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Resumo
Os desafios da economia digital põem em questão a capacidade das atuais
regras tributárias internacionais em alcançar o almejado alinhamento en-
tre tributação e criação de valor. Em resposta ao desafio, a OCDE propõe
mudanças fundamentais à arquitetura da tributação internacional, atra-
vés dos chamados Pilares I e II. Nesse contexto, este artigo procura iden-
tificar as implicações das propostas para a rede de acordos de bitributa-
ção hoje vigente, ressaltando seu escopo ambicioso e identificando preo-
cupações com sua viabilidade.
Palavras-chave: BEPS, economia digital, acordos de bitributação, separate
entity approach.
Abstract
The challenges of the digital economy put in question the ability of the cur-
rent international tax framework to ensure the alignment between taxation
and value-creation. In response, Pillars I and II propose fundamental chan-
ges to the international tax architecture. Against this backdrop, this article
seeks to identify the implications of these changes to the current tax treaty
network, highlighting their ambitious scope and underscoring the viability
concerns.
Keywords: BEPS, digital economy, tax treaties, separate entity approach.
1. Introdução
A questão da economia digital sempre foi um dos focos principais do Projeto
BEPS. Além de ser a Ação número 1, seu relatório final (Relatório Final da Ação
1 – 2015) reconhece que os desafios relacionados a Base Erosion and Profit Shifting
apenas se exacerbam no contexto digital1. Com a crescente digitalização da eco-
tax challenges of the digital economy. Action 1 – 2015 Final Report. Paris: OECD Publishing, 2015.
2 Novos Paradigmas da Tributação Internacional e a Covid-19
2
BRAUNER, Yariv. What the BEPS. Florida Tax Review v. 16, n. 2, 2014, p. 72; GALENDI JR., Ri-
cardo; e GALDINO, Guilherme. Desafios da economia digital: do problema hermenêutico ao
desequilíbrio na alocação de jurisdição. In: GOMES, Marcus Lívio; SCHOUERI, Luís Eduardo
(coord). A tributação internacional na Era Pós-BEPS: soluções globais e peculiaridades de países em
desenvolvimento. Transparência e economia digital. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. v. 3.
3
ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Addressing the
tax challenges of the digitalisation of the economy – Policy note (as approved by the Inclusive Frame-
work on BEPS on 23 January 2019), 2019.
4
KHANNA, Rishi. How digital transformation and innovation have been accelerated due to Co-
vid-19. Forbes, 24 Jul. 2020. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/forbestechcoun-
Luís Eduardo Schoueri / Pedro Guilherme Lindenberg Schoueri 3
Diante desse contexto, este artigo se propõe a analisar as propostas dos Pila-
res 1 e 2 frente à consolidada rede de acordos de bitributação. Justamente porque
as propostas se propõem paradigmáticas, faz-se necessário investigar com maior
precisão o escopo de tais mudanças, avaliar suas implicações e mesmo sua própria
viabilidade jurídica. Para tanto, o item 2 apresentará a evolução dos trabalhos da
TFDE. No item 3, o Pilar 1 será criticamente apresentado, e sua viabilidade jurí-
dica será discutida à luz dos acordos de bitributação. No item 4, o mesmo será
repetido com relação ao Pilar 2.
2. O estado da arte
Na sequência do Relatório Final da Ação 1 – 2015, o próximo grande marco
foi o Relatório Intermediário – 2018, que identificou os alicerces em que se baseia
a tributação internacional, abrindo a possibilidade de uma revisão ampla. Em seu
capítulo 5, o documento relembra o princípio origin of wealth, cuja função central,
inspirada na ideia de pertença econômica que já estava presente nos primeiros
trabalhos da Liga das Nações, seria a identificação do local da produção da ren-
da5. É dessa ideia que derivam as noções de nexo e de alocação de lucros. A pri-
meira, o nexo, seria responsável por identificar o grau de inserção do contribuin-
te na economia de um país, o que indicaria se a renda teria sido ali produzida.
Ademais, uma vez estabelecido o nexo com a economia, entraria a segunda no-
ção, a alocação de lucros, que buscaria mensurar o montante de renda ali produ-
zido, é dizer, quanto do lucro seria atribuível à presença do contribuinte naquele
país.
