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Jornal da USP

ESPECIAL
Junho /2016 - Publicação da Superintendência de Comunicação Social - Universidade de São Paulo - www.jornal.usp.br

Gustavo Campos
entrou no curso
de História, na
USP, pelo Sisu.
O estudante
defende a adoção
de cotas raciais na
Universidade

Inclusão Social na USP


Universidade enfrenta desafio de reparar
desigualdades históricas no ensino superior
SUMÁRIO

04. Modelo de inclusão 18. Resultados do vestibular


adotado pela USP foca o ditarão mudanças nos
aluno de escola pública próximos anos
05. Ingressantes de escolas 19 Número reduzido de inscritos
públicas na USP no vestibular limita inclusão
05. O sistema de cotas 19 Alunos de escolas REITOR
públicas inscritos e Marco Antonio Zago
06. Presença de alunos matriculados na Fuvest
VICE-REITOR
de escola pública nas Vahan Agopyan
unidades é desigual 20. Para movimentos, as cotas
SUPERINTENDENTE DE
06. Ingressantes de escolas sociais não substituem as COMUNICAÇÃO SOCIAL
públicas nas unidades étnico-raciais Eugênio Bucci
em 2016 21. Pretos, pardos e indígenas
na USP Jornal da USP Especial
07. Inclusp ajuda candidatos, 22. Lei do Boi previa cotas em
Coordenação
mas pede medidas escolas agrícolas Marcia Blasques
complementares
08. Evolução do bônus 23. “Nenhuma universidade Reportagem, redação e edição
Aline Naoe
08. Sistema de bonificação do tem autonomia para Hérika Dias
Inclusp excluir”
09. Douglas Medeiros Pessoa, Arte
George Campos
22 anos Moisés Dorado dos Santos
ARTIGOS Pedro Bolle
Thais Helena dos Santos
10. USP realiza mudança
histórica na seleção de 25. Apresentação: Produção fotográfica
alunos Por que cotas étnico- Cristiane Pradella
Jorge Maruta
12. Gustavo Campos, 19 anos raciais? Verônica Lopes

26. Universidade pública: Fotografia


13. Na primeira experiência
mérito ou oportunidade? Alexandre Gennari
com Enem, USP preenche Cecília Bastos Ribeiro
55% das vagas 28. A diversidade racial como Marcos Santos

14. Oferecimento de vagas na um valor institucional Foto da capa


USP em 2016 30. A quem interessa Alexandre Gennari

a exclusão de negros Revisão


15. Campus da Zona Leste na USP? Silvia Vieira
ofereceu máximo de
vagas em todos os cursos 32. As cotas para negros: Redação e Administração:
Superintendência de
por que aposto os meus Comunicação Social
16. A evolução das políticas olhos azuis Rua da Praça do Relógio, 109, Sala 410
4º andar, Bloco L
de inclusão social na USP 34. A USP na cidade mais Cidade Universitária
São Paulo/SP
negra do Brasil CEP 05508-050
17. Aumenta adesão ao Sisu Tel: (011) 3091-1530
no vestibular 2017 E-mail: jornausp@usp.br
17. Cursos que exigem provas Site: www.jornal.usp.br

de habilidade específica não


podem aderir ao Sisu

2 Universidade de São Paulo


CARTA AO LEITOR

Em 2012, após quatro anos de tramitação no Congresso Nacional e


muitos debates na sociedade civil, o governo federal aprovou a Lei de Co-
tas. Ela estabelece a reserva de metade das vagas dos processos seletivos
de todas as universidades e institutos federais a alunos que cursaram o
ensino médio integralmente em escolas públicas. As cotas determinam
ainda a destinação de vagas para alunos pretos, pardos e indígenas.
A política afirmativa foi criada para reduzir uma grande distorção. Se-
gundo dados do Ministério da Educação (MEC), no Brasil, mais de 85% dos
matriculados no ensino médio estão na rede pública de ensino. Entretan-
to, quando se observava o ingresso desses alunos em instituições de ensi-
no superior público, havia uma inversão.
O prazo para o cumprimento integral da lei se encerra em 2016, mes-
ma data em que a primeira política institucional de inclusão social da USP
completa dez anos. Reavaliado ao longo dos anos, o Inclusp busca atrair
os estudantes de escolas públicas a partir da concessão de bônus na nota
do vestibular.
O Conselho Universitário colocou meta e prazo para ampliar a presença
desses alunos. Até 2018, a graduação da USP deve ter metade de seus ca-
louros egressos da rede pública de ensino. A média geral da Universidade
neste ano foi de 34,6%, mas o quadro dentro de cada uma das 42 unidades
de ensino e pesquisa revela resultados desiguais. Enquanto a Faculdade
de Educação já ultrapassou os 50%, a Escola de Engenharia de São Carlos
ainda está em 14,1%.
Para acelerar o processo de inclusão dos alunos, a USP adotou, em
2015, uma medida inédita. Pela primeira vez em 40 anos, foi aberta outra
porta de ingresso além da Fuvest: o Sisu. Pelo Sistema de Seleção Unifi-
cada, informatizado e gerenciado pelo MEC, as instituições públicas de
ensino superior oferecem vagas para candidatos participantes do Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem).
Com a participação no Sisu, a USP destina uma parcela de suas vagas
para estudantes de escolas públicas e pretos, pardos e indígenas, grupos
historicamente excluídos da sociedade brasileira e das salas de aula do en-
sino superior.
Apesar dessas ações, os movimentos organizados dentro e fora da
Universidade consideram insuficientes as medidas implantadas até hoje
e defendem a adoção de cotas étnico-raciais. A Pró-Reitoria de Graduação
da USP não descarta a criação das cotas, desde que a comunidade univer-
sitária como um todo esteja afinada com a mudança.
Cumprindo o compromisso de fazer a mediação entre a USP e a socie-
dade, o Jornal da USP Especial traz sua contribuição ao debate e apre-
senta, de forma transparente, os problemas e soluções que acredita que
devem ser considerados na discussão. Boa leitura!

Hérika Dias
Editora de Universidade do Jornal da USP

Jornal da USP Especial | Junho / 2016 3


Modelo de inclusão
adotado pela USP foca o
aluno de escola pública
Propostas buscam atrair estudantes negros e de baixa renda
dentro do escopo que vem da rede pública de ensino

Foto: Guilherme Andrade


A Universidade não descarta discutir novas políticas de inclusão além do bônus na Fuvest e do ingresso pelo Sisu

Todo ano, a USP recebe mais de rios estaduais de Desenvolvimento pardos e indígenas. Já a Unicamp im-
10 mil novos alunos em seus cursos Econômico, Ciência e Tecnologia e plantou em 2005 um sistema de bo-
de graduação. Até 2018, de acordo da Educação. Ela propunha o au- nificação que atribui pontuação ex-
com o Plano Institucional aprovado mento do número de matrículas no tra no vestibular para os candidatos
pelo Conselho Universitário (Co), a ensino superior de estudantes que oriundos de escolas públicas e PPI.
intenção é que metade dos ingres- tivessem cursado o ensino médio
santes, em cada curso e turno, te- integralmente em escolas públicas. A opção da USP
nha estudado em escolas públicas. Segundo a Secretaria de Desen- A USP, por sua vez, trabalha com
E dentro desse número, 35% devem volvimento Econômico, Ciência, as duas possibilidades. O Programa
ser pretos, pardos e indígenas (PPI) Tecnologia e Inovação do Estado de Inclusão Social da USP (Inclusp)
- a mesma proporção dessas popu- de São Paulo, o Pimesp serviu para propõe um sistema de pontuação
lações no Estado de São Paulo, se- nortear as políticas de cotas das acrescida no vestibular da Fuvest,
gundo o último censo demográfico universidades estaduais paulistas com bônus para estudantes de es-
do Instituto Brasileiro de Geografia e, como elas têm autonomia admi- colas públicas e PPI. E com a entra-
e Estatística (IBGE). nistrativa e financeira, coube a cada da no Sistema de Seleção Unificada
Embora determine um prazo uma decidir suas políticas internas (Sisu), a Universidade reserva vagas
diferente, a meta segue o estabele- para cumprir o objetivo. em três modalidades: escolas pú-
cido no Programa de Inclusão com A Unesp adota, desde 2013, um blicas; pretos, pardos e indígenas; e
Mérito no Ensino Superior Público sistema de cotas semelhante às ins- ampla concorrência.
Paulista (Pimesp), apresentado pelo tituições federais, com uma reserva Essas, que são as principais po-
governo do Estado de São Paulo mínima de 35% de vagas em todos os líticas de inclusão da USP, não con-
no final de 2012. A proposta foi de- seus cursos para alunos que tenham sideram o critério de renda. Porém,
senvolvida junto ao Cruesp, conse- cursado o ensino médio em escolas segundo dados da Pró-Reitoria de
lho formado pelos reitores da USP, públicas. Dentro desse porcentual, Graduação, em 2008, o porcentual
Unicamp e Unesp, e pelos secretá- estão previstas vagas para pretos, de alunos matriculados com renda

4 Universidade de São Paulo


Ingressantes de escolas públicas na USP
40%
35%
35,1% 34,6%
30%
32,3%
25%
30,1%
26,7% 26,3% 28,5% 28,0%
25,8% 26,2%
20% 24,7%

15%
10%
5%
0%
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Em 2016, a porcentagem de estudantes de escolas públicas que ingressaram na USP foi de 34,6%, apresentando uma ligeira
queda em relação ao ano anterior. Desses, 29% eram pretos, pardos e indígenas, o que representa 1.089 pessoas, em números
absolutos, num universo de 11.057 vagas oferecidas

familiar de até sete salários mínimos nômica”, explica o pró-reitor de Gra- de alunos de escolas públicas nem
era de 41,5%. Houve um aumento duação, Antonio Carlos Hernandes. de pretos, pardos e indígenas, a USP
de 15 pontos porcentuais em 2015, “Pretos, pardos e indígenas es- comemorou um salto representati-
uma mudança compreendida como tão dentro desse contexto social. vo em outro tipo de diversidade.
um efeito do bônus. É uma maneira diferente de olhar De 2000 a 2016, o exame da Fu-
Já a questão étnico-racial é con- para a mesma coisa”, afirma. O pro- vest selecionou uma média de 11%
templada nas duas ações, no en- fessor ressalta, entretanto, que a de alunos de Estados além de São
tanto, sempre com foco em atrair ideia de implantar cotas não é des- Paulo. O porcentual aumentou para
o aluno que cursou o ensino básico cartada pela USP, mas que deve ser 15% após a adesão ao Sisu. Hernan-
na rede pública. discutida e aprovada por parcela des explica que um dos principais
“As ações afirmativas da USP são majoritária das unidades que com- objetivos da iniciativa era conseguir
focadas na instituição escola públi- põem a Universidade. atrair jovens talentos de outras regi-
ca, que tem todos os perfis de pes- No último vestibular, com a ões do País, para tornar a USP uma
soas, não no indivíduo. São jovens adesão ao Sisu, embora não tenha universidade do Brasil, não apenas
que trazem consigo a questão eco- ocorrido aumento nas matrículas do Estado paulista.

O sistema de cotas
Em agosto de 2012, foi aprovada pretos, pardos e indígenas da população A lei foi aplicada gradualmente
a Lei nº 12.711, que obrigou as insti- de cada Estado, segundo o último Censo (iniciando-se com a meta de 12,5%
tuições federais de ensino superior a Demográfico do IBGE. das vagas no primeiro ano) e esta-
reservar em seus processos seletivos A sanção da lei veio alguns meses belecia o prazo de quatro anos para
50% das vagas para estudantes que depois que o Supremo Tribunal Federal o porcentual de vagas ser cumprido
tenham cursado todos os anos do (STF) julgou constitucional a política de integralmente, ou seja, até este ano.
ensino médio na rede pública. cotas da Universidade de Brasília (UnB), Segundo dados divulgados pela
Segundo a Lei de Cotas, como a primeira universidade federal a adotar então Secretaria de Políticas de Pro-
ficou conhecida, metade dessas va- o sistema de cotas, em 2003, mesmo moção da Igualdade Racial da Presi-
gas deve ser destinada àqueles com ano em que a Universidade do Estado dência da República, em agosto de
renda familiar igual ou menor do que do Rio de Janeiro (Uerj) e a Universida- 2015, cerca de 150 mil estudantes
um salário mínimo e meio. Além dis- de Estadual do Norte Fluminense (Uenf) negros haviam ingressado no ensino
so, o preenchimento das vagas reser- decidiram também criar ações afirmati- superior nos últimos três anos pela
vadas deve respeitar a proporção de vas ao ingresso de alunos. Lei de Cotas.

