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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS

Unidade Acadêmica de Pesquisa e Pós-Graduação

DETALHAMENTO DO PROJETO DE PESQUISA

I - Identificação da Pesquisa

 Número do Projeto de Pesquisa: PP 0000003137

 Título do Projeto

Tecnociência, ética e poder

 Período de execução do projeto

De 01 de fevereiro de 2010 até 31 de janeiro de 2013

II - Identificação do pesquisador responsável (coordenador)

 Nome

Celso Candido de Azambuja

 PPG/Curso ao qual o projeto se vincula

Filosofia

III - Vinculações do Projeto de Pesquisa

 Área de conhecimento do CNPq

Filosofia

 Linha de Pesquisa

Filosofia social e política

IV - Participantes da Pesquisa

 Pesquisadores docentes da Instituição


A serem contatados e convidados.

 Pesquisadores de outras Instituições


A serem contatados e convidados.

 Doutorandos/Mestrandos/Iniciação Científica
Grupo a ser formado

V - Projeto de Pesquisa
V - Em qualquer formato, o Projeto deve contemplar, obrigatoriamente, os itens a seguir.

 Súmula (máximo de 20 linhas)


Texto com a descrição sucinta do objeto de pesquisa. Inclui informações sobre a natureza e a importância do problema, razões que
levaram à realização da investigação, suas limitações e seu objetivo. Deve esclarecer se o trabalho se constitui numa confirmação
de observações de outros autores ou se contém elementos novos, com realce para a fundamentação teórica. Em se tratando de

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trabalho experimental ou de argumentação, a hipótese pode ser incluída, precedendo a descrição da metodologia a ser utilizada no
decorrer da investigação. Os resultados pretendidos, parciais e finais devem ser informados, bem como a relevância para a área e a
Instituição.

Este estudo realiza uma pesquisa teórico-exploratória das relações conceituais entre poder, ética e tecnociência, cujo problema
central e articulador consiste em se perguntar se a atual sociedade tecnocientífica global, com seus aparelhos e aparatos técnicos e
suas novas formas de manipulação, produção, comunicação e criação, tem como efeito o empoderamento civil – e de que tipo. O
conjunto das atividades humanas no planeta encontra-se associado ao desenvolvimento tecnocientífico sem nenhuma
possibilidade de retorno. A humanidade está condenada a viver um destino tecnocientífico. Isto diz respeito não apenas a nossa
atual sociabilidade, mas à condição humana em suas dimensões fundamentais. As vastas implicações e a enorme importância da
tecnociência na vida social, profissional, econômica, cultural e subjetiva, e os efeitos e impactos da tecnologia na sociedade atual,
muitas vezes espetaculares e profundamente transformadores dos modos de produção e de vida tradicionais, abrem campos de
reflexão inusitados, infinitos e complexos. A análise aqui proposta, entretanto, delimitará os desdobramentos conceituais no
horizonte da ética e da política, tendo como pano de fundo a elaboração de uma antropologia filosófica. Procura-se pensar as
cruciais implicações ético-políticas da tecnociência e a partir daí refletir as implicações conceituais no âmbito da ética e da
filosofia social e política contemporânea. Para tanto, discute-se as posições de autores como Jonas, Simondon; Heidegger,
McLuhan e Aristóteles, e, privilegiando o referencial teórico contemporâneo, a partir das posições de Hottois, Galimberti,
Engelhardt, Latour, Lévy, Castells e Lenoir; buscando formular uma concepção própria e original de trabalho. A hipótese
levantada aqui é a de que a sociedade tecnocientífica alarga a base do poder civil. A metodologia, situada em uma perspectiva
transdisciplinar, inclui revisão bibliográfica, debates em seminários, grupo de estudos, produção de textos e desenvolvimento de
um ambiente interativo e multimída na Web. Os principais resultados esperados são: elaborar a construção de um conceito de
tecnociência articulado com o da phronesis, em busca de uma sabedoria tecnocientífica. A relevância deste trabalho consiste,
para a filosofia, em ajudar a criar e organizar um campo conceitual de investigação ainda pouco explorado e, para a instituição,
em ajudar a construir a competência teórica específica de referência acadêmica em seu trabalho de ensino e pesquisa nas áreas
das ciências tecnológicas e humanas, bem como em sua interlocução social.

 Objeto/marco conceitual e justificativa

Tecnociência, ética e poder

A aventura da tecnologia impõe, com seus riscos extremos, o risco da reflexão extrema.
A tecnologia assume um significado ético por causa do lugar central que ela agora ocupa subjetivamente nos fins da vida
humana.
Hans Jonas

INTRODUÇÃO

Este trabalho coloca em discussão o tema articulado: tecnociência, ética e poder. Trata-se de uma pesquisa teórico-exploratória
das relações conceituais fundamentais entre técnica, ética e política
O que é a técnica? O que é a ética e a política? O que é uma civilização tecnológica? Em que se transforma a ética e a política
nesta civilização? Em que se transforma o próprio homem?
O projeto pergunta-se pelos efeitos de poder e impactos da tecnociência no conjunto da vida prática dos homens e suas relações
interpessoais e políticas. Ele coloca em questão o problema da relação entre o capital tecnológico global e o poder civil. Pretende
analisar as e refletir acerca das articulações e contradições contidas nesta complexa e tensa relação epocal.
Em suma, o problema teórico central deste trabalho consiste em se perguntar se a atual sociedade tecnocientífica global, com seus
aparelhos e aparatos técnicos, com suas novas formas de manipulação, produção, comunicação e criação, têm como
desdobramento prático o empoderamento civil ou não?
Neste sentido, um dos objetivos centrais deste projeto consiste realizar um trabalho de esclarecimento e criação conceitual para
entender esta nova situação epocal. As emergentes e complexas relações humanas e não-humanas no novo espaço público
compartilhado exigem diferentes e renovados arcabouços conceituais, pois as categorias da Filosofia Prática herdadas da
antiguidade e da modernidade clássicas não podem mais oferecer os instrumentos conceituais que permitiriam compreender a
situação política atual e pensar seus devires reais, suas possibilidades políticas efetivas.

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A tecnociência hegemonizou o conjunto das forças produtivas e tornou-se a principal ferramenta de base do atual modo de
produção. Ela determina o padrão e a cadência da maioria dos processos produtivos, da fabricação industrial em massa aos
laboratórios de manipulação genética. Determina também grande parte dos procedimentos de distribuição e consumo de todos os
bens materiais e imateriais. Determina a maior parte do registro de todos os procedimentos comerciais, de administração, de
fiscalização, de jurisdição. Não há um único setor social que não esteja atravessado direta ou indiretamente por alguma forma de
tecnologia ou ciência.
A tecnociência hegemonizou também o conjunto dos processos de subjetivação contemporâneos de tal modo que não nos
reconheceríamos mais para aquém ou além de nossas máquinas. Nas grandes capitais globais do planeta cada vez mais perdem-se
os laços ligados às tradições orais e territoriais e avançam as redes neuro-sociais interculturais, tecnoculturais e transdisciplinares
desterritorializadas, subjetiva e geograficamente, em horizontes de sentido cada vez mais complexos.
As tecnologias e a ciência ocupam assim um lugar central no cenário político atual e tudo, em grande medida, dependerá de seus
desdobramentos.
Por sua vez, a condição humana parece nunca ter sido tão dramática quanto a de hoje. Nunca as questões ético-políticas foram tão
radicais, complexas e angustiantes. Não apenas os problemas de injustiça social, mas os de preservação ambiental se agravam
exponencialmente e evidenciam a incapacidade dos sistemas político-econômicos atuais de apresentarem soluções com alguma
chance de êxito a curto ou médio prazos. Não são apenas um bilhão de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza que correm o
risco de sucumbirem no próximo dia, mas todos e tudo. Nada houve comparável a este fantasma epocal.
Na situação política atual, portanto, seguem colocados os mesmos problemas políticos de sempre: os da justiça e da liberdade,
agravados com o aumento da pobreza – e todas as consequências de violência e terror que isto implica, em especial naqueles
países emergentes ou simplesmente excluídos da riqueza mundial. Agora, porém, devemos acrescentar a estes dois problemas
políticos centrais o problema ecológico e a crise ambiental – e tudo que isto significa para todos os países e talvez principalmente
para os incluídos que gozam, ou gozavam, de privilégios sem fim.
Estas questões remetem também aos sistemas de valores que orientam as condutas dos indivíduos nas sociedades globais e que
obviamente condicionam e são por sua vez condicionados pelos sistemas político-econômicos globais.
Neste contexto, aparentemente não temos destino, não encontraremos salvação, o que quer que isto queira dizer realmente, seja
para nossos males sociais, seja para os ambientais, senão no horizonte da tecnociência.

O tremendo impacto da tecnociência nos destinos humanos abre campos de reflexão inusitados, infinitos e complexos que se
estende à globalidade da vida humana em praticamente todas as direções. A análise aqui proposta, entretanto, focará os
desdobramentos conceituais no horizonte da ética e da política – tendo como plano de fundo o problema da elaboração de uma
antropologia filosófica no contexto das sociedades tecnocientíficas.
Mesmo assim delimitada, a tarefa ainda se apresenta gigantesca. Talvez, deste modo, a contribuição principal deste trabalho
consista em ajudar a criar e organizar um campo de investigação, favorecendo a abertura de perspectivas para novas vias de
reflexão, inclusive transdisciplinares, nos grupos de pesquisa e desenvolvimento presentes nas instituições públicas e privadas.
A estratégia de abordagem dos principais problemas discutidos neste trabalho desenvolveu-se em mais sete seções além desta
introdução. O foco das primeiras seções é o trabalho de elucidação conceitual em torno do problema da técnica, da ética, da
política e da tecnociência. As seções seguintes exploram, primeiramente, as questões implicadas na elaboração de uma filosofia
da tecnologia, para em seguida discutir as cruciais questões ético-políticas da nova tecnopolis global.
Nesta estratégia serão exploradas as seguintes hipóteses de trabalho:
• Não é mais possível pensar as questões filosóficas da vida humana prática de forma a desconhecer ou subestimar a
realidade tecnocientífica. O agir humano, ético e político, tornou-se essencialmente técnico ou mediado pela técnica. A sabedoria
prática foi contaminada pela sabedoria tecnocientífica.
• Não é mais possível, além disto, entender a técnica como mero instrumento ao dispor humano. A técnica é soberana,
impõe-se em todas as horas e em todo lugar. Determina formas de ser e viver. Ela também instrumentaliza.
• Mas também não é mais possível compreender a técnica descontaminada dos problemas morais e políticos que ela
mesma faz colocar em questão.
• Não é mais possível defender a idéia, muito comum ainda hoje, de que a máquina, a técnica seja algo outro do humano,
opondo de forma maniqueísta máquinas e humanos irredutivelmente.
• Se a técnica não é somente um instrumento, ela também não é neutra. Ela produz efeitos reais e profundos na ordem da
biosfera, das sociedades e das subjetividades.
• A tecnociência contemporânea, diferentemente da técnica moderna, não é apenas manipuladora, nem simplesmente
extratora dos recursos naturais. Ela é também criadora de novos eidos. A tecnociência contemporânea tem como meta arquetípica
fundamental criar novas formas de vida, quer humanas, quer artificiais, quer ambientais, a partir da manipulação dos dados
básicos da natureza, da sociedade e da subjetividade.
• A presença da tecnologia em praticamente todos os assuntos humanos atualmente, nos traz a possibilidade de um
reconhecimento e uma auto-compreensão filosófica de nosso próprio tempo e de nossa própria condição humana; cuja uma das
determinações essenciais seria precisamente sua capacidade criadora técnica. A técnica se apresentando então, não como algo
outro do humano, mas como extensão propriamente humana, como qualidade e distintivo da condição humana. A técnica como
condição essencial da existência humana.
• E por fim a hipótese central e articuladora deste trabalho, segundo a qual as condições materiais e sociais da tecnopolis
global constituiriam o conjunto das forças produtivas e tecnológicas materiais fundamentais que tornariam possíveis o
desenvolvimento de uma vida política republicana. Através dos processos de automação, desmaterialização e molecularização

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das forças produtivas, da profunda transformação linguística comunicativa e cultural e do espetacular avanço tecnocientífico da
civilização se operando em escala planetária, ainda que de forma “desigual e combinada” alargam-se drasticamente a base do
poder civil na sociedade tecnocientífica globalizada.
As esferas econômica, cultural, comunicativa e política ainda estão para encontrar a auto-expressão política adequada as suas
forças produtivas. Hoje as formas dominantes de representação e governança política representam ainda as antigas formas
institucionais e materiais da era pré-tecnocientífica.
Rigorosamente, a questão ético-política aí implicada será: esta nova base de poder, uma vez encontrando sua forma política e de
governança própria autoconsciente, tenderá a abrir ainda mais o foço que separa incluídos e excluídos, seres humanos e não-
humanos, ou se, uma nova sensibilidade, uma nova inteligência, será capaz de reinventar a relação entre humanos e não-humanos
em novas formas de vida? - Eis a questão ético-política radical, fundamental de nosso tempo.