Até o presente momento, reconhece o Relatório Intermediário – 2018, as re-
gras de nexo e alocação são intimamente relacionadas à presença física do contri-
buinte em determinada jurisdição. Em primeiro lugar, o nexo é estabelecido por
meio da residência ou do estabelecimento permanente, ambos proxies que reque-
rem presença física. Em segundo, a alocação de lucros a esses proxies é feita com
base em uma análise funcional, escorada na localização (física) de pessoas e pro-
priedades (funções, ativos e riscos). Diante dessa importância dada à presença fí-
sicanos acordos de bitributaçãoe nas diretrizes que tratam da tributação interna-
cil/2020/07/24/how-digital-transformation-and-innovation-have-been-accelerated-due-to-co-
vid-19/. Acesso em: 13 ago. 2020; FITZPATRICK, Matt et al. The digital-led recovery from CO-
VID-19. McKinsey, 20 Apr. 2020. Disponível em: https://www.mckinsey.com/business-functions/
mckinsey-digital/our-insights/the-digital-led-recovery-from-covid-19-five-questions-for-ceos.
Acesso em: 13 ago. 2020.
5
ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Tax challenges
arising from digitalisation – Interim Report 2018: Inclusive Framework on BEPS. Paris: OECD Pu-
blishing, 2018. p. 174. No mesmo sentido, o conceito de economic allegiance, originalmente desen-
volvido por Schanz e incorporado no trabalho desenvolvido pela Liga das Nações. VOGEL,
Klaus. Worldwide vs. source taxation of income – A review and re-evaluation of arguments (Part
1). Intertax v. 1988, n. 8-9, 1988, p. 218-219.
4 Novos Paradigmas da Tributação Internacional e a Covid-19
cional, o relatório aponta para o desafio em lidar com uma economia digitaliza-
da, que cada vez menos depende de presença física para criação de valor6. Não
por outro motivo, o relatório sinalizou para a existência de apoio para revisão
desses dois aspectos centrais do regime vigente7.
Além dessa revisão de aspectos centrais do sistema, surgiu nas reuniões se-
guintes da TFDE uma proposta paralela, focada em solucionar as questões de
BEPS remanescentes8. É assim que o Policy Note de janeiro de 2019 consolidou a
ideia de que essas duas propostas deveriam ser desenvolvidas em paralelo9. Logo
em seguida, a OCDE publicou a Consulta Pública de fevereiro/março de 201910,
abrindo espaço para comentários sobre as alternativas propostas, agora denomi-
nadas Pilares 1 e 2. Com base nas respostas recebidas, a Organização publicou o
Programa de Trabalho de Maio de 201911, que veio a ser endossado pelo G20 no
mês seguinte12.
Em poucas palavras, a proposta consolidada no Pilar 1 procura um novo
equilíbrio na alocação de jurisdição tributária, com especial atenção ao país do
mercado. Por isso, a proposta gira em torno do nexo na economia digital, e na
alocação de lucros a esse novo nexo. Por outro lado, o Pilar 2 foca nos desafios
BEPS remanescentes, desenvolvendo regras que estenderiam aos países a possibi-
lidade de recuperar sua jurisdição tributária caso o outro país não a exerça num
patamar mínimo (estabelecendo um “chão” para a competição fiscal).
6
ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Tax challenges
arising from digitalisation – Interim Report 2018: Inclusive Framework on BEPS, p. 169.
7
Ibid., p. 212.
8
ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Public consulta-
tion document – Addressing the tax challenges of the digitalisation of the economy, 2019, p. 7.
9
Idem. Addressing the tax challenges of the digitalisation of the economy – Policy Note (as approved by
the Inclusive Framework on BEPS on 23 January 2019).
10
Idem. Public consultation document – Addressing the tax challenges of the digitalisation of the
economy.
11
ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Programme of
work to develop a consensus solution to the tax challenges arising from the digitalisation of the economy.
2019.
12
G20 FINANCE MINISTERS AND CENTRAL BANK GOVERNORS MEETING. Communiqué.
