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BEPS 2.

0 – REFORMA DA FISCALIDADE INTERNACIONAL

PILAR 1- Atribuição do direito a tributar: Nova regra de tributação no local onde


são geradas as receitas

Breve contextualização:

A crescente digitalização da economia, como o resultado dos avanços tecnológicos,


reflete-se através dos novos modelos de negócio onde não é necessária uma presença
física, o qual afeta drasticamente o panorama fiscal, nomeadamente as formas de
tributação, sendo certo que os atuas sistemas de tributação têm subjacentes dois tipos de
elementos de conexão: o Estado da Residência e o Estado da Fonte este dependente em
muito da estatuição de um Estabelecimento Estável (instalação fixa).

A crescente digitalização da economia, a nível global, acarreta diversos desafios,


nomeadamente, quanto a definições já enraizadas nos ordenamentos jurídicos, em muito
advindas do uso e costume, como é o caso do Estabelecimento Estável.

Contudo, as regras de tributação internacional vigentes atualmente não têm capacidade


para dar resposta às novas formas de negócio digital. Como tal, é urgente pensar numa
alteração aos sistemas fiscais até então vigentes.

A delonga na tomada de uma atitude por parte da OCDE levou a que os Estados
adotassem medidas unilaterais, por exemplo a Itália criou o imposto sobre os anúncios
online (6% a operar através de retenção na fonte), e Espanha pondera a introdução de
um imposto sobre a publicidade e a transformação de informação online, pelo que,
mostra-se assim a necessidade de agir rapidamente, de forma a obter-se uma solução
unânime

A OCDE em conjunto com o G20 apresentou um projeto em outubro de 2015 conhecido


por BEPS, uma vez que encontrar uma solução para a tributação da economia digital é
uma prioridade para a OCDE.

Todavia, a tributação da economia digital tem-se revelado um verdadeiro desafio,


devido em muito à sua grande complexidade.
A OCDE carateriza os problemas do âmbito digital em três categorias:

I. O nexus – ou ligação, que está posto em causa devido à desmaterialização da


interação entre agentes económicos e os seus consumidores;
II. A informação – sublinhando a facilidade de angariação, fornecimento e
utilização de informações pessoais; e
III. A caracterização – que aponta para a criação de novos produtos ou meios de
entrega de bens serviços e a forma de caracterização dos mesmos.

Desde 2015 que se tenta encontrar uma solução para a tributação da economia digital,
pelo que em outubro de 2021 foram divulgadas versões atualizadas das medidas do
BEPS 2.0, em que 136 países deram o seu consentimento quanto às medidas de combate
à evasão fiscal.

O BEPS 2.0 delineia uma estratégia que se baseia em dois pilares, para fazer face aos
desafios decorrentes da digitalização da economia.

Apesar de, em 2021 se ter alcançado uma “solução unânime” em relação ao BEPS 2.0,
antes disso, em 2018, a Comissão da União Europeia propôs duas diretivas a COM 147,
e a COM 148, sendo certo que ambas não entraram em vigor por falta de adesão e
unanimidade entre os Estados Membros.

Proposta de Diretiva da EU COM (2018) 147: Proposta de Diretiva relativa à


tributação das sociedades com presença digital significativa:

No âmbito das dificuldades se vão vivendo a cerca da tributação da economia digital,


em março de 2018, a Comissão Europeia apresentou duas propostas de Diretivas que
visam responder às preocupações do legislador, tendo em consideração os desafios da
economia digital, sendo uma delas a COM 147.

Esta diretiva visa dar uma resposta a longo prazo, procurando alterar o conceito de
Estabelecimento Estável na EU, de forma a permitir aos Estados Membros a tributação
de empresas sem que as mesmas tenham presença física no Estado em Causa.