O CONCEITO DE TÉCNICA

Esta seção oferece um conjunto de notas e referências introdutórias ao conceito de técnica.


No contexto dos problemas que este trabalho se coloca a elaboração do conceito de técnica é fundamental, pois está presente em
todas as principais definições e problemas que pretende discutir. Como veremos sua complexidade é enorme e a filosofia atual
está longe de esgotá-la.
Para tanto discutiremos a partir dos referenciais de Aristóteles, Heidegger, McLuhan e Galimberti.

Techne como virtude intelectual

Techne é o termo pelo qual Aristóteles definia uma das cinco virtudes intelectuais do humano. Techne propriamente tratava de
um “reto saber fazer”, enquanto a Phronesis de um “saber agir”. Além destas, existiam também a Sophia, a Episteme e o Nous.
Um estudo um pouco mais detalhado destas virtudes intelectuais nos revela em que consiste essencialmente cada uma das
chamadas “disposições da alma” que têm relação com a verdade e como elas se relacionam entre si. (ARISTÓTELES, 1973, p.
33)
Techne, é a produção que envolve o reto raciocínio. Episteme, é o conhecimento científico imutável e demonstrável. Phronesis, é
a sabedoria prática que envolve deliberação para agir com relação as coisas boas ou más. É uma virtude prática. Sophia, a
sabedoria filosófica que é uma disposição da alma que envolve o Nous, a razão intuitiva, ou a inteligência, e a episteme, o
conhecimento científico. Nous, a inteligência, ou razão intuitiva que apreende os primeiros princípios do conhecimento científico.
(ARISTÓTELES, 1973, p. 33)
Segundo Aristóteles, a Techne não está relacionada com a "capacidade raciocinada de agir", mas sim com a "capacidade
raciocinada de produzir". Toda Techne, arquitetura, por exemplo, é uma "capacidade de produzir que envolve o reto raciocínio".
A sua origem "está no que produz, e não no que é produzido". A Techne "não se ocupa nem com as coisas que são ou que se
geram por necessidade, nem com as que o fazem de acordo com a natureza (pois essas têm sua origem em si mesmas)". A
Techne "deve ser uma questão de produzir e não de agir." (ARISTÓTELES, 1973, p. 34)
Techne: ofício, arte, capacidade, habilidade, ciência, para produzir um artifício, algo outro, novo, ainda que seja uma obra de
imitação da natureza.
Então, originariamente, o conceito de técnica envolve uma habilidade intelectual, é uma sabedoria produtiva. Seria um pouco
mais ou menos quando nos referimos, por exemplo, a um jogador ou atleta de talento, dizemos ele tem “técnica”, capacidade,
criatividade. Portanto, o fazer técnico no sentido aristotélico não é em absoluto um mero fazer mecânico, destituído de virtude.
Para Lecourt, na mesma perspectiva, a técnica, é “essa dimensão maior da existência humana, sobre o imemorável valor humano
que ela representa.” O “pensamento técnico” tem sua própria especificidade e testemunha “uma forma particular da
engenhosidade humana.” (LECOURT, 2003, p. 41)
A técnica assim originalmente é uma virtude intelectual, uma capacidade de fazer bem feito, de produzir corretamente, uma
habilidade não apenas manual, mas também intelectual. O tocador de lira para bem tocar não deve apenas saber manusear o
instrumento com as mãos, mas saber tocar também com a alma.

A pergunta pela essência da técnica

Em seu principal texto sobre a técnica, Heidegger desloca a discussão da técnica do objeto técnico ele mesmo. Segundo ele: “Die
Technik ist nicht das gleiche wie das Wesen der Technik”. Não é a técnica mesma enquanto objeto, instrumento, meio, que é
colocada em questão, mas a sua essência. A pergunta principal é, então, pelo sentido da técnica, em especial, pelo sentido da
técnica moderna.
Heidegger evidentemente não considera o destino humano como dado, como fatalidade, mas como algo a ser manipulável,
determinável pelo próprio humano. Assim, o nosso destino compartilhado com a técnica não está dado, não está definitivamente
condicionado pela técnica moderna instrumental, extrativista. Obviamente ela representa o perigo extremo, mas também nossa
salvação.

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No entanto, o mais importante da visão heideggeriana, talvez seja este desejo de um retorno a um fazer técnico tal como aquele
vivido pelos gregos. Daí que a salvação viria exatamente deste resgate primordial da Techne como arte, dentro do jogo estético.
Isto talvez não tornasse a técnica necessariamente mais produtiva ou mais espetacular, mas tornaria ela elemento do jogo da vida,
do gozo da vida. Não mais destrutiva, como a técnica da guerra, não mais extrativista, exploradora, como as diversas técnicas
industriais da sociedade do consumo. Mas principalmente fruitiva. Uma técnica poética.

A técnica não é neutra nem instrumental

Segundo, Galimberti: “Para nos orientar, precisamos antes de tudo acabar com as falsas inocências, com a fábula da técnica
neutra, que só oferece os meios, cabendo depois aos homens empregá-los para o bem ou para o mal. A técnica não é neutra,
porque cria um mundo com determinadas características com as quais não podemos deixar de conviver e, vivendo com elas,
contrair hábitos que nos transformam obrigatoriamente” (p. 8)
Este mito da neutralidade da técnica foi também o grande alvo da crítica de McLuhan. McLuhan argumenta pela importância de
se compreender a mensagem do meio enquanto tal, independentemente dos conteúdos transmitidos. O meio é a mensagem – diz
ele. Fundamental é compreender os efeitos e as mudanças que a tecnologia determina no seio da subjetividade e das instituições.
Para McLuhan, “Os efeitos da tecnologia não ocorrem aos níveis das opiniões e dos conceitos: eles se manifestam nas relações
entre os sentidos e nas estruturas da percepção, num passo firme e sem qualquer resistência.” (MCLUHAN, 1964, p. 34) Pois,
segundo ele, “A análise de programas e ‘conteúdos’ não oferece pistas para a magia desses meios ou sua carga subliminar.”
(MCLUHAN, 1964, p. 35).
A perspectiva de Galimberti vai na mesma direção. Na medida em que vivemos em “...um mundo em que todas as suas partes
estão tecnicamente organizadas, a técnica não é mais objeto de uma escolha nossa, pois é o nosso ambiente, onde fins e meios,
escopos e idealizações, condutas, ações e paixões, inclusive sonhos e desejos, estão tecnicamente articulados e precisam da
técnica para se expressar.” (p. 8)
Neste sentido, para Galimberti, “vivemos a técnica irremediavelmente, sem possibilidade de escolha. Esse é o nosso destino
como ocidentais avançados.” (p. 8)
A técnica não sendo neutra, não é tampouco simples instrumental nas mãos dos homens. De acordo com o mesmo autor, “se
aceitamos a tese de que a técnica é a essência do homem, então o primeiro critério de legibilidade que deve ser modificado na
idade da técnica é aquele tradicional que vê o homem como sujeito e a técnica como instrumento à sua disposição. Isso podia ser
verdadeiro no mundo antigo, onde a técnica era exercida dentro dos muros da cidade, era um encrave dentro da natureza, cuja lei
inquestionável regulava por inteiro a vida do homem.” (p.11)
Hoje, entretanto, a terra não é mais o limite. “A cidade estendeu-se até os confins da Terra, e a natureza reduziu-se a um encrave,
a um retalho circundado pelos muros da cidade. Então a técnica, de instrumento nas mãos do homem para dominar a natureza, se
torna o ambiente do homem, aquilo que o rodeia e o constitui...” (p. 11)
A técnica atualmente se agigantou de tal modo que inverteu-se a relação que na antiguidade ela tinha com a natureza. Segundo
Galimberti, “...enquanto a instrumentação técnica disponível era apenas suficiente para aqueles fins nos quais se expressava a
satisfação das necessidades humanas, a técnica era um simples meio, cujo significado era inteiramente absorvido pelo fim; mas,
quando a técnica aumenta quantitativamente a ponto de se tornar disponível para a realização de qualquer fim, então muda
qualitativamente o cenário, porque não é mais o fim que condiciona a representação, a pesquisa, a aquisição dos meios técnicos,
mas será a ampliada disponibilidade dos meios técnicos que desvela o leque dos fins que, por meio deles, podem ser alcançados.
Assim, a técnica se transforma de meio em fim, não porque a técnica se proponha algo, mas porque todos os objetivos e fins que
os homens se propõem não podem ser atingidos, a não ser pela mediação técnica.” (p. 12)
A técnica deixa de ser mero instrumento nas mãos dos homens. Seu crescimento transforma agora o homem em instrumento da
própria técnica. Definitivamente a representação instrumental da técnica não corresponde mais a sua essência.
É assim que a técnica para Heidegger pode ser compreendida apenas parcialmente como instrumento. “La representación
corriente de la técnica, según la cual ella es un medio y un hacer del hombre, puede llamarse, por tanto, la definición instrumental
y antropológica de la técnica. (...) Sigue siendo correcto que también la técnica moderna es un medio para fines. De ahí que la
representación instrumental de la técnica determine todos los esfuerzos por colocar al hombre en el respecto correcto para con la
técnica. Todo está en manejar de un modo adecuado la técnica como medio. Lo que queremos, como se suele decir, es «tener la
técnica en nuestras manos». Queremos dominarla. El querer dominarla se hace tanto más urgente cuanto mayor es la amenaza de
la técnica de escapar al dominio del hombre. (...) De ahí que lo meramente correcto no sea todavía lo verdadero. Sólo esto nos
lleva a una relación libre con aquello que, desde su esencia, nos concierne. En consecuencia, la correcta definición instrumental
de la técnica, que es correcta, no nos muestra todavía la esencia de ésta.” (HEIDEGGER, 2008a)

Assim, se queremos entender verdadeiramente a técnica, precisamos nos perguntar para além de seu caráter meramente
instrumental, ao mesmo tempo em que precisamos compreender que ela não é neutra. As tecnologias produzem efeitos enquanto
tais, maiores ou menores, melhores ou piores. Elas são criações, extensões e objetificações, da vontade de poder e da imaginação
humanas.
A técnica representa antes de tudo o meio através do qual a humanidade, do princípio ao fim, encontra sua possibilidade como
espécie, definindo deste modo a própria essência humana.

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UM ANIMAL TECNOLÓGICO

Esta seção discute o conceito de técnica desde uma perspectiva antropológica. Para tanto orienta-se inicialmente pela tese de
Galimberti, apoiando-se posteriormente na mitologia arquetípica grega e na literatura e no cinema de ficção científica. Esta
discussão como seção à parte justifica-se pela elaboração do conceito de ser humano e pela necessidade de melhor compreender
esta originária, tensa, desejante e conflitante relação entre humanos e máquinas.