2019.
Luís Eduardo Schoueri / Pedro Guilherme Lindenberg Schoueri 5
13
Disponível em: https://www.oecd.org/tax/beps/public-comments-received-on-the-secretariat-pro-
posal-for-a-unified-approach-under-pillar-one.htm. Acesso em: 15 jul. 2020.
14
Entre muitos outros, AstraZeneca, Nestlé, Netflix, Proctor & Gamble, Spotify, Unilever.
15
Entre muitos outros, Robert Danon and Vikram Chand; Craig Elliffe; Joachim Englisch; Eva
Escribano; Eric Kemmeren; Stanley Langbein; Kevin Lee; Scott Wilkie; the Transfer Pricing Cen-
ter of the Vienna University of Economics and Business.
16
ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Members of the
OECD/G20 Inclusive Framework on BEPS. 2019.
17
Idem. Statement by the OECD/G20 Inclusive Framework on BEPS on the Two-Pillar approach to address
the tax challenges arising from the digitalisation of the economy (as approved by the OECD/G20 Inclu-
sive Framework on BEPS on 29-30 January 2020), 2020.
18
Ibid., p. 10.
19
Ibid., p. 11.
6 Novos Paradigmas da Tributação Internacional e a Covid-19
20
ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Statement by the
OECD/G20 Inclusive Framework on BEPS on the Two-Pillar approach to address the tax challenges ari-
sing from the digitalisation of the economy, p. 13.
Luís Eduardo Schoueri / Pedro Guilherme Lindenberg Schoueri 7
quer conexão territorial com o País. Ainda mais complexa a questão, se for toma-
da pelo prisma da igualdade, que exigirá que também no caso de grupos sedia-
dos no País se considerem resultados (positivos ou negativos) consolidados, caben-
do reconhecer que parte dos lucros contabilizados pela pessoa jurídica controla-
dora brasileira deva ser alocado a outras jurisdições, devendo o país de sede
afastar a bitributação (econômica) por meio de isenção ou crédito de tributos re-
colhidos no exterior. O padrão arm’s length, enquanto reconhecia a independência
das pessoas jurídicas, assegurava a isonomia entre contribuintes que negociam
com partes ligadas e aqueles que negociam com partes independentes. O abando-
no desse padrão e a consideração do grupo econômico traz dúvidas acerca de sua
conformidade com a igualdade, a não ser que se considerem, em todos os casos,
os grupos econômicos, sejam eles nacionais ou multinacionais. Como no caso
destes haverá – como se mostrará abaixo – uma alocação formular de lucros atri-
buíveis a cada jurisdição, maior espaço surge para questionar se o princípio da
igualdade se faz respeitar21.
De toda forma, as novas regras se aplicariam exclusivamente ao lucro resi-
dual (presumido). Para as atividades rotineiras, contudo, a proposta considera
que o princípio arm’s length se mantém adequado, de modo que deve ser mantido.
É imediato que, se o lucro residual se apura a partir da presunção dos lucros ro-
tineiros consolidados, enquanto ao mesmo tempo lucros rotineiros individuais
continuam a ser apurados, para efeito de tributação, segundo o parâmetro arm’s
length, então possivelmente haverá dupla tributação econômica (ou não tributa-
ção). Afinal, a menos que os montantes presumidos coincidam com aqueles efeti-
vamente tributados, o que se terá é um lucro residual que acaba por incluir lucros
individuais tributados pelo padrão arm’s length, ou, ao contrário, a somatória do
lucro residual e dos lucros individuais (efetivos) apurados e tributados pelo pa-
drão arm’s length não corresponderá ao lucro total do grupo.
Ademais, a proposta também reconhece a existência de um grande número
de disputas com relação a funções de marketing e distribuição. Especificamente
para essas funções, a solução proposta consistiria em explorar o uso de remune-
rações fixas, que reflitam uma atividade de referência exercida no mercado –
Amount B. Com isso, espera-se diminuir as disputas referentes a essas atividades.
