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Michael Lowy organizagao REVOLUCOES traducao Yuri Martins Fontes inclui postécio de Michael Lowy Revolugées brasileiras? Borrenmre ro Tre Rt AT Copyright © Boitempo Faitorial, 2009 Copyright © Michael Léwy, 2000, 2009 Edigao original: Revolutions (Paris, Hazan, 2000) Coordenesto editorial Wana Jinkings Edivor-asistente Jorge Veeeira Filho Elisa Andrade Buzzo, Frederico Ventura e Gustavo Assano Acsisténcia editorial Traducito Yuri Martins Fontes Revista da tradugio Masiana Echalar io Camilla Bazzoni de Medeiros Capace dingramagito Antonio Keb Producto Marcel Tha CIP-BRASII. CATALOGACAO-NA-FONTE I NDICATO NACIONAL DOS EDITO! DE LIVROS, RJ R35 Revolugbes / Michael Léwy, orguatzagio ; tradugio Yuri Martins Fontes - Sio Paulo : Boitempo, 2009. ill ‘Traducao de: Révolutions Inclui bibliografia ISBN 978.85-7559-147-5 1, Revalugées - Historia - Obras ilustradas. ‘Século XX - Obras ilustrad: 3. Historia ur 4, Hist 09-4770. 2, Revolugoes - Histéria yal - Obras ilustradas. moderna - Século XX - Obras ilustradas. 1. Liwy fichael, 1938+. CDD: 303.6409 CDU: 316.423.3(09) 11.09.09 18.09.09 015213, ; publié dans lecadse de l’Année de la France au Br ct du Programme d’Aide & la Publicarion Carlos Drummond de Andrade, bénéficie dus soutien du Ministére frangais des Adres Ercangéres et Européennes. “Franca Br 2009” Année de a France aaa Brésl (21 avril ~ 15 navembre) est organise: en France, parle Commissariat général fangs, le Ministére des Affaires Exrangéres ct Européenncs, le Minisre dela Culureer de a Communication et Culuresfiance [Bresi, parle Comamissariar général brésilen, le Ministére de la eure ct le Ministre des Relations Extérieues Este liv, publieado ao ambjto do: Ano da Franga no Brasil ¢ do programa de auxilio 3 publicagio Carlos Andrade, contow com 0 apoio do Ministéio francés das Relagoes Exteriores ¢ Europeias. “Franga.Br 2009” Ano da Franga no Brasil (21 de abril a 15 de novembro) € organizado: = ni Franga, pelo Comissariade geral francés, pelo Ministéio das Relagées Esterieres ¢ Europeias, pelo Ministério da Culrara © ha ‘Comunicagio e por Culures ‘no Brasil, pelo Comissariado geral brasileiro, pelo Ministério da Cultura e pelo Minisério das Relages Extctiors mmond de E vedadk, 110s termes dale, reproducio de qualquer parte deste livro sem a expressa aurorizagio da editora. 14 edig&o: novembro de 2009 BOITEMPO EDITORIAL Jinkings Edivores Asociados Leda. Rua Persita Leite, 373 05442-000 Sao Paulo SP “Tela: (11) 3875-7250 / 3872-6869 editor@boirempoeditorial.com Le www.boitempocdicorial.com.br Liberté» Egalie + Fraterité REPUBLIQUE FRANCAISE Sumario Adverténcia .......... Arevolucao fotografada A Comuna de Paris, 1871.... A Revolugao Russa de 1905....... A Revolugao Russa de 1917.......6005 A Revolugao Hungara, 1919 A Revolugao Alema, 1918-1919 ...... A Revolucao Mexicana, 1910-1920... As Revolucées Chinesas, 1911 e 1949... A Guerra Espanhola, 1936... A Revolucdo Cubana, 1953-1967 A historia nao terminou.... Posfacio a edicao brasileira - Revolugoes brasileiras?......533 Bibliografia... Crédito das imagens...... Sobre os autores.... Adverténcia ste livro retine pela primeira vez, a0 que nos consta, uma abundante documentagao fotografica sobre os principais movimentos revolucio- ndrios, da Comuna de Paris aos nossos dias. A revolugéo é etimologica- mente uma reviravolta: inverte as hierarquias sociais ou, antes, recoloca no lugar um mundo que se encontra do avesso... Por uma questio de coerén- cia, escolhemos as revolugées “classicas”, revolugées sociais de inspiracao igualitdria que visavam distribuir a terra ¢ as riquezas, abolir as classes ¢ entregar 0 poder aos trabalhadores: a Comuna de Paris, a Revolugio Mexi- cana de 1910-1920, as duas Revolugdes Russas (1905 ¢ 1917), as Revolu- Ges Alema e Hiingara de 1919, a Revolugéo ¢ a Guerta Civil Espanhola (1936-1937), as Revolugoes Chinesas e a Revolugao Cubana. Portanto, fomos obrigados a deixar de lado outros movimentos revolucioné- rios ndo menos importantes, porém de natureza diferente: as revolugGes demo- criticas, antiburocrdticas ¢ anticotal (por exemplo, a Revolucéo Htingara de 1956) ¢ as revolugées anticoloniais, as lutas de libertagéo nacional (por exemplo, a Revolugao Indochinesa ¢ a Revolugao Argelina). A distingio nio é absoluta, j4 que nessas outras formas de revolugio existe também uma dimen- sao social inegavel, mas trata-se, em tiltima anélise, de fendmenos diferentes. O Giltimo capitulo passa em revista uma série de eventos revoluciondtios — distintos, em certa medida, das revolugées no sentido pleno do termo— dos tiltimos trinta anos: Maio de 1968, a Revolugto dos Cravos em Portugal (1974-1975), a Revolucao Nicaraguense (1978-1979), a queda do Muro de Berlim (1989) ¢ a sublevacéo zapatista de Chiapas (1994-1995). A revolucao fotografada Michael Lowy D" barricadas obstruem uma rua estreita, Os combatentes estio invisi- veis, Esperam um ataque iminente, A barteira mais proxima do forégra- fo, construida com paralelepipedos ¢ as rodas de uma carruagem, parece atravessada por uma langa que poderia ser uma haste de bandeira (verme- Iha?). A rua esté vazia, Quase se escuta o siléncio da espera. Essa barticada nao deixa de parecer com a da rua de Saint-Maur, em junho de 1848, descrita por Victor Hugo, em Os misendveis: Esse muro foi edificado com paralelepipedos. Era reto, correto, fio, perpendi- cular, nivelado a esquadro, retificado com barbante, alinhado a fio de chumbo. (...] A rua estava deserta a se perder de vista. Todas as janelas e todas as portas || Nao se via ninguém, nao se ouvia nada; nem um grito, nem um ruido, nem um suspiro. Um sepulero.! \ Victor Hugo, Ler misévabler (Paris, Flammarion, 1979, v, 3), p. 200-1, [Ed. bras.: Or miitent- eis, rad. Frederico Ozanam Pessoa de Barros, 3. ed. Sio Paulo, Cosae Naif, 2009.) Hugo contribuird muico para a construcio da barricada como mito reveluciondrio, Certamente, ele se refere as barricadas de 1832, que ocupam a praca principal na narrativa de Os misenavets, mas também far referéncia 4s construgdes dos insurgentes de junho de 1848, como a da entrada do subtirbio de Saint-Antoine, descrito ofa como um monstco, ora como um mo- numento Sagrado: “Era desmesurada e viva; ¢ como das castas de uma besta eléutica, soltava fagulhas de raio. O espitito da revolugto cobria com sua nuvem o p ‘ovonde troava essa vor do povo que se assemellna i vor de Deus; uma majestade estranha desprendia se desse titinico monte de escombros” (ibidem, p. 199). 