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Escola Bá sica e Secundá ria de Vila Nova de 10º

Cerveira ano

Crónica de D. João I
De Fernão Lopes
A crise de 1383-1385
A Dinastia de Avis e a refundação do reino
Página 158 do manual – “Construção do Saber” (síntese)

A avaliar pelo relato de Fernão Lopes na Crónica de D. João I, a morte do conde Andeiro foi o
resultado de uma conspiração que envolveu diversas figuras da nobreza que se lhe opunham. E de tal
maneira o plano foi bem urdido que logo se lançou a ideia, rapidamente espalhada por Lisboa, de
que era o mestre de Avis que corria perigo de vida. O eficaz boato, lançado pelos que apoiavam o
executor do conde galego, fez de imediato acorrer às ruas uma multidão de populares que expressou de maneira clara o
seu ódio ao amante da rainha. A dinâmica então criada culminou na nomeação de D. João, mestre de Avis, como
“Regedor e Defensor do reino”. A população de Lisboa marcava assim o ritmo do que iriam ser aqueles vertiginosos
tempos.
Este D. João, agora guindado à condição de líder de muitos dos que se opunham a Leonor Teles e a Castela, estava
longe de ser uma figura desconhecida [...] Clarificada a situação na maior cidade do reino, os principais centros urbanos
como o Porto, Coimbra ou Évora declararam seguir o mestre [...].
Como se pode compreender até pelos apoios recebidos, a condição do novo regedor e defensor do reino não era, de
modo algum, a de uma personagem menor. De facto, este D. João era filho bastardo do rei D. Pedro e, portanto, meio-
irmão do defunto D. Fernando. A bastardia nobre e, sobretudo, a bastardia régia estavam longe de ser um estigma social;
pelo contrário, esta última constituía até um claro sinal de distinção entre a nobreza. [...]
A ação imediata de D. João, depois de investido nas suas novas funções de regedor e defensor do reino, orientou-se
no sentido de conseguir uma reorganização das forças disponíveis para fazer face à situação e, desde logo, para combater
a invasão castelhana. [...]
O ano de 1384 trouxe vários sucessos às hostes do mestre. A 6 de abril, em Atoleiros (no atual concelho de Fronteira),
o exército chefiado por Nuno Álvares Pereira alcançou uma importante vitória sobre os castelhanos, que sofreram
pesadas baixas; em maio, o Porto conseguiu resistir ao ataque dirigido pelo bispo de Santiago de Compostela e no qual
participaram nobres portugueses partidários de D. Beatriz; Lisboa, cercada no fim de maio por terra e na foz do Tejo com
a participação pessoal de Juan I, resistiu igualmente, vindo a contar com a ajuda da peste que grassou entre os
castelhanos e dizimou o seu exército e a sua armada, obrigando a que o cerco fosse levantado em setembro desse ano,
com a subsequente retirada do invasor para Castela.
Estas vitórias militares tiveram claros reflexos nos realinhamentos de apoiantes da causa do mestre de Avis. [...] A
posição do mestre de Avis saiu reforçada dos confrontos bélicos e este viu aumentar o seu prestígio, com o consequente
engrossar das fileiras dos que o aceitavam como governador do reino. O passo seguinte deu lugar a um outro tipo de
batalha, a da legitimação de jure de quem era cada vez mais de facto o defensor e o regedor do reino. Ou seja, aquele que
desempenhava as funções atribuídas a um verdadeiro rei.
Convocadas pelo mestre, as Cortes teriam lugar em Coimbra, entre 3 de março e 10 de abril de 1385. [...] A
assembleia, maioritariamente integrada por apoiantes do mestre, recusou a ocupação do trono por D. Beatriz e pelo rei
de Castela e debateu a possibilidade de a coroa vir a recair em D. João, filho do rei D. Pedro e de Inês de Castro, ou no até
aí mestre de Avis e regedor e defensor do reino. A argumentação do doutor João das Regras e a intervenção de Nuno
Álvares Pereira em favor do segundo foram decisivas para a aclamação do novo monarca, no dia 6 de abril. [...]
Continuaram as campanhas militares, com nova vitória dos portugueses em Trancoso, a 29 de maio. Seguiu-se aquele
que haveria de ser o decisivo triunfo, na Batalha de Aljubarrota, lugar situado entre Leiria e Alcobaça, em 14 de agosto de
1385, tendo então o exército de D. João I contado com o importante apoio de tropas inglesas. A escolha do local do
embate, uma meticulosa preparação do terreno (com fossos e “covas de lobo” onde a pesada cavalaria castelhana
literalmente se afundou) e a destreza de peões armados de arco ou besta, aliadas a um eficaz comando militar
encabeçado pelo condestável Nuno Álvares Pereira, permitiram reverter a desvantagem numérica da hoste luso-britânica
(cerca de 10 mil homens) face às tropas castelhanas (entre 20 mil e 30 mil combatentes). A “Batalha Real”, como a
designou Fernão Lopes, traduziu-se num enorme sucesso para o campo português e numa pesada derrota para o rei de
Castela, que aí perdeu milhares de homens. [...]