Mais uma vez, a simplificação proposta guarda relação com o sistema brasi-
leiro, desta feita assemelhando-se ao sistema de margens predeterminadas – em
um louvável diálogo. Via de regra, margens predeterminadas devem ser refutá-
veis, para garantir que o contribuinte possa demonstrar que sua situação é dife-
rente daquela presumida22. A proposta, contudo, prevê margens fixas e não op-
21
SCHOUERI, Luís Eduardo. Arm’ s length: beyond the guidelines of the OECD. Bulletin for Inter-
national Taxation v. 69, n. 12, 2015, p. 700.
22
NETO, Luís Flávio. Transfer pricing and deemed arm’s length approaches: a proposal for optio-
nal safe harbour methods based on accurate predetermined margins of profitability. International
Tax Studies v. 7, 2019, p. 14-15.
8 Novos Paradigmas da Tributação Internacional e a Covid-19
23
ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Public consulta-
tion document: Secretariat proposal for a “unified approach” under Pillar One, 2019, p. 9; 16.
24
FINLEY, Ryan; and JOHNSTON, Stephanie. New detail on OECD’s Pillar 1 proposal emerges in
draft report. Tax Notes International, 2020.
25
ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Public consulta-
tion document: Secretariat proposal for a “unified approach” under Pillar One, p. 5; 8.
Luís Eduardo Schoueri / Pedro Guilherme Lindenberg Schoueri 9
26
AVI-YONAH, Reuven S. The rise and fall of arm’s length: a study in the evolution of U.S. interna-
tional taxation. Public Law and Legal Theory Working Paper Series v. 92, 2007. See also CHAND,
Vikram; TURINA, Alessandro; and BALLIVET, Louis. Profit allocation within MNEs in light of
the ongoing digital debate on Pillar I – A “2020 compromise”? World Tax Journal v. 12, n. 3, 2020,
seção 2.2.
27
AVI-YONAH, The rise and fall of arm’s length.
10 Novos Paradigmas da Tributação Internacional e a Covid-19
Por outro lado, a escolha por superar o arm’s length e o separate entity approach,
por mais que tenha aspectos positivos, traz consigo importantes desafios. Afinal,
como ressaltado anteriormente, os acordos de bitributação, tal qual concebidos
atualmente, se lastreiam na noção de entidades separadas dentro do mesmo gru-
po econômico, atribuindo lucro entre jurisdições com base nas transações efetua-
das entre tais entidades, com correções para refletir parâmetros de mercado. Atri-
buir lucros apurados com base no Unified Approach, considerando o grupo como
um todo, é proposta completamente estranha ao atual desenho dos acordos.
Tão arraigada é a ideia do separate entity approach nas atuais regras de transfer
pricing e nos acordos de bitributação que, diante da impossibilidade de aplicar a
noção, ela passa a ser ficta. Em princípio, o separate entity approach não se aplica a
estabelecimentos permanentes, que não têm personalidade jurídica independen-
te – e, portanto, não poderiam transacionar com o head office, já que uma entida-
de não pode transacionar consigo mesma. Contudo, para atribuir lucros ao PE de
maneira consistente com o artigo 7, passou-se a tratar PEs como se entidades in-
dependentes fossem (Authorized OECD Approach)28. Como se vê, portanto, a im-
portância do separate entity approach é tamanha que os acordos se valem inclusive
de ficção para garantir que o standard se aplique.
Além disso, um segundo obstáculo está na coordenação multilateral da fór-
mula de alocação de lucros. Afinal, o cálculo do Amount A atribuível a cada juris-
dição partirá sempre do mesmo lucro residual. Portanto, para garantir que não
haja dupla tributação ou dupla não tributação decorrente de eventual conflito nos
critérios de composição da fórmula (e.g., peso relativo de receita e número de
usuários) e de sua base (apuração do lucro global segundo critérios aceitos por
todos os envolvidos), propõe-se a existência de um acordo multilateral.
De fato, o Programa de Trabalho Revisado do Pilar 1 – janeiro de 2020 pro-
pôs que o Pilar 1 fosse implementado por meio de uma nova convenção multila-
teral – em paralelo aos acordos hoje em vigor. Com isso, os obstáculos anterior-
mente mencionados seriam superados: o novo nexo e a alocação formular esta-
riam expressamente previstos, e o caráter multilateral garantiria harmonia entre
as diversas jurisdições29.