Jornal da USP Especial | Junho / 2016 5


Presença de alunos de escola
pública nas unidades é desigual
Em três unidades, metade dos ingressantes vem da rede pública de ensino

A Pró-Reitoria de Graduação Ingressantes de escolas públicas nas


apresentou, em maio, as infor-
mações sobre o ingresso de es- unidades em 2016
tudantes no vestibular 2016, que
aprovou 34,6% alunos da rede
pública de ensino. Ao analisar EESC 14,1%
FORP 17,5%
como esse número se reflete em
IQSC 18,3%
cada uma das 42 unidades de
FEARP 19,0%
ensino e pesquisa da USP, esse
FEA 20,0%
porcentual revela uma grande Poli 21,8%
variação. EEL 23,5%
Enquanto algumas unidades FMVZ 23,8%
já têm metade de egressos da ICMC 24,3%
escola pública, outras ainda es- IAU 24,4%
tão com o porcentual abaixo do FZEA 26,5%
esperado. É o caso da Escola de FCFRP 27,3%
Engenharia de São Carlos (EESC), ICB 27,5%
onde apenas 14,1% dos calouros IQ 28,3%
cursaram o ensino médio na rede FAU 28,4%
pública. A unidade não aderiu ao FDRP 28,6%
ESALQ 29,0%
Sisu no ano passado.
IFSC 29,9%
A Faculdade de Odontologia
IO 30,0%
de Ribeirão Preto (Forp) também
IAG 31,1%
apresentou baixo porcentual de FCF 32,2%
ingressantes de escola pública: IP 32,9%
17,5%. O Instituto de Química de FD 33,5%
São Carlos (IQSC) obteve o tercei- FO 33,8%
ro pior resultado: 18,3%. USP 34,6%
No outro extremo, estão as EEFERP 35,1%
unidades que atingiram o por- FMRP 36,7%
centual de 50% dos seus estu- EEFE 36,7%
dantes oriundos da escola públi- IME 37,1%
ca. A Faculdade de Educação (FE) IF 37,4%
apresentou o índice de 55,6%, FSP 37,8%
IRI 38,3%
seguida da Escola de Enferma-
IB 38,7%
gem de Ribeirão Preto (EERP),
FMUSP 38,8%
com 51,6%, e a Escola de Artes,
FFCLRP 41,0%
Ciências e Humanidades (EACH), ECA 43,0%
com 50,8%. FOB 43,2%
Vale destacar que a proposta IGc 44,2%
da USP é garantir que cada cur- FFLCH 45,6%
so de graduação tenha metade EE 49,4%
dos seus calouros vindos de EACH 50,8%
escola pública. Os porcentuais EERP 51,6%
mencionados referem-se à to- FE 55,6%
talidade dos cursos dentro de
0 10% 20% 30% 40% 50% 60%
cada unidade.

6 Universidade de São Paulo


Inclusp ajuda candidatos, mas
pede medidas complementares
Programa busca atrair estudantes da rede pública para a Fuvest com bonificação no vestibular

Foto: Cecília Bastos / USP Imagens


Criado em 2006, o Inclusp envolve aumento de até 25% na nota da Fuvest para estudantes de escolas públicas

O Programa de Inclusão So- O programa é voltado apenas Avaliação do Inclusp


cial da USP (Inclusp) envolve um aos alunos que estejam cursando o Dez anos atrás, quando foi cria-
sistema em que candidatos de segundo ou o terceiro ano do ensi- do, o Inclusp envolvia uma bonifica-
escolas públicas recebem bônus no médio público e que tenham es- ção universal de 3%, que se mante-
(aumento) na nota da primeira tudado todo o ensino fundamental ve até o vestibular 2008. Em 2009,
fase e na nota final do vestibu- também em escolas públicas. foram incorporados mais 6% decor-
lar da Fuvest. A porcentagem de No Pasusp, os estudantes do rentes do desempenho no Enem e
bônus, hoje, pode chegar a 25%, segundo ano que prestam o vesti- mais 3% pela prova do Pasusp.
dependendo do grupo em que o bular como treineiros recebem 5% Uma nova mudança só veio a
candidato se insere. de bônus na prova da Fuvest. Caso ocorrer em 2012, quando o bônus
Os alunos que cursaram ou es- sejam aprovados na primeira fase subiu de 12% para 15%, com acrés-
tejam cursando todo o ensino mé- do vestibular, ganham 5% de bônus cimo vindo do Pasusp – pontuação
dio em escolas públicas têm direito na prova do ano seguinte, quando que dependia do número de acer-
a 12%. Para aqueles que, além dis- prestarem a Fuvest novamente. Ou tos na primeira fase. Para o vestibu-
so, tenham estudado todo o ensino seja, alunos que estejam no ter- lar 2013, a USP instituiu mais 5% na
fundamental na rede pública, o bô- ceiro ano do ensino médio e que nota final da Fuvest para candida-
nus sobe para 15%. tenham participado do Pasusp no tos pretos, pardos e indígenas que
Alguns desses candidatos po- ano anterior com aprovação na pri- tivessem cursado todo o ensino
dem ser incluídos ainda no Progra- meira fase recebem, ao todo, 20% básico na rede pública, totalizando
ma de Avaliação Seriada da USP de bônus. um máximo de 20%.
(Pasusp), criado para integrar os es- Tanto candidatos Inclusp como Finalmente, após avaliar os re-
tudantes no processo do vestibular, Pasusp podem obter um bônus sultados da Fuvest 2014, foi decidi-
estimulando a participação na pro- adicional de 5% caso se declarem do que o bônus do Inclusp no ves-
va mesmo antes da conclusão do pertencentes ao grupo de pretos, tibular seguinte seria desvinculado
ensino médio. pardos ou indígenas. do desempenho do estudante, ou

Jornal da USP Especial | Junho / 2016 7


seja, desde que o candidato atingis- pró-reitor de Graduação da USP.
se a nota de corte, ele já receberia
Evolução do bônus Foi avaliado que, sozinho, o
os 12% de acréscimo, podendo che- bônus não conseguiria fazer a Uni-
gar aos 25%. Ano Bônus Máximo versidade atingir a meta de alunos
Como os resultados do ano se- 2007 3% oriundos do ensino público. Ainda
guinte ainda foram considerados assim, o sistema já conseguia cum-
insuficientes, com aumento de 2008 3% prir mais da metade do objetivo.
32,3% para 35,1% de ingressantes 2009 12% Ao aderir ao Sisu, a USP definiu o
de escolas públicas, utilizar a prova 2010 12% limite de 30% de reserva das vagas
do Enem foi a solução encontrada. em cada curso. “Se tem os 30% que
“Nossa opção foi não mudar o 2011 12% entram com a bonificação, mais os
valor da bonificação, para não criar 2012 15% 30% que vêm pelo Sisu, acredita-
distorções. Então tínhamos duas 2013 20% mos que a composição dessas duas
opções: ou implantar cotas ou nos possibilidades deva atingir a meta
inserirmos naquilo que o Brasil já 2014 25% de alunos de escolas públicas e de
vinha fazendo, que é o Enem, e 2015 25% PPI. É uma outra maneira de se che-
oferecer outra porta de ingresso”, gar ao mesmo resultado”, conclui o
2016 25%
explica Antonio Carlos Hernandes, professor Hernandes.

Sistema de bonificação do Inclusp


BÔNUS BÔNUS
Completou o INCLUSP Completou
o Ensino
SIM 15%
Ensino Médio
totalmente Fundamental
SIM SIM totalmente em BÔNUS
em escola
pública? escola pública? NÃO 12%

Aluno do
Início
Ensino Médio NÃO Está no 3o ano
de escola
pública no BÔNUS do Ensino BÔNUS

Brasil?
Completou
o Ensino
PASUSP Médio e tem 20%
bônus Pasusp
Ainda está Fundamental do ano anterior
cursando totalmente SIM
o Ensino em escola
Médio pública? Está no 2o ano
NÃO do Ensino Médio +5%
DE BÔNUS
A SER
NÃO SOMADO NO
Mesmo ainda estando PRÓXIMO
Não participa no 2o ano do Ensino VESTIBULAR
do programa Médio, o aluno pode
de bonificação obter um bônus de
Isso não significa que não receberá 5% a ser somado no
pontuação. Se o aluno completar o próximo vestibular
Ensino Médio em escola pública pode
receber o bônus de 12% do Inclusp

DE BÔNUS A SER
É candidato PPI: indivíduos que se
SIM +5% SOMADO AOS ITENS
ANTERIORES

PPI ?
declaram pertencentes
ao grupo étnico Preto,
Pardo ou Indígena Continua a
NÃO mesma pontuação

8 Universidade de São Paulo


Douglas Medeiros Pessoa,
Morador de Brasilândia,
22 anos bairro da cidade de São Paulo,
Douglas começou a estudar
Estudante de Engenharia de Computação na USP em 2015. A primeira
da Escola Politécnica (Poli) opção de curso era Engenha-
ria Mecânica, mas, como não
foi aprovado, seguiu para a
segunda opção: Engenharia
de Computação.
O curso também estava
nos planos, afinal, o sonho
era ser engenheiro. A defini-
ção da carreira ocorreu du-
rante os dois anos em que
frequentou o cursinho ofere-
cido pela própria instituição
em que pretendia estudar, a
Poli.
Estudar no cursinho gra-
tuito da Poli foi uma ajuda e
tanto para Douglas. “Depois
que terminei o ensino médio,
fiquei um tempo sem estu-
dar para trabalhar. Era para
juntar dinheiro. Meu pai não
tinha como me manter en-
quanto eu estudava; com o
dinheiro que guardei, conse-
gui me dedicar no cursinho.”
Trabalhar e estudar eram
a vida dele desde a primeira
série do ensino médio, re-
alizado em escola pública.
“Sempre estudei em escola
pública, desde o jardim de in-
fância”, conta o estudante de
engenharia. Seu histórico na
rede de ensino pública per-
mitiu que ele participasse do
Inclusp no vestibular 2015.
“O Inclusp me ajudou. Na
primeira fase do vestibular,
tinha feito 64 pontos, con-
segui os 15% de aumento
na nota e fui para a segun-
da fase, quando recebi mais
pontos”, diz Douglas.
Hoje, como um estudan-
te da USP, ele tenta ajudar
outros jovens que, assim
como ele, querem fazer uma
universidade. Douglas é um
dos atuais coordenadores do
Foto: Alexandre Gennari

Cursinho da Poli e dá aulas.

Jornal da USP Especial | Junho / 2016 9


USP realiza mudança histórica
na seleção de alunos
Universidade adere ao Sisu e altera, pela primeira vez em 40 anos, a forma de ingresso

Foto: Cecília Bastos / USP Imagens


Cursos da USP ofereceram vagas no Sisu em três modalidades: ampla concorrência, escola pública e pretos, pardos e indígenas

Em 2012, o Ministério da Educa- Enem pelo candidato. O candidato afirmativa, ao invés do bônus na nota.
ção (MEC) criou o Sistema de Sele- beneficiado com a bonificação con- Foi limitado em 30% o máximo
ção Unificada (Sisu). A proposta é corre com todos os demais inscritos de vagas em cada curso e turno
que as instituições públicas de en- em ampla concorrência. para participar do Sisu e coube a
sino superior ofereçam vagas nos cada unidade a opção de aderir ou
seus cursos de graduação para es- USP no Sisu não ao sistema. Assim, do total de
tudantes que participam do Exame A participação das instituições 11.057 vagas nos cursos de gradu-
Nacional do Ensino Médio (Enem), no Sisu é voluntária. No caso da ação da USP em 2016, 1.489 foram
realizado anualmente pelo MEC. USP, o Conselho Universitário apro- destinadas ao Sisu (13,5%) e 9.568
O Sisu realiza duas seleções vou, em junho de 2015, a adesão para a seleção da Fuvest (86,5%).
anuais de candidatos, pois há insti- da Universidade ao sistema em Das 42 unidades de ensino e
tuições de ensino superior que reali- caráter experimental, que passou pesquisa da USP, 32 aderiram ao in-
zam dois vestibulares no ano. Como a valer para aquele mesmo ano, na gresso pelo Sisu, somando, ao todo,
muitas delas adotam ações afirma- seleção de ingressantes para 2016. 105 cursos participantes, que repre-
tivas para o ingresso dos alunos, o Um fato histórico, já que, desde sentam 58% do total oferecido pela
sistema oferece duas opções: reser- 1976, o ingresso nos cursos de gra- Universidade.
var vagas ou adotar bônus na nota. duação da USP dependia exclusi- Entre as unidades da USP que
Neste caso, a instituição de ensino vamente de seleção realizada pela não participaram do Sisu nesta pri-
superior atribui uma pontuação ex- Fuvest. A Universidade decidiu ado- meira experiência estão: a Faculda-
tra a ser acrescida à nota obtida no tar a reserva de vagas como política de de Medicina da USP (FMUSP), a

10 Universidade de São Paulo


Escola Politécnica (Poli), a Escola de

Foto: Cecília Bastos / USP Imagens


Engenharia de São Carlos (EESC), o
Instituto de Química de São Carlos
(IQSC), o Instituto de Física (IF), a
Faculdade de Economia, Adminis-
tração e Contabilidade (FEA) e a Fa-
culdade de Odontologia (FO).
Fora essas, a Escola de Comuni-
cações e Artes (ECA), a Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo (FAU)
e o Instituto de Arquitetura e Urba-
nismo de São Carlos (IAU) decidi-
ram não aderir ao Sisu por possu-
írem cursos que exigem provas de
habilidade específica.