10 Revolucées Barricadas antes do ataque, rua Saint-Maur, 25 de junho de 1848. A mesma barricada no dia seguinte: 0 cendrio apés a batalha. A rua fervilha de gente: militares, tropas de choque, ambulantes. Passeiam entre as barri- cadas, esburacadas, mas ainda inteiras. Os insurgentes estdo ausentes: mor- tos, fugidos, presos? O que € certo é que foram vencidos. Esses dois daguerrestipos*, tirados de uma janela em 25 ¢ 26 de junho de 1848 por um certo Thibaut, sobre o qual nao se sabe muita coisa, estio entre os primeiros registros fotogréficos de uma revolucio. Fotografia obrida por um processo inventado por Louis Daguerre, em 1839, gu fixar a imagem numa pelicula de praca. (N. T A revolugao fotografaca Barricadas apds o ataque, rue Saint-Maur, 26 de junho de 1828. Data da mesma época um terceiro registro, feito por Hippolyte Bayard: a barricada destruida da rua Royale. E uma imagem melancélica: do sonho utépico dos insurgentes, nao resta sendo a ruina, montes de pedras disper- sas, A rua parece deserta, mas a presenga de algumas carrogas ¢ carrinhos de mio parece indicar que alguém se prepara para repavimenté-la. A bara~ tha terminou. A ordem reina em Paris. E enorme o contraste entre essas primeiras imagens de barricadas revolu- s ¢ distantes, ¢ aquelas de cionarias, espléndidas, mas iméveis, enigméti Barcelona, em julho de 1936, quase um século depois. Os sacos de areia a 12 | Revolugdes substituiram os paralelepipedos. O fordgrafo nao est4 mais numa sacada, mas bem mais préximo, ou mesmo no meio dos insurgentes. E, sobretudo, veem-se os rostos dos combatentes, os sorrisas, as maos desajeitadas que seguram 0 fuzil ou 0 punho erguido, Contudo, apesar das mudangas, a barticada esté sempre li, sinénimo de sublevacao popular, de iniciativa revolucionaria. Nao é por acaso que o hino da CNT [Confederagéo Nacio- nal do Trabalho), 0 grande sindicato anarquista, comega com o chamado: “A las barricadas! A las barricadas!” Nova mudanga de cendrio: estamos em maio de 2008. Os paralelepfpedos so de novo arrancados do chao, ¢ os rebeldes, quase todos jovens, em alegre solidariedade, erguem uma barricada. Mas dessa vez, ao contririo de Barce- Jona em 1936 ou de Patis no século XIX, nao hé mais fuzis. Nao se mata 0 inimigo, ha escérnios, zombarias, &s vezes alguém o arranha ao langar uma pedra, Ha muito barulho e fumaga, mas a queda da barricada nao conduz mais 4 execugao dos rebeldes, fuzilados pelas forcas da ordem: 0 combate acaba com a dispersio dos jovens, que logo se reagrupam noutra parte. Voltemos um instante as barricadas de junho de 1848, as primeiras da historia fotogrifica das revolugées. Elas constituem uma guinada histérica: 0 inicio “da guerra c novo significado & palavra revolugao: nao mais uma simples mudanga na forma entre 0 capital ¢ o trabalho”, escreverd Marx, E introduzem um do Estado, mas uma tentativa de subversio da ordem burguesa® Qual cra eficécia politico-militar da barricada? Para Auguste Blanqui — de todos os revolucionérios do século XIX este é, sem diivida, aquele que mais refletiu sobre a questo -, a eficicia ¢ indispensdvel para o triunfo da suble- vacao, desde que se saiba tirar as licdes da derrota de junho de 1848. Como explica detalhadamente em suas Instructions pour une prise darmes (1869) [Instrugées para um: ida pelas armas], é imperativo organizar uma rode entre as barricadas assim como é preciso ergué-las de modo que sejam 7 1848-1850 (Paris, Editions Sociales, 1948), p. 59 « 63. Fd bes ecw de closes mur Framga (1848-1850), S40 Paulo, Global, 1986.) A revolugio fotografada indestrutiveis, usando nao menos do que 9186 paralelepipedos por mura- ha’, Friedrich Engels, 20 contrério, é mais 1895, insiste logo de inicio na ideia de que a barricada tem um efeito mais tico. Em seu célebre texto de moral do que material: visa abalar © moral das tropas governamentais. De scu ponto de vista, 0 aperfeigoamento récnico dos fuzis e da artilharia, as- sim como as novas ruas modernas, retas e largas (Haussmann), sao ele- mentos desfavoraveis as barricadas*, Essas consideracées técnicas ¢ taticas nao impediram que as barricadas res surgissem no coragéo das crises revolucionarias. Na Europa ocidental — as ia, mas nao na Asia -, a barri- vezes também na América Latina ¢ na Riis cada é quase consubstancial com a nogao de revolucao: desde o principio do século XIX até maio de 1968 e mais além, surge como a materializacio simbélica do ato insurrecional. Como subversio petrificada, ergue-se no meio da cidade, guarnecida de bandeiras ¢ fuzis, num enfrentamento desi- gual com a metralha ¢ os canhdes das forcas da ordem. Momento magico, luz inesquectvel que escapa do desenrolar casual das sucessbes ordindrias, a revolugao é assunto de imagem, mais que de concei- to. Sobrevive e propaga-se pela imagem e, desde o fim do século XIX, (também) pela imagem fotogrifica’. E claro que as fotografias nao podem substituir a historiografia, mas elas captam 0 que nenhum texto escrito pode transmitir: certos rostos, certos estos, certas situacdes, certos movimentos. A fotografia possibilita que se veja, de modo concreto, o que constitui o espirito tinico e singular de cada revolugao. Alguns criticos negam o valor cognitivo das fotografias de aconte- cimentos. Por exemplo, 0 grande teérico do cinema Siegfried Kracauer tinha Auguste Blangui, Jnstrncrions pour une prise darmes (Paris, Editions de la Téte des Feuilles 1972), p. 51 + Friedrich Engels, “Introduction” (1895), em Karl Mars, Les Jueves de olsses en France, ete p.33-4 > Ver Daniel Benssiid, Le paré mélancoligue (Paris, Fayard, 1997), p. 281-3. B Revolugdes conyicedo de que a foto néo permite conhecer o pasado, mas somente “a configuragéo espacial de um instante”. Num ensaio de 1927, chega a denun- Giar as revistas ilustradas como “uma ferramenta de protesto contra 0 conhecimento”! Fssa opinio & compartilhada, meio século depois, por Susan Sontag, em seu livro Sobre a forografia: citando Brecht, segundo o qual uma foro das usinas Krupp nio tevela praticamente nada sobre essa institui- G40 capitalisea, cla afirma que somente a maneira narrativa pode permitir a compreensio. Para ela, a fotografia, “afinal de contas, nunca pode nos trazer nenhum conhecimento de ordem ética ou politica”. Esse ponto de vista me parece bastante discutivel. E verdade que a fotografia nao pode substicuir a narrativa histérica, mas isso nao a impede de ser um instrumento insubstituivel de conhecimento histérico, que torna visiveis as- pectos da realidade que frequentemente escapam aos historiadores, A foro das usinas Krupp nao acrescenta nada, mas a do senhor Krupp cumprimen- tando Hitler, em companhia de outros industriais ¢ banqueiros, é um docu- mento fascinante sobre a cumplicidade entre capitalistas alemaes € nazismo, A contribuicao especifica da documentacio fotografica é posta em evidén- cia, com muita perspicdcia, pelo antropdlogo ¢ historiador Mare Augé: As fotos de imprensa ou agéncias [...] colocam a Histéria no presente, resti- tuindo-lhe a espessura, a contingéncia, a imprevisibilidade. O individuo, o acontecimento, a anedora ocupam todo 0 seu espago isso nao significa que a Histéria nao tenha sua importincia: uma das tarefas do historiador, se deseja compreender uma época, é precisamente imaginar o presente dela, fazer 0 in- pilidades, escapar da ilusio retrospectiva.* ventirio de suas po: © Siegtied Kracauer, Die Phowgraphic (1927) (Frankfurt, Suhzkamp, 1990, Schtiften, vol. 5.2), p- 92-3. Ver os comentitios eriticos bastante pertinentes de Enzo Traverso sobre esse en saio em seu livro Siegiried Knacawer: itinénaive d'un intelleeruel nomade (Paris, La Découverte, 1994), p. 92-6. 