Neste sentido a Comissão Europeia propõe um leque amplo de regras para garantir a
determinação da presença digital significativa, nesta perspetiva estamos perante uma
presença digital significativa quando se verifica alguma das seguintes
circunstâncias (art. 4.º n.º 3 da diretiva):

I. Haja receitas anuais superiores a 7 milhões de euros num Estado Membro;


II. Haja um número de utilizadores superior a 100 mil, num determinado período
fiscal em um Estado Membro; ou
III. Haja celebração de mais de 3 mil contratos comerciais envolvendo serviços
digitais.

A proposta visa ainda a criação de artigos alternativos para utilizar nas convenções de
dupla tributação a operar entre Estados Membros, não afetando, claro, as convenções
assinadas com Estados terceiros.

Contudo, esta proposta reprovou na fase aprovação unânime por parte dos Estados
Membros da EU.

Esta proposta tinha subjacente a ideia de que os lucros das empresas deviam ser
tributados no local onde era criado, o que fez com que não houvesse unanimidade para
aprovação da diretiva.

Sendo necessário e essencial encontrar uma solução unânime para enfrentar os desafios
referentes à tributação da economia digital.

O BEPS 2.0 - pilar 1:

Após se ter recebido comentários e propostas de todo o mundo, foram discutidas as


maneiras de dar resposta aos problemas de forma a chegar a uma conclusão única e a
longo prazo, sendo que no final de 2020, foram divulgadas as versões atualizadas das
medidas que o BEPS 2.0 prevê.

O BEPS 2.0 baseia-se numa estratégia assente em dois pilares, sendo que iremos
abordar apenas o pilar 1.

O pilar 1 estabelece novas regras sobre o nexo de tributação e de atribuição de lucros a


jurisdições de mercado. Ou seja, pretende contribuir para uma justa repartição da receita
tributária entre os países onde os lucros são gerados, para tal permitindo a realocação
parcial dos direitos de tributação entre jurisdições.
Essas regras tiveram em conta que existem cada vez mais situações que envolvem a
economia digital, assim, nos Estados de residência para as maiores plataformas digitais
à escala global, há tributações numa percentagem muito diminuta comparando com o
valor global dos rendimentos e os lucros obtidos por estas plataformas, pois o maior
volume de rendimentos provem de fora da residência.

Por sua vez os Estados da fonte, que são para todos os efeitos Estados produtores e
exportadores de capital, no entanto não exercem as suas pretensões enquanto tal por
falta do elemento essencial, que é o Estabelecimento Estável, precisamente pela falta de
presença física das empresas naqueles Estados.

Daí, que se discute que esta realidade faz nascer um terceiro grupo – os chamados
Estados de Mercado, em que estas empresas operam com recurso e através das
plataformas digitais.

Nesse sentido o pilar 1 estabelece novas regras sobre este terceiro grupo, o Estado de
Mercado por forma a combater a lacuna encontrada nos sistemas assentes nos mercados
tradicionais.

Os elementos determinantes das medidas previstas no pilar 1 são a economia digital e


as suas caraterísticas, definindo um conjunto de regras comuns que são aplicáveis
às empresas mais lucrativas, que opera a nível internacional, permitindo distribuir
lucros para as jurisdições de mercado, ou seja, onde os utilizadores ou consumidores
estão localizados, não sendo necessário existir um nexo entre um estabelecimento
estável. O princípio que temos subjacente é de que é nas jurisdições de mercado que
resulta a criação de valor, sendo aí que deve ocorrer a tributação, ou seja, a
tributação é feita no local onde decorre a criação de valor.

O pilar 1 um subdivide-se em três componentes:

I. Montante A – que se traduz num novo direito de tributar, nomeadamente através


de uma fórmula aplicável aos valores residuais;
II. Montante B – que cria uma remuneração fixa para serviços de marketing e
distribuição que opera no Estado de Mercado;
III. Montante C – que se traduz na segurança jurídica e trata na prevenção de
disputas e dúvidas.
 Montante A

Trata-se de um valor residual que se aplica ao Estados da produção, calculado através de


uma fórmula, que visa atingir as vendas diretas de bens intangíveis aos consumidores,
com ou sem intervenção de intermediários.