Ainda assim, há outras questões importantes que permanecem abertas. Em
primeiro lugar, é preciso lembrar que acordos internacionais, sejam bilaterais ou
multilaterais, não criam tributo, apenas limitam a jurisdição tributária. Nesse
sentido, a legislação doméstica dos países signatários precisaria refletir esse novo
tributo incidente sobre (parcela do) resultado consolidado do grupo econômico.
28
ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. 2010 Report on
the attribution of profits to permanent establishments. [s.l.: s.n.], 2010.
29
Idem. Statement by the OECD/G20 Inclusive Framework on BEPS on the Two-Pillar Approach to address
the tax challenges arising from the digitalisation of the economy (as approved by the OECD/G20 Inclu-
sive Framework on BEPS on 29-30 January 2020), p. 19-20.
Luís Eduardo Schoueri / Pedro Guilherme Lindenberg Schoueri 11
30
ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Statement by the
OECD/G20 Inclusive Framework on BEPS on the Two-Pillar Approach to address the tax challenges ari-
sing from the digitalisation of the economy, p. 15.
31
Idem. Public consultation document: Secretariat proposal for a “unified approach” under Pillar
One, p. 10.
32
Idem. Statement by the OECD/G20 Inclusive Framework on BEPS on the Two-Pillar Approach to address
the tax challenges arising from the digitalisation of the economy, p. 20.
12 Novos Paradigmas da Tributação Internacional e a Covid-19
33
Convention on Mutual Administrative Assistance in Tax Matters, as amended by a Protocol in
2010.
34
Atingida por mecanismos como regras alternativas, opt-ins (declarações) e opt-out (reservas). Vide
BRAVO, Nathalie. A multilateral instrument for updating the tax treaty network. Amsterdam: IBFD,
2019. cap. 4.
35
SCHOUERI, Arm’ s length: beyond the guidelines of the OECD; VANN, Richard. Reflections on
business profits and the arm’s-length principle. In: ARNOLD, Brian J.; SASSEVILLE, Jacques;
and ZOLT, Eric M. (ed). The taxation of business profits under tax treaties. Toronto: Canadian Tax
Foundation, 2003; AVI-YONAH, The rise and fall of arm’s length.
36
Disponível em: https://www.un.org/development/desa/financing/sites/www.un.org.development.
desa.financing/files/2020-08/TAX%20TREATY%20PROVISION%20ON%20PAYMENTS%20
FOR%20DIGITAL%20SERVICES.pdf. Acesso em: 19 ago. 2020.
Luís Eduardo Schoueri / Pedro Guilherme Lindenberg Schoueri 13
no caso de inversão desses fatores, isto é, caso a proposta final levasse à elimina-
ção da dupla tributação pelo país da fonte.
Além disso, a proposta propõe solução pragmática para atribuição de lucros
ao país da fonte: aplica-se à receita derivada do país da fonte a margem de lucra-
tividade do grupo econômico do contribuinte, de modo a aproximar a lucrativi-
dade do contribuinte no mercado do país da fonte. Do resultado, 30% seria atri-
buído ao país da fonte e seria passível de tributação à alíquota local. Portanto, a
proposta reduz complexidade ao deixar de buscar aproximação para o lucro re-
sidual, para o que seria necessário aproximar a lucratividade de atividades roti-
neiras. Em vez disso, propõe-se simplesmente que 30% da lucratividade seja atri-
buível ao mercado – sem pretender que essa parcela aproxime especificamente
oslucros residual ou rotineiro, mas ambos de forma consolidada. Ademais, a fór-
mula leva em conta apenas a receita auferida nas diversas jurisdições de mercado,
sem considerar outros fatores – como, por exemplo, número de usuários. Ao mes-
mo tempo que isso reduz o refinamento da proposta e sua capacidade de contem-
plar todas as dificuldades da economia digital (e.g., deslocamento entre fonte de
produção e pagamento), também é verdade que a simplificação evita a necessida-
de de que a fórmula seja acordada multilateralmente.