2» Sontag, Sur la photographie (Pasis, Christian Bourgois, 1993). p. 38. (Ed. bras.: Sobre 4 fotografia, Sao Paulo, Companhia das Letras, 2004.] Mare Augé, Paris, annéer 30 (Roger Violles) (Paris, Hazan, 1996), p. 10. Ver também p. 11: “A forca da forografia instantinea ve sustents também no fato de propor ao nosso olhar cenas A revolugao fotografada Afirmar a importéncia da fotografia para o conhecimento dos eventos re- volucionarios nao implica que se trate de um documento puramente obje- tivo. Cada uma dessas imagens é ao mesmo tempo objetiva — como ima- gem do real ~ e profundamente subjetiva, pois traz, de um modo ou de outro, a marca de seu autor, Seria preciso toda a ingenuidade — tingida de positivism ~ do fordgrafo, pintor ¢ tedrico htingaro Las Moholy em 1925, na plena objetividade da fotografia: “O aparelho forogrifico é a mais segura ferramenta que nos permite comecar a ter uma ‘Nagy pata acieditar, visto objetiva. Cada um seré obrigado a ver o que é verdadeiro do ponto de vista ético, 0 que se explica por si, 0 que ¢ objetivo, antes de poder for- mular uma posicio subjetiva”’. Esse método abstrai a carga subjetiva que resulta da personalidade, da cultura ou das opgtes politicas do fowgrato. Come escreve Cordelia Dilg a propésito de suas fotos da Revolucao Nica- : “Nenhuma foto é produzida sem intencao. Fu escolho 0 objeto, raguens decido 0 instante da tomada, determino a forma estética ¢ completo as fotos com uma legenda (um texto)”, A escolha da documentagéo nesse trabalho por vezes ¢ arbicraria, como em toda sclegao desse tipo. Mas, por sua diversidade ¢ riqueza, apresenta uma imagem plural de cada revolugdo, naquilo que tem de universal ¢ em sua especificidade histérica, cultural e nacional. Vemos apatecer a revolu nao como uma abstracao, uma ideia, um conceito, uma “estrutura”, mas como uma ago de seres humanos vivos, homens ¢ mulheres que se insur- gem contra uma ordem que se tornou insuportavel. que nao sia mostradas pelos historiadores [..]: nfo somente as atitudes, as expressées fuugidias em que se podem ler a alegria, © medo, a dtivida de um ator dessa historia que se estd cons truind, mas também, ¢ ainda mais, os gestos. os mavimentos, a energia ou a perplexidade detodos aqueles por meio dos quais ela se constrsi Lislé Moholy-Nagy, citado em Susan Sontay Sur la photographie, cit. 9. 238. "Cordelia Dilg, Nicaragian, Bilder der Revolucion (Colonia, Pabl-Rugenstein, 1987), p. 2. Ela acrescenta a seguinte explicagao, nada insignificante: "Essas legendas podem mudar o signili cado da fotografia e sio, portanto, uma parte da informagao”. 15 16 Revolucées Encontramos nessa pilha de documentos verdadeiras obras de arte ¢ sim- ples instantineos, trabalhos profissionais e outros de amadores. Nao qui- semos privilegiar a obra de alguns forografos célebres: as cenas mais sur- preendentes, mais belas ou mais “histéricas” néo séo obra em geral de anénimos? Recorremos a miiltiplos recursos: agéncias de noticias, sem duvida, mas também museus, arquivos, colecdes particulares — nio sé em Paris, mas também em Budapeste e México, Amsterda ¢ Berlim, passan- do por Praga e Munique. © conjunto, fruto de dois anos de pesquisas incensas, oferece uma viagem no tempo € no espago revolucionério, um mergulho numa histéria que esta longe de acabar''. As fotos sao, ainda, mais poliss micas que os textos: podem ser inter- pretadas de diferentes manciras, bastando um titulo para modificar sew significado, ou mesmo transformé-la em seu contririo", Os registros que encontramos estéo frequentemente mal legendados: parte impor- tante da pesquisa consiste em atribuir-lhes um titulo preciso. Walter Benjamin insistia, com razdo, na importéncia das legendas e via nas das montagens de Heartfield um exemplo de utilizagao do texto como “pa- vio que aproxima as faiscas criticas da massa de imagens”, No nascimento da fotografia, no século XIX, os setores mais conserva- se horrorizaram com a nova descoberta. O dores das classes dominantes Leipziger Stadranzeiger, didrio alemao de tendéncia chauvinista, de- nunciava essa arte diabélica vinda da Franga: “Querer fixar imagens fugidias de espelho nao é somente uma impossibilidade, como solid mente provaram os trabalhos da ciéncia alema, mas o projeto em si é Digo “nés", mas é mancira de dizer: esse trabalho foi realizado por nossa documentalista, Helena Staub, © Um exemplo recente bastante conhecide &a foto de uma pilha de cadiveres de vitimas da di- tadura de Somoza sendo incinerados que, gracas a0 Figavo, se tornou uma imagem de indios miskitos assassinados pelos sandinistas.. © “Walter Benjamin, Pariser Brief (2): Malerei ni Photographie (1936) (Frankfurt, Subrkamp Verlag, 1980, Gesammelte Schriften), p. 505. (Fd. port.: “Cartas a Paris (2); pincura ¢ fowo- sgrafia”, em A modemidade, Lisboa, Assitio & Alvim, 2007.] A revolucao fotografada | 17 blasfematério. O homem foi criado & imagem de Deus ¢ essa imagem nao pode ser fixada por nenhuma maquina humana”. Do outro lado da barricada também havia desconfianga, mas por outras ra- 2ées, Até 0s anos 1920, a pritica da fotografia era extremamente limitada nos meios operarios, socialistas ou revolucionarios: estes tiltimos séo objetos, mas nao sujeitos dos instantaneos. A maioria das imagens da Comuna de Paris, das duas Revolugées Russas ou da Revolugéo Alema de 1918-1919 foi feica por fordgrafos profissionais, que trabalhavam na maior parte das vezes para a im- prensa burguesa. Dai a desconfianga que as vezes se observa no rosto dos combatentes fotografados ~ ainda mais que, em caso de derrota da insurrei- ¢40, esse material documental podia facilmente servir as forcas repressivas para identificar os revolucionatios, Roland Barthes remete ao “poder mortifero” da fotografia e cita um exemplo de 1871: “Alguns partidérios da Comuna page- ram com a vida pela complacéncia de posar em cima das barticadas: vencidos, foram reconhecidos pelos poli iais de Thiers e quase todos fuzilados””. Alguns desses fotdgrafos profissionais simpatizavam com a causa revolu- ciondria, mas seu trabalho estava submisso a restrigdes externas. Assim, por tos pelos exemplo, existem dezenas de fotos da execugio de dez reféns fe revoluciondrios em Munique, em 1919, ¢ somente duas das 1,5 mil pessoas mortas pela repressio entre janeiro e marco do mesmo ano em Berlim'® A medida que se avanca no tempo, a fotografia torna-se nao apenas um espelho — necessariamente deformador ~ dos eventos revaluciondrios, mas “ Leipriger Scadranzeiger, citado em Walter Benjamin, “Petite histoire de la photographie” (1931), em Poésie et révolution (Paris, Denoél, 1971), p. 16. [Ed. bras: “Pequena histéria da fotografia’, em Obras excolhidas: magia ¢ técnica, arte e politica, 10. ed., Sao Paulo, Bra- siliense, 1996.) ' Roland Barthes, La chambre claire: note sur la photographie (Paris, Cahiers du cinéma, Galli- ‘mard/Scuil, 1980), p. 25. [Ed. bras.: A odmana elena, 7, ed., Sio Paulo, Nova Frontcira, 2000,] © Ver Dietchart Krebs, “Einleitung” ¢ “Revolution und Fotografie”, em Thomas Friedrich, Tatjana Schmolling et al. Revolution und Fotografie, Berlin 1918/2919 (Beslim, Dirk Nishen, 1989), p. 9-24. 