Tipos de vagas Alunos aprovados pelo Sisu realizam matrícula na Cidade Universitária
Além de definir quantas vagas
destinariam ao Sisu, as unidades
também escolheram o tipo de
concorrência. Das 1.489 vagas ofe- n AC são vagas disponibilizadas para ampla concorrência, ou seja,
recidas via Sisu, 1.038 (70%) foram qualquer aluno que tenha feito a prova do Enem.
destinadas a estudantes que com-
pletaram integralmente o ensino n L1 são destinadas a candidatos com renda familiar bruta per
médio em escola pública (EP), 328 capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo que tenham cursado
(22%) para ampla concorrência (AC) integralmente o ensino médio em escolas públicas.
e 123 (8%) para egressos do ensino n L2 são vagas para candidatos autodeclarados pretos, pardos ou
médio público autodeclarados pre- indígenas, com renda familiar bruta per capita igual ou inferior a 1,5
tos, pardos ou indígenas (PPI). salário mínimo e que tenham cursado integralmente o ensino médio em
Para compreender essas mo- escolas públicas.
dalidades de vagas adotadas pelo
n L3 são vagas disponibilizadas para candidatos que,
Sisu, é preciso entender a portaria
independentemente da renda, tenham cursado integralmente o
do MEC que regulamentou o siste-
ensino médio em escolas públicas.
ma de seleção. De acordo com essa
portaria, as instituições podem ofe- n L4 destinam-se a candidatos autodeclarados pretos, pardos ou
recer cinco tipos de vagas, chama- indígenas que, independentemente da renda, tenham cursado
das de AC, L1, L2, L3 e L4. integralmente o ensino médio em escolas públicas.

A USP deu como opções


Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

para suas unidades de ensino


oferecer vagas apenas em três
dessas modalidades: AC, L3
e L4. Duas dessas categorias
foram renomeadas na Uni-
versidade: L3 passou para EP
(escola pública) e L4 foi deno-
minada PPI (pretos, pardos e
indígenas).
Segundo o pró-reitor de
Graduação, Antonio Carlos
Hernandes, a opção por não
adotar o critério de renda se
justifica porque esses alunos
seriam contemplados dentro
da cota que envolve a escola
Ao todo, 105 cursos da USP ofereceram vagas pelo Sisu para ingresso em 2016 pública.

Jornal da USP Especial | Junho / 2016 11


Gustavo Campos,
19 anos Após dois anos de cursi-
nho, Gustavo Campos se tor-
Estudante de História da Faculdade de Filosofia, nou em 2016 um calouro do
Letras e Ciências Humanas (FFLCH) curso de História. Morador
do Jardim João XXIII, bairro
localizado no extremo oeste
de São Paulo, o estudante
ingressou na USP por meio
do Sisu, ocupando uma das
vagas destinadas a alunos
de escolas públicas, onde es-
tudou toda sua vida.
Além da prova do Enem,
necessária para o ingresso
pelo Sisu, Gustavo também
prestou o vestibular da Fu-
vest, no qual se candidatou
ao curso de Administração e
foi aprovado. Utilizou a boni-
ficação do Inclusp, mas, mes-
mo sem a pontuação extra,
teria sido aprovado na pri-
meira fase.
Para o futuro historiador,
a USP já deveria ter implan-
tado o sistema de cotas ra-
ciais. “A desigualdade social
na Universidade é muito
presente. Na minha sala de
aula, em geral, tem um ou
dois negros”, relata. “Sempre
estudei em escola pública,
fiz um cursinho popular, le-
vei dois anos para entrar. E
a maioria das pessoas que
passa por essa dificuldade é
preta e pobre.”
Foto: Alexandre Gennari

12 Universidade de São Paulo


Na primeira experiência
com Enem, USP preenche
55% das vagas
Universidade avalia erros operacionais que prejudicaram a convocação de mais alunos pelo Sisu

Foto: Marcos Santos / USP Imagens


Ingressaram na USP pelo Sisu 814 alunos. Alguns cursos não tiveram nenhum matriculado

O vestibular de 2016 foi o pri- Preto (FMRP), que havia destinado las. Notas mínimas entre 450 e 700
meiro em que a USP adotou o Sisu dez vagas pelo Sisu, todas inicial- pontos, com pesos que variaram de
como forma de ingresso em seus mente preenchidas. Porém, me- 1 a 4, foram calculadas de acordo
cursos de graduação. A Universida- tade dos candidatos selecionados com a definição da unidade ou da
de destinou 1.489 das suas 11.057 acabou sendo aprovada também Pró-Reitoria de Graduação.
vagas para o Sisu, das quais foram na Fuvest, mas no curso de Medi-
preenchidas 814, o que equivale a cina da USP em São Paulo, onde se Balanço
pouco mais da metade do total ofe- matricularam. As vagas de Ribeirão Em entrevista à reportagem
recido: 55%. Segundo o pró-reitor ficaram ociosas e não puderam ser do Jornal da USP, em janeiro,
de Graduação, Antonio Carlos Her- preenchidas novamente, pois a professores de algumas unidades
nandes, essa primeira experiência última chamada do Sisu já tinha de ensino da Universidade avalia-
mostrou acertos e erros, que serão acontecido. ram o desempenho no primeiro
considerados no vestibular 2017. Outro motivo apontado foram ano do Sisu.
O não preenchimento das vagas as notas mínimas definidas para as A professora Rosana C. M. Grillo
deu-se, principalmente, por dois mo- provas do Enem, consideradas mui- Gonçalves, presidente da Comis-
tivos, aponta Hernandes. Em primeiro to altas. Os cursos definiram a nota são de Graduação da Faculdade de
lugar, o fato de o edital ter previsto mínima exigida para cada uma das Economia, Administração e Con-
apenas quatro chamadas: após a úl- provas realizadas pelos estudantes tabilidade de Ribeirão Preto (FE-
tima convocação ainda havia deman- no Enem (Redação, Matemática e ARP), explicou que a definição dos
da e candidatos habilitados para as suas Tecnologias, Linguagens, Códi- critérios para estabelecer as notas
vagas, mas estas foram destinadas à gos e suas Tecnologias, Ciências Hu- foi feita em caráter experimental,
Fuvest, conforme estabelecido. manas e suas Tecnologias, Ciências já que até então não havia compa-
Um exemplo é o que ocorreu na da Natureza e suas Tecnologias) e rativos entre as notas de corte da
Faculdade de Medicina de Ribeirão os pesos atribuídos a cada uma de- Fuvest e as do Enem.

Jornal da USP Especial | Junho / 2016 13


“E dado o caráter inovador da A Escola Superior de Agricultura Veterinária e Zootecnia (FMVZ), a
introdução de um novo processo Luiz de Queiroz (Esalq) foi uma das professora Mayra Elena Ortiz D’Avila
de admissão e consequentes incer- unidades que não preencheram ne- Assumpção reiterou a necessidade
tezas, o consenso na FEARP foi de nhuma das 56 vagas dos três cursos de mudar a estratégia de ação, já
que a disponibilização de 10% das que participaram do Sisu. O presi- que esperavam ter mais interessa-
vagas para ingresso via Sisu seria dente da Comissão de Graduação dos nas vagas oferecidas. A FMVZ
adequada para o vestibular 2016, da Esalq, professor Luis Eduardo destinou oito vagas em seus cursos
podendo vir a ser alterada nos pró- Aranha Camargo, também desta- e preencheu apenas uma.
ximos anos”, complementa. cou a necessidade de discutir os re- No Instituto de Matemática e
De acordo com a professora, sultados e propor a diminuição da Estatística (IME), foram matricula-
para os cursos de Ciências Contá- nota de corte. dos 11 alunos, das 23 vagas ofe-
beis, Economia e Economia Empre- Segundo o professor, as notas recidas em quatro cursos. A presi-
sarial e Controladoria, a exigência do vestibular 2016 via Sisu foram dente da Comissão de Graduação
de 600 pontos mostrou-se satisfa- definidas utilizando como referên- da unidade, Lúcia Pereira Barroso,
tória. Já a determinação da pontu- cia as notas de cursos semelhantes pondera, no entanto, que os resul-
ação mínima de 700 pontos para o oferecidos por universidades fede- tados desta primeira experiência
curso de Administração mostrou-se rais, considerados de nível equiva- só poderão ser avaliados com o
muito elevada. A FEARP destinou 28 lente aos oferecidos pela Esalq. tempo, sendo necessário verificar
vagas para o vestibular 2016 via Sisu Presidente da Comissão de Gra- o desempenho, a adaptação e a
e, dessas, seis foram preenchidas. duação da Faculdade de Medicina evasão dos alunos.

Dos 105 cursos que ofertaram vagas no Sisu:


21 cursos 37 cursos 32 cursos 15 cursos
20% 35,2% 30,5% 14,3%
preenchimento de vagas não tiveram nenhum aluno
matriculado, ou seja,
maior ou igual a 50% e inferior a 50%, zero de preenchimento
igual ou superior a 75%
menor do que 75% mas não zero das vagas

Oferecimento de vagas na USP em 2016


Das 1.489 vagas oferecidas pelo Sisu, 814 foram preenchidas. As 675 vagas restantes foram incorporadas à Fuvest

Total: 11.057 vagas oferecidas Vagas oferecidas pelo Sisu

675
84

1489 163

9568
567
estudantes de escolas públicas (70%)
vagas oferecidas via Fuvest ampla concorrência (20%)
vagas oferecidas via Sisu pretos, pardos e indígenas (10%)
vagas não ocupadas

14 Universidade de São Paulo


Campus da Zona Leste
ofereceu máximo de vagas
em todos os cursos
Em 2016, a USP destinou pelo Sisu 123 vagas para pretos, pardos e indígenas.
A EACH, sozinha, foi responsável por 102 delas

Foto: Denis Pacheco / USP Imagens


No ano passado, a EACH foi a única unidade da USP a ter mais da metade dos alunos egressos do ensino médio público

Na primeira experiência da USP “A EACH reconhece a necessidade tendo preenchido todas as vagas
utilizando o Sisu como forma de in- de que sejam reservadas vagas para oferecidas pelo Sisu, será mantido o
gresso, a Escola de Artes, Ciências cotas raciais”, afirma a presidente da porcentual máximo de vagas para o
e Humanidades (EACH) aceitou o Comissão de Graduação da unida- próximo vestibular.
desafio sem restrições. Reservou o de, Nádia Zanon Narchi. Em 2015, a EACH foi a única uni-
número máximo de vagas, estipu- Segundo dados da Comissão, dade da USP a ter mais da metade
lado pela Pró-Reitoria de Gradua- em 2015, a porcentagem de pretos, dos alunos oriundos de escolas
ção em 30%, em todos os cursos pardos e indígenas matriculados públicas, atingindo o porcentual
oferecidos no campus. na EACH foi de 16,4%. Em alguns de 52,2%. Além de o campus estar
Em cada um dos cursos, as va- cursos, como o de Obstetrícia e a Li- na zona leste de São Paulo, região
gas foram distribuídas igualmente cenciatura em Ciências da Natureza, marcada por desigualdades sociais
entre as três modalidades possíveis: esse número ultrapassa os 40%. e econômicas, Nádia acredita que
ampla concorrência, oriundos de Segundo a diretora da escola, o fato de quase todos os cursos se-
escolas públicas e autodeclarados Maria Cristina Motta de Toledo, a rem oferecidos em meio período,
pretos, pardos ou indígenas (PPI). unidade tem se manifestado sem- atraindo alunos que trabalham,
Poucas unidades optaram pela pre a favor de medidas inclusivas, ajude a explicar o grau de inclu-
modalidade PPI. Do total de 123 especialmente as relacionadas às são conquistado. Outro fator seria
vagas destinadas a esse grupo formas alternativas de ingresso a menor concorrência dos cursos,
pela USP em 2016, a escola foi, so- baseadas em critérios socioeconô- que são novos e ainda pouco co-
zinha, responsável por 102 vagas. micos e étnico-raciais. Mesmo não nhecidos pelo público.

