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AULA 4 – PROCESSO PSICOTERAPÊUTICO FENOMENOLÓGICO

EXISTENCIALISTA: FALAS DO CLIENTE, FALAS DO TERAPEUTA

Profa. Patrícia Sena

Livro de referência:

A escuta e a fala em psicoterapia: uma proposta fenomenológico-existencial/ Ana


Maria Lopez Calvo de Feijoo· 2.ed. · Rio de Janeiro : IFEN, 2010.

Capitulo 4, pág. 131 a 147

Papel do psicólogo:

• A tarefa do psicólogo fenomenológico-existencial é ajudar (estar junto) o cliente a


resgatar sua liberdade e flexibilidade.

• A perda da liberdade e a diminuição da abertura (às possibilidades) são os fatores que


geram sofrimento.

• O terapeuta não trabalha diretamente sobre o sofrimento/sintoma.

• Conduzir o cliente a ser “si-mesmo” (reconhecer o si-mesmo e estar no mundo de


modo mais aberto e autentico.

• Buscar o desvelamento do sentido do ser do cliente. Em que sentido ele está indo?
Para onde segue o fluxo do ser.

• Investigar o fenômeno, diferenciando aparência, encobrimento e desvelamento. As


vezes o sintoma aparece com o sentido de encobrir algo, o fenômeno. (Heidegger)

• Facilitador da relação do cliente consigo mesmo

• Conduzir o cliente a uma fala autentica e não um falatório. Meu ser habita uma
linguagem. (discurso falatório dizer muito sem dizer nada)

• Conduzir o cliente a responsabilidade de escolha: permanecer num modo inautêntico /


impessoal (cotidianidade) ou passar a viver de modo autêntico.

Como ocorre a clínica fenomenológica existencial / metodologia

1. Por meio da Escuta: Por meio da fala, busca-se o modo de expressão e explicitação.
2. Por meio da Hermenêutica: Contextualização, penetrar a morada do cliente.
Conhecer o fenômeno a partir do ponto de referencia de quem fala sem trazer
linguagens ou reflexões invasivas.
3. Por meio do Cuidado: Característica que constitui o Dasein (pode ser um mau-
cuidado). Fazer com que o cliente assuma o próprio cuidado. Cuidado: aceitar a
experiência do outro, não querer impor a experiência sobre o outro. Quando se
percebe cuidado, o cliente assume a responsabilidade de se cuidar. O terapeuta é o
Cuidado (substantivo/ ser)
Dasein: ser humano com liberdade, abertura e capaz de cuidar de si próprio.

Falas do cliente

a) Culpa existencial - o cliente mostra no seu discurso a culpa existencial de várias


maneiras. Aparece, por exemplo, como lamentação das possibilidades que não foram
escolhidas, da seguinte forma:

Ah! Se eu tivesse ... _A queixa fica em torno daquilo do qual outrora se abriu. A culpa
existencial pode ser exemplificada pela fala de uma mulher de 44 anos que se
queixava de depressão da seguinte forma:

Quando, casei, meu marido me proibiu de estudar. Falou: ou estudo ou casamento.


Eu casei e hoje fico muito triste porque não sou a advogada famosa que eu sempre
quis ser. Ah! Que arrependimento. Ah! Se eu tivesse estudado, hoje não estaria
aguentando marido e filhos.

Na visão existencialista, a culpa existencial caracteriza-se pelo aprisionamento do


existente aos acontecimentos passados. Assim, não se lança para o futuro. A culpa,
para Kierkegaard, se dá pelo fato de a liberdade não ter sido exercitada em suas
possibilidades.

Para Heidegger, trata-se do débito que, sob a forma de lamentação, clama pelo devir
como ser mais próprio. O psicoterapeuta traz à tona a expressão do cliente,
mobilizando-o a assumir o caráter de liberdade de escolha e, também, clarifica para
este que, à medida que se lamenta, permanece na mesma escolha. Um exemplo
da fala do psicoterapeuta: “Parece que, no passado, você optou pelo casamento e,
hoje, você se lamenta pela escolha do passado.”

b) Medo existencial - expresso pelo cliente através da paralização no presente.