O montante A permite ser aplicado na falta de verificação de um Estabelecimento


Estável fixo, ou seja, temos uma alocação de rendimentos ao Estado onde tal foi
produzido.

O primordial foco de aplicação desta medida é a venda de serviços automatizados e


padronizados ao público globalizado, em que se vai utilizar a informação obtida ou
fornecida pelos utilizadores de forma a interagir com os potenciais consumidores,
podemos enquadrar neste seguimento as redes sociais.

Os elementos chave do montante A são, o âmbito de aplicação, o cálculo da base


tributável, o quantum, o nexus a afetação, a eliminação da dupla tributação, a segurança
e administração e a implementação. Estes elementos têm de ser verificados um a um
para que o montante A seja aplicado.

a) Âmbito de aplicação:

O montante A, primeiramente, não será aplicado a todos os operadores no mercado, pois


existem limites mínimos de aplicação.

Os limites de aplicação são, sobretudo, a aplicação da fórmula aos grandes grupos


multinacionais que preencham cumulativamente:

I. Volume global de negócios ser superior a 20 mil milhões de euros; e


II. Uma margem de lucro antes de imposto superior a 10%.

Desta forma o pilar 1 pretende introduzir um regime que permita a alocação de uma
parcela residual do lucro da empesa ao Estado onde se verifica uma criação de valor (o
Estado de Mercado), mesmo que aí não exista uma presença física de negócio.

b) Cálculo da base tributável:

O montante A possui regras para a determinação da base tributável, a qual apura os


lucros totais de um grupo abrangido e sobre os quais é aplicável a formula de realocação
para as jurisdições de mercado. Pelo que, a base tributável corresponde aos
resultados ajustados antes de imposto de um grupo multinacional abrangido.

c) Quantum:

Por forma a apurar o montante de rendimentos tributáveis em cada jurisdição de


mercado é necessário seguir um processo de três fases:

I. Primeiro temos de apurar o lucro residual presumido, calculado a


partir dos resultados globais, sendo o montante que excede 10% do
lucro do grupo o lucro residual;
II. A seguir, é necessário calcular o montante A, o qual corresponde a
uma percentagem de 25% do lucro residual;
III. Por fim, a fatia relevante do montante A é afetada a cada jurisdição
de mercado tendo por base o rendimento gerado em cada uma dessas
jurisdições.

Exemplo:

Grupo Bessa tem um lucro de 20 mil milhões

O lucro residual (acima de 10% do lucro do grupo) vai ser 10 mil milhões

O montante A (25% do lucro residual) vai ser 2,5 mil milhões

d) Nexus e afetação:

O nexus no montante A é determinado exclusivamente no rendimento derivado dessa


jurisdição, sendo esse rendimento localizado transação a transação.

De acordo com a regra do montante A uma jurisdição é considerado como um Estado de


Mercado apenas quando uma empresa multinacional aí obtenha pelo menos um milhão
de euros de receita.

e) Eliminação da dupla tributação:

Estabelece-se que a entidade do grupo que suporta com o encargo do imposto será
aferida com base dentre aqueles que obtiveram lucro residual. Mas a eliminação da
dupla tributação será feita através dos mecanismos tradicionais, usando-se o método do
crédito ou da isenção de acordo com as opções de cada jurisdição.

f) Segurança jurídica:
As empresas abrangidas pelo âmbito de aplicação do montante A beneficiarão de
mecanismos de prevenção e resolução de litígios, por exemplo litígios sobre os preços
de transferência.

g) Implementação do montante A:

Em termos práticos prevê-se que a solução do montante A seja implementada através de


uma convenção multilateral, da qual serão partes contratantes os Estados que queiram
adotar as regras previstas nesta medida do BEPS 2.0, sendo que cada Estado procederá
às alterações à lei interna que se mostrem necessárias à implementação das medidas
consagradas.