Ainda assim, pode-se dizer que a proposta é tímida na representação dos
interesses de países em desenvolvimento. Em poucas palavras, a fórmula propos-
ta aproxima a rentabilidade auferida na jurisdição da fonte e atribui-lhe a compe-
tência para tributar, à alíquota doméstica, 30% desses lucros. Ou seja, a jurisdição
da fonte faria jus à tributação de 30% dos lucros ali auferidos. Em certa medida,
os Comentários que acompanham a minuta do artigo 12-B procuram realçar o
caráter benéfico da proposta às jurisdições de mercado, já que, atualmente, o
artigo 7, em conjunto com a ausência de estabelecimento permanente, pode im-
pedir que a jurisdição do mercado tribute os lucros de ADS. Assim, tributar 30%
seria melhor do que não tributar nada. Por outro lado, toda a premissa da pro-
posta parte do reconhecimento de que o contribuinte participa da economia da
jurisdição de mercado, mesmo sem ter ali estabelecido presença física. Ora, se há
pertença econômica (economic allegiance), a base para avaliação da conveniência
da proposta não pode ser o antigo modelo, em que a ausência de estabelecimento
permanente representava ausência de participação na economia. Deve-se lem-
brar a antiga conclusão a que chegara Schanz, que ao contemplar a possibilidade
de economic allegiance, tanto na residência quanto na fonte, atribuía maior impor-
tância à fonte. Ou seja, a jurisdição do mercado faria jus pelo menos a 50% dos
lucros ali auferidos – para não dizer 75%, como sugeria Schanz37.
Outro ponto que não fica inteiramente claro é se a proposta prescindiria de
implementação doméstica da tributação em bases consolidadas. Como menciona-
do, o parágrafo 3 do artigo 12-B dá ao beneficiário efetivo a opção de ser tributado
37
VON SCHANZ, Georg. Zur Frage der Steuerpflicht. FinanzArchiv v. 9, 1892, p. 375.
14 Novos Paradigmas da Tributação Internacional e a Covid-19
38
ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Programme of work
to develop a consensus solution to the tax challenges arising from the digitalisation of the economy, p. 25.
39
Idem. Addressing the tax challenges of the digitalisation of the economy – Policy Note (as approved by
the Inclusive Framework on BEPS on 23 January 2019), p. 2.
40
Idem. Harmful tax competition: an emerging global issue. Paris: OECD, 1998.
41
Idem. Programme of work to develop a consensus solution to the tax challenges arising from the digitali-
sation of the economy, p. 26.
Luís Eduardo Schoueri / Pedro Guilherme Lindenberg Schoueri 15
42
ARNOLD, Brian J. The evolution of controlled foreign corporation rules and beyond. Bulletin for
International Taxation v. 73, n. 12, 2019, p. 644.
43
SCHOUERI, Luís Eduardo. Tax sparing: a reconsideration of the reconsideration. In: BRAU-
NER, Yariv. Tax, law and development. Northampton: Edward Elgar, 2013.
44
ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Programme of
work to develop a consensus solution to the tax challenges arising from the digitalisation of the economy,
p. 30.
16 Novos Paradigmas da Tributação Internacional e a Covid-19
45
ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Programme of work
to develop a consensus solution to the tax challenges arising from the digitalisation of the economy, p. 27.
46
COURT OF JUSTICE OF THE EUROPEAN UNION, Cadbury Schweppes plc and Cadbury Sch-
weppes Overseas Ltd v Commissioners of Inland Revenue – C-196/04; COURT OF JUSTICE OF
THE EUROPEAN UNION, Eqiom SAS, formerly Holcim France SAS and Enka SA v Ministre des
Finances et des Comptes publics – C-6/16; COURT OF JUSTICE OF THE EUROPEAN UNION,
X Gmbh – C-135/17.
47
MEUSSEN, Gerard. Burden of proof and European tax law. In: MEUSSEN, Gerard. The burden
of proof in tax law. Amsterdam: IBFD, 2013. p. 35; COURT OF JUSTICE OF THE EUROPEAN
UNION, “Danish Cases” – N Luxembourg 1 and Others v Skatteministeriet – Joined cases
C-115/16, C-118/16, C-119/16 and C-299/16, parág. 142.