Acreditando-se não escolhendo, crê que não corre risco, por imaginar que, desta
forma, controla a impermanência da existência. Um relato de uma mulher de 54 anos,
em dúvida entre dois relacionamentos:

Eu não vou me encontrar com ele, não sei o que pode acontecer. Tenho medo do que
vou ouvir: Prefiro esperar que as coisas se resolvam por si mesmas. Enquanto isto,
fico sozinha, mesmo temendo a solidão.

c) Angústia existencial - sentimento de estranheza, da inquietude, onde se fala: "um


não-sei-o -quê", que traz o querer-terconsciência. Não querer ter consciência, trata-se
de um engodo, fadado a vivenciar a angústia em plenitude, porque se sabe
escolhendo, porém se justificando pelo medo, pelo pânico, pelo outro que impede.

Sente como se sua liberdade não lhe pertencesse, embora sabendo de sua pertença.
Relato de uma mulher de 30 anos:
É um mal-estar, sinto que não estou bem, mas não tenho do que reclamar, meu
casamento, meus filhos, tudo está bem. Mas eu me sinto estranha como se as coisas
não estivessem bem na minha vida. O psicoterapeuta existencial atua mantendo a
angústia frente àquilo que sustenta a questão, não facilitando a fuga para o impessoal.

Pode atuar da seguinte forma:

“Mesmo que tudo em torno de você esteja bem, em você mesma as coisas vão mal. “

d) Perda no impessoal - perde-se o próprio referencial, quer a tutela do mundo. O


discurso compõe-se pela incapacidade de tomar decisões: pergunta sempre ao outro
sobre como deve agir, inclusive ao psicoterapeuta. Sente-se perturbado pelas
observações do outro a seu respeito. Como um barco à deriva, sente-se feliz frente ao
elogio do outro e infeliz frente à crítica.

Sua ação é mediada pela insegurança e suas possibilidades, desconhecidas. Afasta-


se de seu ser mais próprio, na medida em que se perde no impróprio, no impessoal.

Uma cliente queixando-se de suas filhas:

“Elas não cuidam bem dos seus filhos e eu sofro por isto, afinal, são meus netos. O
que você me aconselha a fazer? Eu li na revista que a experiência da avó deve se
fazer valer. Eu não sei, mas você, que é psicóloga, deve saber.”

A perda do próprio referencial é revelada pelo pleno desconhecimento do seu sentido,


do seu projeto, desconhecendo, também, os próprios referenciais. O existente fica à
mercê do que lhe dizem, das normas que lhe são impostas. Perde-se no mundo, não
sabe o que é seu e o que é do outro. O psicoterapeuta, nestas situações, pode atuar
de forma a buscar - juntamente com o cliente - seus referenciais. Deve cuidar para que
as suas crenças não sejam jamais passadas ao cliente e também cuidar para que não
indique qualquer caminho ao cliente, mesmo que este insista que direções lhe sejam
indicadas.

Nesta situação, uma das possibilidades- terapêuticas é clarificar a forma como abre
mão de sua liberdade, deixando que o outro escolha: A revista te diz que o que vale é
a experiência da avó. Agora, você quer que eu te diga o que você deve fazer. E
assim, você vai vivendo, perguntando aos outros o que deve fazer.

e) Rigidez frente ao referencial próprio - Neste caso, o existente perde-se em si


mesmo e desconsidera o mundo ao seu redor. O existente, na condição de
compreensibilidade, percebe seus critérios corno sendo o referencial do mundo. Vive
tão autocentrado, que qualquer situação que esteja em oposição ao que acredita
constitui-se em um grande erro, e mais: tem a intenção de atingi-lo. Esquece-se de
que o mundo do ser-aí é o mundo compartilhado, o ser-com. Relaciona-se com o
outro de modo a tutelá-lo e submetê-lo. As relações de convivência se dão na forma
de desconfiança e indiferença. Liga-se apenas a si próprio.