18 | Revolucdes também um ator histérico, um instrumento de combate. Cada campo, nos enfrentamentos ou nas guerras civis, utiliza a fotografia como meio de pro- paganda, simbolo de unio, sinal de reconhecimento. E, é claro, as forogra- fias das revolugées anteriores inspiram cada nova revolucio’ Algumas fotos mostram os dirigentes, os lideres, os “cabecas” das revolu- ges. Esses personagens emblematicos sio quase sempre os vencidos; Au- guste Blanqui, Emiliano Zapata, Rosa Luxemburgo, Leon Trotski, Ernesto Che Guevara, Carlos Fonseca. Walter Benjamin nao estava errado quando insistiu na forca messianica das vitimas, dos vencidos da histéria, dos ante- passados martirizados como fonte de inspiragao para as geragdes seguintes. Mas a maioria dessas imagens ¢ povoada por multiddes andnimas, por desconhecidos: 0 povo insurgente. Sao arteséos parisienses, marinheiros russos, trabalhadores alemaes ou htingaros, milicianos espanhéis, campo- neses chineses, indigenas mexicanos. Se, como sublinha Trotski cm sua Historia da Revolugdo Russa (1932), “o trago mais incontestavel da revolu- ao é a intervencdo direta das massas nos acontecimentos histéricos”"’, esse trago devia ser necessariamente impresso no papel sensivel dos fotdgrs © que a objetiva capta em movimento, em ago, é a transformagao dos excluidos, dos oprimidos, das “classes subalternas” em protagonistas de sua propria histéria, sujeitos de sua propria emancipacio. Os fotdgrafos regis- tram, preto no branco, o momento histdrico privilegiado em que a longa cadeia da dominagao se interrompe. A sequéncia descontinua dessas inter- rupg6es revolucionarias constitui a tradi¢ao dos oprimidos, tradigao que remonta a tempos muito anteriores & intervencao de Daguerre. Eis como Walter Benjamin descreve essa qualidade: “A mais exata técnica pode conferir a seus produros um valor magico que nenhuma imagem pintada poderia ter agora para nds. (..] Na maneira de ser singular desse minuto, ha muito passado, aninha-se ainda hoje o futuro, ¢ tio cloquente que, por um olhar retrospective, podemos reencontré-lo”. Ver Walter Benjamin, “Petite histoire de la phorogeaphic’, cit.,p. 19. Leon Trotski, Histoire de li Révolution Russe (Paris, Revolugdo Russa, So Paulo, Paz e Terra, 1980,] euil, 1950), p. 13. [Ed. bras.: Histéria da A revolucdo fotografada | 19 As fotos de revolugées — sobretudo se foram interrompidas ou vencidas — possuem assim uma poderosa carga utépica"”. Revelam ao olhar atento do observador uma qualidade magica, ou profética, que as torna sempre atuais, sempre subversivas. Elas nos falam ao mesmo tempo do passado e de um futuro possivel. Uma fotografia poderia ser um fator decisive numa revolugio? £ © que propée, na forma de ficgio, um filme norce-americano recente, inspirado na Revolugéo Nicaraguense, Sob fego cruzaido (1983), de Roger Spottiswoode. O principal dirigente da insurteigéo € morco num confronto com o exército (a exemplo de Carlos Fonseca, fundador da Frente Sandinista, em 1976). A ditadura triunfa e proclama que a rebeliao foi subjugada. Os camaradas, que con- | seguiram salvar 0 corpo do lider, pedem a tum fordgrafo amigo que os ajude numa manobra: ; ele o forografa sentado, lendo um jornal, 0 que dé.ailusio de que esta vivo. A foro, publicada | em toda a imprensa, infiama os insurgentes ¢ o povo, que dettubam a tania. O cendsio € imagindrio, mas nem por isso menos crivel, eM Lay fe eae Cate Tg A Comuna de Paris Comuna parisiense de 1871 é certamente a mais prestigiosa e mitica das revolugées abortadas. E também o primeiro dos grandes cpisé- dios revoluciondrios que ostentou a bandeira vermelha a ser fotografado. De fato, a Comuna foi contemporanea do advento da fotografia dita instantanea, que requeria um tempo de pose breve o bastante para per- mitir aprender a atmosfera de uma ocasido ou de um evento, sempre que era possivel fazer os participantes posarem alguns instantes. Mas esse tempo necessdrio cra ainda muito longo, ¢ o material fotografico muito pesado ¢ incémodo para poder caprar imagens ao natural. Esses limites técnicos tiveram duas consequéncias para a representacao da Comuna pela imagem: as artes grificas geralmente se impoem a foto- grafia na iconografia de numerosos trabalhos ilustrados que the foram consagrados, enquanto a essas mesmas Fotografias se adicionam foro- montagens, as vezes grosseiras, as quais buscam dissimular as limitagées da arte fotogrdfica principiance por meio de uma reconstituigao artificial. E duas grandes épocas de materializagao visual da meméria historica, con- combinacao de duas técnicas de representacao, na confluéncia de tém, de certo modo, a resposta mais sensata para um debate que opés apaixonadamente os historiadores da Comuna: teria sido 0 canto do cis- ne do ciclo revolucionario iniciado cm Paris, em 1789, ou um evento 24 Revolucées anunciador das revolugées do século XX? A resposta é simplesmente que a Comuna, & semelhanga de sua iconografia, diz respeito a duas épocas 20 mesmo tempo... Tudo comeca quando, nas primeiras horas de 18 de marco de 1871, as tropas do governo de Adolphe Thiers rentam tomar os canhées estaciona- dos pela Guarda Nacional nos distritos do norte e do leste de Paris, e espe- cialmente os que estao no morro de Montmartre. Esses canhées, destina- dos a proteger Paris contra 0 exército de ocupacio prussiano, espalhado ao norte € ao leste dos limites da cidade, foram em grande parte adquiridos pela Guarda Nacional por meio de uma subscrigao. J conttariada pelas condigées humilhantes da paz assinadas pelo governo com o invasor em 26 de feverciro, ratificadas em 1* de margo. pela maioria monarquista da Assembleia Nacional recém-eleita, a populacao de Paris, majoritaria e radi- calmente republicana, sofreu uma série de vexages econdmicas ¢ repress vas, que culminaram com a “descapitalizagao” de fato da cidade ¢ com a decisao da Assembleia, em 10 de marco, de instalar-se em Versalhes. Entao, no dia 18 de margo, Paris entra em rebeliao. A Guarda Nacional — organizada em federagao de acordo com o duplo principio da elegibilidade € da revogabilidade e comandada por um Comité Central — bem como a populagao dos subtirbios populares de onde saiu mobilizam-se para por em xeque a operacéo do exército governamental. Em Montmartre, guardas nacionais ¢ soldados confraternizam-se com os fuzis para o alto diante da objetiva do fotdgrafo, para testemunhar esse momento de grande alegria insurrecional. Dois generais— Lecomte, que se distinguiu pela brutalidade A frente de uma das brigadas lancadas ao assalto do morro, e Thomas, que se destacou logo apés a sangrenta repressio aos operdtios parisicnses cm junho de 1848 — sio fuzilados por uma multidao exaltada. Thiers ordena a evacuagio de Patis durante a noite: 0 Estado twansfere-se para Versalhes, seguido da maior parte das classes abastadas do oeste parisiense ‘A Comuna de Paris | 25 Em 18 de marco, as barricadas de Paris mudam de significado: nfio é mais contra o exército prussiano que a populacao se agita em volta dos montes de paralelepipedos, mas contra o exército da reacio francesa. Nao é mais em nome de uma patria em perigo, mas em nome da Reptiblica que preci- sa ser salva, € mesmo em nome da “Repuiblica universal”, sobretudo em nome da Comuna, O “viva a Comunal” dispara de todas as partes, toque de reunir dos parisienses, mais do que nunca decididos a conquistar sua autonomia, com 0 risco de ver 0 conjunto das coletividades locais francesas obter a deles no contexto de uma reptiblica federalist. Como parecem orgulhosos ¢ confiantes em suas barricadas, esses guardas nacionais que exibem clarins ¢ tambores, bandeira vermelha ao vento, em poses diversas, em guarda ou descanso, de pé ou de cécoras, o sabre desem- bainhado apontado para a terra ou para o céu. Nao inspiram horror, com suas barricadas improvisadas e seus rostos bonachées ou ingénuos. Nessa ocasido, curiosos, homens ou mulheres, juntam-se pose, como para subli- nhar o clima de quermesse que emana desses primeiros momentos, um clima amistoso, ilustrado pelo menino que um guarda segura pela mao diante da barricada da rua Saint-Sébastian, Essas imagens mostram bem o | que foi a Comuna: muito entusiasmo, pouca disciplina, bons sentimentos, eficicia duvidosa, um povo em armas e nao uma “armada popular”. Por entre as fotos das barricadas, em que a Paris plebeia é erigada, nenhu- ma é mais teatral e mais simbdlica (involuntariamente) que a do cruza- mento do bulevar de