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A guerra ainda se iria manter, com recontros vários, passando pelas tréguas de 1389, pelas novamente celebradas em
1393, pelo recrudescimento das hostilidades entre 1396 e 1402, até ao definitivo estabelecimento da paz entre Portugal e
Castela, nesse mesmo ano, e sua reafirmação pelo tratado de 1411. [...]
SOUSA, Bernardo Vasconcelos e, “A Dinastia de Avis e a refundação do reino” in RAMOS, Rui (coord.), 2012.
História de Portugal, vol. 2. Paço de Arcos: A Esfera dos Livros (adaptado)

Página 178 do manual – “Construção do Saber”


Outra eleição
[...] O local, agora, é Coimbra. [...] já terão percebido que se trata da eleição de D. João I, nas Cortes de 1385, [...] na
intervenção que o Dr. João das Regras teve naquelas Cortes [...] tal como o cronista Fernão Lopes a descreveu, para
decidir sobre o futuro do reino, cujo trono está vago – e dizer isto já é revolucionário, porque a filha do falecido rei, D.
Beatriz, foi aclamada em vários lugares e porque estas Cortes decorrem da recusa em aceitar a sucessão dinástica normal
e a regência da mãe da rainha, Leonor Teles.
João das Regras, ao tomar a palavra (segundo Fernão Lopes), diz várias coisas de importância capital. [...] O primeiro:
contra a opinião de alguns, ele declara que aquelas Cortes têm suficiente poder representativo para deliberar. A dúvida
estava no reduzido número de nobres e prelados presentes, pois o reino estava [...] dividido (muitos nobres e
eclesiásticos mantinham a fidelidade a D. Beatriz); ora, um dos argumentos que o orador usa é, [...], notável: “aqui são
juntos bem cinquenta procuradores de vilas e cidades do reino”. Ou seja, a presença dos procuradores dos concelhos – o
elemento mais “popular”, digamos – chegava para dar às Cortes aquilo a que podemos chamar de poder soberano.
Poder para eleger um rei entre os vários herdeiros – eram eles o rei de Castela e a mulher, D. Beatriz, e ainda os dois
filhos de D. Pedro I e Inês de Castro, os infantes D. João e D. Dinis. Significativamente, João das Regras não mencionou o
mestre de Avis, que era o seu candidato; de facto, como bastardo de D. Pedro, não podia ser considerado herdeiro. E
depois de enumerar os herdeiros, foi dizendo, caso a caso, por que razão não podiam receber a coroa portuguesa. A
argumentação é longa – e extremamente hábil; retenhamos somente que, no caso dos filhos de Inês, um dos argumentos
a que o orador deu mais força foi o facto de ambos terem entrado em Portugal em som de guerra, integrados no exército
castelhano. Este não era, contudo, um argumento de peso à luz da mentalidade medieval; mas era-o à luz da nova
mentalidade.
Porém, o que mais [...] impressiona, em toda esta cena, são as palavras que Fernão Lopes põe na boca de João das
Regras, quando este fala com o mestre de Avis: “Senhor, eu hei assaz trabalhado por mostrar [...] que estes reinos são
vagos de todo, e a eleição deles fica livremente ao povo” [...]. Não há dúvida: estamos em plena revolução. Uma
afirmação deste teor seria muito mal aceite, por exemplo, durante o Estado Novo. E pensar que foi dita no século XIV...
AGUIAR, João, in Tempo Livre (citado a partir de http://sorumbatico.blogspot.pt/2007/05/outra-eleio.html-07/05/2007) – texto adaptado

As “razões”de João das Regras nas Cortes de Coimbra [...]