Fala uma cliente, referindo -se à sua mãe:


“Ela atrapalha meu casamento. Está sempre ali. Meu filho diz que não tem nada
demais. Eu fico magoada com ele, ele não se coloca no meu lugar. Não sabe o que é
isto, acho que ele quer é me ver mal.”

No discurso, coloca-se sempre no centro, utiliza-se demasiadamente do pronome "eu".


Diz que todos estão errados - ou que são contra ele ou nutrem por ele uma grande
inveja. Os fatos são relatados com tamanha lógica, que não deixa possibilidade de
discordância, inclusive por parte do psicoterapeuta. Este modo de mostrar-se requer
muito tato do psicoterapeuta, uma vez que este pode se tornar aos olhos do cliente um
grande invejoso e, desta forma, romper-se a confiança.

A princípio, e até mesmo em todo o processo, a postura do terapeuta é de aceitação e


centrada no próprio relato do cliente, tentando astutamente descentrar o referencial do
cliente na sua própria ação.

Por exemplo: quando o cliente traz uma queixa de alguém (do chefe, de seu pai,
enfim, de alguém que tenha alguma ascendência sobre ele, e o aborde de forma
autocentrada), o psicoterapeuta, a partir deste relato, pode mostrar-lhe, pouco a
pouco, indiretamente, que o outro existe em uma relação. A atmosfera, o astral é
frequentemente de raiva do outro, de vaidade e orgulho. As relações estabelecidas
vêm carregadas de conflito.

f) Projeto de aceitação e aprovação por parte do outro - o discurso do cliente, na


maioria das vezes, revela-se de forma reticente, pois ele espera conhecer um pouco
mais do outro, para poder mostrar-se de acordo com a expectativa daquele com quem
se relaciona, Nos primeiros contatos, a ansiedade é sua marca registrada, parecendo
inseguro, frágil.

Uma adolescente de 18 anos traz o seguinte relato:

“Eu até sei que não devo ceder às vontades do meu namorado, nem da mãe dele.
Mas também não quero parecer inconveniente, então prefiro mostrar-me como uma
moça muito fina como eles querem que eu seja, também não é tanto sacrifício.”
A existência presenteia o existente, no seu surgimento no mundo, pela falta de sentido
e pela solidão. Na tentativa de escapar à solidão, o outro pode se tornar uma
necessidade, imprescindível para que sua vida tenha continuidade. Quando o outro se
torna uma necessidade, o sujeito em questão abre mão de seus referenciais. Embora
conhecendo os seus valores, enfim seu projeto, seu sentido maior é escapar à solidão.

O psicoterapeuta, nestes casos, deve atuar de forma atenta pois, se deixa


transparecer suas expectativas, é segundo tais expectativas que o cliente vai se
revelar. Caminha passo a passo, a fim de que o cliente entre em contato com a sua
solidão e com seu medo.

g) Dificuldade de assumir o sofrimento como possibilidade - a minimização do


sofrimento aparece no relato do cliente e ocorre muitas vezes de forma a não contar a
realidade tal como ela o afeta. Foge da situação, evita-a ou distorce-a. Na linguagem
vem: "não é bem assim", "ele não é tão ruim". Justifica "o não observar bem" pela falta
de tempo, pelo medo de ser injusto, enfim, não há tempo nem espaço para ver o que
realmente acontece:

“Eu digo ruim com ele, pior sem ele. Ele tem muitos ciúmes, chega a me empurrar;
mas é bom para mim, faz isto porque gosta de mim.”