A técnica como condição humana

O ser humano diziam os antigos, entre eles Aristóteles e Platão, é um animal social e político. Ele é principalmente um animal
racional, assim rezou o projeto iluminista de Sócrates a Kant. O ser humano, entretanto, segundo certos modernos, é também um
animal de paixões, imaginação, desejos, instintos, conforme Freud, Nietzsche e Hobbes, para quem a razão não seria nada mais
que um "instrumento dos desejos”.
Galimberti nos propõe a imagem antropológica segundo a qual o homem é um animal essencialmente técnico. É a técnica que
permite ao homem ser homem. A técnica será a síntese das razões e das necessidades humanas. Será, por assim dizer, o órgão dos
instintos de que originariamente o homem é carente.
É nesta mesma direção que Heidegger identifica a técnica moderna à vontade humana de domínio sobre a terra. “As ciências da
natureza inanimada e animada, tanto quanto as ciências da história e das obras históricas, sempre se constróem inequivocamente
como um modo e uma maneira de o homem moderno dominar, sob forma e esclarecimento, a natureza, a história, o 'mundo' e a
'Terra', de forma a tornar planejáveis e utilizáveis esses campos esclarecidos, segundo cada precisão e com vistas a assegurar a
vontade de ser senhor da totalidade do mundo, no modo do ordenamento. O fundamento e o âmbito essencial da técnica moderna
é essa vontade, que em toda intenção e apreensão, em tudo o que se quer e alcança, sempre quer somente a si mesma, e a si
mesma armada com a possibilidade de sempre crescente de poder-querer-a-si. A técnica é a organização e o órgão da vontade de
vontade”. (HEIDEGGER, 1998, p. 205)
Assim, segundo Galimberti, “... a técnica nasceu, não como expressão do “espírito” humano, mas como 'remédio' à sua
insuficiência biológica”(p. 9)
“Nesse sentido, é possível dizer que a técnica é a essência do homem, não só porque, em razão da sua insuficiente dotação
instintiva, o homem, sem a técnica não teria sobrevivido, mas também porque, explorando essa plasticidade de adaptação que
deriva da generalidade e não-rigidez dos seus instintos, pôde alcançar 'culturalmente', por meio de procedimentos técnicos de
seleção e estabilização, aquela seletividade estabilidade que o animal possui 'por natureza'.” (p. 9)
A técnica será o “...pacto original entre homem e mundo” (p. 10) que permitirá ao homem superar os obstáculos biológicos e
naturais.
De acordo com Galimberti: “De fato, a técnica não é o homem. Nascida como condição da existência humana e, portanto, como
expressão da sua essência, hoje, pelas dimensões alcançadas e pela autonomia adquirida, a técnica expressa a abstração e a
combinação das idealizações e das ações humanas num nível de artificialidade tal que nenhum homem, nenhum grupo humano
(…) é capaz de controlá-la em sua totalidade.” (p. 17)
Segue Galimberti: “...na idade da técnica, não há mais nem senhores nem servos, mas só as exigências dessa rígida racionalidade
a que todos devem se subordinar.” O único verdadeiro sujeito é “o aparato técnico – em relação ao qual os indivíduos são
simplesmente predicados”. (p. 18)
Finalmente, Galimberti propõe a pergunta fundamental: “o que o homem se torna dentro do horizonte da experimentação
ilimitada e da manipulação infinita desvelada pela técnica? Para responder é necessário superar a certeza ingênua segundo a qual
a natureza humana é algo estável, que não se contamina e permanece intacto, não importando o que o homem faça.” (p. 23)

Mitologia e ficção científica

A alma humana é labirinto muito difícil de ser penetrado. A mitologia de um lado e a ficção científica de outro nos oferecem
recursos valiosos para explorar e compreender esta complexidade.

Prometeu e Hefesto

A mitologia grega, proposta aqui como recurso para a compreensão arquetípica do homo technologicus, ilustra esta dimensão que
representa a técnica na vida humana.
Aqui apenas esboçamos as principais características dos mitos de Hefesto e Prometeu como imagens primordiais que ilustram em
nível subjetivo o encontro humano com a técnica. Representam o sentido simbólico e a significação imaginária central de nossa
época.

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Prometeu, o titã sacrificado por Zeus, por ter ousado proteger os humanos, roubando dos deuses e dando a eles o fogo, símbolo
de todas as artes e técnicas de que os seres humanos, por natureza, foram desprovidos.
Prometeu representa a prospecção, antevisão, previsão, e, portanto, manipulação do tempo. Representa a inserção do homem em
uma nova dimensão do tempo, projetiva e não mais cíclica, conforme demonstra Galimberti, na qual estão contidos e limitados
todos os seres da natureza. Assim, os bens humanos são dádivas de Prometeu, o previdente, o que projeta, o que prospecta – o
inventor, o doador das técnicas aos homens. Com o fogo, a técnica, ele muda o percurso da história tornando possível a existência
humana. Ao passo que todos os males humanos vem de seu irmão Epimeteu, o imprevidente, cujo arquétipo representa a
imprevisão, a estultice do momento, a subordinação à natureza, ao tempo cíclico do eterno retorno.
Uma palavra sobre a imagem mítica de Hefesto. Hefesto é o deus manco; o único que não vive junto aos deuses no Olimpo. Vive
junto à terra, em uma ilha, na qual em sua Oficina cria e produz os mais diversos artefatos.
Hefesto representa a imagem do humano como um ser falho. Um ser que manca. Imperfeito, portanto. É um ser cuja
característica fundamental é a da incompletude. Pois, ele precisa de uma polis para perseverar, ele precisa de uma técnica que
supra esta incompletude radical. O humano precisa, pois, ser completado.
Hefesto representa a necessidade humana radical da técnica como supressão e compensação de um limite constitucional
originário.

A ficção científica: literatura e cinema

O cinema e a literatura de ficção científica certamente podem nos ajudar a pensar aquilo que se transforma ou se transformou o
homem na idade da técnica.
Abordaremos brevemente as visões da literatura e do cinema de Dick, Scott, Gibson. E às obras de Orwell, Huxley e Shelley
faremos apenas uma menção.

Em 1984, de Orwell e em Admirável mundo novo, de Huxley, podemos dizer que a tecnologia aparece como aparato de controle
e dominação, seja através da tecnologia panóptica do Grande Irmão, seja através da droga soma que o Estado obrigava todos os
cidadãos a tomarem. Com seu Frankenstein, Mary Shelley ridiculariza a pretensão da ciência moderna em tentar ir além dos
limites da natureza de vida e morte. Poderíamos dizer então que estas representações simbolizam um certo niilismo da técnica?

Philip Dick – e a fria máquina homem


Dick, faz através de sua obra de ficção Blade Runner, uma crítica ao homem-máquina, ao homem coisa, a uma subjetividade
reificada, do inumano do humano. A crítica essencial que anima o livro, como ele mesmo diz, é àquelas pessoas que
representam uma humanidade insensível, utilitária, fria. O livro era um manifesto contra a falta de candura, de sensibilidade, de
bondade, de empatia das pessoas que conhecera um dia. A imagem subjacente da máquina aqui é a de uma engrenagem fria,
calculista.

Ridley Scott – e a máquina humanizada


Scott, recria uma nova história em seu filme. Não faz apenas recortes, mas reinterpreta à luz de seu tempo – da engenharia
genética e da cibernética nascentes. Faz, nesta obra, um elogio da máquina humanizada. A máquina como síntese do
Übermensch, o super-homem, ou seja, daquele que diz sim à vida. Porque, ao fim, quem salvará o homem é a sua criatura, a
máquina.

William Gibson – e o nascimento do transumano


A obra cinematográfica Matrix foi longe na tentativa de compreensão do ciberespaço. Mas talvez não tenho ido tão longe e de
forma tão inquietante quanto Gibson, cujo romance de ficção Neuromancer fornece os elementos essenciais de entrada na era do
chamado pós-humano, ou transumano.
Dick e Scott nas obras aqui referidas ainda operam uma distinção clara e distinta – seguramente bem mais atenuada no segundo –
entre a máquina e o humano. Ora, a frieza da máquina representa a frieza humana, como em Dick. Ora, os sentimentos humanos
estão presentes na própria máquina, como em Scott. É o que podemos ver, como exemplo, na cena apoteótica final de Blade
Runner, no confronto final entre o caçador Deckardt e o andróide Roy, quando este, na chuva, antes de morrer, diz: “I've seen
things you people wouldn't believe. Attack ships on fire off the shoulder of Orion. I watched C-beams glitter in the dark near the
Tannhauser gate. All those moments will be lost in time like tears in rain.”
Nestas duas visões ainda manifestam-se uma divisão radical entre o humano e a máquina, são ainda tomados, essencialmente
como antíteses. Mas já a síntese está em movimento, porque, as máquinas já têm elas mesmas formas e modos humanos. Já têm
elas inteligência humana artificial e memórias humanas artificiais já habitam as memórias robóticas.
Entretanto, em seu Neuromancer, Gibson hibridiza, integra humano e máquina de modo tal que quase não se pode mais distinguir
o que é propriamente um e outro. O universo humano já aparece desde sempre tecnológico. Nada mais, portanto, distingue o
humano da máquina e a máquina do humano.
Nasce assim a idéia de uma nova figura antropológica: o transumano. Sendo este portanto o conceito fundamental para a
construção de uma antropologia filosófica contemporânea.

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ÉTICA, POLÍTICA E TÉCNICA

Esta seção explora o confronto e a articulação conceitual da relação entre ética, política e técnica. Entre a sabedoria prática e a
sabedoria técnica: o bem agir e o bem fazer. As relações entre elas nem sempre foram equilibradas, estáveis ou mesmo
equivalentes.
As notas que seguem exploram o problema a partir das leituras de Hottois e, principalmente, de Galimberti que argumenta pela
inversão desta relação e emancipação da técnica.
Galimberti faz um estudo monumental da tecnologia em nossa época em Psiche e techne – o homem na idade da técnica. Ele
realiza uma análise profunda, pertinente, perspicaz. Fundamental para se estudar o fenômeno da técnica e suas múltiplas e
universais implicações e interdeterminações. Avança questões em questões fundamentais de natureza antropológica, política,
ética, entre outras. Tem em mira a fundação de uma nova psicologia: a psicologia da ação, na qual a técnica ocupa posição
fundamental. Por isto aqui e no conjunto deste trabalho ele aparece como uma das referências principais.

Sabedoria prática versus técnica

Uma das questões determinantes de nossa época, sem dúvida, é de natureza ética. Por duas razões principais. Primeiramente,
trata-se do inegável fato de que o indivíduo esclarecido emancipou-se. Ele não quer ser mais tutelado por nenhum tipo de
autoridade. Quer dizer, do ponto de vista de sua ação concreta, o individuo tem de fato muito maior responsabilidade, ou seja, seu
poder de ação como indivíduo – seja na sociedade seja sobre a natureza – do que aquela que tinha o indivíduo concebido nas
éticas clássicas. Isto tem a ver por sua vez não apenas com a natureza da vontade de poder humana e suas sempre crescentes
exigências, mas também com o poder que a técnica e a ciência deram ao indivíduo de nossa época. Assim, em primeiro lugar,
cada indivíduo tem contemporaneamente um poder e uma responsabilidade sensivelmente maior do que jamais teve antes.
Em segundo lugar, um problema tão ou mais crucial que consiste em reconhecer que o saber fazer técnico não é necessariamente
acompanhado ou subordinado ao saber agir ético e político ou à sabedoria em si mesma. Na medida, portanto, em que os
indivíduos que dominam a técnica, que estão no centro da operação técnica e seus efeitos na sociedade, é necessária a invenção
de uma ética da técnica. Esta concerne basicamente a estes operadores do conjunto de nossa vida social. Mas estende-se também
ao conjunto dos indivíduos que, através da técnica, constroem e organizam suas vidas na atual tecnopolis global.
Deste modo, sem dúvida, a elaboração de uma ética da tecnociência torna-se uma questão crucial de nosso tempo.
É deste modo que segundo Gilbert Hottois a questão da ética tornou-se a questão central de uma filosofia da técnica. Segundo
ele, “La philosophie de la technique part du constat que la technique est le fait – ou l'un des faits – dominant de notre époque, et
que ce fait interpelle la philosophie non seulement dans toutes ses parties mais encore comme telle : dans un univers technicien
où la certitude est répandue qu'il n'y a pas de question ni de problème auxquels il serait impossible de trouver une solucion
technique, le philosophe est sommé de s'interroger sur la nature et le sens de son activité, du moins s'il ne veut pas rester
entièrement em marge du monde où il vit. Rencontre-t-il pour autant immédiatement le problème éthique? Nous pensons que oui.
Nous pensons que la problématique éthique, avec tout ce qui la soustend, constitue l'enjeu focal de la philosophie de la
technique.” (HOTTOIS, 1988, p. 9/10)
Mas evidentemente o problema da tecnologia não é apenas de natureza ética e moral. Ele convoca também a uma elaboração de
uma filosofia política da técnica, pois as operações tecnológicas e os efeitos da técnica remetem a inúmeras questões de nossa
vida em comum. Não apenas em nossa comunidade local, mas na atual comunidade global, integrada social e mundialmente.
Uma ética da técnica seria suficiente se a condição humana não fosse de natureza social e colaborativa. Se a vida coletiva
humana fosse a simples reunião de indivíduos vivendo no presente e para o presente, sem memória passada, sem prospecção
futura. Se cada coletividade – sem complexidade – vivesse apenas para o instante de sua própria existência. Se cada coletividade
não tivesse também que coexistir com outras coletividades sem complexidade e autonomia própria. Se os indivíduos não fossem
eles também possuidores de desejos, de dominação, de submissão; se não houvessem lutas sociais.
Assim, uma filosofia política da técnica busca pensar os efeitos sócio-econômicos das ações técnicas dos grupos e indivíduos nas
coletividades e no sistema ambiental local e global. A vida humana compartilhada é mais que a simples soma dos indivíduos
existentes. Ela convoca o passado, o presente e o futuro. Diz portanto respeito a vida humana contigua às gerações precedentes e
às gerações futuras. Ela convoca o imaginário social, o inconsciente coletivo e a criatividade de grupo. Assim, as categorias da
filosofia política se impõem como essenciais para a compreensão de nosso presente e a prospecção dos futuros possíveis e dos
desejáveis, porque nunca a humanidade em sua multiplicidade esteve tão interconectada como atualmente; nunca compartilhou
tanto este novo e mesmo espaço de sempre que é o Planeta, e as múltiplas produções culturais dos povos e nações que o ocupam.
Deste modo, o espaço público se vê dotado de uma nova racionalidade, de uma nova diversidade, de um novo âmbito, global,
incluindo aqui não apenas as nações e seus territórios mas o gerenciamento transnacional do espaço aéreo e marítimo, ou seja do
conjunto da biosfera terrestre e mesmo do espaço interplanetário.
Encontram-se assim transformadas as dimensões, a complexidade, a organicidade, as responsabilidades éticas e políticas desta e
nesta nova tecnopolis global.

