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10/12/2020 Análise Dos Poemas “Autopsicografia” E “Mar Português”

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• Adjectivação expressiva
• Linguagem simples mas muito expressiva (cheia de significados
escondidos)
• Pontuação emotiva
• Comparações, metáforas originais, oxímoros (vários paradoxos – pôr lado
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a lado duas realidades completamente opostas)


• Uso de símbolos (por vezes tradicionais, como o rio, a água, o mar, a
brisa, a fonte, as rosas, o azul; ou modernos, como o andaime ou o cais)
• É fiel à tradição poética “lusitana” e não longe, muitas vezes, da quadra
popular.
• Utilização de vários tempos verbais, cada um com o seu significado
expressivo consoante a situação.

- Figuras de Estilo

• Hipérbato – consiste na separação de palavras que pertencem ao mesmo


segmento por outras palavras não pertencentes a este lugar:

Autopsicografia – última estrofe

• Perífrase – consiste em utilizar uma expressão composta por vários


elementos em vez do emprego de um só termo:

Autopsicografia – “Os que leem o que escreve”

• Metáfora – consiste em igualar ou aproximar dois termos que pertencem


à mesma categoria sintáctica mas cujos traços se excluem mutuamente.

Autopsicografia – “Gira, a entreter a razão/Esse comboio de corda”

AUTOPSICOGRAFIA

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,


Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda


Gira a entreter a razão,
Esse comboio de corda
que se chama o coração.

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O fingimento artístico

Autopsicografia (Intelectualização do sentir)

A julgar pelo título, estamos perante uma descrição da própria alma,


apresentada em três estrofes, constituindo cada uma delas uma parte do
poema:

Na primeira estrofe temos já, em síntese, o pensamento implícito no


conjunto do poema. Sendo “um fingidor”, o poeta não finge a dor que não
sentiu. Finge aquela de que teve experiência direta. Assim se afasta
qualquer possibilidade de se interpretar o conceito de “fingimento” na
poesia de Fernando Pessoa como completa simulação de uma dor ou de
uma experiência emocional que não se teve. O reconhecimento dessa dor
ou experiência emocional como ponto de partida da criação poética está
bem expresso nesta primeira quadra. Todavia, a dor que o poeta realmente
sente não é aquela que deve surgir na sua poesia. Pessoa não considerava
a poesia a passagem imediata da experiência à arte, opunha-se a toda a
espontaneidade. Por isso, exigia a criação de uma dor fingida sobre a dor
experimental.

O poeta, desde que se propõe escrever sobre uma dor sentida, deve
procurar representar, materializando-a, essa dor, não nas linhas
espontâneas em que ela se lhe desenhou na sensibilidade, mas no
contorno imaginado que lhe dá, voltando-se para si mesmo e vendo-se a si
próprio como tendo tido certa dor (inteligibilização do sensível). Todavia, a
metamorfose a que submete a sua dor, fingindo-a, representando-a,
apenas altera o plano onde essa dor decorre. A dor real, ou seja, a dor dos
sentidos, primeiro, é a dor imaginária (dor em imagens), depois. O poeta
materializa as suas emoções em imagens susceptíveis de provocar no leitor
(e o poeta é o seu primeiro leitor) o regresso à emoção inicial.

Sobre o modelo da sua dor inicial, ou melhor, originária, o poeta finge a


dor em imagens e fá-lo tão perfeitamente que o fingimento se lhe
apresenta mais real do que a dor fingida. Assim, a dor fingida transforma-
se em nova dor (imaginária), cuja potencialidade de comunicação absorve
todas as virtualidades da dor inicial. Tratando-se duma transformação do
plano vivido em plano imaginado, ela prepara a fruição impessoal das
dores que a poesia pode proporcionar ao leitor.

Na segunda estrofe, os leitores de um poema não terão acesso a qualquer


das dores – a dor real ou a dor imaginária: a dor real ficou com o poeta; a
dor imaginária não é já sentida pelo leitor como dor, porque o não é (a dor
é do mundo dos sentidos e a poesia – dor imaginária ou representada – é
da esfera do espírito). Assim se compreende o último verso desta estrofe

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(“Mas só a que eles não têm”): os leitores só têm acesso à representação


de uma dor intelectualizada, que não lhes pertence.