Jornal da USP Especial | Junho / 2016 15


A evolução das políticas
de inclusão social na USP

2006
Criação do Inclusp
Concessão de bônus universal de
3% para alunos de escolas públicas
para o vestibular 2007 2007
Aprovação de 333
candidatos pelo Inclusp
Número de ingressantes da rede
2008 pública sobe de 24,7% para 26,7%
Criação do Pasusp
Objetivo da avaliação
seriada é aproximar a USP
das escolas públicas 2009
Bônus pode chegar
a até 12%

2012
Bônus máximo
passa de 12%
para 15%

2013
USP estabelece meta de 50% de alunos
da rede pública para 2018
Plano Institucional da USP estabelece ainda que
o porcentual de PPI deverá atingir o porcentual
2014 verificado pelo último censo do IBGE
Bônus máximo
Bônus pode chegar a até 25% aumenta para 20%
Criação de novo grupo de beneficiados pelo
bônus. Pretos, pardos e indígenas que tenham
cursado o ensino básico em escolas públicas
passam a receber 5% de bônus adicional
2015
Fotos: Diogo Moreira, Cecília Bastos e Marcos Santos / USP Imagens

Campanha #vocetambempode
Objetivo é estimular alunos de Recorde de ingressantes
escolas públicas a ingressarem na USP de escolas públicas
Número passou de 32,3%,
em 2014, para 35,1%, maior índice

2016 registrado desde a criação do Inclusp


Adesão da USP ao Sisu
Avaliação dos primeiros São destinadas 1.489 vagas pelo sistema,
resultados do Sisu que utiliza a nota do Enem
USP amplia número de
vagas no Sisu para 2017

16 Universidade de São Paulo


Aumenta adesão ao Sisu
no vestibular 2017
Quatro unidades que não participaram no ano passado já confirmaram
vagas para o processo seletivo

Para o vestibular 2017, a USP ofe- de Graduação, no dia 16 de junho. Química de São Carlos (IQSC).
recerá pelo menos 1.819 vagas via Os números finais serão confir- A Escola Superior de Agricultura
Sisu, um aumento de 22,1% em re- mados na reunião do Conselho Uni- Luiz de Queiroz (Esalq), que partici-
lação ao ano passado, quando havia versitário da USP prevista para o dia pou da edição passada com apenas
1.489. Parte das vagas anunciadas 28 de junho. Nas vagas destinadas três dos seus cursos de graduação,
foram distribuídas nas seguintes mo- pelo Sisu, em 2016, 1.038 eram EP, incluiu os outros quatro.
dalidades: 1.065 para escola pública 328, AC e 123, PPI. Por outro lado, a Escola de En-
(EP), 428 para ampla concorrência Quatro unidades que não parti- genharia de São Carlos (EESC) e o
(AC) e 239 para pretos, pardos e indí- ciparam no ano passado já atribuí- Instituto de Física (IF) decidiram no-
genas (PPI). Ainda há 87 vagas a se- ram vagas para o próximo processo vamente não participar do Sisu. A Fa-
rem definidas. seletivo. Os estudantes poderão culdade de Medicina da USP (FMUSP)
Entretanto, esses números se- concorrer aos cursos oferecidos pela e a Faculdade de Economia, Admi-
rão ampliados, já que os dados são Escola de Comunicações e Artes nistração e Contabilidade (FEA) não
preliminares. Algumas unidades da (ECA) - exceto aqueles que exigem informaram, até o fechamento desse
USP não haviam enviado suas de- provas de habilidade específica, especial, se iriam aderir ao Sisu. Em
cisões à Pró-Reitoria de Graduação Escola Politécnica (Poli), Faculdade 2015, essas unidades ofereceram va-
até a data da reunião do Conselho de Odontologia (FO) e Instituto de gas apenas pela Fuvest.

Cursos que exigem provas de habilidade


específica não podem aderir ao Sisu
Nem todos os cursos de gradu-

Foto: Marcos Santos / USP Imagens


ação podem utilizar o Sisu como
processo de seleção de vagas. A res-
trição consta na Portaria Normativa
nº 21, de 5 de novembro de 2012,
do Ministério da Educação, que traz
no capítulo dois informações sobre
“Adesão das instituições públicas e
gratuitas de ensino superior”.
Segundo a portaria, “não pode-
rão ser oferecidas por meio do Sisu
vagas em cursos que exijam teste de
habilidade específica e na modali-
dade de ensino a distância (EAD)”, já
que o Enem não realiza esse tipo de
avaliação. Esse é caso dos cursos de
Seleção para curso de música envolve prova prática
Artes Cênicas, Música, Audiovisual,
Design, Artes Visuais e Arquitetura.
Por esse motivo, a Faculdade de Artes (ECA) tem apenas quatro cursos Para 2017, a unidade anunciou
Arquitetura e Urbanismo (FAU) e o que exigem provas de habilidades es- que os cursos de Biblioteconomia,
Instituto de Arquitetura e Urbanis- pecíficas na escolha dos candidatos Publicidade e Propaganda, Jorna-
mo de São Carlos (IAU) não podem - Audiovisual, Artes Cênicas, Artes Visu- lismo, Relações Públicas, Educomu-
participar do Sisu. ais e Música, mas decidiu não partici- nicação, Editoração e Turismo terão
Já a Escola de Comunicações e par do Sisu no vestibular 2016. vagas selecionadas pelo Sisu.

Jornal da USP Especial | Junho / 2016 17


Resultados do vestibular
ditarão mudanças
nos próximos anos
Outras ações afirmativas serão discutidas pela USP caso o próximo
processo seletivo não traga mudanças no perfil dos ingressantes

Foto: Cecília Bastos / USP Imagens


Decisões sobre o ingresso na USP devem ser aprovadas no Conselho Universitário

Em 2017, a Universidade utili- duzido o ingresso pelo Sisu. Se a representantes de docentes, dis-
zará o Sisu como forma de ingres- medida não funcionar, o professor centes, servidores e de categorias
so pela segunda vez, corrigindo os acredita que a questão das cotas diversas, como museus, antigos
principais erros operacionais iden- raciais deverá entrar, de forma mais alunos e a Fapesp.
tificados na primeira experiência incisiva, na pauta dos gestores da Hernandes compara o papel das
– número limitado de chamadas instituição. unidades da USP com o dos Estados
e notas de corte elevadas – e com brasileiros, por terem autonomia,
maior adesão das unidades. Decisão do Co mas estarem subordinados a uma
“Se depois da segunda vez não Uma possível mudança sobre a instância maior. Assim, se o Conse-
houver mudança, será inevitável atribuição de cotas para ingresso lho Universitário decidir implantar
ampliar a discussão sobre outras de determinados grupos sociais na cotas, todas as unidades deverão
ações”, afirma o pró-reitor de Gra- USP deve, necessariamente, passar acatar a decisão.
duação da USP. “Será uma decisão pelo Conselho Universitário (Co), Porém, o pró-reitor ressalta que
quase que natural colocar cotas.” órgão máximo da instituição, res- as determinações na USP devem
Segundo Hernandes, o compro- ponsável por definir suas principais ocorrer de modo consensual, com
misso é fazer com que o processo diretrizes. aprovação da maioria. “Você cria
avance. Por isso, o Inclusp foi repen- Além do reitor, do vice-reitor um rompimento institucional se
sado ao longo dos anos e, identifi- e dos pró-reitores, integram o Co algo é aprovado, mas com margem
cada sua insuficiência para atingir diretores e representantes da Con- pequena. Não podemos simples-
a meta prevista de alunos oriundos gregação de todas as unidades, mente mudar radicalmente de uma
do ensino médio público, foi intro- a Controladoria Geral e também hora para outra”, explica.

18 Universidade de São Paulo


Número reduzido de inscritos nas 13% deles se inscrevem no nos-
so vestibular”, avalia o pró-reitor de
no vestibular limita inclusão Graduação. Para ele, esses números
também ajudam a explicar a porcen-
Porcentual de alunos de escolas públicas e de pretos, pardos e tagem de PPI entre os ingressantes.
Segundo Hernandes, a USP está
indígenas na Fuvest não tem subido ao longo dos anos em contato com a Secretaria da Edu-
cação do Estado de São Paulo com a
proposta de convidar estudantes do
Foto: Marcos Santos / USP Imagens

ensino público a prestarem a Fuvest,


com isenção das taxas de inscrição.
A ideia é selecionar alunos que
obtiverem bom desempenho no
exame do Sistema de Avaliação de
Rendimento Escolar do Estado de
São Paulo (Saresp). A prova é aplica-
da anualmente pela secretaria para
monitorar a educação básica no Es-
tado. “Fazendo este convite todos os
anos, esperamos poder trazer pelo
menos mais 40 mil alunos para a Fu-
vest”, comenta Hernandes.
Além desta ação, a USP também
busca atrair jovens para o vestibular,
Ações nas escolas e parcerias têm sido promovidas para aumentar interesse de candidatos
principalmente por meio das Fei-
ras de Profissões, que acontecem
Nos últimos cinco anos, a mé- “Se considerarmos que cerca de na capital e nos campi do interior,
dia de alunos de escolas públicas 140 mil pessoas prestam a prova, e de campanhas como a #vocetam-
que participam do vestibular da então isso significa 47,6 mil alunos bempode, criada em 2014 para es-
Fuvest é de pouco mais de 34% do de escolas públicas inscritos. Mas se clarecer como é o ingresso na USP e
total de inscritos, número que tem anualmente 360 mil alunos se for- estimular alunos da rede pública de
sofrido poucas alterações ao longo mam no ensino médio público em ensino a concorrer a uma vaga na
dos anos. São Paulo, isso quer dizer que ape- Universidade.

Alunos de escolas públicas inscritos e matriculados na Fuvest

40% 37,2%
35,3% 35,1%
33,8% 32,3% 32,7%
35% 32,1% 30,9%
28,5%
30% 28,0%

25%
20%
15%
10%
5%
0%
2012 2013 2014 2015 2016

Inscritos Matriculados

Ao longo dos anos, o porcentual de alunos de escolas públicas que se candidatam à prova da Fuvest tem apresentado poucas
variações, mesmo com a concessão de isenção total ou parcial de taxa de inscrição

Jornal da USP Especial | Junho / 2016 19


Para movimentos, as
cotas sociais não substituem
as étnico-raciais
Negros e indígenas organizados na USP defendem políticas específicas de inclusão social

Em 2015, a USP atingiu o por-

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil


centual máximo de alunos pretos,
pardos e indígenas (PPI) nos últimos
dez anos em relação aos ingressan-
tes que estudaram o ensino médio
em escolas públicas. O número obti-
do, de 32,1%, é próximo da meta de
35% estabelecida pela Universidade.
Esse porcentual, no entanto, é re-
duzido para 18,8% se consideramos
a proporção de PPI no total de ma-
triculados - foram 2.058 alunos num
universo de 10.955. O que significa
que, naquele ano, mais de 80% dos
novos alunos da USP eram brancos,
um quadro criticado por movimen-
tos sociais da Universidade.
Para eles, a representação da Movimentos consideram as cotas uma reparação histórica
sociedade brasileira e paulista não
está presente na USP. Segundo os lo que sejam aplicadas as políticas combatam as desigualdades raciais
dados do Instituto Brasileiro de Ge- de reserva de vagas. Não queremos em todas as esferas públicas, na saú-
ografia e Estatística (IBGE), são qua- bônus, mas reservas de vagas para a de, na educação, na moradia etc.
se 200 milhões de brasileiros. Mais população negra e indígena por todo O NCN participa da Frente Pró-
da metade da população, 54%, se o histórico de luta e de contribuição -Cotas Raciais do Estado de São
autodeclara preta ou parda na úl- que essas populações tiveram e têm Paulo, que propôs à Assembleia Le-
tima Pesquisa Nacional por Amos- na formação e na manutenção do gislativa Estadual uma alternativa
tra de Domicílios (PNAD), realizada País”, defende a bióloga Maria José ao Projeto de Lei 530/2004, sobre o
pelo IBGE em 2014. Menezes, integrante do Núcleo de Programa de Inclusão com Mérito no
O Estado de São Paulo concentra Consciência Negra (NCN) da USP. Ensino Superior Paulista (Pimesp).
quase um quarto de toda a popula- O NCN, segundo Maria José, tem De acordo com o texto, USP, Uni-
ção brasileira, com quase 43 milhões um histórico de 28 anos de combate camp e Unesp devem garantir 55%
de pessoas, de acordo com estima- à desigualdade racial na Universida- de cotas, assim divididas: 25% para
tiva da Fundação Sistema Estadual de, de ações para a democratização candidatos autodeclarados negros
de Análise de Dados (Seade). Desse do conhecimento e pela construção e indígenas; 25% para candidatos
total, 34,6% se autodeclaram pretos de uma sociedade sem preconceitos oriundos da rede pública de ensino,
ou pardos. e sem exclusões. Para isso, ele ofere- sendo que, deste porcentual, 12,5%
“As universidades paulistas são ce cursinho pré-vestibular popular, reservados para estudantes cuja
um dos últimos redutos de resistên- aulas de idiomas, palestras e debates renda familiar per capita seja igual
cia da aplicação de políticas e ações sobre questões de raça e gênero. ou inferior a 1,5 salário mínimo; e
afirmativas para populações negras Maria José ressalta que não há 5% para candidatos com deficiência,
e indígenas no País. Cotas raciais na como alterar o quadro de desigual- nos termos da legislação em vigor.
USP não são uma concessão dessa dade socioeconômica no Brasil sem “Esse projeto é absolutamente
instituição, nem um favor, estamos antes resolver as questões raciais. ignorado pelas instituições de ensi-
cobrando das três instituições de E uma das ferramentas para isso é no estadual, isso é muito grave por-
ensino superior público de São Pau- pensar em medidas de Estado que que ele tem uma aplicação e uma