Fernão Lopes começa o seu capítulo 183 fazendo a apresentação “jurídica” de João das Regras nas Cortes coimbrãs,
por estas conhecidas e textuais palavras: “era hi huũ notavell barom, homem de perfeita autoridade, e comprido de
sçiemçia, mui gramde leterado em lex, chamado doutor Joham das Regras, cuja sotilldade e clareza de bem fallar amtre
os leterados, oje em dia he theuda em comta”. Tinha o “sotil” doutor em mira “mostrar per sçiemçia e rrazom” o que
considerava “verdade e proveito” para os povos. [...] E o chamado “génio literário” de Fernão Lopes, como se nas
Cortes de Coimbra assistira [...], preenche nada menos de sete capítulos da sua aliciante crónica, com os dois longos
discursos do “grão doutor”, transcritos entre aspas!
São manifestos o artifício, o ardil, a habilidade, o génio literário de Fernão Lopes. Será sempre, qualquer que possa ser
a ideia que a crítica dele venha a fazer como historiador, um escritor fulgurante, encantador, dramático, um mestre da
língua e da arte de bem dizer. [...] Evidente como é, que os discursos atribuídos a João das Regras por Fernão Lopes são
arranjo seu e de mais ninguém [...] vamos examinar a pontos largos as razões do cronista de D. João I para produzir a
prova da sua tese, isto é, da vacatura do trono de Portugal em abril de 1385.

Da ilegitimidade dos pretendentes


Para demonstrar que após o falecimento de D. Fernando estes reinos “ficarom vagos e desemparados, sem rei e
deffemsor lidemo que os possa e deva herdar de dereito, pera sobrello proveermos como nos Deos ajudar”, feita a
comparação entre a eleição do Papa e a situação em que se encontravam [...] passa João das Regras, isto é, o cronista
Fernão Lopes, a examinar, um por um, os pretendentes legitimistas ao trono vago.
a) O rei de Castela, por sua mulher D. Beatriz;
b) Os filhos varões de D. Pedro I e de D. Inês de Castro, os infantes D. João e D. Dinis.
Prova João das Regras, isto é, Fernão Lopes, que tanto pelo sangue como pela fé, nem era legítimo nem conveniente,
eleger ou aceitar o Rei de Castela. [...]

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O caso dos filhos de D. Pedro I, reconheceu-o o próprio cronista e panegirista de D. João I, é bem mais difícil de
resolver. As Cortes não parecem ter posto qualquer objeção à liquidação do Rei de Castela. Não admira. A elas não
compareceram senão nacionalistas da melhor têmpera. [...]
O caso dos filhos de D. Pedro I é pois de difícil solução. Tão difícil, que do ponto de vista histórico-jurídico não está
solucionado ainda. Fernão Lopes põe na boca de João das Regras a afirmação de que vai tratar do intrincado problema
“sem afeiçom que se de nós assenhore”, mas “segundo a rrazom e dereito rrequere[m]”. Logo veremos, ou iremos vendo,
a pouco e pouco, como consegue o cronista-jurista o seu programa de incorrupta objetividade histórica.
A primeira cousa que a “amtiiga verdade protesta saber”deste negócio é “se foi çerto, que dona Enes era molher
delRei dom Pedro”; “a outra, posto quea reçebesse, se podia seer sa molher de dereito, e os filhos taes que podessem
herdar”.
João das Regras, ou melhor, Fernão Lopes, passa a examinar, pelo fio de uma cerrada crítica, a sua tese, que enuncia
por estas palavras: “digo que numca foy çerto, em vida delRei dom Affomsso nem depois”, que D. Pedro recebesse por
mulher a D. Inês [...].
Entra depois o orador no exame dos impedimentos matrimoniais de D. Pedro com D. Inês, isto é: “se per vemtuira
reçebida fosse, se era tall casamento valioso”. [...]
[...] Está provado que eram parentes em grau que anulava o contrato e portanto o sacramento, pois estavam nas
relações de tio e sobrinha (2.° grau). Contenta-se o jurista com assinalar o facto (capítulo 187), mas cala o que não
deveria ocultar: que D. Pedro tinha dispensa pontifícia para casar com qualquer senhora católica, exatamente no grau de
consanguinidade que o unia a D. Inês. [...]
João das Regras, sentindo o terreno falso, passa à frente, como gato sobre brasa, para produzir esta sensacional
afirmação: “Mas venhamos a huü gramde impedimento, aallem dos outros, com que o Papa nom despemssara por cousa
que aviinr podesse, por o quall ella nom podia seer sua molher per nenhüa guisa”. E relata como D. Inês fora madrinha do
infante D. Luís, filho de D. Pedro e de D. Constança, facto largamente atestado [...].
Certo é que Fernão Lopes tenta emendar, em contradição consigo próprio, o que momentos antes afirmara, revelando
que “alguüs emtemdidos que disto parte sabem” afirmavam que D. Pedro mandara a D. Inês que se não furtasse ao
convite da Rainha, que estivesse presente ao batismo, mas que não dissesse as palavras que os padrinhos costumam dizer
em nome do afilhado, e que ela desta guisa o fez, e que se tal vontade não levava, nem nunca em tal consentiu, que “tall
compradigo era nhuũ, e podia depois sem pecado casar com o padre de tall afilhado”. [...]