Na terceira estrofe, se a poesia é uma representação mental, o coração


(“esse comboio de corda”), centro dos sentimentos, não passa de um
entretenimento da razão, girando, mecanicamente, “nas calhas” (símbolos
de fixidez e impossibilidade de mudança de rumo) do mundo das
convenções em que decorre a vida quotidiana. Sempre a dialética do ser e
do parecer, da consciência (razão) e da inconsciência (coração = comboio
de corda), a teoria do fingimento.
A tripartição que apresentamos é denunciada pela conjunção “e” que inicia
as 2ª e 3ª estrofes. No entanto, consoante o assunto, a composição
poderia ser dividida em duas partes: a primeira constituída pelas duas
primeiras estrofes onde o sujeito poético explica a sua teoria da
intelectualização do sentir e a segunda constituída pela última estrofe onde
ele conclui, através de uma metáfora, a veracidade dessa teoria.

O caráter verdadeiramente doutrinário deste poema faz com que


predominem as formas verbais no presente (sendo o pretérito perfeito
“teve”, no terceiro verso da segunda estrofe, a única excepção), tempo que
conota uma idéia de permanência e que aqui aparece utilizado para sugerir
a afirmação de algo que assume foros de verdade axiomática (“O poeta é
um fingidor”) em que o fato de se utilizar a 3ª pessoa do singular do
presente do Indicativo do verbo ser vem reforçar o atrás afirmado e impor,
desde logo, a tese do poema.
A outra categoria morfológica com peso neste poema é o substantivo
(poeta, fingidor, calhas, roda, razão, comboio, corda, coração), duas vezes
substituído por pronomes demonstrativos (“os” no primeiro verso da 2ª
quadra e “a” no último verso da mesma estrofe).

Há três advérbios de significado semelhante que é necessário referir, pela


importância que assumem na caracterização das três “dores” abordadas no
poema:

“finge (…) completamente” (o poeta)


“… deveras sente” (o poeta)
“…sentem bem” (os leitores)

De notar ainda o seguinte:

Na primeira quadra, há três palavras da família do verbo fingir (a tese) –


fingidor, finge e fingir – e repete-se a palavra dor nos 3º e 4º versos.

Na segunda quadra, surgem-nos as formas verbais leem, escreve, sentem,


teve (= sentiu) e não têm (= não sentem), que conglobam os três tipos de

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dor de que atrás falamos: a dor verdadeira que o poeta teve; a dor que ele
escreve e aquelas que os leitores leem e não têm.
Na terceira estrofe, realçamos as formas verbais “gira” e “entreter”, porque
sugerem a feição lúdica da poesia, cabendo à razão um papel determinante
na produção poética. Enquanto ao coração cabe girar em calhas e entreter,
fornecer emoções, à razão fica reservado o papel mais importante de toda
a elaboração que foi apresentada nas duas primeiras quadras.

Ao nível sintático, verificadas as características de autêntico texto teórico


que o poema reveste, o tipo de frase teria de ser o declarativo. Predomina
a hipotaxe, com relevo para a subordinação, embora já atrás tenhamos
reconhecido a importância da coordenativa “e”.

A nível fônico, este é um poema semelhante a muitos outros de Pessoa


ortónimo, de versos curtos (sete sílabas), se bem que haja, por vezes
recurso ao transporte. Os versos agrupam-se em quadras e apresentam
algumas irregularidades rimáticas e métricas, que não são de estranhar em
Fernando Pessoa.

No aspecto semântico, verifica-se a utilização de uma linguagem


selecionada e simples, o que não quer dizer que a sua compreensão seja
fácil. Tal fica a dever-se a vários fatores:

Aproveitamento de todas as capacidades expressivas das palavras e a


repetição intencional de algumas (dor, cognatas de fingir e ter, com o
significado de sentir, verbo que também é usado duas vezes).

Utilização de símbolos: “comboio de corda” (brinquedo que vem sugerir o


aspecto lúdico da poesia > o comboio (coração) fornece à razão o ponto de
partida para a criação (fingimento)); “calhas” (implicam a dependência do
sentir em relação ao pensar (razão)).

O uso de metáforas, com saliência para a que é constituída pelo primeiro


verso do poema e para o conjunto que constitui a imagem final: o coração
apresentado como um comboio de corda que gira nas calhas de roda a
entreter a razão.

A perífrase do 1º verso da 2ª quadra (“Os que leem o que escreve”, em


vez de “os leitores”).

O recurso ao hipérbato, na última quadra, pela colocação das palavras fora


do lugar que pelas regras normais da sintaxe, deveriam ocupar.

MAR PORTUGUÊS

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Observamos, antes de transcrevê-lo que a grafia é arcaica (português,


rezaram, quer, abismo e nele estão escritos da seguinte forma,
respectivamente: portuguez, resaram, quere, abysmo e nelle — sic).
Portanto, não se assuste:

Mar Portuguez

Ó mar salgado, quanto do teu sal


São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão resaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abysmo deu,
Mas nelle é que espelhou o céu.