20 Universidade de São Paulo


possibilidade de avançarmos para a

Foto: Alexandre Gennari


implementação de políticas verda-
deiras para a inclusão racial dentro
dessa estrutura de representativida-
de da população brasileira”, afirma a
integrante do NCN.
Ela lembra ainda que as cotas nas
universidades são uma reparação
histórica da apropriação por pesqui-
sadores do conhecimento de indíge-
nas e africanos e seus descendentes.
“Essas populações têm e tiveram
um papel fundamental na pesquisa
e na geração de conhecimento, mas
elas não são os sujeitos desse conhe-
cimento porque ele foi expropriado
delas, houve uma apropriação de
conhecimento e todos nós sabemos Em junho, encontro na USP discutiu a pauta dos indígenas
que isso aconteceu e acontece até
os dias de hoje. E uma forma de re- litante do movimento Ocupação (Poli), para questionar os alunos se
solver esse débito que a ciência tem Preta durante intervenção em sala eles estavam sabendo sobre o en-
com essas populações é dar o devi- de aula na Faculdade de Economia, contro do Co.
do mérito a esses povos, o conheci- Administração e Contabilidade (FEA) “Resolvemos partir para a ação
mento que temos hoje da fauna e da da USP, realizada em março de 2015. concreta, direta, mostrando para o
flora brasileira, o conhecimento de O Ocupação Preta iniciou suas pessoal que estamos numa luta por
vários medicamentos que atuam nas atividades em março do ano passa- cotas étnicas raciais e não somen-
diversas doenças, que foi passado e do com a proposta de intervir em te sociais, porque entendemos a
ensinado pelas populações origi- espaços da USP para debater a ques- Universidade como um espaço de
nárias indígenas e africanas para os tão racial e, principalmente, a neces- poder e que exclui quase que to-
pesquisadores”, defende Maria José. sidade das cotas. Na época, o Con- talmente pessoas negras”, explica
selho Universitário (Co) da USP faria Marcelo Moreira de Jesus, estudante
Ocupação Preta uma reunião para discutir as formas da Faculdade de Odontologia (FO) e
“Vocês podem perceber, se de- de ingresso no vestibular 2016. integrante do Ocupação Preta.
rem uma olhadinha na sala, que Um grupo de estudantes ne- O grupo escolhe um dia para in-
existe uma diferença muito grande gros do campus da USP da capital terromper uma aula ou um evento na
de cor, classe social e, muitas vezes, e outro de fora da Universidade Cidade Universitária e realizar a discus-
de gênero, de pessoas que entram decidiram se encontrar e fazer a são sobre o tema. Alguns estudantes
na Universidade de São Paulo.” Esse ocupação em uma aula que estava criticam o modo de atuação do Ocu-
trecho faz parte da fala de um mi- acontecendo na Escola Politécnica pação Preta, dizendo que são radicais

Pretos, pardos e indígenas na USP

35%
30%
32,1%
25% 30,3% 28,9%
26,2% 26,0% 25,1%
20%
22,1%
15%
14,5%
10% 12,9% 13,8% 13,9%
5%
0%
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Porcentual em relação aos ingressantes de escolas públicas

Jornal da USP Especial | Junho / 2016 21


uma segunda língua, isso representa
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

mais um entrave.
“Esses problemas também se
encontram nas vagas pelo Sisu, com
o agravante de que estudantes de
escola pública, negros, pardos e in-
dígenas estão disputando essa por-
centagem. Não existe paridade entre
essas quatro categorias”, defendem.
Para o Levante Indígena da USP,
é preciso pensar em políticas espe-
cíficas de inclusão que vão além das
cotas, como vestibular específico,
centro de apoio, cursinho e ingresso
por meio de entrevista.

Grupo de alunos realiza ato a favor do sistema de cotas na Cidade Universitária


Lei do Boi
ao restringir o direito de ter aulas.
“Falamos, nas ações de ocupação,
debatemos a questão da ausência
do negro e da negra na Universida- previa cotas
que não estamos ali para acabar com
a aula deles. Na verdade, estamos pro-
de”, explica o estudante.
No Facebook, o Ocupação Preta em escolas
pondo uma intervenção política, tirar
o pessoal da normalidade. São 20 a
lançou uma campanha questionan-
do o motivo da USP não ter cotas, agrícolas
30 minutos da aula, em que fazemos utilizando a hashtag #PorqueaUSP-
A adoção de cotas em institui-
com que reflitam um pouco sobre o nãotemcotas. O movimento acusa a
ções de ensino não é uma novi-
racismo institucional que vivemos na Reitoria da Universidade de ignorar
dade. Em 1968, durante o regime
USP”, destaca Moreira de Jesus. a demanda dos movimentos negros
militar, o general Costa e Silva san-
As ações do movimento come- de dentro e de fora da USP. cionou a Lei nº 5.465, que reservava
çaram a ter maior repercussão justa- vagas específicas em escolas agrí-
mente com a intervenção realizada Invisibilidade colas do ensino médio e superior
na FEA, mencionada anteriormente. Estudantes indígenas também mantidas pelo governo federal.
Houve um embate entre o grupo consideram as ações afirmativas da Chamada de Lei do Boi, ela des-
que paralisou a aula para discutir a USP insuficientes para a inclusão deste tinava 50% das vagas para matrícula
questão das cotas na USP e os es- grupo étnico. Segundo o último Censo na primeira série do ensino médio
tudantes da FEA que se recusavam Demográfico do IBGE, vivem no esta- de escolas agrícolas e 50% para
a participar do debate. Em vídeo di- do de São Paulo 41.794 indígenas, o matrículas nas escolas superiores
vulgado na internet, um dos alunos que representa 0,1% da população de Agricultura e Veterinária. Os be-
diz que quer assistir a sua aula de paulista. Um dos movimentos orga- neficiários eram “candidatos agricul-
microeconomia e, sobre as cotas, “é nizados dentro da Universidade, o Le- tores ou filhos destes, proprietários
só estudar e entrar na universidade”. vante Indígena, afirma que é preciso ou não de terras, que residiam com
Moreira de Jesus conta que a tirar essa pauta da invisibilidade. suas famílias na zona rural”.
maioria dos estudantes da Universi- Segundo o movimento, o siste- As escolas de ensino médio não
dade não quer participar do debate ma de bonificação é ilusório, já que o agrícolas também deveriam reser-
sobre a inclusão do negro e defende próprio vestibular da Fuvest é consi- var parte de suas vagas, 30% delas
a atitude de ocupar as salas de aula derado uma barreira para chegar até para o mesmo público, mas com a
para fazê-los refletirem sobre o tema. a Universidade. “O vestibular entra ressalva de que eles residissem em
“Eles fazem questão de não se em conflito com a educação própria cidades ou vilas que não possuís-
de cada povo, visto que não são os sem unidades de ensino desse tipo.
apropriar desse debate, de não se
A lei vigorou por 18 anos, até
apropriar do discurso do negro e da conhecimentos indígenas que estão
1985, quando o então presidente
negra para se manter naquela condi- ali sendo cobrados, e sim uma impo-
José Sarney revogou a Lei do Boi
ção confortável de estudante uspia- sição acadêmica”, declarou o Levante
por meio da Lei nº 7.423, de 17 de
no privilegiado. Quando os convida- Indígena em nota enviada ao Jornal dezembro. Jornais da época de-
mos para a discussão em forma de da USP Especial. nunciaram que a reserva dessas
mesa, debate, eles não vão. Então, Outro ponto lembrado pelos in- vagas beneficiava apenas filhos de
vamos até eles fazer com que refli- tegrantes é que as questões das pro- fazendeiros e não pequenos agri-
tam, em primeiro lugar, sobre o pri- vas envolvem interpretação de tex- cultores.
vilégio nosso de ser da USP, depois tos e, para aqueles cujo português é

22 Universidade de São Paulo


“Nenhuma universidade tem
autonomia para excluir”
Representante de um dos principais movimentos sociais do
Brasil cobra ação pontual para adoção de cotas na USP

Foto: Marcos Santos / USP Imagens


Inclusão de negros em universidades é uma das principais bandeiras da Educafro

A organização não governa- condições para promover a inclusão de alunos da principal universidade
mental Educação e Cidadania de de negros, indígenas e pessoas com da América Latina.
Afrodescendentes e Carentes (Edu- deficiência na pós-graduação. Em uma conversa com a repor-
cafro) é um dos principais movi- À frente de todo esse trabalho tagem do Jornal da USP Especial,
mentos sociais pela inclusão da está um franciscano, o frei David. na sede da entidade, o frei falou
população afrodescendente e de Fundador e diretor-executivo da sobre a necessidade de mobilizar
baixa renda nas universidades. En- Educafro, ele teve a ideia de criar a os representantes do Conselho Uni-
tre as atividades desenvolvidas em organização em 1976, quando sen- versitário (Co) da USP para adotar
diversos municípios do País, estão tiu a “total e radical ausência do ne- cotas na Universidade.
cursinho pré-vestibular gratuito e gro de todos os espaços de poder, O frei David também destacou
suporte para interessados em obter de simbolismo da nação brasileira”. que a autonomia universitária da
bolsa integral em instituições parti- Naquele tempo, o frei estava ini- USP, Unesp e Unicamp – as três uni-
culares de ensino superior. ciando como seminarista francisca- versidades públicas do Estado de
Mas foi o trabalho de pressão no e, segundo ele, a realidade era a São Paulo – não é motivo para que
para a criação de políticas públicas mesma. “Havia muitos franciscanos o governo estadual se omita em re-
específicas para a população ne- de origem alemã e italiana, mas lação às cotas. Ele cobrou do gover-
gra que popularizou ainda mais a franciscanos negros, eu não via. nador Geraldo Alckmin a criação de
Educafro, como a criação da Lei de Esse foi um dos primeiros pontos uma lei nos moldes do que foi rea-
Cotas nas instituições de ensino su- em que percebi um problema que lizado no âmbito do governo fede-
perior federal, em 2012. tinha que ser atacado.” ral, ou seja, uma lei que obrigue as
A mais recente conquista, depois Como o próprio frei David diz, o universidades estaduais paulistas
de cinco anos de ações junto ao Mi- trabalho é longo e a luta também, a implantarem as cotas. Confira os
nistério da Educação (MEC), foi o lan- e um dos desafios que a Educafro principais pontos da entrevista:
çamento, no início de maio, de por- possui está relacionado diretamen-
taria que incentiva o debate de cotas te à USP: a adoção de cotas étnico- Cotas étnicas x cotas sociais
na pós-graduação. A intenção é que -raciais para que a população brasi- “O problema da pobreza e da
instituições de ensino superior criem leira esteja representada no quadro exclusão do pobre das universida-

Jornal da USP Especial | Junho / 2016 23


des está ligado às sucessivas irres-

Foto: Marcos Santos / USP Imagens


ponsabilidades dos políticos. Isso
é um problema que, infelizmente,
perpassa todo o mundo capitalista.
O problema da exclusão do negro,
além deste fator, tem outro mais
determinante que é a escravidão.
A escravidão gerou um estrago
muito grande no tecido social bra-
sileiro e somente fazendo políticas
específicas vamos conseguir a vira-
da. Então, as cotas étnicas são fun-
damentais porque elas focam, jus-
tamente, o problema deixado pela
escravidão.
Quando os imigrantes europeus
pobres chegam ao Brasil, o País,
percebendo que eles eram pobres,
deu a eles terra, um casal de ani- Educafro reivindica adoção de cotas nas universidades paulistas
mais domésticos, ferramentas e um
salário mensal períodico, ou seja, o
à sociedade, esse é um problema de tem um grupo grande que vem
Brasil deu a eles uma ação afirmati-
gravíssimo e estraga a construção da favela onde falta professor, falta
va que garantiu a brancos europeus
de um Brasil ideal. laboratório, falta tudo. E eu sei que
pobres uma carreira.
O terceiro fator dessa dificulda- há outro grupo grande que vem de
O negro, quando é tirado da es-
de de nossos irmãos da USP refere- escolas particulares, onde tem tudo
cravidão, não recebe nada, ele vai
-se a uma compreensão equivoca- do bom e do melhor, estudam vá-
formar as favelas do Rio de Janeiro
da de meritocracia. Eles guardam rias línguas; isso são tipos de meri-
e do Brasil afora. Para nós, as cotas
consigo uma compreensão ultra- tocracias.
vêm reparar um erro histórico gra-
passada e eu falo isso com toda A meritocracia injusta determi-
víssimo. Entendemos que as cotas
humildade. Espero que, antes de na na USP quem passa e quem é re-
são temporárias e, assim que essa
ir para a próxima reunião do Con- provado. São dois nós que precisam
reparação estiver em um patamar
selho Universitário, eles leiam um ser desatados e só desata quem
razoável, faremos questão de om-
livro chamado Justiça, de Michael tem coragem de se abrir para a re-
brear a luta para dizer que as cotas
Sendal, professor da Universidade alidade. Quem continua com os pés
já foram aplicadas pelo período ne-
de Harvard. nas nuvens, fora da realidade, não
cessário.”
Ele defende que há meritocracia consegue atender o problema.”
justa e injusta. Meritocracia injusta
Resistência às cotas
é quando eu sei que na minha cida- Rankings universitários
“São três pontos. O primeiro
“A Educafro já decidiu: vamos
ponto: faltou aos nossos irmãos do
produzir uma carta para todos os
Foto: Marcos Santos / USP Imagens