Belleville com a rua de Ménilmontant, na qual se destaca 0 letreiro de um magasin de nouveautés*: “Aos trabalhadores”. Essa € efetivamente a Paris dos trabalhadores — operdrios, empregados de escritério, artesdos e pequeno-burgueses — que se insurgiram, sob 0 co- mando de um Comité Central da Guarda Nacional, cujos membros sio na maioria operdrios ¢ mais de dois quintos sao filiados @ Associagéo * Liveralmente;loja de novidades, Refere-sea um tipo de estabelecimento comercial, surgido em principios do século XIX, caracterizado pela ampla variedade de artigos oferracos. (N. F.) 26 | Revolugdes Internacional dos Trabalhadores, a famosa AIT, dirigida de Londres por um exilado alemao de nome Karl Marx. Essa recém-nascida que ¢ a Paris da Comuna estava equipada com uma “Casa Marx”, como parece sugerir outra foto, sobre a qual nos pergun- tamos sc o simbolismo néo seria um efeito buscado pelo fordgrafo, j que nao hé outra justificativa aparente, Na realidade, os “internaciona- listas” parisienses estéo longe de ser “marxistas”. A maioria adere aos ideais anarquistas, proximos da teoria de Proudhon ou de Bakunin. Uma minoria no Comité Central afirmava-se partidaria de Blanqui, os outros membros sao simplesmente republicanos mais ou menos radi- cais, muitos deles nostélgicos do jacobinismo. Na noite de 18 de marco, a Guarda Nacional ocupa pouco a pouco todos os prédios administrativos ¢ militares de Paris, desertados pelos governistas. O Comité Central - situado na rua Basfroi, néo longe da Bastilha, e protegido por barricadas, como a da rua de Charonne refor- gada com canhées — decide durante a noite instalar-se na prefeitura, lugar tradicional do poder parisiense, até a eleigao de um novo governo municipal. A praga da prefeitura, por sua vez, std transformada em fortaleza, cercada de barricadas como as da avenida Victoria ¢ orienta da para oeste, onde estado dispostas algumas dezenas de canhées. A vitéria é rapida surpreendente — inesperada, para resumir. ‘Thiers nao quis arriscar, remendo que suas tropas fossem contaminadas pela revolta patisiense. Preferiu recud-las em Versalhes, deixando Paris entre seu exérci- to 0 exército prussiano, de modo que pudesse preparar a reconquista da cidade rebelde. Ele deseja dominar a capital para esmagar sem piedade a desagradével tendéncia da plebe a revolucao. (Thiers era especialista nessa matéria: ministro do Intetior sob a Monarquia de Julho, fez 0 Exército intervir para teprimir os operiios e 0 povo republicano de Paris, insurgi- dos em abril de 1834 contra a sua deciséo de privé-los da liberdade de as- sociagao, Sob suas ordens, as tropas do general Bugeaud, futuro conquista- A Comuna de Paris dor sanguinario da Argélia, massacram os manifestantes da rua Transnonain, em 14 de abril, num dia sangrento reproduzido por Daumier em uma de suas mais famosas litografias.) A Guarda Nacional, originalmente milicia suplementar, viu-se investida do dia para a noite da responsabilidade de substituir todos os aparelhos de Estado em Paris, tanto militares como administrativos. Thiers ordenou de- liberadamente a evacuacao, contando com a anarquia como um dos fatores que contribuiriam para a subjuga¢io dos parisienses. E a extensio dessa responsabilidade, ao menos tanto quanto aos principios democraticos ca- ros aos insurgentes, que se deve atribuir a pressa do Comité Central em transmitir o poder a uma Comuna eleita. As eleigbes comunais sao realizadas em 26 de marco, apés uma curta sema- na de campanha eleitoral durante a qual a Federagao da Guarda Nacional ca AIT recordam os objetivos de por que se enfrentam. Comité Central: “O que pediamos? A manutengio da Repiiblica coma go- verno, tinico possivel e indiscutivel. O direito comum para Paris, isto é, um conselho comunal eleito. A supressio da chefaeura de policia [...]. A supres- sio do exército permanente ¢ o direito de vés, Guarda Nacional, ser a dnica a assegurar a ordem em Paris. O direito de nomear todos os nossos chefes”. Conselho federal das segdes parisienses da AIT: “O que pedimos? A orga- nizagio do crédito, do comércio, da associacao, a fim de assegurar ao tra- balhador o valor integral de seu trabalho; a instrugao gratuita, laica ¢ inte- gral; 0 direito de reunio e de associagao, a liberdade absoluta de imprensa, 3 de a do cidadio; a organizacio do ponto de vista municipal dos servic policia, forga armada, limpeza, estatistica etc.” Esse era o programa da “revolugao comunal”. As eleigées de 26 de marco forneceram oitenta cadeiras, das quais uma ¢ atribuida a Blanqui, detido na provincia, Por considerar a nova Assembleia revolucionaria demais para 0 seu gosto, dezenove eleitos republicanos moderados renunciam logo de- pois, ¢ eleigGes complementares so organizadas em 16 de abril. No fim das 7 28 | Revolucdes contas, 79 eleitos tomam posse na Comuna, dos quais 21 operarios, 16 em- pregados de escritério, 9 artesaos ¢ 25 praticantes de profissGes intelectuais ou liberais, Tinta quatro membros sao afiliados & AI'I, em igual propor- sao & da participacao “internacionalista” no Comité Central da Guarda Nacional, o que mostra uma constincia na divisto das simpatias politicas do povo revoltoso de Paris. O restante, ou seja, a maioria, é composto de blanquistas republicanos neojacobinos e socialistas moderados. ‘A Comuna pés maos & obra em meio a uma cacofonia evidente desde os primeitos dias que sé fez crescer. Aplicard essencialmente o duplo programa que seus membros haviam fixado, com muita improvisagao, hesitacao, al- guns equivocos e grande devogio. Supressio (simbdlica) do exército perma- nente, moratétia das dividas ¢ dos alugueis, separacio de Igreja e Estado, estabelecimento de um teto salarial para os funciondrios puiblicos, requisicao de moradias vagas, interdigdo de multas e retengdes sobre sakirios, bem como do trabalho noturno nas padarias, anulagio de pequenas dividas contraidas em casas de penhotes etc. A obra administrativa ¢ social da Comuna é abso- luramente notivel, se levarmos em conta as condigées em que se realizou ¢ a pouca qualificagéo da maioria do pessoal de que dispunha. Revolugio politica e social cuja ponta de lanca é uma milicia pouco confor- me com os critérios da arte da guerra, a Comuna aposta em primeiro lugar e acima de tudo no contégio revoluciondrio de seu exemplo ¢ na indignacéo suscitada entre republicanos de toda sorte pela mancira de agir do governo “Thiers e da Assembleia Nacional monarquista. Despacharé mensageiros para as cidades de provincia, e organizaré até mesmo um langamento de baldes para jogar panfletos enderecados “Aos trabalhadores do campo" e que termi- navam com a proclamagao deste triplo objetivo: “Terra para © camponés, ferramenta para o operatio, trabalho para todos”. A esperanga dos membros da Comuna nao era va, Na esteira do 18 de matgo parisiense, movimentos ¢ rentativas comunalistas declararam-se sucessivamente em Lyon, Marselha, Saint-Etienne, Toulouse, Narbonne, A Comuna de Paris Le Creusor e Limoges. Contudo, todas acabam em fracassos mais ou menos graves. Desde os primeiros dias de abril, ficou claro que Versalhes levaria a melhor sobre o resto da Franca. Como a grande maioria dos membros da Comuna julgavam a capitulagao inadmissivel, Paris sozinha nao teve outra escolha scnéo manter-se firme ¢ preparar-se para 0 con- fronto, que se sabe inelucdvel, com os versalheses. O conflito pendia inexoravelmente para o terreno predileto da reagao ver- salhesa, no qual tinha