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Ética e técnica: a inversão de uma tradição

Para Galimberti, a ética hoje é impotente “para impedir que a técnica faça o que é capaz de fazer.” (p. 519) “O agir como escolha
de fins cede lugar ao fazer como produção de resultados. Nesse sentido, a técnica celebra a impotência da ética, a definitiva
subordinação do agir ao fazer.” (p. 520)
Enquanto situadas no horizonte dos limites da natureza, ética e técnica puderam manter uma relação estável. A natureza ela
mesma oferece os modelos e regras de produção e de ação. Mas, na medida em que “Criando um mundo cada vez menos natural
e cada vez mais artificial, a técnica obriga a ética a perseguir a paisagem que a técnica produz e não cessa de transformar. Hoje o
homem não pode pensar em conter a técnica com a ética que a tradição filosófica lhe consignou. O fazer superou em muito o
agir, e essa é a razão pela qual a ética, que domina o agir, não é capaz de regular a técnica, da qual procede o fazer. (p. 523/524)
Deste modo, o mundo torna-se a imagem e semelhança da técnica e a ética deixa cada vez mais de experimentar-se no horizonte
do estável. Segundo Galimberti então, “A idade da técnica cortou sem hesitação as raízes que afundavam a ética no terreno
estável do eterno, e sucessivamente naquele menos estável, embora mais responsável, da previsão futura. (…) Ao homem não
restou nada mais que o destino de viandante. (p. 532)
“Sem metas e sem pontos de partida e de chegada, a não ser os ocasionais, a ética do viandante, que que não conhece seu futuro,
(…) não pode se referir às éticas antigas, cuja normatividade olhava para o futuro como para um retomada do passado, porque o
tempo estava inscrito na estabilidade da ordem natural. (p. 533)
Na idade da técnica, segue Galimberti: “...a única ética possível é aquela que se carrega da pura processualidade, que, como o
percurso do viandante, não tem em vista uma meta. O imperativo ético não pode ser deduzido de uma normatividade ideal (…)
mas dessa incessante e sempre renovada factualidade, que são os efeitos do fazer técnico. É a ética que deve perseguir a técnica e
terá de se defrontar com a própria impotência prescritiva.” (p. 537)
Deste modo, ainda de acordo Galimberti, “A relação homem-máquina pode inverter-se e, nessa inversão, dissolver o pressuposto
humanista, porque lá onde a técnica, com sua autonomia, não se limita a contrapor-se ao homem, mas é capaz de integrar o
homem no aparato técnico, o que se vem a criar é um sistema homem-máquina, e onde os segmentos do comportamento humano
podem ser reduzidos ao nível de partes de máquinas reguladas. Na medida em que se reduz a distinção entre problemas práticos e
problemas técnicos, e quanto mais se afirma o princípio da traduzibilidade dos primeiros nos segundos, a ética se dissolve, e com
ela a história como teatro da práxis, em favor de um tempo não mais ritmado pelas ações dos homens, mas pelo ritmo da
evolução técnica que a ação do homem tenta governar.” (p. 538\539)

Política e técnica: o governo como aparelho técnico

A filosofia política clássica de Platão e Aristóteles, seguida de grande parte da moderna de Rousseau, Marx, Locke, partia do
pressuposto de que a política era a ciência maior, em razão da qual todas as demais ciências práticas deveriam estar subordinadas,
seja a ética, a economia, a estratégia militar.
Entretanto, segundo Galimberti, este ideal político “parece definitivamente superado em nossa época, onde o fazer, regulado pela
razão instrumental que garante a correspondência dos meios aos fins, subordinou a si o agir.” (p. 493)
Seguimos a argumentação do mesmo autor na tentativa de entender esta transformação da relação entre sabedoria política e
técnica.
Para Galimberti a idéia de político indicava “originalmente, um adjetivo que qualificava a condição desse animal (zôon) que,
incapaz de ser suficiente a si mesmo, só pode sobreviver agrupando-se aos seus semelhantes, dando lugar a essa formação
comunitária, a pólis (...) conjunto de pessoas que têm a mesma constituição (politéia), que Aristóteles assim define: 'forma de
vida do Estado' (...) o homem é por natureza um animal político (...) o Estado existe por natureza. (p. 494)
“A política define, pois, um traço específico da essência do homem, a sua diferença em relação aos animais e aos deuses. Desse
modo, Aristóteles, na determinação do político, evidencia essa conexão entre política e vida (...) permanecerá, até a idade da
técnica, como um horizonte insuperado. O nexo entre política e vida não é articulado pelo fazer técnico. (...) felicidade; ela, de
fato, é o fim.” (p. 495)
“O problema se coloca quando a força do fazer é tal que condiciona a possibilidade de temperar ou de governar o agir.” (p. 496)
Galimberti tentará desenvolver e a tese de que a técnica se torna a ciência mestra, subordinando a lógica política à sua própria
lógica. A técnica emancipou-se da política e agora a condiciona. O autor tenta compreender esta transformação analisando o
percurso desta relação que vai antiguidade até a modernidade. Aqui reproduzimos as principais ideías a este respeito:
“A natureza humana, que para Aristóteles e Tomás de Aquino era naturalmente política, aparece como aquele mal radical que
Hobbes vislumbra na condição do homo homini lupus, para salvar-se da qual é preciso construir uma política capaz de corrigir a
condição natural. A política não é mais expressão da natureza humana, mas artifício construído cientificamente para a correção
da natureza.” (p. 502)
A política deixa ser então a busca pelo bem comum para tornar-se uma administração do mal menor. “'Tornando científica' a
política e subtraindo-a da práxis, onde está a livre circulação das idéias e das ações dos indivíduos, Hobbes faz da política um
sistema artificial.” (p. 506)
Neste sentido, a política torna-se cada vez mais um problema tecno-administrativo. Segundo Galimberti foi Max Weber quem
melhor compreendeu esta mudança segundo a qual: “Uma vez que a política se afasta do mundo da vida, para se limitar a buscar

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as condições de vivência, a política torna-se técnica, portanto arte neutra (...) cada vez mais administração e cada vez menos
decisão, cada vez mais competência técnico-científica e cada vez menos práxis política.” (p. 507)
De acordo com o autor, para Weber “a decisão política aparece cada vez mais dependente da competência especializada. Como
Weber previa, de que a relação de dependência do técnico em relação ao político se inverta, e a política se torne simplesmente o
órgão executivo da inteligência tecnológica.” (p. 507)
Deste modo, impõe-se “o primado da decisão técnica sobre a decisão política”. Agora é “a técnica decide sobre as decisões”
transformando “o primado do fim sobre os meios” que “atribuía à política o primado sobre a técnica”. “O incremento do aparato
técnico tornou evidente, não só que não se podem estabelecer fins sem levar em conta os meios, mas até que é necessário
escolher os fins partindo da disponibilidade dos meios.” (p. 516)

TECNOCIÊNCIA: NOTAS INTRODUTÓRIAS

Nesta seção procuramos apresentar algumas notas que ajudam a problematizar o conceito de tecnociência.
Trabalharemos principalmente com a perspectiva de Hottois, nos apoiando ainda nas análises de Heidegger e Galimberti.

Primeiras aproximações ao problema

Não é simples definir o termo tecnociência. Um olhar às origens gregas da palavra poderia começar a nos ajudar a entendê-la.
Como vimos antes, conforme Aristóteles, techne é aquela virtude intelectual cuja função é bem fazer, tratando-se de uma
habilidade técnica, um saber fazer qualquer: uma prática desportiva, artística, científica, moral, política.
Existem, então, os bons e maus praticantes desta ou daquela arte.
Já Platão, observa Galimberti, usa o termo techne no sentido de “ser dono da própria mente”, que pode ser entendido também
como “ser dono de si”, “estar acima, controlar, mediar, os apetites e os instintos”. Sentido que Foucault explora em seu tratado
sobre a história da sexualidade, destacando o problema das técnicas de si, de autodomínio e autocontrole, digno, honrado, não
culpado, dos desejos e apetites humanos.
Percebemos aqui uma certa inter-determinação nas relações entre o bem fazer técnico e o bem agir ético. A ética aparece como
uma técnica de si. Em todo caso, não aparece aqui nenhuma questão ética diante da técnica relevante, tal como faz a filosofia
moderna. Trata-se mais da técnica da ética, de uma arte da conduta e do cuidado de si, de um método, um modo de vida, um
estilo de existência.
Não existe uma questão de fundo que envolva um princípio valorativo do tipo: a técnica ela é boa ou má? Antes, o que se coloca
é o problema do saber ou não fazer, se o que se faz, se faz bem ou mal. O juízo não é moral, mas operativo e estético. “Ele toca
bem o instrumento”, “ele conta bem uma história”, ou a história foi bem contada, o instrumento foi bem tocado, a jogada foi bem
feita. Envolve ao mesmo tempo um critério técnico e estético. Trata-se de uma verdade produtiva, operativa, um saber fazer.
Originalmente, parece que o termo techne envolve algo mais do que a instrumentalidade moderna. Ao menos para os Gregos, e
também para os pós-modernos, a técnica é também uma arte, um bem e belo fazer. Entre instrumento e arte – este é o horizonte
amplo da técnica.
Assim, enquanto verdade operativa, a techne se diferencia de uma outra virtude intelectual: a episteme. A ciência ou o
conhecimento científico: objetivo, imutável, segundo Aristóteles. Eterno, segundo Platão. São as verdades eternas e imutáveis.
O conhecimento científico trata pois de um outro tipo de verdade, a das coisas como elas mesmas são. Não está em questão aqui
um saber fazer, nem um saber agir, ainda que a episteme implique um certo saber fazer e agir. Não se colocam problemas de
natureza operacional ou valorativa. A realidade é tal qual ela é. O que importa é saber o que as coisas são, como elas são: o que
está em questão é ser e não o fazer ou o agir. O que importa conhecer é o ser, a natureza, a essência, o devir, o sentido.
O saber técnico e ético são subjetivos; o saber científico é objetivo, ele é independente dos sujeitos. Para Platão ele é
independente das próprias coisas que refere. É absoluto.
A modernidade com Maquiavel e Descartes situam-se na mesma tradição. O problema de O príncipe não será um problema
moral, mas tecnopolítico: como conquistar e manter os principados. O cogito por sua vez dá uma certeza absoluta ao sujeito que
pode, por sua vez, conhecer a realidade objetiva e independente. E junto a Bacon a natureza deve ser descoberta, objetivamente
descoberta para melhor ser utilizada.
Desde então a ciência não parou de evoluir para um estágio cada vez mais instrumental. A instrumentalização científica da
técnica moderna é parte deste processo de compreensão da ciência e técnica modernas.
É Hottois que propõe o termo tecnociência, mas Heidegger já percebia a inseparabilidade da ciência e da técnica, na medida em
que elas se tornaram indispensáveis uma à outra: "Diz-se que a técnica moderna é algo totalmente incomparável com todas as
outras técnicas anteriores, porque ela repousa sobre a moderna ciência exata da natureza. Entretanto, reconheceu-se com mais
clareza que também o inverso é válido: a física moderna, como algo que é experimental, depende de aparelhos técnicos e do
progresso da construção de aparelhos."
Vamos tentar aprofundar um pouco esta discussão tentando compreender os diferentes modos de ser da técnica nas épocas antiga,
moderna e contemporânea.