Conselho Universitário botar o pé


órgãos mundiais que classificam as
na lama, ou seja, viver a realidade
universidades no mundo, solicitan-
do pobre. Eles têm pouco contato
do que coloquem um dos pontos-
com pobres na sua realidade crua e
chaves para classificação, um índice
nua. E por não ter essa experiência
de inclusão de pobres, negros, indí-
junto com os pobres, eles não con-
genas e outros segmentos sociais
seguem sentir o que nós sentimos.
mundiais.
Por exemplo, como frade, eu sou
Vamos discutir com essas enti-
uma pessoa de formação de classe
dades uma outra metodologia para
média, mas por estar dia e noite
classificar as universidades. Acredi-
nessa causa, eu sei e sinto o drama
tamos que vamos ter vitória, por-
deste povo excluído que é o povo
que estamos buscando redes para
negro.
fazer este trabalho de discussão. A
Ponto dois: há uma desassocia-
universidade que não tiver trabalho
ção da Universidade com a socieda-
de inclusão não vai ter chance de
de. Isso também é cruel, os dramas
ter pontuação e de estar entre as
da sociedade não são abraçados
100 melhores do mundo.”
pela Universidade. Ela caminha
como se fosse um mundo paralelo Frei David é fundador da Educafro

24 Universidade de São Paulo


Lei estadual para cotas étnicas excluir, nenhuma universidade tem universidades estaduais, e a asses-
“Houve uma omissão muito autonomia para criar e manter um soria de imprensa encaminhou a
grande dos sucessivos governos do processo de exclusão, consciente seguinte nota:
Estado de São Paulo. Nós tivemos ou inconscientemente; esse é o “A Secretaria de Desenvolvi-
reuniões com todos os últimos go- grande centro que fez com que o mento Econômico, Ciência, Tecno-
vernadores discutindo as cotas, e governo federal andasse e o gover- logia e Inovação do Estado de São
todos eles demonstraram um gran- no estadual não andasse. Paulo esclarece que o Governo Es-
de medo de encarar as universida- O governo Alckmin teve muito tadual paulista criou em 2012, para
des estaduais. Esse medo a gente medo. Ele reuniu todos os reitores estimular o sistema de cotas nas
conseguiu vencer no governo fede- das universidades com a Educafro, universidades, o Programa de Inclu-
ral. discutimos intensamente, mas ví- são com Mérito no Ensino Superior
Não só o governo federal, fize- amos que os reitores falavam mais Público Paulista - PIMESP. Ele esta-
mos deputados e senadores enca- alto que o governador. Então, perce- belece um regime de metas para o
rarem as universidades, porque há bemos que, no Estado de São Paulo, incremento das matrículas no ensi-
um domínio da classe intelectual a autonomia universitária é confun- no superior de estudantes oriundos
brasileira com a compreensão equi- dida com autonomia para excluir.” de escolas públicas e, dentre esses,
vocada de autonomia universitária. de negros, pardos e indígenas. Vale
Somos radicalmente a favor da Resposta do governo estadual ressaltar que as universidades es-
autonomia universitária, todas elas O governo do Estado de São taduais paulistas possuem auto-
têm autonomia administrativa, Paulo foi procurado para responder nomia administrativa e financeira.
pedagógica, etc., mas nenhuma ao questionamento do frei David Cabe às instituições decidir suas
universidade tem autonomia para sobre a implantação das cotas nas políticas internas”.

ARTIGOS

Por que cotas étnico-raciais?


Um franciscano, um profes- Ivan Siqueira é professor da ção do Instituto de Matemática e
sor de Direito, um professor da Escola de Comunicações e Ar- Estatística (IME) da USP. Ele tam-
área de Comunicação, um juiz tes (ECA) da USP e foi nomeado bém dá aulas e coordena o cur-
federal e um estudante uni- membro da Câmara Básica de sinho comunitário mantido pela
versitário. O que eles têm em Educação do Conselho Nacional Educafro.
comum? Todos defendem a da Educação até 2018. A indica- Wiliam Douglas é juiz titular
igualdade de oportunidades ção foi feita pela Educafro e co- da 4ª Vara Federal de Niterói, no
sociais para negros em todos memorada pela entidade pela Rio de Janeiro, além de ser pro-
os setores da sociedade, sobre- presença de um homem negro fessor e escritor. Antigo apoiador
tudo, em universidades e, prin- no órgão. das cotas sociais, hoje defende
cipalmente, na USP. Para eles, a Adilson Moreira é professor as cotas étnico-raciais por en-
adoção de cota étnico-racial no e pesquisador em Direito. Em tender que as primeiras não são
ensino superior é um direito e 2013, concluiu seu mestrado na suficientes para a inclusão do
oportunidade de o País se redi- Universidade de Harvard sobre negro.
mir pelos anos de escravidão. a política racial brasileira. Ele David Raimundo Santos, ou
Esses cinco profissionais de abordou as decisões judiciais só frei David, como é conheci-
diferentes áreas são parceiros para explorar as ligações entre do, começou a atuar em defesa
da Educafro e foram convidados estruturas de poder do discurso dos direitos dos negros em 1976,
pelo Jornal da USP para expor nos casos de ação afirmativa no um trabalho que resultou na
suas ideias em formato de arti- Brasil. criação da organização não go-
go. Conheça um pouco mais os Tom Junior é estudante do vernamental Educafro, da qual é
autores. curso de Ciência da Computa- diretor-executivo.

Jornal da USP Especial | Junho / 2016 25


Universidade pública:
mérito ou oportunidade?

Foto: Acervo do autor


Em 2002, a Universidade Esta- tucionalidade das cotas em sessão
dual do Rio de Janeiro (Uerj) ado- de 26 de abril de 2012, sublinhan-
tou um programa de cotas étnico- do a sua necessidade para corrigir
-raciais com 20% das vagas para o histórico de racismo no Brasil.
pretos e pardos; outros 20% para Pesquisas sobre o desempenho dos
estudantes de escola pública; e cotistas mostram menores índices
mais 5% para portadores de neces- de evasão em comparação aos não
sidades especiais. Nesse período cotistas, e desempenho acadêmico
(2003-2013), mais de 8.700 cotistas semelhante ou superior (EURÍSTE-
ingressaram em seus cursos, dentre NES et al., 2015). Não é mais por
os quais aproximadamente 4 mil ausência de comprovação empírica
negros (pretos e pardos). Na esfera que se pode refutar as cotas – um
federal, a Universidade de Brasília outro argumento utilizado à época.
(UnB) acolheu as cotas reservando E na Universidade de São Paulo?
20% das vagas para os autodeclara- Na USP, o debate sobre cotas Ivan Siqueira
dos pretos, pardos e indígenas em só foi discutido “firmemente” pelo
Professor do Departamento de
2004. Conselho Universitário uma década
Informação e Cultura da ECA/USP
Uma década após a decisão da depois da Uerj, conforme se lê na
Uerj, foi aprovada lei (12.711/2012) sua Ata da 951ª Sessão (2/7/2013). Coordenador do Núcleo de Estudos
que instituiu o porcentual de 50% E, em grande medida, como con- Interdisciplinares do Negro Brasileiro
de cotas nas matrículas em todas sequência da iniciativa do governo (NEINB) da USP
as universidades federais, tendo estadual com o Programa de Inclu-
por base os dados do último censo são com Mérito no Ensino Superior Conselheiro no Conselho Nacional de
populacional do Instituto Brasileiro Público Paulista (Pimesp). Educação – Câmara Básica
de Geografia e Estatística (IBGE); os Após esses anos todos, a alter-
indicadores de renda (baixa renda nativa às cotas é a “Proposta do
= igual ou inferior a 1,5 salário mí- Plano para Aumentar a Inclusão So-
nimo per capita); e estudo integral cial na Universidade de São Paulo”:
do ensino médio em escola pública. 1) aumento dos valores dos bônus
Inicialmente, as opiniões con- e criação de um bônus especial
trárias às cotas étnico-raciais advo- para estudantes de escola públi-
gavam pela sua inconstitucionali- ca autodeclarados pretos, pardos
dade; que haveria rebaixamento do e indígenas; 2) aperfeiçoamento
nível educacional; que os cotistas do Programa de Embaixadores (no
abandonariam os cursos por não comparativo de então, 31,5% de
acompanhar os demais colegas; inscritos em 2000 contra 35% em
e que se fomentaria o ódio racial. 2012); 3) criação de um Programa
No entanto, o que se verifica não de Preparação para o Vestibular da
é somente a inconsistência desses USP (PPVUSP); e 4) ampliação dos
argumentos, mas realidade bem locais para a realização do vestibu-
diversa. lar da Fuvest.
Por unanimidade, o Supremo Esse programa atingirá a meta
Tribunal Federal declarou a consti- de 50% de estudantes de escolas

26 Universidade de São Paulo


públicas em 2018, com o porcen- Continuaremos a de de oportunidades e ao conví-
tual estadual do IBGE para pretos, vio com negros e pobres na USP?
pardos e indígenas? Mesmo con-
desconsiderar o Por que persistir com programas
siderando o “progresso” de apenas abismo existente de bônus que não produziram os
3,5% em mais de uma década? Por entre as trajetórias efeitos ensejados? Criado em 2006,
que combiná-lo com cotas? Conti- educacionais da a bonificação do Inclusp está em
nuaremos a desconsiderar o abis- torno de 30%. Motivado pela ine-
mo existente entre as trajetórias escola pública ficiência histórica de modalidades
educacionais da escola pública e e das privadas? generalistas, o Movimento Negro
das privadas? Não ganharia a Uni- Não ganharia a vem sugerindo há muito a adoção
versidade com a diversidade de ta- de cotas, inclusive a partir de crité-
Universidade com rios étnicos e socioeconômicos. As
lentos espelhando a diversidade da
sociedade? a diversidade de diferentes experiências exitosas das
Qual o critério científico para a talentos espelhando cotas apontam para o acerto dessa
variação do bônus (Ação 1 da pro- a diversidade da alternativa e o aproveitamento dos
posta: de 8 para 12%, 8 para 15%, melhores talentos em todos os ex-
15 para 20%, e 25% aos PPI)? Por
sociedade? tratos étnicos e sociais. Os mitos da
que ter por base a nota da primeira degenerescência universitária após
fase, sendo ela a menos precisa para as cotas se provaram falsos. Criare-
medir o “mérito”? Como se poderá a razão da qualidade e excelência mos outros?
aplicar eventual bônus na segunda da Universidade? Não é difícil imaginar o impacto
fase se o desempenho na primeira Nenhuma consideração aos di- social no Brasil decorrente de cotas
é decisivo? Que critérios científicos ferentes segmentos sociais e étni- étnico-raciais numa universidade
e experiências empíricas arroladas cos da sociedade paulista? Nada so- com mais de 11 mil vagas/ano. Di-
na literatura sugerem essa escolha bre a exclusão histórica de negros e fícil me é conceber o silêncio e a in-
como a mais acertada? pobres nas salas de aulas da maior diferença de educadores à negação
Nada diremos sobre a continui- instituição acadêmica pública do de sonhos e de um futuro melhor
dade de apropriação de recursos País? E os jovens afrodescendentes, aos renegados de sempre.
públicos majoritariamente por uma brancos pobres e indígenas, que
pequena parcela da sociedade? acalentam o sonho de um ensino
Nada diremos sobre a desconsidera- superior público de qualidade em
meio a um quadro de extermínio REFERÊNCIAS
ção das experiências de sucesso dos
programas de cotas, de norte a sul, simbólico e físico dos negros?
Como reiterar essa legitimida- BRASIL. Lei n° 12.711, de 29
em mais de uma década? Nenhuma
de meritocrática na comparação de agosto de 2012, que
palavra às discussões internas na
entre realidades afortunadas e ou- dispõe sobre o ingresso nas
comunidade USP, aos subsídios téc-
tra cuja escola exibe infraestrutura Universidades Federais e
nicos elencados pelos estudiosos
inadequada, salas com excesso de nas instituições Federais de
do tema há tempos na própria ins-
alunos, pouca atividade extracur- ensino técnico de nível médio
tituição, ao Núcleo de Consciência
ricular, ausência de bibliotecas de e dá outras providências.
Negra da USP, à Frente Pró-Cotas da
USP e à Frente Pró-Cotas Estadual qualidade e bibliotecários, profes-
sores sem remuneração adequada, EURISTENES, Poema et al. As
de São Paulo? Não consideraremos
desestímulos e péssimas condições políticas de ação afirmativa
as sugestões de cotas de algumas
de trabalho? nas universidades estaduais.
unidades, as opiniões dos docentes,
Por que esse horror à igualda- (GEMAA), Iesp-Uerj, 2015.
estudantes e funcionários, que são