vantagem certa, com um exército aguerrido nas ex- pedicdes coloniais ¢ contra o inimigo prussiano ¢ em busca de um bode expiatério para a dolorosa derrota diante deste. Enquanto os preparativos versalheses vao de vento em popa, a defesa parisiense se afunda numa doce anarquia que os sucessivos delegados de Guerra designados pela Comuna nao conseguirio superar: Cluseret, Rossel e em seguida Delescluze. Os dois primeiros, militares de formacdo, demitiram-se um aps 0 outro, exaspera- dos com a total auséncia de disciplina de uma Guarda em que cada homem se pretende chefe, ja que pode eleger seus chefes ¢, além do mais, nao sabe mais a que comando se votar: & Comuna, ao scu delegado de Guerra, & sua comissao executiva, & sua comissio militar ou ao Comité Central mantido pela Federacio da Guarda Nacional, sem falar dos conselhos regionais? Enquanto isso, a Comuna acumula derrotas diante de um exército versa- thés que aperta o cerco em torno de Paris. Mesmo em Paris, os guardas nacionais posam ¢ relaxam. E muito expres- siva a foro de um grupo descansando, em que se misturam atitudes de soldados e posturas de veranistas, imberbes e barbudos, barbas negras ¢ barbas brancas, ¢ algumas merendeiras. Os guardas em primeiro plano, indolentemente deitados no chao, sonham cerca de um século antes com a praia pavimentada? Ha também os que posam sozinhos para o fordgrafo, as vezes diante de um cenario em trompe l‘ceil: o oficial, a merendeira, 0 chefe da frota, a parisiense 29 30 | Revolugses anénima, uma daquelas que a reacao versalhesa chamard de “pérroleuses”*, acusadas de terem provocado os incéndios da semana final. Vé-se também, de bracos vigorosamente cruzados num notavel paralelismo, Iranquil, com seu olhar terrivel c scu chapéu de “turco”, membro do Comité de Vigilan- cia encarregado de ir atras dos reftatarios, depois que a Comuna decretou, em 6 de abril, a incorporacao de todos os homens de 19 a 40 anos na Guar- da Nacional: e 2 cidada Hortense David, com sua boina de marinheiro e seu ar de “forca tranquila’, que nos faz pensar que, se a Comuna tivesse sido avancada o suficiente para incorporar as mulheres igualmente na Guarda, 0 curso dos acontecimentos talvez fosse outro... Poucos comba- tentes da Comuna destacaram-se tanto nas batalhas como algumas mulhe- res, das quais a mais célebre foi a heroica Louise Michel. Excluidas do direito de elegerem e serem eleitas para as responsabilidades politicas pelos homens, ainda imbuidos dos preconceitos de sua época, as mulheres da Comuna nao terao um papel menos notavel, nao somente no emprego tradicional de merendeiras, mas também por meio de suas organi- zacées € comités préprios, dos quais os mais conhecidos sio a Unido das Mulheres pela Defesa de Paris ¢ pelos Cuidados aos Feridos e 0 Comité de Vigilancia das Cidadas de Montmartre, assim como em certas organizacoes ¢ clubes mistos, como 0 Clube da Revolugao, cujos debates realizados na igteja Saint Bernard, no 18° distrito, eram presididos por Louise Michel... E na praca Vendéme que se encontra a sede do estado-maior da Guarda Nacional, diante da qual vemos pavonear-se 0 major da praca, Simon Mayer. Ambos os acessos estio obstruidos: ao norte, na rua da Paix, por uma barricada de ar bonachao, como seus guardides; ao sul, na rua de Castiglione, pela qual poderiam vir os versalheses, por uma verdadeira for- tificag4o, muito mais imponente. Os acessos a oeste da praca Vendéme do 1° distrito também séo munidos de fortificagées impressionantes, como > Termo usado na época para designar 2s incendidirias, ou “queroseneiras’ da Comuna de Paris. (N.T) ‘A Comuna de Paris | zn ada rua Royale e, a mais macica de todas, a'da praca da Concorde, na es- | quina da rua Saint-Florentin com a rua de Rivoli, artéria central de Paris que leva diretamente & prefeitura, onde se instala a Comuna. A principal atragio da praga Vendéme, porém, é a coluna erguida em sew centro em honra a Napoleso I, cuja demolicao foi decretada pela Comuna, essa “antitese do Império” (Karl Marx), jd em 12 de abril, por considerd-la “am monumento a barbérie, um simbolo de forca bruta ¢ falsa gléria, uma afirmagao do militarismo, uma negacio do direito internacional, um insulto permanente dos vencedores aos vencidos, um perpétuo atentado a um dos trés grandes principios da Repiiblica francesa, a fraternidadc”. Criou-se toda uma histéria em torno da demoligéo por instigaséo, entre outros, do pin- tor Gustave Courber, um dos membros mais atives da Comuna nos domi- nios do ensino e das belas-artes. O engenheiro encarregado de executar a sentenga, membro do “Clube Positi- vista”, comprometeu-se a derrubar a coluna em 5 de maio, aniversdrio da morte de Bonaparte. Diante da expectativa, as pessoas posam para o fotdgrafo ¢ para a histéria ao pé da coluna condenada, antes ¢ depois de erguido 0 an- daime que servira para baixé-la, Guardas nacionais e alguns civis posicionam- -se juntos. Os semblantes so mais graves, nao s6 porque a ocasido é solene, mas também porque jd € maio ¢ teme-se o desfecho da epopeia comunal. Pelos civis que se veem nessas fotos, aos pés da coluna, pode-se verificar a di- versidade social dos parisicnses da Comuna: de boinas operitias a cartolas, passando por chapéus-coco e moles, hé chapéus de todas as classes sociais. ' ‘A derrubada da coluna é adiada para 16 de maio. Nesse meio tempo, a Comuna fez outra demoligéo: a do palacete de Thiers, na praca Saint- -Georges, como uma vinganca simbélica cuja inutilidade ~ nao ha divida de que a Assembleia Nacional compensara generosamente o chefe de sew Executivo — mostra a raiva impotente que toma conta dos parisienses ante , que fuzilavam os a intransigéncia de Versalhes e a crueldade de suas tropz membros da Comuna que caiam em suas mios. 32 | Revolugbes Chega 0 16 de maio, dia do acontecimento mais forografado da breve historia da Comuna de Paris. Uma série de imagens feitas nesse dia mos- tram as etapas para derrubar a coluna Vendome. Uma vez no chao, as pessoas se cmpolciraram em sua base para brandir a bandeira vermelha. A estatua de Napoleao I, jazendo por terra ¢ protegida de estragos, ¢a ocasiao para noyas fotos de grupos que posam para a posteridade. Nos dias seguin- tes, depois que os destrocos da coluna foram reordenados, as pessoas vem de toda Paris para admirar esse desafio simbolico a tirania, tiltima e aca- nhada satisfagao antes do assalto dos versalheses. O imperador jazia por terra. 30 mil cadéveres” (Lissagaray). “Para repor o mestre em seu pedestal, foi preciso um andaime de Desde que as tropas de Versalhes romaram os fortes de Issy e de Vanves, em 8.