Muitas vezes minimizar a dor consiste em uma estratégia que permite o alívio. No
entanto, não falar deste sentimento, implica em não deixar que este se desfaça. O
psicoterapeuta existencial pode manter a angústia frente à estranheza do cliente de
sua própria condição. Mesmo que o cliente insista em não falar de si próprio, o
terapeuta insiste, sutilmente, nos indícios, a fim de que o cliente tenha a oportunidade
de se confrontar com a sua situação.

h) Maximização do sofrimento - Nesta situação, o cliente tenta convencer o outro do


quanto é digno de piedade. O relato é rico em lamentação. Vê o mundo com uma
desconfiança extrema, utiliza "os olhos da imaginação" para, assim, dar amplitude ao
seu sofrimento.

Relato do cliente, adulto jovem:

“Ninguém na minha casa me entende, ninguém liga para mim. Eu faço tudo por eles,
mas quando eu preciso, me abandonam, ninguém deixou de viajar porque eu estava
sofrendo, não consegui o emprego e eles até gostam, estavam felizes porque iam
viajar.”

O psicoterapeuta pontua o exagero, rompendo com "os olhos da imaginação",


trazendo à tona as incoerências.

i) Não aceitação dos próprios limites - muitos clientes mostram-se insatisfeitos com
suas condições, sejam financeiras ou sociais. Queixam-se, até mesmo, da sua
constituição física ou motivacional. Lutam desesperadamente a fim de tornarem-se
aquilo que em sua ação não se realiza. Em O desespero humano, afirma Kierkegaard:
[ ... ) é certo que um eu tem sempre ângulos, mas daí apenas se conclui que é preciso
dar-lhes resistência, e não limá-los e de modo algum significa que, por receio de
outrem, ou eu deva renunciar a ser ele próprio ou não ousar sê-lo cm toda a sua
originalidade, na qual somos plenamente nós para nós próprios. (KIERKEGAARD, s/d,
p. 39)

A não-aceitação do seu ser com suas possibilidades e limitações pode implicar uma
tentativa de limar seus ângulos, ou então criar ângulos não-possíveis, uma vez que
somos nós próprios e nenhum outro.

Relato da cliente com quase 30 anos, que queixa-se da perda da juventude:

“Não quero envelhecer, 30 anos não dá, não queria sair dos 29 anos.”
O psicoterapeuta existencial, nestes casos, muitas vezes em primeiro lugar, amplia, dá
voz à vivência desesperada, em que o existente se debate contra si mesmo, luta
contra a maré. Depois, mostra-lhe como sua luta toma-se vazia; por fim, procede de
forma que o cliente se esmere no polimento de seus ângulos e deixe de tentar limá-
los, na medida em que se aceite em sua originalidade. Enfim facilita o acesso ao seu
modo de ser que se faz em ato, na vida.

j) Medo da solidão - ao perceber-se como lançado e esta condição como algo


inevitável, este existente agarra-se ao outro como se agarra à vida. Aceita qualquer
imposição, mesmo que, para tal, tenha que abrir mão daquilo que, em si mesmo, lhe é
mais próprio, seu cuidado.

Uma cliente de 21 anos:

“Eu prefiro não terminar o namoro, pois não aguentaria ficar sozinha, mesmo ele
sendo dependente químico e até correndo o risco de um dia acabar sendo presa com
ele. Ainda é melhor do que morre,: Sem ele, eu morro.”

Esta cliente cuida de si ao modo do descuido. Cabe ao psicoterapeuta lembrar à


cliente que o seu cuidado lhe pertence.

k) Desconhecimento das próprias possibilidades - suas realizações são ditadas


pelas determinações do impessoal, por desconhecer aquilo que faz, assume a posição
que é mais bem-vista. Neste caso, o modo de ser temeroso obscurece as suas
possibilidades.

Uma arquiteta, muito valorizada pelos projetos realizados, posiciona-se da seguinte


forma:

“Fico pensando que tenho que agradar meus clientes de todas as formas. Fazer tudo
que eles exijam que eu faça. Ser bastante boazinha. Refazer os projetos todas as
vezes que assim quiserem. Cobrar pouco. Penso que se deixar de fazer assim, vou
ficar sem trabalho.”