Jornal da USP Especial | Junho / 2016 27


A diversidade racial como
um valor institucional

Foto: Acervo do autor


A adoção de cotas raciais para o Embora defendamos cotas ra-
acesso a instituições de ensino su- ciais nas instituições públicas, não
perior e a cargos públicos tem sido pretendemos descartar a repre-
intensamente debatida no nosso sentação do Brasil como uma na-
país. Essa discussão demonstra a ção miscigenada, ideia que muitos
necessidade de uma reflexão sobre acreditam ser mera manipulação
o papel do direito na construção de ideológica. No lugar de uma visão
uma sociedade democrática e ra- que articula a noção de igualda-
cialmente inclusiva no Brasil. de formal e homogeneidade racial
Este artigo desenvolve um dos para atacar ações afirmativas, ado-
argumentos presentes na decisão tamos o conceito substantivo de
do Supremo Tribunal Federal que diversidade para a defesa da misci-
reconheceu a constitucionalidade genação dos círculos do poder. Adilson José Moreira
de medidas de inclusão racial: a O povo brasileiro pode ser mis-
construção de uma sociedade igua- cigenado, mas o grupo social que Doutor em Direito pela Universidade
litária requer a adoção de iniciativas controla praticamente todas as Federal de Minas Gerais
que garantam a representação ade- nossas instituições públicas e priva-
Mestre em Direito pela
quada de diferentes grupos raciais das é racialmente homogêneo, uma
Universidade de Harvard
nas diversas instituições públicas. realidade incompatível com uma
Defenderemos essa posição a sociedade genuinamente democrá- Bacharel em Direito pela UFMG
partir do conceito de diversidade, tica. Assim, o conceito de miscige-
uma diretriz de natureza jurídica e nação não descreve uma realidade
política que teve origem na juris- histórica e social, mas um objetivo
prudência norte-americana sobre a ser buscado para a promoção da
ações afirmativas. A ideia de que justiça social.
instituições públicas e privadas Cotas para homens e mulheres
devem espelhar o pluralismo que de ascendência africana e amerín-
existe no corpo social pode ser vista dia não apenas garantem o acesso
como uma de suas premissas prin- desses indivíduos a oportunidades
cipais; esse preceito afirma então profissionais, mas também permi-
a importância da participação dos tem que as decisões da administra-
diferentes grupos nos processos ção pública possam ser tomadas a
decisórios, fator legitimador das partir da perspectiva de todos os
práticas democráticas. que serão afetados por elas, uma
Seguindo esse pressuposto, condição para a sua democratiza-
afirmamos que a adoção de cotas ção.
raciais nas universidades públicas Sustentaremos o argumento de
contribui de forma significativa que essas iniciativas são compa-
para a formação de uma adminis- tíveis com os princípios da mora-
tração pública democrática, um dos lidade pública, da supremacia do
propósitos centrais do atual Estado interesse público e da eficiência
constitucional. administrativa. Portanto, ações afir-

28 Universidade de São Paulo


mativas encontram fundamento A adoção de Muitos estudos demonstram
não apenas nos ideais da igualdade que as perspectivas trazidas por
cotas raciais nas pessoas de diferentes origens so-
material e justiça social, mas tam-
bém nos parâmetros que regulam universidades ciais e com experiências diversas
a atuação da administração pública. públicas contribui fazem com que a capacidade insti-
Embora seja atacada por dife- de forma tucional de solução de problemas
rentes setores, podemos afirmar seja superior àqueles órgãos cujos
que a diversidade é hoje uma políti-
significativa para a corpos de funcionários são unifor-
ca institucional amplamente adota- formação de uma mes. Instituições que formam um
da por instituições do setor público administração corpo de funcionários diversifica-
e do setor privado nos Estados Uni- pública do criam meios para que a troca
dos, sociedade na qual se tornou de novas ideias aumente, o que é
um princípio de política pública. democrática, um algo particularmente desejável em
Muitos a concebem como uma dos propósitos um mercado no qual grupos mino-
forma positiva de integração social centrais do ritários possuem poder de compra
de grupos minoritários, segmentos cada vez maior.
atual Estado Além das vantagens decorren-
cuja mobilização transformou a
vida política daquele país. constitucional tes da eficiência gerencial, a diver-
A luta de minorias trouxe à sidade também tem sido adotada
tona a discussão sobre o pluralis- por instituições privadas com base
mo como um valor social que tem na noção de responsabilidade so-
repercussões também no estabele- cial. A sua promoção tem sido vista
cimento das finalidades de institui- Um dos elementos mais importan- como um dever moral, principal-
ções públicas e privadas. O conceito tes para a mudança da lógica das mente em uma sociedade marcada
de diversidade tem como base a ações afirmativas teve início com a por um passado de opressão racial.
premissa de que o pluralismo é uma percepção de que a melhoria do de- Segundo esse raciocínio, a prá-
referência relevante para o desenho sempenho de instituições públicas tica da diversidade cria oportuni-
de políticas institucionais. e privadas depende da capacidade dades que permitem a contribuição
Traços identitários construídos dessas organizações em responder das empresas para a formação de
ou atribuídos a certos segmentos so- a demandas decorrentes do plura- uma sociedade mais justa. Elas de-
ciais determinam a experiência social lismo no plano nacional e interna- vem considerar o impacto de suas
de seus membros, sendo que essas cional. atividades no bem-estar da comu-
características são frequentemente Isso porque a globalização das nidade e a contribuição que elas
utilizadas para designar o lugar social economias exige a contratação de podem trazer para a melhora das
que eles podem ocupar, mecanismo pessoas que possam compreender condições de vida de grupos mino-
responsável pela reprodução de rela- as particularidades culturais e polí- ritários é um excelente indício.
ções assimétricas de poder. ticas de diferentes nichos de mer- A incorporação de membros de
Assim, a noção de diversidade cados em vários lugares do mundo. vários segmentos sociais possibilita
como um valor institucional se re- Uma força de trabalho racialmente o acesso a oportunidades profis-
fere a coletividades cujos membros e culturalmente homogênea seria sionais, além de fazer com que elas
possuem uma experiência social menos capaz de tratar questões participem da tomada de decisões
específica em função dos processos que podem surgir das demandas que têm o potencial de afetar toda
de estratificação. Ela não pretende geradas pelo pluralismo cultural. a sociedade. A governança corpo-
sugerir ou afirmar identidades es- Os diferentes grupos sociais têm rativa se aproxima da ideia de que
senciais, mas reconhece que experi- interesses e exigências distintas e as decisões devem ser tomadas por
ências culturais distintas produzem os que não possuem competên- pessoas que representam a varie-
percepções sociais diferentes. cia cultural para negociar com eles dade de grupos e de interesses que
Mais do que uma iniciativa que enfrentam grandes dificuldades. A existem na realidade. Portanto, a
objetiva remediar práticas discri- diversidade adiciona um valor con- justificação da prática da diversida-
minatórias, a diversidade também siderável às instituições públicas e de não se restringe ao caráter repa-
designa uma estratégia que pode privadas, que a empregam por cau- ratório das ações afirmativas, mas
trazer ganhos consideráveis para sa do aumento da produtividade e se também justifica pelo seu papel
as instituições que a empregam. eficácia. inclusivo.

Jornal da USP Especial | Junho / 2016 29


A quem interessa a exclusão
de negros na USP?

Foto: Acervo do autor


Ao adentrarmos os portões da cialista mais requisitado no mundo
Universidade de São Paulo, a mu- quando o assunto tange à ética e à
dança social e étnica é perceptível. justiça, percebemos quão atrasados
Os olhos daquelas poucas pessoas ainda nos encontramos em relação
negras que estudam nos cursos às interações humanas.
mais concorridos da citada institui- Para alunos pertencentes a et-
ção de ensino paulista detectam, de nias historicamente excluídas, deve
imediato, a mudança nos padrões vigorar algum instrumento que
que imperam no espaço que deve- compense a constante discrimina-
ria primar pela democratização real ção sofrida ao longo da vida, res-
de acesso. ponsável pela falta de oportunida-
Aos olhos daqueles que vieram des que assolou esses estudantes.
de classes sociais abastadas e, prio- Os pensamentos de Michael
ritariamente, brancas, com convi- Sandel nos levam a refletir e ana-
vência exclusiva em seus círculos lisar em que proporção é justo o Tom Jr.
representativos da elite brasileira, ingresso maciço de alunos bran-
Bacharelando em Ciência da
a realidade não lhes parece inco- cos pertencentes a classes elitiza- Computação no IME/USP
modar, uma vez que não conhecem das na Universidade de São Paulo.
as várias vertentes étnicas de nossa Principalmente quando o fator de Coordenador do Cursinho
ampla sociedade. seleção se baseia, quase que exclu- Comunitário Modelo Educafro
Quando coletivos dos movi- sivamente, nas oportunidades que
mentos negros tentam dialogar puderam ser financiadas pelo cita- Aprovado todos os anos nos mais
do grupo de estudantes. concorridos vestibulares do País
sobre tais aspectos, não são com-
preendidos por uma parte conside- Muitos são os argumentos da
rável dos estudantes, que insistem necessidade de mérito para o in-
em encobrir esse tipo de debate, gresso na USP. Mas o que é o mé-
como forma de manter o acesso à rito? De acordo com a definição,
Universidade de maneira exclusivis- é aquilo que determina que uma
ta ao grupo de seu pertencimento. pessoa se torne digna de receber
Talvez nos falte ampliar os co- recompensas. É auferido através de
nhecimentos sobre a necessidade métodos de seleção que aplicam a
da democratização étnico-social meritocracia.
em um ambiente acadêmico de Sandel defende existirem dois
produção científica, que tem por tipos de meritocracia: a justa e a in-
primordial objetivo o desenvolvi- justa. A meritocracia injusta subme-
mento tecnológico e científico da te grupos de pessoas que tiveram
sociedade. Ademais, devemos en- oportunidades diferentes na vida,
tender como age o racismo institu- muitas vezes determinadas por fa-
cionalizado em nossa sociedade. tores financeiros e outras tantas por
Ao explorarmos as ideias divul- fatores étnicos, a concorrerem por
gadas pelo professor de filosofia determinado espaço como se tives-
política da Universidade de Har- sem tido, ao longo da vida, oportu-
vard, Dr. Michael Sandel, o espe- nidades minimamente semelhantes.

