Latin. 2018, p. 80

17
XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6. ed., atualizada. Rio de
Janeiro : Forense, 2004, p. 95-96.

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inseridas de forma incidental ou acessória em tratados que abordavam


essencialmente outros assuntos.
Posteriormente, os Estados passaram a celebrar tratados de conteúdo
especificamente tributário, com o intuito justamente de "eliminar ou atenuar
a dupla tributação e a evasão fiscal, ou ainda, procurando disciplinar a
colaboração administrativa entre Estados em matéria de Impostos"18.
Os tratados de conteúdo essencialmente tributário são, em sua maioria,
tratados bilaterais, segundo Xavier19. Os tratados coletivos, que envolvem
mais de dois países, desempenham papel secundário no Direito tributário
Internacional.
Diante da necessidade de celebrar acordos internacionais para atenuar o
fenômeno da bitributação, organizações internacionais passaram a
empreender esforços para criar modelos de convenções a serem seguidos
pelos países que desejarem firmar um pacto internacional nesse sentido.
Assim, líderes das principais potências mundiais, que já participavam
ativamente da OCDE na busca por resolver problemas econômicos comuns,
criaram um sistema cooperativo dentro da Organização para lidar com a
questão da bitributação internacional, surgindo, então, o Comitê Fiscal da
OCDE, que em 1971 foi sucedido pelo Comitê de Assuntos Fiscais.
Nesse cenário, a OCDE elaborou "modelos de convenção destinados a evitar
as duplas tributações". Inicialmente em 1963, o modelo tratava acerca de
impostos sobre os rendimentos e o capital, e, posteriormente, em 1966, tratou
de impostos sobre sucessões e doações.
Deve-se, portanto, ressaltar que tais modelos não se confundem com os
tratados internacionais em si, pois, como afirma acertadamente Xavier 20:
Com os tratados bilaterais fiscais, não devem confundir-se as convenções-
tipo, que se limitam a traçar um modelo que as partes deverão seguir, como é
o caso dos "modelos de convenção destinados a evitar as duplas tributações",
elaborados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) [...] Tal figura reveste a natureza jurídica de mera
recomendação.

18
XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6. ed., atualizada. Rio de
Janeiro : Forense, 2004, p. 95-96.
19
XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6. ed., atualizada. Rio de
Janeiro : Forense, 2004, p. 95-96.
20
XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6. ed., atualizada. Rio de
Janeiro : Forense, 2004, p. 97.

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Segundo Luís Flávio Neto21, com a criação, em 1963, do modelo para a


celebração de acordos de dupla tributação por seus Estados Membros,
acompanhado de comentários, a OCDE passou a incentivar que, aos pares,
seus membros negociassem e celebrassem formalmente os acordos nos
termos sugeridos.
Diante de diversas demandas e constatações práticas que surgem ao longo
do tempo, a convenção-modelo da OCDE é periodicamente revista e sofre
alterações.
Os tratados internacionais celebrados com base no Modelo de Convenção da
OCDE possuem a seguinte estrutura22:
Começam por enunciar seu âmbito de aplicação (Capítulo I – arts. 1 e 2) e
definir alguns termos/conceitos (Capítulo II – arts. 3 a 5). A parte fulcral é
constituída pelos capítulos seguintes que definem a competência de cada
estado Contratante em matéria de tributação do rendimento e do patrimônio
e os métodos de supressão da dupla tributação jurídica internacional (Capítulo
III – tributação dos rendimentos – arts. 6 a 21; Capítulo IV – tributação do
patrimônio – arts. 22; Capítulo V – métodos para eliminar a dupla tributação
– arts. 23-A e 23-B). Seguem as disposições especiais (Capítulo VI – art.s 24
e 28) e as disposições finais (Capítulo VII – arts. 29 e 30)
Isto posto, verifica-se que a convenção modelo da OCDE é um importante
mecanismo de auxílio aos países que buscam evitar a ocorrência da dupla
tributação internacional, pois apresenta um documento-modelo formulado a
partir de uma deliberação conjunta, que reúne experiências vivenciadas pelos
vários países, documento este no qual os contratantes podem se basear para
criarem seus próprios acordos bilaterais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O contexto da globalização, como visto, intensificou as relações
internacionais entre os países trazendo benesses, como a maior circulação de
pessoas, renda e tecnologia. No entanto, o tráfego de capital entre diferentes
Estados cria uma situação problemática, na medida em que mais de uma
regra tributária incide sobre o mesmo fato gerador, causando a chamada
dupla tributação internacional.
Esse fenômeno surge principalmente em razão de que os Estados possuem
critérios diferentes para tributar, e, por isso, um mesmo fato gerador pode
acarretar a incidência de normas tributárias de dois países diferentes.
21
NETO, Luís Flávio Neto. Direito Tributário Internacional: "contextos" para Interpretação e
Aplicação de Acordos de Bitributação - Série Doutrina Tributário. Vol. XXII. São Paulo : Quartier
Latin. 2018, p. 83
22
Disponível em: https://www.mlgts.pt/xms/files/Publicacoes/Artigos/350.pdf

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O papel da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) no combate
à bitributação

A situação narrada, apesar de aparentar ser prejudicial apenas aos


contribuintes, também não é benéfico aos países, uma vez que incentiva a
evasão, elisão e elusão fiscal, reduzindo a arrecadação de tributos, além de
desmotivar a circulação cultural, o intercâmbio de pessoas, entre outros.
Diante disso, a forma encontrada pelos Estados para combater a ocorrência
da bitributação internacional foi a elaboração de tratados internacionais
bilaterais, para acordar tanto a renúncia de receitas, quanto a sua arrecadação.
Nesse contexto, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico, por seu conselho fiscal, desenvolveu uma convenção-modelo,
no intuito de auxiliar os líderes políticos que desejam firmar tais acordos.
Essa convenção-modelo não se confunde com o tratado em si, pois é uma
mera recomendação para a criação de acordos bilaterais. O mencionado
documento é atualizado periodicamente pela Organização, após a percepção,
na prática, de adequações necessárias.
A medida tem sido considerada a mais eficaz para o objetivo de enfrentar a
bitributação, e, hoje, a maioria dos tratados firmados utiliza como base a
convenção modelo da OCDE. Aí reside o importante papel da Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico no auxílio dos países que
desejam evitar a dupla tributação internacional.

REFERÊNCIAS
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de tax sparing e matching credit. Amicus Curiae: Curso de Direito
UNESC. V.9, N.9 (2012), 2012. Local: Ediunesc, 2004. Anual. ISSN
2237-7395. Disponível em:
http://periodicos.unesc.net/amicus/article/view/869/824 acesso em: 05
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https://www.mlgts.pt/xms/files/Publicacoes/Artigos/350.pdf Acesso
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MÜLLER, Janaína do Socorro Sarmanha. A pluritributação
internacional sobre empresas e seus desdobramentos no
ordenamento Jurídico brasileiro. 2015. Monografia – UFES -
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NETO, Luís Flávio Neto. Direito Tributário Internacional: "contextos"
para Interpretação e Aplicação de Acordos de Bitributação - Série
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N.° 58, OCT-DIC 2019
Flávia Calmon Rangel Teixeira
Marcelo Fernando Quiroga Obregon

OCDE: Better policies for better lives. Sítio Eletrônico. Disponível em:
http://www.oecd.org/about/ Acesso em: 05 set. 2018.
XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6. ed.,
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