O psicoterapeuta pode então questionar estas certezas. Desfazer este aglomerado, no


qual percepção, lembrança e expectativas encontram-se emaranhados.

l) Projeto idealizado de si mesmo - não aceita cometer erros, equivocar-se. Está no


mundo para realizar-se como perfeição, tendo de dar conta de todas as possibilidades.
Acredita que assim não ficará em débito, embora, com relação ao passado, sinta-se
sempre em débito. Muitas vezes, aquele que assim se encontra chega ao psicólogo
com pretensões de curar-se, tomando-se perfeito, inatingível, infalível, não mais
vulnerável às contingências do mundo. Idealiza uma situação de vida perfeita. Quer
tornar-se um ente pronto e acabado.

Segue-se um exemplo: Imaginei que, na minha vida, tudo daria certo: meu marido,
meus filhos, minha vida profissional. No entanto, não fui bem-sucedida
profissionalmente. Assim como eu gostaria. Dediquei-me demais aos meus filhos e,
hoje, não sou a professora que gostaria de ser; sabe? Uma acadêmica, com
doutorado, livros publicados.

A psicoterapia vai acontecer de forma que o cliente, em tal situação, possa reconhecer
a vulnerabilidade, a abertura, a morte e a imperfeição em que a existência sempre se
encontra.

m) Falta de diálogo consigo próprio - perde-se nos falatórios. Fala de tudo e de


todos, mas não se implica naquilo que está falando. Vive na curiosidade.

A fala pode dar-se da seguinte forma:

“Isso é coisa de mulher fresca. Deve ser igual ao que o povo fala que tem enjoo na
gravidez. Isso é mulher doente que fica enjoada. Menopausa é uma coisa tão boa que
acaba a menstruação.”

Ora diz uma coisa, logo fala tudo ao contrário. Não sabe dizer no que realmente
acredita. O psicoterapeuta acompanha atentamente, ao mesmo tempo em que tenta
trazer uma situação por ela experienciada, para assim perguntar-lhe, por exemplo: E,
na sua gravidez, como foi?

n) Não-liberdade - transfere toda a responsabilidade de sua vida ao outro, ao acaso,


a Deus, à energia do mundo. Todos são responsáveis pelos rumos de sua vida, não
reconhece nenhuma de suas escolhas.

Uma mulher de 40 anos que se queixa da pessoa com quem se relaciona e que,
ultimamente, tem até pensando na separação:

“Ah! Se eu ganhasse na loteria, eu não vou te dizer que não teria problemas, mas
esse problema não existiria, porque obviamente eu gosto do cara, senão eu não
estaria nessa batalha toda para ele mudar.”

O psicoterapeuta pode atuar, pouco a pouco, apontando suas escolhas, com muito
cuidado, para que o cliente não oponha resistência. Como, por exemplo, poderia dizer-
lhe: Então, parece que ganhar na loteria não seria suficiente pra a sua decisão?

o) Espaçamento - neste modo, o ser mostra-se como que totalmente determinado


pelo impessoal, permanecendo sob a tutela dos outros. Seu valor está na aprovação
do outro. Ao modo da medianidade, desconhece-se a si próprio, define-se no mundo
como todo mundo.

Fala o cliente:

“No meu campo de atuação, tenho que me mostrar confiante. Se pareço muito
carente, elas não negociam comigo. Tenho que estar sempre bem-vestido, para
parecer bem-sucedido. Tenho que ser admirado. “
O psicoterapeuta pode atuar pontuando, junto ao cliente, o seu modo de ser na
aparência, da seguinte forma: Você tem que representar muito bem para que as
pessoas te deem valor não pelo que você faz, mas pelo que você aparenta fazer.

Falas do psicoterapeuta

Em um segundo momento da investigação fenomenológica, serão descritas as


unidades de significado referentes à fala da psicoterapeuta, que buscará mobilizar, no
cliente, a possibilidade de sua liberdade, responsabilidade, ação e aceitação dos
riscos.