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Os modos de ser epocais da tecnologia

A técnica antiga era essencialmente imitativa. Era também de tipo colaborativo. A natureza era vista como fonte de energia,
parceira na produção de energia. Os remos se apóiam na força da água, o moinho na do vento, a charrua na dos cavalos, a espada
no ferro e aço moldados.
Diferentemente da técnica moderna, segundo Galimbert, “a técnica antiga não era inquietante, porque não era capaz de
ultrapassar a ordem da natureza, que o pensamento mítico e filosófico colocava sob o selo da Necessidade.” (p. 31).
A techne antiga convivia com a natureza, tirava-lhe o melhor sem a expoliar. Há convívio, aumento de energia, transformação de
matéria. Mas mantinha os limites de sua atuação nos limites da natureza
A techne antiga indicava um tipo de produção sem efetiva intervenção extraidora na natureza; servindo esta mais como
inspiração a imitar, como fonte de energia a ser modificada; ao contrário, a técnica moderna, associada à ciência moderna, tem
como objetivo fundamental extrair da natureza e transformar as energias necessárias para a expansão do domínio humano sobre o
planeta.
A relação com a natureza operada pela tecnologia moderna se dá pela extração e transformação das fontes de energia existentes; a
natureza aparece como fonte aparentemente inesgotável de energia e recursos. Tal foi, por exemplo, o sentido que conduziu toda
a produção industrial de massas moderna.
A tecnologia moderna é interventora. Ela penetra nos mistérios da natureza para lhe extrair os segredos, outrora inacessíveis para
a técnica antiga. Ela manipula a natureza para lhe extrair energia. Extração, exploração – eis o sentido real da técnica moderna.
Para Heidegger, “O desabrigar que domina a técnica moderna, no entanto, não se desdobra num levar à frente no sentido da
poièsis. O desabrigar imperante na técnica moderna é um desafiar <Herausfordern> que estabelece, para a natureza, a exigência
de fornecer energia suscetível de ser extraída e armazenada enquanto tal." (HEIDEGGER, 2008b, p. 381)
Ainda, segundo, Heidegger, "a verdade é que o homem da era da técnica é desafiado de um modo especialmente claro para
dentro do desabrigar. Tal fato se refere, primeiramente, à natureza como um depósito caseiro de reservas de energias.
Correspondendo a isso, a postura requerente do homem mostra-se, em primeiro lugar, no surgimento da moderna e exata ciência
da natureza." (HEIDEGGER, 2008b, p. 386)
A relação operada com a natureza pela tecnociência contemporânea é de uma essência totalmente outra: trata-se agora de
manipular os dados da natureza em suas formas mais básicas: nanotecnologia, biotecnologia, neurociência; criando e recriando
novas formas de vidas. A natureza agora não é mais uma coisa, um objeto exterior ao próprio humano simplesmente a ser
explorado; mas algo a ser criado e recriado. A própria vida, inclusive a vida humana, transformou-se em objeto da curiosidade e
ousadia tecnocientífica. A natureza é a matéria na qual a técnica penetra e transforma, não apenas para extrair energia e recursos
necessários à expansão humana, mas também e principalmente para criar novas formas de vida. A tecnociência atual intervém na
própria gênese e nos processos criativos da natureza. A tecnociência contemporânea é essencialmente co-criativa.

A sabedoria tecnocientífica e o futuro da humanidade

A sabedoria tecnocientífica instituirá novos eidos, novos modos de ser, sentir e viver o mundo no sentido de uma ecosofia?
Responderá ela aos imperativos e anseios de preservação ambiental, justiça social e qualidade de vida de nossa época? De
respeito aos diferentes jogos de linguagem e diálogo entre comunidades e indivíduos tão diversos quanto é possível à forma
humana?
Parece que estamos falando de alguma utopia? Não é pelo menos este o objetivo que anima este estudo. Ao contrário, aqui fala-se
principalmente de heterotopia, de heterogênese do social e do ambiental. Tentamos algo diferente de uma utopia futura; antes,
tentamos fazer uma genealogia da técnica, entender sua essência, entender seu mecanismo arquetípico, e talvez também
desmitificar, desapologizar, desconstruir. Trata-se de tentar entender a forma como a técnica instituiu-se, determinou-se,
determinou e foi determinada; como a técnica transformou a paisagem do mundo humano e da vida na terra. Pensar o futuro,
prospectar é inevitável e necessário. Trata-se de mostrar os potenciais e os riscos. Mas certamente não se trata mais de inventar
mais uma utopia final e salvacionista.
O fato é que é preciso descobrir, inventar uma sabedoria tecnocientífica como condição de permanência neste planeta dos seres
vivos humanos e não-humanos. Muitos indícios nos indicam que esta sabedoria já nasceu e continua a expandir-se. Falta a ela
talvez encontrar seus meios próprios de expressão, organização e hegemonia política e cultural.
O poder da tecnociência é indizível. Para podermos intuir este poder extraordinário, seria interessante nos colocarmos do ponto
de vista da genealogia da técnica ou da ficção científica.

TRÊS GRANDES PERSPECTIVAS

Esta seção apresenta um conjunto de notas indicando uma primeira grande sistematização do pensamento filosófico face à
tecnociência. São explorados três autores centrais, Hans Jonas, Simondon e Engelhardt e suas posições a partir da perspectiva
elaborada por Gilbert Hottois.

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Tecnofobia e tecnofilia: humanismo e evolucionismo

Hottois identifica três grandes perspectivas filosóficas hoje diante da tecnociência. Ele as define como tecnofobia humanista, a
tecnofilia humanista e a tecnofilia evolucionista. (HOTTOIS, 2008, p.618-622)
A tecnofobia humanista é metafísica. Ela evoca os perigos de transgredir a natureza e seus limites. “A idéia de base é que a
condição humana, caracterizada pela finitude, não pode ser superada. O limite é, ao mesmo tempo, uma impossibilidade e uma
interdição.” (p. 618).
“A tecnofobia está estreitamente associada com a própria instituição da filosofia”, na medida em que esta se considera idealista.
O mundo é imaginado como algo “estável, eterno, necessário. Esse mundo não material é o verdadeiro mundo e a verdade pátria
da humanidade.” Esta por sua vez não deve “se preocupar com a modificação de sua condição material, cujos limites são, por
outro lado, fixados igualmente de modo imutável”. Desse modo, o que importa é “certa forma de vida que privilegia a
simbolização, a atividade introvertida (o discurso interior) e o desinvestimento do mundo.” Para os tecnófobos esta é “a única
forma de vida “digna do ser humano”. (p. 619)
O humanismo tecnófilo, por sua vez, “expressa uma apreciação positiva em relação à técnica” (p. 619), na medida em que esta
poderia realizar os ideais humanistas no mundo da vida. “Sua forma geral é um instrumentalismo antropocentrado”, quer dizer, a
técnica é entendida como meio a serviço da humanidade, suas aspirações e desejos. (p. 620)
“O humanismo tecnófilo alimenta uma confiança otimista na natureza humana (…). O progresso das ciências e das técnicas
coincide com o da humanidade e o desenvolvimento de uma 'cultura tecnocientífica' universal. Esse progresso é escatológico,
pois tem uma finalidade que coincide com o fim da história, a utopia realizada. Embora não possamos antecipá-lo com precisão,
esse fim será um estado de equilíbrio e de reconciliação: do homem com a natureza, dos seres humanos entre si, de cada um
consigo mesmo.” (p. 620)
“O humanismo tecnófilo não exige nenhuma refundição essencial da natureza humana; ele crê em seu desabrochamento feliz. O
homem permanece fundamentalmente” o animal racional que “vai poder, graças à organização técnica de sua condição material e
social, fruir feliz e completamente sua essência: viver a vida do espírito, a vida simbólica, mas sobre a Terra e pela duração
limitada de sua existência. O humanismo tecnófilo considera possível uma finitude feliz, universalmente reconciliada e
desprovida de qualquer nostalgia dos supramundos.” (p. 260)
Este humanismo tecnófilo de tipo materialista considera a humanidade como algo “perfectível, mas não como modificável e a ser
modificada essencialmente”. Este humanismo não considera realmente o processo de “evolução biocósmica, no decorrer do qual
o homo sapiens apareceu”. (p. 621)
Por fim, a tecnofilia evolucionista, “leva em conta a temporalidade biocósmica” (p. 621). Situando a humanidade neste contexto,
ela não absolutiza a presença, nem a eterniza. A forma humana é vista dentro do processo evolutivo e, portanto, essa forma de
vida “não é imutável nem não-modificável, principalmente naquilo que se refere a todas as limitações que ela apresenta”. (p. 621)
Para a perspectiva evolucionista, “o futuro reservado à forma de vida humana depende dos seres humanos e de sua capacidade e
vontade de intervenção no universo.” (p. 621)
Estas três perspectivas, segundo Hottois, estariam posicionadas a partir de três autores principais: A tecnofobia humanista, teria
como representante Hans Jonas (1903-1993); A tecnofilia humanista, Gilbert Simondon (1924-1989); E a tecnofilia
evolucionista, seria representada por Hugo Tristam Engelhart (1941-).
Ainda, segundo Hottois: “Hans Jonas reage aos problemas suscitados pela PDTC e à mentalidade utópica que o acompanha
voltando-se para o passado: a tradição metafísica e religiosa, a filosofia pré-crítica. Com resposta a uma problemática
contemporânea, ele quer reanimar uma atitude pré-moderna.” (p. 624)
Por sua vez, Simondon, “...perpetua, em grande parte, a posição típica da modernidade. Ele põe as tecnociências sob o signo do
progresso, que é também o da humanidade em um sentido universal. Os problemas suscitados pelas tecnociências são solúveis,
principalmente co mo auxílio de uma educação, de uma aculturação e de uma informação apropriadas.” (p. 624)
Tristam Engelhardt, por sua vez, “...não crê nas respostas pré-modernas ou modernas como remédios para problemas colocados
pela civilização poliética e tecnocientífica. É preciso aceitar a irredutível diversidade simbólica (cultural) da humanidade e
admitir que indivíduos e coletividades exploram, em direções diferentes, os possíveis tecnocientíficos. O desafio consiste em
gerar essa complexidade da maneira mais pacífica e menos desagradável possível.” (p. 624)

Hans Jonas e o princípio responsabilidade

Tentando desenvolver um pouco mais estas três distintas posições, Hottois observa que na perspectiva de Jonas, dois problemas
importantes se colocam: o da destruição ambiental e da transformação da essência da humanidade, na medida em que os meios
técnicos ameaçam a biosfera global de um lado, e de outro, ameaçam modificar, manipular e transformar a realidade biofísica do
ser humano: “da concepção à morte, do corpo ao cérebro, do indivíduo à espécie.” (p. 627)
Tal é o “imperativo do princípio de responsabilidade” de Jonas: “Age de tal modo que as consequências de tua ação sejam
compatíveis com a permanência de uma vida autenticamente humana sobre a terra.” (p. 632)
“A heurística [processo de descoberta] do medo é, ao mesmo tempo, método de descoberta axiológica e fonte de sabedoria. Ela
deve governar a ética e a política, confrontadas com os riscos conjugados da PDTC e do niilismo, a fim de preveni-los.(...) Ser
responsável exige que cultivemos o medo a propósito do futuro que poeríamos produzir, a fim de nos inspirar uma grande
prudência em nossa ações presentes.