No poema, há uma personificação do mar, que é invocado logo no início


("Ó mar salgado"). Em seguida, é feita uma afirmação em tom emotivo:
"quanto do teu sal / São lágrimas de Portugal!". Já aqui, governado por
uma função analógica, há a rima externa sal-Portugal, além do jogo
especular lágrimas-Portugal. Como eixo de orientação, tem-se o
sofrimento, elemento que adensa semanticamente o poema, ligando
lágrimas e salinidade do mar como elementos da mesma equação na
história das conquistas portuguesas.

Diz-se em seguida: "Por te cruzarmos, quantas mães choraram, / quantos


filhos em vão resaram! / Quantas noivas ficaram por casar / Para que
fosses nosso, ó mar!". Depois de se indicar a finalidade em "Por te
cruzarmos", seguem afirmações sucessivas que se repetem
coordenativamente através de uma estrutura simétrica: o intensificador
quantos (as) + substantivo no plural + verbo ou locução verbal,
acompanhado ou não de elemento de caráter adverbial + exclamação.

Assim, a repetição marca o ritmo e também mostra o esforço coletivo. As


mães carpem saudades, os filhos rezam pelos pais que partem e as noivas
aguardam o retorno dos marinheiros. A estrofe é encerrada com duas
duplicações. A primeira repete o nexo sintático de finalidade, agora com o
usual para que, que retoma o teleológico "por te cruzarmos". As duas
orações finais emolduram as estruturas que se repetem pelo esforço de
cada segmento do povo português. Ou seja, as orações com a palavra

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10/12/2020 Análise Dos Poemas “Autopsicografia” E “Mar Português”

quanto, três vezes usada, aparecem cercadas. Inicialmente indicando o


desejo de ir além ("Por te cruzarmos"), ao final mostrando algo já
consolidado ("Para que fosses nosso"). O termo nosso encapsula de modo
conciso o já referido esforço de cada grupo (mães, filhos, noivas). Ao cabo,
por sua vez, o vocativo que abrira a estrofe é repetido ("ó mar!"). Vê-se,
então, que todo a estrofe é concebida por certas formas de simetrias
estruturais ou por concepções de semelhanças. Todavia, o igual é sempre
um igual diferente. Fica claro isso, quando se percebe que a segunda
oração final diz algo que não é o mesmo da primeira. Ou seja, a poesia
trabalha por analogias, só que a criação exige que algo difira.

A segunda estrofe traz o dístico já hoje célebre. O tom é proverbial:


("Valeu a pena? Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena"). Por ele
temos outro elemento escolhido pela mente que pensa analogicamente: a
palavra pequena contém em si a palavra pena. A densidade dá-se pelo
estilo pergunta-resposta, de modo aforismático. É um saber que uma
cultura tece e constitui, tece enquanto descobridora de rotas alternativas
para a Índia e para a América.

Segue o poema com a expressão "Quem quere passar além do Bojador /


Tem que passar além da dor". Há em tais versos a rima Bojador / dor. Isso
se dá de maneira clara e evidente. Todavia todo poema mostra (eVIDEncia
— do latim videre = ver), mas esconde, já que um poema é sempre um
gesto inaugural. Vejam como as grandes civilizações, em seus momentos
de fundação, tentam perpetuar-se através de fórmulas repassadas por seus
cantadores, que com seus poemas orais mantêm, através de mitos e
narrativas, o religamento e a coesão sociais. Dessa forma, o que se tem à
nossa frente é aquilo que o poema quer abrir à recepção, os arcanos (= os
mistérios) que revelam (= tiram o véu) o mundo (o universo). O que se
descobre também caminhando pelo mar português, agora já contornando a
África, rumo às Índias, é que necessitamos transcender a dor para ir além
do Bojador. Passar além é provação, mas é também provocação. É seguir o
imaginário.

Portanto, se como diz Wolfgang Iser (1983, p. 386) a realidade (que


provém do latim res, coisa) é algo totalmente determinado, sofrendo as
injunções do mundo concreto, a imaginação, por seu turno, é totalmente
indeterminada. Você pode criar projetos (etimologicamente lançar-se à
frente). Caso falte uma janela, alguém pode querer concretizar (realizar) o
que foi inicialmente concebido somente no plano da imaginação. Pode-se
até, como o fez o prefeito carioca Pereira Passos, obrigar os moradores da
antiga capital federal a higienizarem suas casas construindo estranhas
portas pequenas (ou seja janelas, eis o étimo! Sic) em suas moradias.
Aquilo que parece óbvio para nós hoje foi um construto humano. É certo
que janelas não eram nem de longe novidades, entretanto as pessoas