Algumas das falas possíveis para um psicoterapeuta serão aqui descritas, sem se
pretender esgotar todo um infinito de possibilidades. A investigação destas falas
pretende elucidar a forma com que o psicoterapeuta se conduz, como exerce a
hermenêutica, pouco a pouco buscando o sentido daquele que se mostra, mesmo que
de forma velada.

O processo psicoterápico compõe-se de momentos em que se torna importante


conhecer o dia a dia do cliente, sendo necessário, para tal, explorar seu cotidiano. O
psicoterapeuta tenta, então, colher mais informações e organizar-se quanto ao
conteúdo relatado. Afinal, é preciso, para se estabelecer a compreensão
psicoterapêutica, ir até o lugar onde o outro se encontra. Para tanto, é necessário
saber o que o outro sabe de si mesmo.

Nas sessões psicoterapêuticas investigadas, encontraram-se nos psicoterapeutas


existenciais falas do tipo:

Exemplificadora - O terapeuta pede ao cliente que exemplifique como o que está


relatando acontece em outras situações ou, se for o caso, o próprio terapeuta
exemplifica, através daquilo que já sabe de relatos anteriores.

O cliente relata: “Parecia que ela nem tava ali. Foi uma coisa rápida, eu não sei o que
me deu, que a gente tava conversando. E ela já tinha me escrito uma carta, dizendo
do desejo dela. E eu tinha até respondido pra ela, olha não rola, eu amo muito a
Rosana, e eu não me sinto bem, até imaginando isso. Aí, de repente ali na festa, ali eu
nem sei o que me deu ... Acabado de chegar, fazendo planos de ficar lá, junto com
ela, amando tanto ela ... O que será que aconteceu? Eu não entendi, parece que
brinco com as situações, brinco com os outros. “

Fala do psicoterapeuta: “Você poderia me dar um exemplo em que você se percebe


brincando com as situações, brincando com os outros?”

Exploradora do cotidiano - O terapeuta, a partir da exploração do cotidiano do


cliente, busca que ele identifique fatos que desencadearam um determinado modo de
sentir as coisas, como os fatos o afetam.
Fala o cliente: “Acabei ficando com uma menina, eu não sei o quê que deu, tava tendo
uma festa, e eu fiquei com uma menina lá da clínica mesmo, eu não sei o que deu em
mim, o que me deu.”

Psicoterapeuta: “Relata pra mim o que aconteceu”.

l - Inquisitiva - Quando o terapeuta faz perguntas sobre o fato, as intenções ou os


sentimentos implicados em um determinado relato.

Cliente: “Eu não sei. Quando ela contou, eu neguei.”

Psicoterapeuta : “Negou o quê?

Em outros momentos psicoterápicos, torna-se fundamental facilitar o aprofundamento


nas questões trazidas pelo cliente, porém de forma compreensiva e de modo que o
cliente não oponha resistência.

Outras falas possíveis seriam: -

Clarificadora da atmosfera afetiva - O cliente traz um relato e, junto ao relato, o


afeto. O terapeuta clarifica para o cliente a emoção que percebe no seu relato. Desta
forma, esclarece o sentir e facilita o reconhecimento de seu sentimento frente à
situação. Pode ser formulada como pergunta ou como afirmativa. Este tipo de fala foi
amplamente utilizada por Rogers (1961 ), que a denominou de "clarificadora de
vivência emocional".

Uma situação psicoterapêutica pode dar-se assim:

Fala do cliente: “Mais ou menos isso. Um exemplo, não é o meu caso. Vamos supor
que eu quero ser cantor, aí eu sonho com isso, e aí eu chego lá e não consigo, vou
ficar muito decepcionado .”

Psicoterapeuta: E para não se decepcionar você prefere não querer.

Refletora de conteúdo verbal - O cliente traz um relato extenso e o terapeuta


sintetiza-o, apresentando-o novamente ao cliente. Reduz o conteúdo ao essencial. Ao
sintetizar, o terapeuta mostra que compreende o cliente, que está atento e o convida
ao aprofundamento do conteúdo. Pode ser elaborada de forma inquisitiva ou
afirmativa. Esta fala também foi elaborada por Rogers (1961), que a utilizava mais
frequentemente sob a forma afirmativa.