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“Praticamente, a heurística do medo leva a deter todo empreendimento da PDTC do qual imaginarmos que possa ter
conseqüências contra-a-natureza. (…) Ela é basicamente desconfiada em relação à dinâmica de progresso e de evolução que não
é, com efeito, de modo nenhum desprovida de riscos.” (p. 633)
Segundo Hottois, para Jonas, a humanidade deve “aceitar a condição biofísica que a natureza (ou Deus) lhe concedeu. Ela deve
fugir do desejo utópico de modificar ou de ultrapassar concretamente essa condição.” (p. 636)
Destacamos aqui algumas idéias fundamentais do primeiro capítulo da obra Princípio Responsabilidade de Hans Jonas para
apresentar um pouco mais sua posição. Segundo Jonas: “A tese de partida deste livro é que a promessa da tecnologia moderna se
converteu em ameaça, ou esta se associou àquela de forma indissolúvel.” (JONAS, 2006, p. 21)
A tecnologia tranformou-se no problema principal de nossa época, reconfigurando o conjunto das práticas humanas sobre o
planeta. É preciso pois a construção de uma filosofia prática nova para dar conta do novo problema.
"O novo continente da práxis coletiva que adentramos com a alta tecnologia ainda constitui, para a teoria ética, uma terra de
ninguém". (JONAS, 2006, p. 21)
Hans Jonas procura construir uma Ética para além do humano em sua auto-referência. Outrora era possível uma Ética
estritamente humana, cujos efeitos de sua ação não transcendiam os limites do próprio humano. A cidade estava circunscrita nos
limites da natureza, quer dizer, ocupava um lugar na natureza. Hoje a situação é totalmente outra. A cidade domina a natureza,
utiliza-a, expolia-a, transforma-a para o viver humano. A tecnopolis global incorporou a natureza aos seus desígnios. Isto chegou
a um limite evidente e, apenas uma ética da responsabilidade poderia nos salvar de nossa própria auto-destruição, pois a
destruição da natureza é também a destruição do próprio homem.
Esta é a situação dramática e paradoxal de nosso tempo: aquilo que iria nos salvar, que iria nos emancipar, é o mesmo que nos
escraviza, nos destrói. E não apenas a nós mesmos, situação totalmente nova no horizonte da Ética, mas ao conjunto da Natureza.
Hans Jonas elabora uma síntese monumental deste novo estado de coisas indizível e imprevisto. Ele compreende o novo desafio
colocado para a ética e a política contemporânea a partir do reconhecimento de uma transformação essencial da natureza da ação
humana. A técnica dotou as ações humanas de tal poder que seu horizonte ultrapassou os limites próprios da sociabilidade
humana. As ações humanas no contexto da sociedade tecnológica devem ser repensadas e fundamentadas a partir dos impactos
destas ações no conjunto da natureza. Trata-se da incorporação da natureza nos assuntos e práticas humanas. Isto implica uma
inserção da ética no horizonte temporal futuro. O futuro deve, a partir desta natureza transformada das ações humanas sobre o
planeta, fazer parte dos cálculos. Qual o efeito desta ação de agora sobre as condições de vida do futuro, das gerações futuras?
Por isto o novo imperativo propõe: “age de tal modo que os efeitos de tua ação possam garantir a existência do mundo futuro”. É
o conjunto da natureza, sua permanência no tempo futuro e que é condição de possibilidade de toda existência e portanto de toda
ação que está em questão também. Não apenas não faças mal ao teu próximo, não apenas faças o bem a quem puderes; mas
também não faças mal ao teu próximo futuro. Faças o bem à natureza, favoreças a vida, a afirmação da vida natural.

Gilbert Simondon e o tecnohumanismo

Na perspectiva do humanismo tecnófilo de Simondon, segundo Hottois, o fundamental seria a construção de uma cultura
tecnocientífica, de uma “clivagem entre ciências-técnicas e culturas tradicionais” na medida em que esta se tornou “o problema
fundamental de nossa civilização.” (p. 639) Não há, para Simondon, oposição essencial entre tecnociência e cultura. O que existe
é uma defasagem entre a “cultura dominante em relação ao meio real e atual”. (p. 640)
Segundo Simondon, “L'opposition dressée entre la culture et la technique, entre l'homme et la machine, est fausse et sans
fondement; elle ne recoubre qu'ignorance ou ressentiment”. (1989, p. 9)
Nesta desfasagem “de bloqueamento e de dissociação, a tecnociência é diabolizada, porque a cultura disponível não permite
simbolizá-la de modo apropriado.” (p. 640) Seria portanto necessário desfazer esta dissociação se quisermos ser contemporâneos
de nosso próprio tempo.
“A tecnocientofilia de Simondon, sua insistência sobre os ideais de universalidade e de emancipação, seu otimismo e sua
esperança progressista e humanista, a atenção que ele concede à aculturação e à educação indubitavelmente fazem dele um
herdeiro maior da modernidade. Essa modernidade de Simondon é muito atual, na medida em que leva em consideração focal
nossa civilização tecnocientífica e os problemas concretos que ela suscita.” (p. 646)
“O homem é essa liberdade inapreensível em ação no mundo material e que se serve da técnica para se emancipar sempre mais
dos limites que lhe impõe o mundo físico, do qual seu corpo, com todos os seus órgãos, é parte.” (p. 646)

Engelhardt e a diversidade evolucionista

De acordo com Hottois, a perspectiva evolucionista situa-se no horizonte da chamada pós-modernidade. “Engelhardt reflete a
partir da realidade social existente no mundo ocidental, mas igualmente perceptível em escala planetária: a de sociedades
multiculturais, pluralistas, poliétnicas, 'politeistas'.” (p. 650)
“Engelhardt não reconhece mais a resposta racionalista: a evocação de uma Razão universal, suscetível de esclarecer de modo
determinado deveres e interditos, é tão-somente um mito, o mito da modernidade.” (p. 651)
Podemos ouvir aqui a própria voz de Engelhardt, na Introdução dm sua obra The foundations of bioethics, como testemunho
deste posicionamento tecnófilo pós-moderno evolucionista:
“Moral diversity is real. It is real in fact and in principle. Bioethics and health care policy have yet to take this diversity seriously.
This failure to recognize the depth of the moral diversity that characterizes our context is understandable. (p. 3)

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“This has been the modern philosophical moral project: to secure the moral substance and authority that had been promised by
the Western Middle Ages through a synergy of grace and reason, but now through rational argument. This hope has proved false.
Philosophy has shown itself to be many competing philosophies and philosophical ethics. Has fragmented into a polytheism of
perspectives with its chaos of moral diversity and its cacophony of numerous competing moral narratives. (p. 5)
“A canonical, content-full secular morality cannot be discovered. The recognition of this failure marks the postmodern
philosophical predicament. It is a circumstance difficult to accept, given our intellectual history and its exaggerated expectations
for reason. Rational argument does not quiet moral controversies when one encounters moral strangers, people of different moral
visions.” (p. 8)
Esta parece ser a perspectiva mais promissora no horizonte da filosofia da técnica hoje. Aquela que oferece as condições teóricas
mais adequadas para enfrentar a complexidade dos problemas éticos e políticos na sociedade tecnológica.

A TECNOPOLIS GLOBAL

Esta seção traz algumas notas para uma teorização mais focada na atualidade econômica e política, no contexto da sociedade
globalizada. Apresenta também uma abordagem introdutória do principal problema colocado neste trabalho.

Globalização tecnológica

A globalização é um fato irreversível se a entendemos para além dos tradicionais preconceitos liberais ou socialistas. Ela aponta
para uma humanidade unificada em sua mais alta diversidade. Esta diversidade, por certo, sempre existiu. Estava porém oculta
pelos simples horizontes nacionais ou nacionalismos exagerados e pela falta dos meios que permitissem reconhecê-la. Mas ela
também se tornou ainda mais complexa na medida em que acelerou-se o intercâmbio de todos os povos e culturas do planeta. E
trouxe ao mundo um colorido todo especial.
A globalização é caracterizada pela emergência de novos mercados de bens e capitais mundiais, através de uma intensa e
complexa interconexão planetária constituída por redes, vias e meios de transporte e comunicação. A globalização é também
resultado da expansão dos capitais tecnológicos que hegemonizam e determinam o conjunto das relações sociais de produção e
intercâmbio mundiais, de um lado e da incorporação da subjetividade no centro deste processo, de outro. A globalização é assim
o processo de mundialização molecular do capital tecnológico.
De fato, as gerações nascentes de hoje já podem ser considerados cidadãos do mundo, interconectados e interdependentes da
grande rede global. Transitamos por pontes aéreas cada vez mais velozes, eficientes e acessíveis às pessoas comuns; nos
comunicamos desde nossas casas, computadores e celulares com todas as partes do mundo que se encontra conectado às redes
cibernéticas de comunicação, através de fibras óticas, cabos e satélites que envolvem o conjunto do planeta.
Ao mesmo tempo, os fabulosos desenvolvimentos tecnocientíficos dos últimos cem anos tornaram possível uma imensa e
incomparável produção de bens e riquezas, materiais e imateriais. Nunca foram tão abundantes os produtos da terra “humana
demasiada humana”. Nunca também parecem tão mal distribuídos. Vivemos indubitavelmente, ainda que desigualmente, em uma
era de abundância global.
Todavia, nunca foi tão grande também o perigo. O que nos liberta é também o que nos aprisiona, o que nos salva nos condena – a
técnica.
Seja como for, para o nosso bem ou nosso mal, os destinos humanos encontram-se na dependência quase absoluta da pesquisa e
do desenvolvimento tecnocientífico cada vez mais determinante nos processos de produção e organização sociopolítica global.
Assim, de certa forma, tudo dependerá não somente do estágio propriamente tecnocientífico da tecnociência, mas também dos
aspectos éticos e políticos, subjetivos e jurídicos implicados na pesquisa e no desenvolvimento tecnocientífico, porque seus
poderes parecem infinitos e o que outrora imaginou-se como possibilidade humana apenas nas mais ousadas ficções aparecem
como as mais admiráveis criações reais.
O que surpreende, não é somente o infinito poder da tecnologia atual, mas precisamente a incapacidade das instituições
sociopolíticas dominantes em gerar soluções efetivas para problemas-limite, tais como os da degradação ambiental e das
injustiças e calamidades sociais que se alastram por todas as partes do globo em níveis que se tornaram insuportáveis há bastante
tempo.
Não há dúvidas de que uma ética e uma política de natureza tecnocientífica esteja colocada na ordem do dia. E como poderíamos
falar de uma ética e uma política tecnocientífica sem cair nos tradicionais chavões, nas velhas palavras de ordem desgastadas,
inventadas em situações culturais e políticas outras e que hoje se apresentam bastante modificadas?
Primeiramente, já o agir humano hoje é tecnocientífico em grande parte. E quanto mais tecnocientífico, maior seu poder de ação.
Depois, como vimos, a técnica não é um mero instrumento a partir do qual se possa instalar uma ética e uma política desde fora
para dar a direção certa ao simples fazer instrumental da técnica. A técnica ela mesma impõe suas condições. Ela mesma
determina sua maior ou menor grandeza e poder. Ao humano não é mais possível escolher usar ou não a técnica, pois ela tornou-
se condição essencial de sua existência.

Tecnopoder civil global

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Deste modo, assistimos à emergência de uma tecnopolis mundial altamente dinâmica e complexa, em grande parte, como
resultado do desenvolvimento dos novos capitais tecnológicos globais. Entretanto, ao mesmo tempo, estes mesmos capitais
globais encontram-se cada vez mais desconcentrados, se molecularizando no seio do ambiente social e gerando novas formas de
produção, distribuição, organização, participação e subjetivação dos cidadãos, grupos e instituições.
Neste horizonte, gostaria-se de colocar em questão o problema principal deste trabalho: cuja tarefa consiste em analisar e refletir
acerca das articulações e contradições contidas nesta complexa e tensa relação de forças entre o capital tecnológico global e o
poder civil molecular. Quais são efeitos e o impacto da tecnologia em geral e das tecnologias moleculares de comunicação e
produção no âmbito das relações sociais e de poder? No contexto da sociedade global, a tecnociência e suas tecnologias
moleculares de produção e comunicação têm como efeito o empoderamento ou esvaziam uma vez mais o poder dos cidadãos?
Duas respostas em cada extremidade do bastão aparecem de imediato. A primeira e aparentemente hegemônica é aquela segundo
a qual as novas tecnologias, excluem do poder os cidadãos, jogando-os a uma alienação ainda maior, a uma situação de
impotência absoluta. A segunda é aquela que pretende que tais tecnologias apontam para uma apropriação política pelos
indivíduos no sentido de uma participação política e social efetiva, constituindo uma nova e inédita forma de cidadania
participativa global.
Alienação ou participação, o recurso à imagem do bastão não é senão didático. Precisamos avançar no debate para além desta
oposição ainda maniqueísta. Verificar as controvérsias de ambas as teses e argumentos, desdicotomizando-os, para, talvez, deste
modo, avançar na compreensão dos efeitos de poder e contra-poder civil emergentes no contexto da sociedade tecnológica global.