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conseguiam projetar casas sem janelas numa cidade que chega a ter
temperaturas próximas de quarenta graus no verão. Ou seja, a imaginação
tem algo que não é dedutivo (pelo duto, pelo caminho lógico; do geral para
o particular) nem indutivo (dentro do duto, do caminho; do particular para
o geral). Há algo que Peirce (1977, p. 32-35) chama de abdutivo (afastado
do duto previsível: a eureka de Arquimedes, o insight (grosseiramente
falando), o modelo do átomo vislumbrado pela cobra que morde a própria
cauda em Kekulé; a lendária ou não maçã newtoniana). Aliás, é a abdução
o caminho criativo, é o que aproxima cientistas e artistas a quererem
buscar o novo. É o parece ser que exige depois o ato, a comprovação do
cientista e a realização do poeta. Aliás o termo grego póiesis significa fazer.
Assim, a poesia congrega a determinação da realidade e a abertura do
imaginário. É um sonho, mas é um sonho que exige concretização. Não
adianta dizer que seu tio tem a alma de poeta se ele não materializou, com
palavras, suas formulações. O poeta precisa sentir a dificuldade do fazer.
Aliás, a palavra técnica, para os gregos, tanto significava produção quanto
arte.

Depois dessa longa série de considerações, terminemos a análise do


poema, retomando os dois últimos versos: ("Deus ao mar o perigo e o
abysmo deu, / Mas nelle é que espelhou o céu"). De novo há o especular.
O espelhamento estrutura a sequência final. Dessa feita, no eixo horizontal,
o penúltimo verso abre e fecha de modo quase igual na forma Deu(s) —
deu. Só o s é que difere. No sentido vertical, por seu turno, a cor do mar é
apresentada como tendo sido, explicitamente dessa vez, espelhada na do
céu. Se, por um lado, o mar é abissal, por outro ele é o paraíso, edênica
região avistada ao se buscar Eldorados.

CONCLUSÃO

O poeta é movido pela exploração de formas. Mesmo em um poema, no


qual estão inseridos diversos conceitos, há a preocupação com a busca de
equivalências. Entrementes, como todo ser criativo, o poeta tenta fugir do
intumescimento da cultura. Assim, seu cérebro prefere pensar em células
que imantem outras células, ou seja, segmentos que por alguma razão
assemelham-se a outros, mas, ao seguir tal procedimento, não deixa de
perquirir o novo, aquilo que Merleau-Ponty (1974, p. 26-29) chama, por
ser vivo e queimar como fogo, de linguagem falante (em oposição à
linguagem falada, isto é, a já amplamente conhecida e sedimenta por
convenções). A linguagem falante nos ensina. No momento mesmo em que
estamos formulando algo nos surpreendemos com sua força.

Quando o poeta enriquece a língua, usa uma linguagem falante, pois


entranha-a com singularidades, com novas percepções. Por isso, seu

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trabalho é civilizatório, porque oferece "um sentido mais puro às palavras


da tribo", tal como diria Mallarmé (cf. CAMPOS, A.; CAMPOS, H. e
PIGNATARI, D., 1980, p. 67)

Desse modo, em conformidade com Paul Schrecker (1975), em sua


classificação estrutural das civilizações, pode-se dizer que há seis setores
em uma cultura (o econômico, o político, o científico, o religioso, o
linguístico e o estético). Em muitas manifestações concretas na história, os
dois últimos setores foram preponderantes para a edificação de uma
civilização. Por isso, a poesia é alguma coisa — apesar de aparentemente
inútil, no sentido de não ter aplicação direta — que move montanhas,
percepções, compreensões e formas de estar no mundo. Ela também
problematiza e povoa o mundo, pelo menos o de nossa imaginação.

ACADÊMICO

Enviado por ACADÊMICO em 10/10/2010


Reeditado em 22/01/2019
Código do texto: T2547962
Classificação de conteúdo: seguro

Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.


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Comentários

19/04/2018 16:09 - Torquato DiPaula

Pessoa é o poeta das mil análises!

01/02/2018 10:55 - Marcos Ribeiro de Macedo [não autenticado]

Belíssimo trabalho. Parabéns!

09/07/2013 20:02 - Valtin Kbça Dipoeta

Admirável Poeta.. Interessante sua análise, apresentou-nos um trabalho de rica


sabedoria sobre a literatura em seu desfecho poético! Parabéns pelo seu
conhecimento! Valeu!!!

21/10/2010 22:48 - Giselle Lopes

Muitíssimo interessante sua análise, escolhera dois clássicos assinados pelo


próprio pessoa sem os heterônimos, Alberto Caeiro é o meu favorito. Grande
sensibilidade. Parabéns, me deu saudade das aulas de literatura. Cordialmente, Giselle
Lopes

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Sobre o autor

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