Virgínia Axline (1989) utilizava-a predominantemente sob forma interrogativa, como


pode ser constatado em seu livro Dibs, em busca de si mesmo.

Cliente: “Não, eu não penso nada, para quê? O que vai acontecer é o que tiver de
ser.”
Psicoterapeuta: Você acha que tudo já está decidido, que nós não podemos fazer
nada?

Na impropriedade, o humor se dá de modo ambíguo. Muitas vezes, a fim de chegar


mais próximo do astral que o envolve, faz-se necessário reconhecer tais
ambiguidades.

O psicoterapeuta pode clarificar tais situações, mostrando-as aos clientes quando elas
aparecem, porém, nestes momentos faz-se necessária paciência. Com impaciência,
pode-se afastar o outro de uma possibilidade mais própria.

Refletora de conteúdo não-verbal - Quando se mostra ao cliente sua postura


fisionômica ou corporal, frente a uma determinada situação oposta ao que, por
exemplo, é verbalizado por ele.

Fala do cliente: “O chefe me demitiu, vai ser péssimo. Como vou pagar minhas
contas?” (Ao mesmo tempo que relata, mostra-se de forma risonha).

Fala do psicoterapeuta: “ Interessante, você lamenta a demissão, mas ao-mesmo


tempo mostra uma expressão de felicidade .”

Reveladora de situações conflitivas - Traz à tona a inautenticidade. O cliente, por


vezes, diz uma coisa e sua aparência parece negá-la. Ou tem dois pesos e duas
medidas para a mesma situação - isto é, pensamento, sentimento e ação não
caminham juntos. O terapeuta revela a situação conflitiva que se mostra.

Fala o cliente: “Porque com meu filho eu coloco disciplina.”

Psicoterapeuta: “De que forma você impõe a disciplina?”

Cliente: “Por exemplo, às vezes ele almoça uma hora, às vezes às duas.”

Responde o psicoterapeuta: “Parece que por mais que, no teu pensamento, a


imposição da disciplina seja a sua verdade, quem põe a ordem é o seu filho.”

Adversativa ou paradoxal - O psicoterapeuta dá ao cliente a ideia contrária daquilo


que ele está passando, a fim de que ele tome consciência de sua verbalização e
possa perceber mais claramente seu ponto de conflito ou de desordem. Em
psicodrama, diz-se que o terapeuta faz o duplo.

Diz o cliente: “Bem, não quero irritar-me. Vou tentar falar sobre isto de forma mais
tranquila.”

Psicoterapeuta: “Estou vendo o quanto você está tranquilo falando do seu fracasso.“

Cliente: (Silêncio, reflete.) “Não, não, na verdade estou nervoso falando disto. Mas por
alguma razão, não queria mostrar assim.”
Promotora de responsabilidade - A responsabilidade é uma questão crucial a ser
trabalhada na psicoterapia de base existencial, considerando-se que o cliente é o
único que pode decidir sobre si próprio, e nunca as situações ou pessoas envolvidas
em sua vida decidirão por ele - mesmo quando atribui a terceiros ou ao impessoal a
decisão, ainda assim está sendo responsável. Esta fala convida o cliente a se colocar
sobre a vida.

Afirma a cliente: “Se não fosse ela, a minha vida seria um mar de rosas.”

O psicoterapeuta pode recorrer à palavra "você", invertendo-se a direção da ação


dada pelo cliente, “que responsabiliza o mundo pelas suas escolhas” - posição
psicológica de não-liberdade. Juntamente com a fala de núcleo comum, torna possível
fazer a ponte entre o que se repete na história do cliente e qual a sua responsabilidade
nesta repetição.

Diz o psicoterapcuta : “E o que você faz para que sua vida seja um mar de rosas?”