DA ILEGITIMIDADE DOS FILHOS DE D. PEDRO


Tornando à fala, no mesmo Paço das Escolas, começou a dizer o grão doutor: “Senhores fidallgos, e homrradas
pessoas, bem sabees como neestos Cortes forom per mim propostas alguũas rrazoões a mostrar que estes rreinos som de
todo pomto vagos, e nehuũha hi que os deva e possa herdar per linhagem, nem a quem de dereito perteeçam”.
(capítulo189). Como a assembleia, visivelmente não estava convencida, especialmente os senhores da Beira, que
positivamente se opunham à eleição do Mestre de Avis, por julgarem legítimo herdeiro o infante D. João, em aberta
contradição, portanto, com a tese de João das Regras, resolveu o hábil advogado queimar os últimos cartuchos trazendo à
assembleia as suas armas secretas, “propoemdo em praça o que callar quisera e nom faliar em ello”, isto é, o “defeito de
sua naçemça sem legitimaçom”.
[...] Segundo o testemunho, “jurado aos sanctos Euãgelhos”, de Diogo Lopes Pacheco, exarado na Inquirição de 30 de
março de 1385, testemunho afirmado também pelo Dr. João das Regras quando pretendeu provar que nunca foi certo
que D. Inês fosse mulher de el-rei D. Pedro (capítulo 186), foi o próprio declarante com os conselheiros mestre Joane e
João Durães suplicar ao infante D. Pedro, residente no paço de Santa Clara de Coimbra, “que casasse cõ a dicta doña Enes
poys a muyto amaua, [...] que a seu padre e a sua madre prazia muuyto” e honrá-la-iam “como sa molher”. “E que o dicto
Rey dom Pedro lhy dissera e dera ê reposta que nõ era seu talante de o fazer nê o cuydaua de fazer ê todos os
dias de sa vida por aficamento que lhy aueesse”.
Temos pois, segundo o testemunho “jurado” de Diogo Lopes Pacheco e do próprio “grão doutor”, que o perfilhou
plenamente, D. Pedro a negar-se terminantemente a casar com D. Inês em dias de sua vida, e seus pais a suplicar-lhe
insistentemente que o fizesse! Esta doutrina se afirma e prova largamente no capítulo186 da Crónica de Fernão Lopes.
Três capítulos avante, olvidando totalmente o que antes dissera, afirma que “huũs três anos, ante que dona Enes
fosse morta” – portanto aí por 1352 – empregara D. Pedro todos os esforços junto do arcebispo de Braga D. Gonçalo
Pereira, que então se encontrava em Roma, para obter dispensa para casar com D. Inês, trabalhando el-rei de o contrariar
quanto pôde, escrevendo secretamente ao mesmo prelado [...].
É notável – e lamentável – que nenhum dos documentos aduzidos por João das Regras nas Cortes de Coimbra
subsista, que todos tenham levado tão total como incrível sumiço... Total, sim, incrível, talvez não! Nem o teor da carta se
ajusta com os sentimentos, por outra parte conhecidos, de D. Afonso IV, nem está datada, nem D. Pedro precisava de
dispensa para casar com D. Inês, pois estava autorizado a fazê-lo “per hüa geerall despemssaçom”, obtida por seu Pai em
18 de fevereiro de 1325. Este breve, inserto no documento de 18 de junho de 1360, perfeitamente concorde com a cópia
autêntica da chancelaria pontifícia, anda publicado por António Caetano de Sousa nas suas Provas da História Genealógica
da Casa Real Portuguesa, e Aires de Sá no seu Frei Gonçalo Velho, um e outro incrivelmente estropiado e intraduzível. Por