 Montante B

O montante B constitui uma remuneração fixa para determinadas atividades de base


relacionadas com marketing e distribuição e que sejam fisicamente realizadas numa
jurisdição.

O montante B é destinado a simplificar e otimizar a aplicação do princípio da plena


concorrência para certas atividades domésticas de base relacionadas com marketing e
distribuição com um enfoque especial nas necessidades dos países em desenvolvimento.

O montante B tem por objetivo standardizar a remuneração dos distribuidores que sejam
partes relacionadas e que desempenham atividades de base relacionadas com marketing
e distribuição, isto é, passa pela simplificação da relação entre a administração e os
sujeitos passivos na matéria de preços de transferência e preços a praticar aquando da
venda dos bens inclusivo numa relação intragrupo.

A definição de uma margem fixa nos termos do montante B é vista como uma medida
relevante que contribui para a segurança jurídica, reduzindo o número de litígios e as
situações de dupla tributação.

O montante B é aplicável as seguintes atividades:

I. Distribuição por grosso em que existem acordos de compra e venda,


sendo que uma parte adquire bens de uma empresa relacionada residente
noutra jurisdição para distribuição grossista a partes não relacionadas
predominantemente no respetivo mercado doméstico;
II. Acordos de comissionistas quando a parte contribui para a distribuição
por grosso de bens para uma parte relacionada e na medida em que
demonstrem determinadas características económica relevantes.

Outro aspeto relevante do montante B é a metodologia para apuramento do respetivo


preço, sendo o método adotado o método da margem líquida da operação.

 Montante C

A segurança jurídica é alcançada através de um processo de resolução de litígios


obrigatório e vinculativo que será suplementado pelo procedimento amigável existente.

Assim o processo será composto por duas fases:

I. Fase do processo amigável, onde um grupo de empresas multinacional


terá a possibilidade de submeter um pedido de processo amigável
(arbitragem) com base nos mecanismos existentes.
II. Se no prazo de dois anos o procedimento não for solucionado, então
inicia-se a fase de resolução de litígios, que durará aproximadamente 390
dias.

Breve conclusão:

Em suma, o pilar 1 apresenta um caminho idêntico ao proposto pela Diretiva sobre a


tributação das sociedades com presença digital significativa, concluindo a Dra. Ana
Paula Dourado que se trata de uma medida que é uma média entre a tributação digital e
a tentativa de alocar os direitos de tributação aos Estados de mercado.

Quanto a opiniões de aplicabilidade a doutrina aponta fortes críticas aos critérios fixos,
sobretudo à fórmula de cálculo do Montante A, alegando que a realidade está em
constante evolução, o que pode não jogar bem com a estática da fórmula a aplicar.

Os conceitos precisam de aprofundamento e trabalho cuidadoso por parte da OCDE, de


forma a garantir o correto entendimento e concordância dos Estados, sob pena de trazer
à colação medidas algo discriminatórias e injustas.
Por outro lado, é preciso haver colaboração dos Estados nesta matéria de criação de
mecanismos alternativos (para os Estados que não recorrem à arbitragem obrigatória,
por exemplo).

A Dra. Ana Paula Dourado considera que se trata de um mecanismo demasiado


complexo, que realça a diferença entre a economia digital e economia tradicional e
acaba por não alocar os direitos tributários aos Estados de mercado propriamente ditos.

Não é bem claro se os Montantes serão aplicados somente e apenas aos serviços digitais
ou se também irão ser aplicáveis aos comércios tradicionais. Parece que a solução mais
sensata passaria pela aplicação a ambas as formas de negócios.

Há ainda opiniões que criticam os rápidos avanços da OCDE: assim entende parte da
comunidade fiscal internacional que o Projeto BEPS, ainda não esteve em
funcionamento tempo suficiente para se perceberem frutos do mesmo, e já temos novas
medidas revolucionárias, criando um sentido de pouca segurança jurídica.

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