Focalizadora do "aqui e agora" - O cliente vive com o terapeuta uma situação, que
também é vivida com os demais. O terapeuta traz a situação no presente, a partir do
que está acontecendo ali. Tal situação pode facilitar o cliente a assumir sua
responsabilidade pela sua escolha.

Diz o cliente: “Claro, as coisas são como são e eu ... Não deveríamos perder tempo
com as coisas que não têm remédio.”

Responde o psicoterapeuta: “Você realmente não quer ver até que ponto é escravo do
desejo de preservar essa imagem de homem confiante. Na verdade, está tentando
impingi-la a mim agora mesmo.”

Esclarecedora do núcleo comum - O terapeuta levanta diferentes situações em que


a forma de atuar do cliente se repete, buscando, com ele, a sua responsabilidade pelo
seu acontecer. Comportamentos similares, repetidos e estereotipados.

Cliente: “Gostaria que meu sócio saísse para que ela tivesse mais tranquilidade.”

Psicoterapeuta: Parece que em muitas situações de sua vida, você quer que os outros
decidam por você. O psicoterapeuta não tenta distraí-lo para que a angústia contiime
se pronunciando; deste modo, acaba se colocando, nas seguintes falas: -

Provocativa - Quando o psicoterapeuta estrutura sua fala de forma a dar continuidade


àquilo que mobiliza o inquietante reconhecimento da indeterminação do seu existir.
Fala o cliente: Acho que eu estava meio irritado. E não vejo vantagem nenhuma de
mostrar minha irritação. Psicoterapeuta: Parece que você insiste em querer se mostrar
como na verdade não é.

Manutenção da atmosfera em que emergem as situações -limite da existência -


Consiste em levar o cliente a manter-se na sua angústia, possibilitando a abertura à
possibilidade de uma escolha singular.
Fala do cliente: “Não sei se você vai acreditar, mas não consigo lembrar do que
estávamos falando.”

Psicoterapeuta: Acredito sim, parece que isto costuma acontecer sempre que você
teme como o vão avaliar a partir do que está mostrando.

Manutenção do estar em débito - O psicoterapeuta existencialista tanto corre como


promove o risco. A abertura pode trazer riscos e frustrações. Se o cliente insiste no
mesmo modo de atuar no mundo, pode ser por não querer correr risco. O terapeuta
busca saber o que pode acontecer se o cliente correr o risco.

Pergunta o psicoterapeuta: “O que teme?”

Diz o cliente: “Na verdade, não estou aqui para passar uma imagem falsa de mim
mesmo. Embora seja assim em todos os meus relacionamentos: Por isto não dá certo.
Mostre-me que ... como não sou.

Psicoterapeuta: “O que você teme que possa te acontecer se você se mostrar como
é?”

Definidora - A fala se revela totalmente na impessoalidade, no impessoal, mesmo


apreendido como pessoal. O psicoterapeuta mantém-se atento para, no impessoal,
buscar o pessoal. Nestes casos, o cliente utiliza-se de expressões como "ninguém",
“todo mundo".

Exemplificando, se o cliente diz: “Ninguém.”

Pergunta o psicoterapeuta: “Quem especificamente?”

Diz o cliente: “Todo mundo”.

Novamente, o psicoterapeuta: “Quem?”

Diz o cliente: “Ninguém permitiu que eu fosse, percebi que todos ficaram contra mim”.

Psicoterapeuta: “Especificamente, quem ficou contra você?”

Busca do centro de referência - O terapeuta, nesta situação, atua no sentido de


ajudar o cliente a considerar seus próprios critérios e a diferenciá-los dos critérios das
pessoas que lhe são significativas.

Fala a cliente: “Eu não sei o que fazer se telefono para ele, mesmo sabendo que estou
dando esperança ou se não telefono e dou uma de ingrata. Todos dizem para eu não
telefonar. Minha mãe diz que não foi assim que ela me ensinou.”

Psicoterapeuta: “E você, o que diz?”

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