¢ 13 de maio, depois de arrasé-los sob um diltivio de fogo, sabe-se que 0 assalto é iminente, Comegou no domingo 21 de maio, as 15 horas, pelo su- doeste de Paris. A “semana sangrenta’ foi da segunda-feita 22 de maio até 0 domingo 28 de maio, as 11 horas. Os versalheses avangam metédica c impla- cavelmente contra a cidade, de oeste a leste, precedidos de descargas de ca- nhes; massacrando 0s parisienses a baionera, fuzil e metralhadora, as deze- nas, centenas e milhares, combatentes e nao combatentes (trés quartos deles, segundo Lissagaray), homens, mulheres, criancas e velhos. Em 24 de maio, © principal dispositivo de defesa do 1° distrito € tomado: é a trava central de uma linha de defesa que atravessa Paris de norte a stl, nas duas margens do Sena, ¢ A noite é rechagada para 0 cixo que passa pela Prefeieura, tomada naquele mesmo dia. Nos quatro dias seguintes, 0 avanco das tropas versalhe- sas fecha-se como uma prensa sobre o tilrimo reduto do leste parisiense, as barricadas de Belleville, que caem em 28 de maio, no meio do dia. A medida que recuavam diante do rolo compressor versalhés, os defenso- res de Paris ateavam fogo nos locais de riqueza ¢ poder — bairros nobres, Ministério das Financas, Palicio da Justica, Chefatura de Policia etc. — ini iando intimeros incéndios aos quais se juntam, num gigantesco bra- seiro, 0s incéndios causados pelos bombardeios dos agressores. Paris nearoanmwe| ge | queima. Os membros da Comuna, enfurecidos, assassinam as poucas de- | zenas de reféns que detinham desde abril. Os combates fardo algumas centenas de vitimas nas fileiras dos agressores: ao todo, quase mil mortos do lado dos versalheses... contra 20 mil mortos aproximadamente do lado dos parisienses ~ dos quais ao menos 17 mil foram executados apés um simulacro de julgamenco durante a “semana sangrenta’, se levarmos cm considerago os ntimeros admitidos pela “justiga” militar, aos quais se somam cerca de trés mil mortos em combate. Do furor dessa semana apocaliptica, restam apenas, & guisa de testemunho, as fotos tiradas apés os acontecimentos, mostrando as ruas, os bairros € os prédios devastados em Paris, provavelmente os primeiros registros de uma cidade descruda pela guerra, ¢ jé tao parecidos com os que veré o século XX. Se houvesse uma estética da desolagao, a foto da rua Royale devastada levaria © primeiro prémio: enquadramento notavel, com uma carreta de canhio 4 esquerda, um poste ¢ um quiosque estranhamente de pé entre 0s escombros no centro, uma drvore calcinada ¢ algumas pranchas e janelas a diteita. Na parte visivel de um letreiro, figura “lique”: a rua Royale teria sido rebatizada de rua da République sob a Comuna? As tinicas fotos que trazem vestigios das matancas, dadas as limitag6es téc- nicas da época, sto as dos cadéveres no hospital ou nos caixées. Os corpos alinhados no necrotério inauguram um martiroldgio fotogrifico do movi- mento revoluciondrio, cuja imagem mais midiatizada no século XX serd a do cadaver de Che Guevara, tirada na Bolivia. Aqui, os martires sao inti- meros, arranjados numa perspectiva macabra. So anénimos, em sua maio- ria. Os que tiveram 0 “privilégio” de ser enterrados em caixdes improvisa- dos trazem etiquetas numeradas. Os outros, isto é, a grande maioria das vitimas, foram jogados (as vezes ainda vivos) em valas comuns | Como 0 entetro desse exército de mortos superava todas as forgas, tentou-se bani-lo. As casamaras estavam repletas de cadaveres; espalharam-se substincias incendidrias ¢ improvisaram-se fornos crematérios; estes vomitavam uma | papa. Em Burtes-Chaumont, armou-se uma fogucira colossal, encharcada de 34 Revolugoes querosene e, durante dias, uma fumaca espessa, nauseabunda, empenachou os monumentos, (Lissagaray) ‘Ao menos 40 mil pessoas, homens, mulheres e criancas, serdo detidas, um ergo delas encarcerado em prisdes ¢ fortes da regiao parisiense, como essas mulheres que vemos numa fotomontagem, na priséo de Chantiers, em Versalhes (onde esteve Louise Michel). Os outros dois tercos sio enviados para barcagas, fortes ¢ ilhas do litoral aclantico. A transferéncia eferua-se por via ferrovidria, em condigées frequentemente abomindveis. Os prisioneiros sio embarcados em vagoes de mercadorias ou de animais, em grupos de trinta ou quarenta, com um bujao de agua para dez ¢ duas ragées de pao para cada um, ¢ sto cuidadosamente trancados. A viagem dura de 24 a 32 horas, durante as quais a fome, a sede, a falta de ar, a impossi- bilidade de deitar-se para dormir transformam alguns transportados em loucos fariosos, que provocam brigas por vezes mortais. (Serman) Os prisioneiros esperavam sua vez em condicdes de detencio terriveis até serem “julgados” em Versalhes ou Paris, para onde cram transferidos dessa mesma maneira, Outta foromontagem mostra o Conselho de Guerra em Versalhes reunido sob um crucifixo. Os processos prosseguirio até 1874. Os conselhos de guerra pronunciaram 13.450 condenagoes (3313 delas & revelia), compreendendo 270 a morte, 410 a trabalhos forcados, 3989 & deportacdo para locais fortificados ¢ 3507 & deportagao simples. Os condenados que sobreviveram ao transporte desembarcaram na Nova Caledénia ao fim de uma viagem de mais de cinco meses no fundo de um porao, dentro de jaulas ou cubas, a ferros... Sem dtivida, a Comuna ter sido precursora das revolugoes do século XX é discutivel, mas ¢ incontestavel que a repressio comandada por Adolphe ‘Thiers prefigurou as piores atrocidades dentre todas que esse século tra- gico conheceria, A Comuna de Paris | 35 Cronologia 1870 92/09: Capitulacdo de Napoledo Ill em Sedan. 04/09: Proclamagao da Republica. Governo da Defesa Nacional. 1871 08/02: Eleicéo da Assembleia Nacional. 27/02: Thiers € eleito chefe do governo, 01/03: Ratificagdo da paz pela Assembleia Nacional. 10/03: A Assembleia decide instalar-se em Versalhes, 38/03: A Guards Nacional recusa-se a entregar seus canhées. Paris se revolta, 0 governo troca Paris par Versalhes. 39/03; O Comité Central da Guarda Nacional convoca @leigoes para a Comuna de Paris. 26/03: Eleigdes comunais. 29/03: A Comuna decreta a abolic30 do exército permanente, 06/04: CriagSo do Exército de Versalhes comandado por Mac-Mahon. 16/04: Eleicbes complementares ne Comuna. 30/04: Demissao de Cluseret, delegado de Guerra da Comuna. Rossel 0 substitui, 08/05: Tomada do forte de Issy pelos versalheses. 09/05: Demissao de Rossel. Delesckize 0 substitui, 12/08: Destruigao da casa de Thiers em Paris, 13/05: Tomada do forte de Vanves pelos versalheses. 16/05: Derrubada da coluna Vendéme. 21/08: Inicio do assalto versalhds contra Paris. 22/28/05: “Semana sangrenta’. Paris é incendiada: 20 mil mortos entre 05 parisienses, mill deles executados; 40 mil prisoes, que resultam em 33.450 condenagoas. 38 | Revolugbes Acima e ao lado: A Guarda Nacional é 0 elemento motor do inicio da Comuna. Acima: Um acempamento no sopé do morro de Montmartre, Ao lado: Uma bateria da artitharia no topo do morro. Pagina dupla anterior: Parque de artilharia no morro de Montmartre, erm 18 de margo de 1871. A tentativa de Thiers de tomar os canhdes comprados por subscrigao da Guarda Nacional detona a insurreigao. Os generais : Lecomte e Thomas, que comandam as tropas governamentais, sao fuzilados. A Comuna de Paris | 39 | Pagina dupla seguinte: Sarricada da rua Saint-Sébastien, em 18 de marco de 2871, Do Temple ao Saint Antoine, os bairros populares esta no corago dos acontecimentos desde o inicio até o fim (nos primeiros dias, © Comité Central da Guarda Nacional instala-se na rua Basfroi e, quando a prefeitura de Paris é tomada pelos versalheses, 0s sobreviventes da Comuna ocupam a subprefeitura do 12° distrito). 49 Bx we heey a Barricadas na Paris insurgente de 18 de marco de 1872. No alto: Rua de Abbesses, em Montmartre. Abaixo: Esquina da rua e do bulevar de Ménilmontant (a0 lado, em detalhe). 46 | Revolugdes Bernaert, chefe da frota da Comuna, 48 | Revolugdes Uma merendeira. A Comuna de Paris | 49 Tranquil, membro do Comité de Vigilancia. Na praca Vendéme, Simon Meyer, comandante da praca, posa para a pasteridade. Ao lado: Os preparatives para derrubar @ coluna Vendome, em 6 de maio de 3872 Pagina dupla anterior: Um grupo de guardas nacionais. 