O que de fato está acontecendo é que uma subjetividade tecnológica emergente vai impondo-se. Atualmente, uma pessoa sem seu
celular, seu automóvel, seu computador sente-se como um peixe fora da água e dificilmente terá alguma chance de sobrevivência
no mar cada vez mais difuso de nossa contemporaneidade tecnológica sem suas máquinas e equipamentos.
O intercâmbio humano vai tornando-se cada vez mais complexo na medida em que os meios dinâmicos de comunicação vão
sendo introduzidos, gerando por sua vez efeitos de feedback maiores. A velocidade deste intercâmbio aumenta
exponencialmente. Essa situação cria um novo estado de coisas impensável antes.
Sejam os exemplos mais imediatos, mas nem sempre óbvios à primeira vista, do telefone celular ou do automóvel; tais meios não
são apenas mais um e outro instrumento à disposição dos indivíduos, cuja subjetividade já estaria constituída desde sempre e
independentemente e que portanto determinaria de modo essencial o uso deste meio, numa relação de completa exterioridade.
Ao contrário, o celular e o automóvel, uma vez introduzidos no intercâmbio humano, vão renovar e criar situações objetivas e
subjetivas completamente novas, impensáveis antes de sua inserção no mundo das coisas humanas. Eles vão redesenhar a seu
modo as novas formas de vida cotidianas, políticas, econômicas e culturais. Então se pode falar com qualquer pessoa em
qualquer lugar da cidade ou do planeta, conquanto elas estejam cada qual com seu celular e um sinal de satélite disponível. A
presença torna-se ubíqua. Vinte ou trinta anos atrás esta imagem seria impensável. Foi a tecnologia da comunicação celular que
tornou isto possível.
Se o governo de uma cidade mandasse tirar de circulação todos os automóveis, a cidade deixaria de funcionar. Da mesma forma,
se os celulares dos indivíduos fossem retirados, eles ficariam perdidos. Não se trata mais de retribalizar nem de viver em aldeias.
Trata-se, antes, de tribos e aldeias globalizadas em sua singularidade, porque os problemas sociais e ambientais são
inevitavelmente mundiais para as diferentes tribos e aldeias que compartilham a mesma biosfera. Eles implicam uma cidadania e
uma conduta complexa, fundada na diversidade e na multiplicidade dos modos de vida e formas de existência, orientada de
preferência por valores ecosóficos.
Hoje, as noções de tempo e espaço, trabalho, vida pública e privada, estão tão desconcertadas e desterritorializadas, que já não
sabemos mais exatamente nem que horas nem onde começa ou termina nosso trabalho, nossa vida privada e nossa vida pública.
O espaço torna-se mais móvel e complexo. O tempo cada vez mais dinâmico e acelerado. A subjetividade invade a antiga cena
reificada do trabalho operário industrial. As indústrias se transformaram em zonas limpas, onde quem menos parece circular são
aqueles velhos operários sujos, engraxados e explorados. A própria classe trabalhadora se desenvolveu em um tal grau de
complexidade que os grandes conceitos e categorias herdadas da tradição moderna e industrial são insuficientes para
compreender seu estado atual.
As classes trabalhadores estão tão estratificadas e diversificadas que, no limite, parece não fazer mais sentido falar em uma classe
trabalhadora como uma entidade capaz de se unificar a partir de interesses próprios, convergentes e universais, e que seria
caracterizada principalmente pela exploração de sua força de trabalho através da extração de mais-valia. Não seria, pois,
exagerado falar da existência de uma luta intraclasses, tanto no interior da chamada classe trabalhadora como no da chamada
classe dominante.
As classes estão elas mesmas recortadas por inúmeras questões sociais, políticas e subjetivas, cujas relações as tornam às vezes
irreconciliáveis. O problema feminino ou de modo geral de discriminação e opressão sexual, recorta transversalmente
praticamente todas as classes sociais, baixas, médias e altas, pois remetem ao mesmo conjunto de problemas, apesar de
obviamente poderem ser resolvidos de formas muito diferentes, como é o caso por exemplo do aborto, cujas mulheres das
camadas mais baixas da população são certamente as maiores vítimas.
Sejam mencionadas também as questões de ordem étnico-raciais e religiosas que atravessam as grandes esferas da economia
global, ao largo de outros problemas não menos importantes e que de forma alguma estariam perto de serem mecanicamente
resolvidos a partir da solução dos problemas de renda e distribuição da riqueza.
Recolocamos aqui os problemas ambientais no centro das disputas de poder da agenda política contemporânea. Todas as classes
estariam divididas e é certo que certos segmentos da classe trabalhadora teriam mais afinidade com certos segmentos da classe
dominante do que poderiam ter com aqueles segmentos da própria classe trabalhadora que se articulariam pela preservação
ambiental.

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Os problemas sexuais, étnico-raciais, religiosos, entre outros de um lado e de outro, o problema ambiental acabam por colocar
questões fundamentais para a liberdade e a justiça, em suma, para o bem viver na polis.
Em todo caso, o que parece claro na situação política atual, com todas as suas contradições e suas diversidades socioculturais é
que tornou-se impossível falar de uma utopia, ou seja, de um futuro lugar anunciado por um metarrelato que correria todos os
recantos da história e da cultura e contaria a história da redenção última ou da salvação paradisíaca.
O humano é um ser em busca constante de sentido; ele institui sua própria história e constitui a cada novo nascimento um novo
modo de ser, de ver, de sentir. Não é mais possível para a razão esclarecida imaginar sequer o que constituiria a redenção
humana. O bem último? A felicidade? A justiça? A liberdade? A igualdade? A diferença? A riqueza?
Já também as noções de certo e errado, justo e injusto, bem e mal não são em nada consensuais ou semelhantes. Estas noções são
móveis, adaptativas, diversas. Nossa condição humana desde sempre e irreversivelmente é de diversidade étnico-cultural,
religiosa e moral.
São por certo possíveis os consensos republicanos, nos quais os diferentes atores consolidam suas práticas e leis no contexto de
suas vidas em comum. Mas estes são sempre provisórios, sempre solicitando novas adesões, novas discussões, novos
fundamentos. Nada é definitivo, nenhuma palavra é a última quando se trata de costumes, opções e valores.
Mas se, do ponto de vista da razão esclarecedora, não é mais possível desejar uma utopia final, redentora, isso não quer dizer que
não possamos desejar, em nome da mesma razão, a emergência de inusitadas heterotopias.

A hipótese principal deste trabalho é a de que no horizonte da sociedade tecnocientífica com suas tecnologias moleculares de
produção e comunicação, de fato, mas não só, empoderam os indivíduos, colocando-os em uma situação de reapropriação de suas
próprias narrativas, e portanto da construção de seu próprio destino. Quanto e como ela empodera o indivíduo do ponto de vista
de sua autonomia política? De sua cidadania? São questões fundamentais abertas neste debate.
A emancipação política é inseparável de emancipação subjetiva. Isto já mostrou-o bem Benjamin Constant: não há liberdade
política sem liberdade individual, mas tampouco haverá liberdade individual sem liberdade política.
Este processo de reapropriação da própria subjetividade através das novas narrativas de si emergentes, é no entanto, ao mesmo
tempo, condição e resultado da molecularização das forças produtivas e comunicativas autoprodutivas, autoinstituintes se
operando em escala global.
A tradição filosófica nos ensinou a pensar nossas categorias políticas a partir dos grandes sistemas territoriais do poder. O estado-
nação e suas relações sociais e políticas é nosso ponto de partida e modelo conceitual essencial ainda hoje.
Basicamente trata-se de um modelo no qual existem dois grandes atores. O estado e seus cidadãos. O espaço público é localizado.
Seus territórios estão circunscritos em espaços geograficamente bem delimitados. São cidades-estado que organizam a guerra, a
paz, o comércio com outras cidades-estado e administra seus conflitos internos.
Este modelo mantém-se vivo até hoje, mas apenas parcialmente. Não se trata mais de um estado-nação soberano entre outros
soberanos. Hoje a interdependência é global e um estado só pode constituir-se sob alguma forma de interconexão. Isolado não
consegue mais se inserir na lógica das relações de poder atuais, com mercados e problemas continentais e internacionais, com
formas de comunicação e transporte altamente dinâmicos e complexos e, sobretudo, com relações altamente complexas com o
meio ambiente e a biosfera.

A tecnocidadania emergente

É preciso agora recolocar o conceito de cidadão situados nesta nova tecnopolis global que tentamos até aqui problematizar e
compreender. Que seria, de que tipo seria, este novo cidadão no contexto desta nova polis mundialmente integrada, com seus
novos e colossais desafios?
É certo que já nas grandes cidades industriais e modernas o indivíduo ele mesmo sentia sua impotência como cidadão, conforme
Constant. Muito diferente do quadro antigo no qual o “estado era a universalidade dos cidadãos”, conforme Aristóteles. Ou seja,
a relativa simplicidade das relações internas e externas, o número comparativamente irrisório de cidadãos ativos naquela Grécia
monumental, permitia aos indivíduos sentirem na mão o poder real de sua cidadania. Na modernidade o indivíduo está
subjugado, primeiro, na crescente massa de cidadãos que habitam a mesma polis, depois, pelo aparato público-administrativo
anônimo. Seja em dois modelos extremos e exemplares, países de democracia liberal, como os EUA, ou de cunho totalitário,
como aparentemente a China, parecem exatamente reféns deste modelo de gestão pública. Os representantes políticos, seja pela
via democrática ou pela via do partido único, são aqueles que, para o bem ou para o mal, decidem de fato os destinos da polis.
A representação política, cujos ideólogos encontram-se indistintamente entre liberais e socialistas, é a forma política por
excelência da modernidade. Do ponto de vista da liberdade e da complexidade público-administrativa, a representação é a forma
política possível nos grandes estados territoriais modernos, com suas multidões, no qual o principal modo de aquisição de bens e
intercâmbio social passa pelo trabalho industrial e pelo comércio universal. Por isto, do ponto de vista da liberdade, a única que
realmente foi e é experimentada modernamente é aquela possível no âmbito da democracia representativa.
Este era o contexto da modernidade industrial com seus grandes estados e suas grandes indústrias, máquinas e massas de
trabalhadores e consumidores. Hoje, entretanto, as relações de produção e intercâmbio social, o trabalho e a subjetividade
encontram-se em um contexto bastante diferente daquele, tal como tentamos esboçar até aqui.
Que seria pois este tipo de cidadão virtual? Este cidadão mundialmente interconectado? De um mundo ambiental e social em
perigo extremo? O novo cidadão da tecnopolis global?
Esta discussão mal está começando. E parece que se está ainda longe de esclarecê-la em toda sua extensão. Entretanto, em todo
caso, podemos reconhecer alguns sinais, algumas das características principais deste novo cidadão.

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Primeiramente, trata-se de uma cidadania cuja informação circula livremente em níveis global e local, na forma de uma imensa
diversidade de pontos de vista. Depois, destaca-se a experiência de multiculturalidade desta cidadania móvel e interconectada
transversalmente. Observa-se ainda a emergência de uma linguagem hipertextual cada vez mais poderosa e convergente.
Ainda cabe ressaltar que aquilo que caracteriza de forma essencial a cidadania planetária tecnocientífica é a imersão sem retorno
em um processo e uma forma de vida intercriativa e colaborativa.
Cidadania, enfim, cuja participação política é ao mesmo local e global: questões outrora estritamente locais se transformaram em
questões globais; decisões aparentemente locais podem impactar o conjunto do planeta e sua biosfera. Por exemplo, o impacto
das grandes capitais do mundo na biosfera, seu impacto ambiental que afeta todos os seres humanos e não humanos do planeta. A
rigor as leis chinesa, americana ou européia, apesar de serem diversas entre si, deveriam ser também globais.
Assim, este cidadão operará tecnológica e dialeticamente em escala local e global. Deverá ter consciência do seu próprio poder e
do impacto de suas decisões locais, sendo convocado a participar ativamente da nova concertação política global.
Para ajudar nesta tarefa monumental, a humanidade deu-se a si mesma, inventou-se para si a tecnociência cuja participação nesta
concertação política global é um dado maior, uma novidade imprevista e inconteste, das possibilidades ilimitadas do imaginário
humano radical.

OBSERVAÇÕES FINAIS

Diante da enorme complexidade deste quadro, neste trabalho apenas esboçado, pode-se observar a emergência de pelo duas
importantes questões e tarefas teóricas: a elaboração de uma ética e uma filosofia política para a tecnologia e, também, ao
inverso, a elaboração de uma filosofia da tecnociência para a ética e a política.

Uma Ética e uma Política para a Tecnologia


Com o nascimento do ciberespaço nasce também uma ciberética e uma ciberpolítica. Destaca-se as questões envolvendo, de um
lado, a privacidade, a acurácia, a propriedade e a acessibilidade, como questões centrais da ciberética. E a questão da divisão
digital e do trabalho contra a exclusão digital, como questão central da ciberpolítica.
Ao mesmo tempo, destaca-se a emergência de um modo de ser ético e político do compartilhar. Uma cultura do
compartilhamento vai emergindo no seio das novas redes digitais de comunicação e informação, através de intenso e mecânico
intercâmbio de bens materiais e, principalmente, imateriais da civilização.
Uma ética do respeito e do cuidado, se impõe, como condição de possibilidade de toda existência humana presente e futura sobre
o planeta. Trata-se, de agora em diante, de levar em conta o futuro e as novas gerações ainda não existentes. O respeito e o
cuidado aqui tem a ver também com a diversidade irrefutável, irreversível dos modos de ser viver das comunidades realmente
existentes.