Luís Eduardo Schoueri / Pedro Guilherme Lindenberg Schoueri 17
48
Vide i.a. medidas do Chile e Coreia, com relação a empresas de pequeno e médio porte; medidas
da Rússia, com relação ao setor de tecnologia da informação; medidas do Uruguai, com relação
ao setor de construção; e medidas do Uzbequistão, com relação ao setor de óleo e gás. NEWS
IBFD, Chile – COVID-19 Pandemic: Ministry of Finance Announces Tax and Financial Emergen-
cy Measures, 2020; YOON, J-H, Korea (Rep.) – Corporate Taxation, Amsterdam: IBFD, 2020;
NEWS IBFD, Russia – COVID-19 Pandemic: Russia Proposes Tax Incentives for IT Sector, 2020;
NEWS IBFD, Uruguay – COVID-19 Pandemic: Emergency Tax Measures – Government Establi-
shes Incentive Regime for Construction Activities of Large Economic Projects, 2020; NEWS
IBFD, Uzbekistan – COVID-19 Pandemic: Uzbekistan Adopts Tax Relief Measures, 2020.
18 Novos Paradigmas da Tributação Internacional e a Covid-19
49
ENGLISCH, Joachim; and BECKER, Johannes. Effective Minimum Taxation – The GLOBE Pro-
posal. World Tax Journal v. 11, n. 4, 2019, p. 519-524.
50
Ibid., p. 519-520.
51
Vide RUST, Alexander. Article 24: non-discrimination. In: REIMER, Ekkehart; and RUST, Ale-
xander (ed.). Klaus Vogel on double tax conventions. Alphen aan den Rijn: Kluwer Law Internatio-
nal, 2015, parág. 93; PILTZ, Detlev. General Report. In: ______. International aspects of thin capi-
talization, [s.l.: s.n.], 1996, seção VI.1.1.2.; ARNOLD, Brian. Restrictions on interest deductions
and tax treaties. Bulletin for International Taxation v. 73, n. 4, 2019, seção 4.2.2.2.
52
Commentary on article 7 of the OECD Model Tax Convention, parág. 14.
Luís Eduardo Schoueri / Pedro Guilherme Lindenberg Schoueri 19
conflito entre as regras CFC e o artigo 7(1), já que este não previne que um estado
tribute seus próprios residentes.
Em certa medida, Cortes domésticas ao redor do mundo acenaram no senti-
do da compatibilidade entre regras CFC e o artigo 7(1) dos acordos53. Contudo, os
argumentos usados foram os mais diversos. Em um caso sueco, por exemplo, a
Corte deu preferência à aplicação da regra posterior, no caso a regra CFC, por-
tanto, evitando a questão da compatibilidade com o acordo54. Em um caso japo-
nês, o caráter antiabuso da regra CFC foi importante para superar a limitação do
acordo55.
Por tudo isso, não está claro que a income inclusion rule seria compatível com
o artigo 7(1) dos acordos de bitributação, considerando especialmente a ausência
de caráter antiabuso da regra.
Em primeiro lugar, vale ressaltar que o artigo 7 não tem escopo subjetivo,
mas objetivo. Isto é, o artigo não determina que residentes de um Estado Contra-
tante só sejam tributados nesse Estado, mas que os lucros de uma empresa de um
Estado Contratante só sejam tributados nesse Estado. Nesse sentido, a ginástica
pretendida pelos Comentários da OCDE, de reconhecer que os lucros são, tam-
bém, da controladora, não evita o conflito com o artigo 7, já que são os lucros em
si que estão protegidos contra a dupla tributação56.
Além disso, o argumento trazido nos Comentários da OCDE parte da ideia
de que a controladora é o contribuinte dos lucros auferidos pela controlada. Ou
seja, o argumento acata a definição de lucro do país de residência da controlado-
ra, que necessariamente desconsidera a individualidade da controlada (separate
entity approach), ao atribuir o lucro diretamente à controladora (unitary approach).