54 | Revolucdes |) Oe =e Um grupo de guardas nacionais 20 pé da coluna Vendéme enquanto se preparave para derrubé-la. A Comuna de Paris | 55 A coluna Vandéme ja no chao. Pagina dupla seguinte: Pose em volta da estatua de Napoledo e dos escombros da coluna Vendéme. | Defesa de Paris contra 0s versalheses. No alto: Esquina da rua de Castiglione com a rua de Rivoli | | Abaixo: Barricada elaboradissima na esquina da rua Saint-Florentin com a praca da Concorde. Ao lado: Barricada da rua de Castiglione. 60 Revolucdes Ruinas da Comuna, Acima: Saguao do Palacio de justica Ao lado: Como rey da case de Thiers alia, a Comuna ordenou a destruigao praca Saint-Georges. asthe A Comuna de Paris | 63 | uinas da Comuna ‘Ao lado: Rua Royale, ‘De cima para baixo: Esquina 2 rua de Rivoli com e Pont-Neuf; rua de Rivoli mais 2 oeste; e rua de Lille, 64 | Revolugées 0 presidio de Chantiers, em Versalhes, em 15 de agosto de 1872. Entre as prisioneiras, Louise Michel (a0 lado: em pé no centro), que seré deportads para a Nova Caledénia Me * No alto: Cai mmbros da Comuna fuzilados. Abaixo: Um canto da sal dos fuzilados em 17 de maio de 1871. num hospital Conselho de Guerra em 8 de setembro de 1871. Entre os acusados estava Gustave Courbet, julgado no caso da coluna Vendome. 1905 A Revolugao Russa Gilbert Achcar A Revolugao Russa de 1905 A s derrotas militares das classes dominantes favorecem naturalmente as insurreigdes das classes dominadas. Confirmando a regra, a Revolu- Gio Russa de 1905 também foi produto de uma derrora. Na verdade, fo- ram os reveses do exército e da frota czaristas na guerra russo-japonesa, desencadeada em 1904, que incitaram o descontentamento das cidades dos campos do Império Russo, curvados sob o fardo de uma terrivel m ria. A revolta social estourou naquele ano de 1904 como um estrondo de trovio que precede a descarga do raio: este nao tardaria a cair, A capitulagao das forcas russas em Porto Artur, em 20 de dezembro, depois de um longo ¢ terrivel cerco, suscita uma forte comocao no pais. Em meio aesse clima tenso, a direcao das fibricas de construgio mecanica Poutiloy, uma das mais importantes de Sao Petersburgo, néo havia encontrado solu- gio melhor em resposta as reivindicagées dos operdtios, do que demirir quatro deles, acusados de serem os Ifderes do movimento. Irrivados, os operdrios das fabricas de Poutilov paralisam o trabalho em 3 de janeiro, ¢ conclamam a classe trabalhadora da capital a imité-los. Em menos de uma semana, a greve se generaliza, Era previsto que culmina- ria, no domingo 9 de janeiro, numa imensa procisséo operétia que, partindo de diversos pontos da cidade ¢ dos subtirbios operdtios, convergiria para o Palacio de Inverno, Ali, o dirigente desse vasto movimento, o carismatico 72 | Revolugdes pope Gapone ~ chefe da Unido dos Operdrios das Fabricas e Usinas de Sao Petersburgo, criada originalmente pela policia-, entregard ao czar Nicolau II uma peticao redigida de modo suplicante e ameacador, e com mais de 150 mil assinaturas de operérios. Liberdades publicas, devolucéo gratuita de ter- ras aos camponeses, jornada de oito horas, instrucao obrigatéria e Assem- bleia Constituinte eleita por sufragio universal: a peti¢ao contém uma lista de reivindicagoes explosivas enderecadas ao czar, “como a um pai”, na louca esperanca de que este aquiesceri. Caso contririo, conclufa a peticao, “esta- mos decididos a morrer aqui, nesta praga, diante do ‘Teu palacio...” E foi cxatamente o que aconteceu. Os manifestantes pacificos, alguns dos quais até com fcones ¢ retratos do czar, so recebidos por salvas mortiferas, que fazem varias centenas de mortos. O sangue dos operdrios, em contraste com a bran- cura do inverno russo, transforma o domingo 9 de janeiro de 1905 num “do- mingo vermelho”. A foro em que se vé a multidio tefluir, como levada por uma forte borrasca diante do cordao de tropas que apontam suas armas, ihustra de maneira notivel a narragio de um testemunho desse dia tertivel. Repelida ligeiramente por cada salva, como por uma rajada de vento, em parte pisoteada, sufocada, esmagada, essa multidio imensa se reagrupava imediata- mente depois sobre os cadaveres, 0s moribundos, os feridos, empurrada por novas massas que chegavam, chegavam sempre pela retaguarda.... E nowas sal- vas de tempos em tempos sacudiam essa massa viva com um arrepio de mor- tc... Iss0 durou muito tempo: até o momento em que, as ruas adjacentes estan- do livres enfim, a multidéo pode escapar. (Voline) ‘Trens transportario os cadaveres em plena noite para fora da cidade, onde serao enterrados em valas comuns, sem que fosse possivel contar mimero de vitimas. A greve geral continuard por varios dias em Sao Petersburgo ¢ se | estenderi, ao longo das semanas seguintes, a varias cidades e regioes do Im- pério Russo, No momento em que chega enfim a capital, os operirios ~ en- j carregados de distribuir as familias dos grevistas e das vitimas do “domingo vermelho” os fundos recolhidos por um escrevente, de nome Georges Nossar, alids, Khroustaley — tém a ideia de promover, pelas fabricas da capital, a elei- cao de um comité representativo, que sera batizado de soviet (consclho, em RWS GOOLE RE A Revolugio Russa de 1905 | B russo) dos delegados operdrios. O soviete deveré interromper suas atividades alguns dias mais tarde, diante da repressao governamental, A onda de greves de janciro e fevereiro serd seguida por outra na primavera, durante a qual os operarios téxteis de lvanovo-Voznesensk, a “Manchester rus- sa”, situada na regio de Moscou, cm greve desde 12 de maio, criam, trés dias mais tarde, um soviete de delegados operarios que os historiadores considera- io, injustamente, o primeiro. Entrcwanto, de modo incontestivel, foi o pri- meiro sovicte forografado da histéria. E uma bela imagem a dos operarios contra um fundo de drvores em plena floracio primaveril, comprimindo-se para aparecer na foto, os primeiros estendidos no chao, outros agachados ou de joclhos, ¢ os tiltimos de pé. O fordgrafo nao péde enquadrar sendo dois tercos dos 151 membros do soviete de Ivanovo-Voznesensk: suspeita-se, pelo modo como a imagem do grupo foi cortada na borda esquerda, que uma parte dos delegados ficou fora do quadro. A presenga de algumas mulheres no grupo (certamente bem menos numerosas proporcionalmente do que as operirias da indiistria téxtil) denora um avango em relagdo 4 Comuna de Paris. -Voznesensk, a frota Ao mesmo tempo que se forma o soviere de Ivanov russa do Baltico, enviada a fim de socorter Porto Artur, é destruida no largo das ilhas Tsoushima, no estreito da Coreia — derrota esmagadora que coloca fim a guerra entre a Riissia ¢ 0 Japao. O capitulo seguinte dessa fermentagio revolucioniria atingird, naturalmente, a prépria frota, ow antes, 0 que restou dela. As fibricas Poutilov se somara outro nome lendirio da Revolugao de 1905: 0 do Potemkin, 0 encouragado mais moderno da frota russa do mar Negro. Mais do que 0 acontecimento em si, cuja importancia é, sobretudo, Mostrar a extensto da revolta as forcas armadas, foi o magnifico filme reali- zado vinte anos depois por Serguei Eisenstein que inseriu o episddio do en- couragado Potemkin entre os mitos revoluciondrios dos tempos modernos. O filme péde inspirar-se cm imagens que imortalizaram o acontecimento. is a seus marujos, reunidos na ponte Que contraste 0 que opée os ofici para duas foros de grupo bem distintas: de um lado, a pose altiva dos oficiais, aos qu: se junta 0 capeléo do navios de outro, os marujos, cuja

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