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ele podia D. Pedro, como aliás sua irmã D. Maria, mutatis mutandis, casar “cum quacumque Nobili Muliere Ecclesie
Romane deuota” [com qualquer mulher devota da Igreja Romana], ainda que parentes [...].
O Preladode Lisboa consultado, afirma Fernão Lopes, disse ter visto o documento pontifício de João XXII e que
falando sobre o seu valor com vários letrados, respondeu que “bem lhe pareçia avomdosa (a despenssaçom) pera
casarem per ella”.
Seguidamente inventa João das Regras uma embaixada e um documento de que não há rasto em parte nenhuma,
mesmo onde obrigatoriamente o deveria haver, a suplicar várias graças, mas sobretudo a “legitimaçom do casamento” de
D. Pedro, e logo depois a “comfirmaçom” do mesmo ato, “em guisa que os moços fiquem legítimos”. O orador põe o facto
em cena desta guisa:
“Emtom mostrou huũ grãde rrooll de purgaminho husado de velhiçe”, etc. Vejamos que espécie de pergaminho
poderia ser este. [...] É estupendo que um rol de pergaminho, que deveria fatalmente estar cuidadosamente arquivado,
pois todos aqueles Prelados, juristas e nobres senhores “forom todos mui espantados”do seu conteúdo, estivesse, apesar
dos naturais cuidados postos na sua guarda, a cair de velho! A cair de velho?! Supondo, na mais desfavorável das
hipóteses, que seja do primeiro ano do reinado de D. Pedro (1357), estava em 1385 na juventude dos seus 28 anos! Pois
com 28 anos apenas e já “husado de velhiçe!”. [...]
E depois que triste sorte esta a dos documentos apresentados nas Cortes por João das Regras! Documentos de
inestimável valor, pois constituíam a prova jurídica esmagadora, na expressa confissão do orador, de que estava vago o
trono! Pois, senhores, enquanto não subsiste hoje um só desses documentos, nem nos Arquivos Portugueses nem nos
Arquivos Romanos – pelo menos ninguém ainda os desencantou – guardam-se, mas em perfeito estado de conservação,
todos os pergaminhos que atestam a tese contrária e pulverizam a de João das Regras!
Aliás, este documento é pura invenção do Cronista, como passamos a prová-lo. Efetivamente, se o “grãde rrool de
purgaminho” foi enviado a Roma, como o tinha João das Regras em sua mão e o leu nas Cortes de Coimbra?! Por outro
lado, é sabido ser praxe inabalável da Corte romana, que os documentos desta natureza, os Rotuli Ambasciatorum Régis
Portugalie, de que existem tantos exemplares transcritos e sumariados nos códices da coleção de Súplicas do
Arquivo Secreto do Vaticano, eram inutilizados pelo escrivão da Cúria, subsistindo hoje apenas raríssimos originais. [...]

Considerações finais
Não resta dúvida de que havia em Portugal uma enorme e fortíssima corrente de opinião pública, à data das Cortes
de Coimbra, de que eram legítimos os filhos de D. Pedro e D. Inês de Castro e de que lhes pertencia o trono. E não
somente em Portugal, pois apenas D. Fernando fechou os olhos, logo o Rei de Castela se apressou a meter a ferros o
Infante D. João, que por lá andava homiziado, com as mãos e a consciência manchadas de sangue. O próprio Mestre de
Avis expressamente o considerava o único herdeiro de direito, aceitando o encargo de governador e defensor do Reino
somente “ataaque o Iffamte dom Joham fosse solto, pera lho depois emtregar”. Afirma Fernão Lopes (capítulo 17) que o
móbil do assassínio do Conde Andeiro fora “soomente por husar dhuũa homrrosa façanha, viimgamdo a desomrra de seu
irmaão”.
Para rejeitar os Infantes D. João e D. Dinis, não parece que tivesse sido necessário João das Regras, ou melhor, Fernão
Lopes, lançar mão dos expedientes que vimos, que certamente não honram o jurista nem acreditam o historiador. [...]
Bastava que João das Regras mostrasse, como aliás mostrou, que os Infantes tinham pegado em armas contra a
pátria, ao lado dos reis de Castela D. Henrique e D. João [...]
BRÁSIO, António, “As razões de João das Regras nas Cortes de Coimbra”, in Lusitana Sacra, tomo 3, 1958 (texto adaptado)

Profª Paula Ribeiro Pá gina 4

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