Contudo, conforme o artigo 3(2), tal recurso à legislação doméstica para a defini-
ção de lucro apenas seria possível se o contexto do acordo não exigisse interpre-
tação diversa – como de fato ocorre. Afinal, como já mencionado, os acordos
adotam o separate entity approach, respeitando a individualidade de cada pessoa
jurídica independentemente de seu controle comum. Por isso, não se pode aceitar
que o lucro tributado pela controladora em virtude das regras CFC ou income in-
clusion seja considerado auferido por ela própria para fins do acordo.
Para evitar essa controvérsia, a atual redação da Convenção Modelo da
OCDE inclui o artigo 1(3), segundo o qual o acordo não afetará a tributação, por
um Estado Contratante, de seus próprios residentes. Para os acordos que conte-
53
Uma notável exceção é o caso Schneider Electric, Conseil d’Etat, Caso 232 276, de 28 de junho de
2002. Para outras referências, vide DAHLBERG, Mattias; and WIMAN, Bertil. General Report.
In: ______. The taxation of foreign passive income for groups of companies, [s.l.: s.n.], 2013, p. 42-43.
54
Caso RÅ 2008 ref 24 (2697-05), Suprema Corte Administrativa da Suécia, de 5 de abril de 2008.
55
Caso 2008 (Gyo-hi) No. 91, Suprema Corte do Japão, de 29 de outubro de 2009.
56
SCHOUERI, Luís Eduardo. The objective scope of Article 7 and the treaty protection to deemed
distributed dividends. Kluwer International Tax Blog, 27 Apr. 2015.
20 Novos Paradigmas da Tributação Internacional e a Covid-19
5. Conclusão
Não é nenhuma novidade que as propostas dos Pilares 1 e 2 são tão abran-
gentes que necessariamente incluirão modificações nos acordos de bitributação.
O que se procurou discutir, neste artigo, foi justamente a magnitude dessas mo-
dificações, para explorar sua própria viabilidade.
Com relação ao Pilar 1, ficou claro que as modificações propostas com o
Amount A tocam nas fundações do sistema tributário internacional. Ao tributar o
lucro residual, calculado a partir do resultado consolidado do grupo econômico,
a proposta é incompatível com os acordos de bitributação hoje vigentes, que to-
mam lastro no separate entity approach.
A proposta da OCDE para lidar com a questão está centrada em uma nova
convenção multilateral, que lidaria apenas coma alocação do lucro residual de
multinacionais da economia digital. Por mais inovadora e louvável que a iniciativa
seja, ela inevitavelmente gera dúvidas com relação à sua viabilidade: desde a ne-
cessidade de estabelecer base para tributação consolidada no nível doméstico, até
a viabilidade política de acordo em escala global. Nesse sentido, é interessante
notar a proposta recentemente lançada pela ONU, que aborda essas questões de
maneira pragmática. Primeiro, que a proposta seria passível de implementação
bilateral, sendo possível mesmo na ausência de consenso multilateral. Além disso,
pequenas modificações na proposta poderiam evitar a necessidade de implanta-
ção, na lei doméstica, de tributação do grupo econômico (segundo o unitary
approach). Para isso, bastaria que a fórmula do artigo 12-B(3) fosse desenhada
como limitação à tributação na fonte, não como opção independente.
Com relação ao Pilar 2, a principal preocupação ficou por conta da possível
incompatibilidade da income inclusion rule com o artigo 7 dos acordos. Apesar da
falta de consenso, há importantes argumentos para concluir que o separate entity
approach dos acordos de bitributação previne que os lucros da controlada sejam,
ao mesmo tempo, considerados lucros da controladora. É justamente esse o me-
canismo utilizado pela income inclusion rule, que, portanto, seria incompatível com
o artigo 7. Para suprir a questão, bastaria a inclusão do artigo 1(3) da Convenção
Modelo nos acordos. Vale pontuar, contudo, que o expediente enfraqueceria a
fundamental observância do separate entity approach pelos acordos de bitributação.
Commentary on article 1 of the OECD Model Tax Convention, parág. 81. Veja também: Com-
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