Uma Tecnologia para a Ética e a Política


Os problemas ético-políticos do mundo contemporâneo são infinitos e complexos. Como agir perguntam os bons cidadãos diante
de tantos problemas sociais e ambientais? Como agir para combater a injustiça social e a destruição ambiental? O que fazer para
acabar com as calamidades públicas, como violência, corrupção?
Lançados a si mesmos, isolados por redes de poder invisíveis, auto-legitimadas e auto-patrocinadas, os indivíduos como tais se
sentem e são impotentes diante de contradições tão dramáticas e complexas. Isto coloca um problema que aqui só poderemos
abordar superficialmente, mas que deve ser indicado. O poder moral dos indivíduos, o poder de sua ação, de sua conduta como
indivíduos, se não estiver articulado em um nível superior, político e institucional se reduz a quase nada.
Hoje, a Ética, as condutas e posturas individuais tornaram-se de tal modo dependentes das técnicas e tecnologias que, no limite, é
a tecnologia que está no comando da ética; na medida em que a sabedoria técnica tornou-se condição da sabedoria prática. Saber
bem agir na sociedade atual, implica em saber agir a partir de uma base necessariamente tecnológica.
A operacionalidade técnica é condição de nossa atualidade. Assim, não é somente a tecnologia que deveria prestar contas à ética,
mas também, ao contrário, é a ética que por sua vez deveria prestar contas à tecnologia.
É preciso enriquecer a engenhosidade técnica com a Ética, que não pode ser confundida com a Lei, cuja determinação
fundamental, é limitação da ação, imposição de deveres. A Ética é também afirmativa, pois lida também com a dimensão da
liberdade e da autonomia humanas.
Por outro lado também é preciso enriquecer a engenhosidade ético-política com a riqueza da criatividade técnica. Uma ética e
uma política técnicas, hábeis como um computador. Uma forma ético-política que vá além dos meros discursos. Que tenha
potência operacional. Que seja capaz de reinventar a técnica na própria era da técnica. No sentido da boa e bela vida.

Em suma, a tecnociência tornou-se “a estrutura dinâmica fundamental do modo de produção e das relações inter-pessoais no
mundo contemporâneo” - de tal modo que os destinos humanos e o conjunto da vida do planeta terra, estão, como observa
Hottois, irreversivelmente dependentes da “pesquisa e desenvolvimento tecnocientífico” (PDTC). Esta PDTC comportará, por
certo, uma ética. De que tipo será esta ética é difícil dizer.
Na verdade, muitas éticas são possíveis e desejáveis. Porém, talvez elas tenham coisas importantes em comum e que dizem
respeito a nossa vida em comum neste planeta. A primeira delas diz respeito a questão de como preservar o meio ambiente e sua

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biosfera, como construir uma cultura do cuidado, da atenção. A segunda delas diz respeito às injustiças e calamidades sociais. E a
terceira diz respeito à afirmação e promoção da subjetividade.
Uma coisa portanto parece certa: elas deverão colocar de um ou de outro modo no centro de suas preocupações e ocupações o
paradigma ecosófico das três ecologias, como chamou Guattari: a ecologia ambiental, a ecologia social e a ecologia da
subjetividade.
Seja como for, esta poli-ética da PDTC não será simplesmente limitadora, será também criadora. Ela será orientadora,
provocadora, desestabilizadora e afirmativa. Pois não apenas a riqueza, mas a saúde, o bem estar e bem viver das nações,
instituições e indivíduos, dependem de políticas pró-ativas na PDTC. Ela também não terá pretensão de validade universal, nem
de totalidade nem de ser definitiva. Ela estará sempre incrustrada nas dinâmicas das vidas reais, na multiplicidade dos jogos de
linguagem existentes e emergentes no mundo contemporâneo.
Presumivelmente, as novas formas do fazer ético e político emergentes não concorrerão mais para a concretização de uma utopia
já anunciada, ou a criação de uma nova e melhor utopia. Elas terão por certo mais vida e mais gosto em afirmar as diversidades,
em desenhar outras, inusitadas, múltiplas heterotopias.

 Objetivos

O objetivo geral da pesquisa é realizar uma reflexão filosófica do conceito de técnica, tecnologia e tecnociência, buscando
desenvolver de forma consistente uma abordagem conceitual das principais características e implicações da tecnociência no
horizonte da sabedoria prática, ética e política e, assim, oferecer instrumentos conceituais para a compreensão dos desafios éticos
e políticos na sociedade contemporânea tecnocientífica; pensar as cruciais implicações da tecnociência na sociedade
contemporânea e suas interdeterminações no âmbito da vida moral e política dos indivíduos e grupos humanos em nossa
atualidade. A partir daí refletir as implicações conceituais no âmbito da Ética e da Filosofia Política contemporâneas – tarefa
criadora.
Pretende-se, assim, pensar o problema da cidadania contemporânea neste horizonte hegemonizado pela tecnociência,
investigando as possibilidades emancipatórias no contexto da nova tecnopolis globalizada, no sentido da construção da vida
republicana.
Além disto a pesquisa objetiva também:
• investigar como a ética e política nos ajudam a entender a tecnologia e como esta por sua vez nos ajuda a entender
aquelas duas dimensões fundamentais da vida humana.
• estudar as transformações operadas pelas mídias digitais de comunicação e pelas nanotecnologias moleculares de
produção;
• estudar autores clássicos no debate sobre filosofia da tecnologia, tais como Aristóteles, McLuhan, Heidegger, Marx,
Simondon e Hans Jonas;
• estudar em profundidade e privilegiar o referencial contemporâneo para a análise da tecnociência hoje com destaque
para Galimberti, Hottois, Engelhardt, Latour, Lévy, Lenoir e Castells;
• investigar as novas formas das sociabilidades humana, da subjetividades contemporâneas e do exercício do poder
político;
• compreender, prospectar e avaliar, o sentido das novas formas de vida morais e políticas no contexto da sociedade
tecnocientífica;
• oferecer subsídios teóricos às instituições públicas e privadas, aos grupos de pesquisa envolvidos com a tecnologia e as
ciências humanas;
Enfim, propor um complexo conceitual que ajude a pensar as novas realidades eticopolíticas essencialmente tecno-sociais e
tecno-ambientais para as quais a tradição filosófica clássica e moderna aparentemente não nos pode mais oferecer o aparato
teórico
.

 Metodologia

• Pesquisa científico-filosófica teoricamente situada em uma perspectiva transdiciplinar, tendo como disciplinas
privilegiadas de interlocução as ciências sociais, psicológicas, da comunicação e da informação, bem como a literatura
e o cinema de ficção científica;
• Pesquisa bibliográfica envolvendo o estudo dos clássicos da filosofia e das principais reflexões contemporâneas sobre
conceitos de técnica e tecnologia;

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• Estudo procurando envolver grupo de colaboradores de outras áreas e disciplinas;


• Reuniões e seminários de estudo e pesquisa envolvendo núcleo de estudos Filosofia da Tecnologia e convidados locais
e regionais;
• Colóquios e seminários públicos sobre tema em questão, com convidados qualificados da comunidade acadêmica e
intelectual local e nacional;
• Gravação e publicação dos principais seminários e debates em vídeo na Internet com acesso público e gratuito, dentro
do projeto Filoweb << http://www.unisinos.br/filoweb/ >>, já em desenvolvimento;
• Desenvolvimento de uma página Web específica para compartilhamento e desenvolvimento da pesquisa <<
http://groups.google.com/group/filosofia-da-tecnologia >>, já em desenvolvimento.

 Destacar o caráter aplicado do projeto (aplicação para a sociedade e/ou desenvolvimento regional)

Uma pesquisa filosófica tem um caráter aplicado muito estrito. Esta oferece um trabalho conceitual para a compreensão e o
enfrentamento das grandes questões da sociedade tecnocientífica, bem como para instrumentalizar teoricamente o
desenvolvimento social e regional tecnológico. Além disto podemos destacar as seguintes aspectos aplicados do projeto:

• desenvolver competência para oferecer consultorias para instituições públicas e privadas;


• desenvolver instrumentalização conceitual para grupos de ensino e pesquisa nas áreas das ciências humanas e
tecnológicas.

 Resultados esperados:
Considerando:
(1) avanços decorrentes da Pesquisa e formas de transferência do conhecimento; (2) expectativas de orientação
relacionadas à Pesquisa (pós-doutorado, doutorado, mestrado, trabalho de conclusão de curso, iniciação científica e outras);
(3) outros produtos e serviços.

Entre os principais resultados esperados pode-se destacar:

• ajudar a estabelecer e desenvolver um diálogo profícuo entre as chamadas ciências humanas e as ciências tecnológicas;
• oferecer à comunidade acadêmica e ao público em geral um questionamento dos fundamentos éticos e políticos das
ciências tecnológicas e da sociedade altamente tecnocientífica;
• criar competência e referencialidade para orientação de pesquisa de pós-graduação e graduação, bem como para
iniciação científica e outras formas de estudo;
• compreender as premissas e condições fundamentais das ciências tecnológicas;
• tornar público os principais debates e contribuições da pesquisa, através da publicação de artigos, debates e seminários,
em forma vídeos, principalmente pela rede mundial de computadores e revistas de divulgação científica e cultural;
• gerar três (3) artigos para publicação nos periódicos de divulgação científica nacionais e internacionais, reconhecidos
pela comunidade científica, tais como aqueles referenciados principalmente pela ANPOF, pelo SCIELO e pela CAPES;
um deles, pelo menos, tendo em vista publicação internacional; entre outros, explicita-se como possibilidades de
publicação os seguintes periódicos: Scientiae Studia – Revista Latino-Americana de Filosofia e História da Ciência;
Kriterion: Revista de Filosofia; Techné: Research in Philosophy and Technology; Revista de Filosofia - Revista do
curso de filosofia da PUC-PR; Análisis Político [Colombia]; Frónesis [Venezuela]; Ethic@ (UFSC); Revista Filosófica
de Coimbra; Revista Portuguesa de Filosofia; Political Theory; Revista de Sociologia e Política (UFPR. Impresso);
Revista Filosofia Política Série III; Revista Internacional de Filosofía Política (Barcelona); Cadernos de Ética e
Filosofia Política (USP); Comunicação & Política.
• consolidar o núcleo de pesquisa “Filosofia da Tecnologia” e sua qualificação para se tornar um grupo de pesquisa do
CNPq;
• desenvolver ambiente digital on-line interativo e multimídia de pesquisa, com a devida publicação do desenvolvimento
e dos resultados da pesquisa;
• ofertar disciplina no Programa de Pós-Graduação em Filosofia;

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• participar em e organizar congressos, simpósios, encontros e debates sobre ou que envolvam a temática;
• consolidar as condições de pesquisa teórico-filosóficas para pós-doutoramento.

 Cronograma físico

Atividade / Mês 01 02 03 04 05 06 07 08 90 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36

Reelaboração
projeto

Desenvolvimento
site pesquisa

Revisão texto
site

Pesquisa
bibliográfica

Pesquisa
Internet

Reuniões núcleo
de pesquisa

Seminários grupo
pesquisa

Seminários em
âmbito local

Seminário em
âmbito nacional

Edição/publicação
vídeos seminários

Redação dos
artigos

Traduções e
revisões

Envio dos artigos


para revistas

 Previsão de recursos:

o Editais

Participação com projeto principal e outras variantes tais como projetos incorporados ao escopo do projeto principal, eventos, nos
principais editais de pesquisa do CNPq: Humanas e Sociais, Universal, Produtividade, Apoio a Realização de Eventos,
Divulgação científica, ou outros novos que vierem a ser abertos. Também se procurá outras instituições e fundações para o
financiamento do projeto, tais como FAPERGS, FINEP, entre outros.

o Outras parcerias

A serem construídas;

 Referências bibliográficas

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Unidade Acadêmica de Pesquisa e Pós-Graduação

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VIRILIO, P. A Bomba Informática. São Paulo: Estação Liberdade, 1999.

VI - Síntese dos resultados do Projeto de Pesquisa anterior


1) Texto de até 20 linhas com a descrição sucinta do objeto de pesquisa com informações sobre a natureza e a importância do
problema e se o trabalho se constituiu numa confirmação de observações de outros autores ou se contém elementos novos, com

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realce para a fundamentação teórica. Informar os resultados alcançados, parciais e finais, bem como a relevância para a área e a
Instituição.
2) Informar: a) as publicações científicas decorrentes da pesquisa; b) os órgãos financiadores.
Não se aplica.

 Data
São Leopoldo, 07 setembro 2009.

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