30 Universidade de São Paulo


A meritocracia justa é baseada A meritocracia o sistema de cotas étnicas tem se
em instrumentos como a reserva de mostrado o único método de se-
vagas para estudantes negros, que
injusta submete leção que corrige de maneira sig-
proporcionam a concorrência ex- grupos de pessoas nificativa a representatividade de
clusiva entre pessoas que tiveram que tiveram negros nas instituições públicas de
as mesmas oportunidades ao longo oportunidades ensino superior, em todos os cursos
da vida. e turnos.
Será que muitos dos atuais estu- diferentes na Convivo diariamente com alu-
dantes da graduação da USP teriam vida, muitas vezes nos negros que vieram de rede
ingressado na instituição, se tives- determinadas por pública e tentam, insistentemente,
sem tido a oportunidade de cursar fatores financeiros ingressar em universidades pú-
o ensino médio em escolas públicas blicas. Ou por conta de não terem
de péssima qualidade, como são a e outras tantas por condições de arcar com os custos
maioria delas? Se tivessem que tra- fatores étnicos, a de uma universidade particular ou
balhar desde novos para sustentar concorrerem por por buscarem o ensino de mais alta
seus familiares e não lhes deixar qualidade.
passar fome? Se não tivessem con-
determinado espaço Sempre me deparo com diver-
dições financeiras que lhes permi- como se tivessem sos estudantes de capacidade in-
tissem pagar os melhores colégios tido, ao longo da telectual acima até do que alguns
particulares, cursinhos caros ou cur- vida, oportunidades estudantes que, por terem passado
sos de idiomas? Se tivessem sofrido na Fuvest, se veem como seres su-
diversos tipos de discriminações minimamente periores. São alunos que têm alto
raciais? semelhantes índice de inteligência, mas que
Não podemos aceitar que exis- acabam enfrentando a barreira de
ta o mérito, através do ingresso via não terem tido acesso ao conteúdo
vestibulares, quando sabemos que cobrado nos exames para ingresso
as oportunidades que foram ofere- na USP.
cidas a determinados grupos não Também permite que a insti- Por sorte, temos universidades
foram oferecidas a outros tantos. tuição atraia as pessoas mais qua- que adotam sistemas de cotas e
Ou que o fator determinante para lificadas para seu quadro discente. dão chance para que esses talen-
que essas oportunidades pudessem Haja vista que várias pessoas, com tos ingressem nessas instituições e
acontecer foi de cunho financeiro. potencial intelectual altíssimo, dei- possam, através de suas elevadas
O ingresso de negros nos diver- xam de ser descobertas, por conta capacidades intelectuais, produzir
sos cursos da USP deve ser visto da dificuldade de acesso alicerçada pesquisas e ajudar a proporcionar o
como uma forma de alcançarmos nas práticas de meritocracia injusta desenvolvimento científico de que
objetivos sociais mais amplos do praticadas para o ingresso na USP. tanto nossa sociedade necessita.
que a simples correção histórica de Vários instrumentos, com o viés Quanto tempo mais a Universi-
uma população excluída. de promoverem a diversidade ét- dade de São Paulo irá desperdiçar
Sandel defende a necessidade nico-social na Universidade de São talentos e ficar estagnada no tem-
de aplicação do princípio da diver- Paulo, foram testados ao longo dos po, preterindo os que realmente
sidade, que coaduna com o bem anos. Nenhum deles alcançou mini- merecem pelos que tiveram recur-
comum da sociedade e da evolu- mamente os objetivos pretendidos, sos financeiros para serem aprova-
ção da própria universidade, uma principalmente ao verificarmos os dos pelos métodos tradicionais de
vez que possibilita a estudantes de cursos de maior concorrência da seleção adotados pela instituição?
diversas origens aprenderem mais mencionada instituição de ensino. Quando teremos uma USP que re-
e com uma formação mais rica do Ao que nos parece, por conta trate a pluralidade étnica da nossa
que se fossem todos da mesma pro- das experiências em diversas uni- sociedade?
veniência. versidades estaduais e federais,

Jornal da USP Especial | Junho / 2016 31


As cotas para negros:
por que aposto os
meus olhos azuis

Foto: Acervo do autor


Roberto Lyra, promotor de Justi- convenceu a trocar de lado: “pas-
ça, um dos autores do Código Penal sar um dia na cadeia”. Professor de
de 1940, recomendava aos colegas técnicas de estudo, há anos venho
de Ministério Público que, “antes fazendo palestras gratuitas sobre
de se pedir a prisão de alguém, de- como passar no vestibular e Enem
veria se passar um dia na cadeia”. para a Educafro, pré-vestibular para
Algumas coisas, apenas o contato negros e carentes.
imediato com a realidade permite Mesmo sendo, por ideologia,
compreender. contra um pré-vestibular “para ne-
Já fui contrário às cotas para gros”, aceitei o convite para dar au-
negros, defendendo que seria mais las como voluntário nessa ONG por
razoável e menos complicado uti- entender que isso seria uma con-
lizar apenas as cotas sociais. Hoje tribuição para a formação desses
não penso mais assim. E, embora jovens. William Douglas
juiz federal, não me valerei de argu- Nessa convivência, fui desco-
mentos jurídicos. A Constituição é brindo que ter acesso a estudo Juiz federal (RJ)
pródiga em fundamentos para, de sendo pobre é um problema (que
Mestre em Direito pela
fato, tornarmos este país melhor e já vivi), mas ser pobre e negro gera
Universidade Gama Filho
mais decente. um problema bem maior ainda.
Há ótimos argumentos técni- Claro que alguns negros pobres Especialista em Políticas Públicas e
cos favoráveis e contrários às cotas conseguem, mas isto apenas mos- Governo (EPPG/UFRJ)
e o valor pessoal e a competência tra seu heroísmo, e não acho que
dos contendores comprovam que temos que exigir heroísmo de cada Professor e escritor, caucasiano
há gente de bem, capaz, bem-in- menino pobre e negro deste país. e de olhos azuis
tencionada, honesta e com bons Minha filha, loura e de olhos cla-
fundamentos nos dois lados dessa ros, estuda há três anos em um co-
questão. Não os usarei aqui, por- légio onde não há um aluno negro
tanto. sequer, no qual há brinquedos, pro-
Vou deixar minha posição como fessores bem remunerados, aulas
homem, cristão, cidadão, juiz, pro- de tudo; sua similar negra, filha de
fessor e especialista em concursos: minha empregada, e com a mesma
não vamos perder nosso momento idade, entrou na escola este ano,
histórico, nossa oportunidade de uma escola sem professores, sem
descontar parte do atraso de nossa carteiras, com banheiro quebrado.
sociedade; vamos criar mais igual- Minha filha tem psicóloga para
dade nas oportunidades de estudo. ajudar a lidar com a separação dos
Rui Barbosa já dizia sabiamente que pais, foi à Disney, tem aulas de balé.
tratar igualmente os desiguais não Teve problemas de matemática e
é correto. providenciei, por ter dinheiro, aulas
Trago aqui o argumento que me particulares. A filha de minha em-

32 Universidade de São Paulo


pregada não teve dificuldades Fui descobrindo semana, na escola, no bairro, no
com matemática porque a sua que ter acesso a restaurante, nos lugares que fre-
escola pública está sem profes- quenta, repare quantos negros
sor de matemática. Minha filha estudo sendo pobre existem ao seu lado, em condi-
tem playground; a outra, nada, é um problema ções de igualdade (não vale por-
tem um quintal de barro, viagens (que já vivi), mas teiro, motorista, servente ou coisa
mais curtas. parecida).
A filha da empregada, que ajudo
ser pobre e negro Será que essa desigualdade
o quanto posso, visitou minha casa gera um problema não persiste por nossa inércia?
e saiu com o sonho de ter seu pró- bem maior ainda. Você tem argumentos bons, con-
prio quarto, coisa que lhe passou na Claro que alguns cordo, o outro lado também. O
cabeça quando viu o quarto de mi- que vai mudar sua opinião é essa
nha filha, lindo, decorado, com ar- negros pobres realidade nua e crua de falta de
mário inundado de roupas de prin- conseguem, mas oportunidades.
cesa. Toda menina é uma princesa, isto apenas mostra Precisamos confirmar as cotas
mas há poucas princesas negras para negros e para os oriundos da
com vestidos, armários e escolas
seu heroísmo, e não escola pública. Temos que consi-
compatíveis, neste país imenso. acho que temos que derar não apenas os deficientes
A princesa negra disse para sua exigir heroísmo de físicos (o que todo mundo aceita),
mãe que iria orar para Deus pedin- cada menino pobre mas também os econômicos, e dar
do um quarto só para ela, e eu me a eles mais oportunidades. Não
incomodei por lembrar que Deus e negro deste país podemos ter tanta paciência para
ainda insiste em que usemos nos- resolver a discriminação racial que
sas mãos humanas para fazer Sua existe na prática: vamos dar saltos
Justiça. Sei que Deus espera que eu, ao invés de rastejar em direção a
seu filho, ajude nesse assunto. E, se uma nova realidade.
não cresse em Deus como creio, sa- tos anos de espera por dias mais Queremos você conosco nessa
beria que, com ou sem um ser divi- justos. Os pobres sempre foram tra- história. Não creio que esse mundo
no nessa história, esse assunto não tados à margem. O caso é urgente: seja seguro para minha filha, que
estaria bem resolvido. as universidades não podem ficar tem tudo, se ele não for ao menos
O assunto demanda de todos omissas. um pouco mais justo com os filhos
nós uma posição consistente, uma Foi vendo meninos e meninas, dos outros, que talvez não tenham
que não se prenda apenas a teorias negros e pobres, tentando uma tido minha sorte, ou a dela. Talvez
e comece a resolver logo os fatos do chance, tentando manter brilhan- seus filhos tenham tudo, mas tudo
cotidiano: faltam quartos e escolas do nos olhos uma esperança in- não basta se os filhos dos outros
boas para as princesas negras. cômoda diante de tantas agruras, não tiverem alguma coisa. Alguns
Não que tenha nada contra o que fui mudando minha opinião. dias “na cadeia” me fazem apostar
bem-estar da minha menina: da- Não foram argumentos, foi passar meus olhos azuis nas cotas. Precisa-
mos muito duro para ela ter isso. “dias na cadeia”. Na cadeia deles, mos delas, agora.
Apenas não acho justo nem hones- dos pobres, o lugar de onde vieram Então, como disse Roberto Lyra,
to que, lá na frente, daqui a uma dé- meus pais, e do qual experimentei “o sol nascerá para todos. Todos
cada de desigualdade, ambas sejam somente um pouco, quando mais dirão – nós – e não – eu. E amarão
exigidas da mesma forma. É justo moço. De onde eles vêm, as cotas ao próximo por amor-próprio. Cada
que a outra tenha alguma contra- fazem todo sentido. um repetirá: possuo o que dei. Cur-
partida para entrar na faculdade. Se você discorda das cotas, me vemo-nos ante a aurora da verdade
Não seria igualdade nem haveria perdoe, mas recomendo um dia “na dita pela beleza, da justiça expressa
honestidade ao se tratar as duas da cadeia”. Venha nos visitar na Edu- pelo amor”.
mesma forma só ao completarem o cafro, venha ver algo que precisa Justiça expressa pelo amor e
ensino médio. encontrar eco em nossas políticas pela experiência, não pelas teses.
Não se diga que possamos dei- públicas. As cotas são justas, honestas, so-
xar isso para ser resolvido só no Se você é contra as cotas para lidárias, necessárias. E, mais que
ensino fundamental e médio. É não negros, eu o respeito, também fui tudo, urgentes. Fique a favor ou,
fazer nada. Já estamos com duzen- contra por muito tempo. Mas essa pelo menos, “visite a cadeia”.

Jornal da USP Especial | Junho / 2016 33


A USP na cidade
mais negra do Brasil

Foto: Marcos Santos/USP Imagens


A USP foi fundada em 1934. Podemos concluir que a USP e
Neste ano de 2016 completou 82 o governo do Estado de São Paulo
anos! O grande educador, professor têm uma grande dívida com a po-
Fernando de Azevedo, se uniu a Jú- pulação negra e indígena! De fato,
lio de Mesquita Filho para moderni- uma Universidade cujo fundador se
zar a educação superior, oferecen- orgulha de ter fora dos seus bancos
do às elites de São Paulo um sólido universitários discentes negros e
instrumento para o conhecimento indígenas realmente só pode sofrer
científico. de uma visão excludente, eurocên-
O professor Fernando de Aze- trica e doentia não questionada no
vedo (1884 – 1974) foi membro do seu tempo.
Conselho Universitário da nascen- Essa visão ainda está presente
te USP e nele permaneceu por 12 em pequena (mas poderosa) parte
anos. Foi um dos principais intelec- da elite intelectual da USP, e é cul-
tuais que definiu “para que e para pada pelo alto grau de exclusão do Frei David Santos OFM
quem” estava sendo criado o ensino povo negro e indígena nessa uni-
Especialista em Ações Afirmativas,
universitário no Estado de São Pau- versidade. Desde o seu nascedouro, Filósofo e Teólogo
lo. Perguntamos: ele e seus pares e em seus 82 anos, a USP tem sido
estavam preocupados com um omissa com relação aos direitos de
ensino superior aberto a todos? negros e indígenas.
Inclusivo? O Estadão do dia 23 de abril de
No seu livro lançado em 1943 2013 traz a seguinte manchete: “Só
(e com seis edições) A Cultura Brasi- 7% dos alunos de escola pública
leira, à página 80 da quarta edição, entraram na USP”. Ocorre que qua-
encontra-se a resposta: “A admitir- se 90% dos que terminam o ensino
-se que continuem negros e índios médio no Estado de São Paulo vêm
a desaparecer, tanto nas diluições de escolas públicas, onde está a
sucessivas de sangue branco, como expressiva população negra! Onde
pelo progresso constante de sele- está o compromisso institucional
ção biológica e social e desde que com o todo da sociedade? Por que
não seja estancada a imigração, insistir em ser um espaço só para as
sobretudo de origem mediterrâ- elites nos seus principais cursos?
nea, o homem branco não só terá, Somos a favor da autonomia da
no Brasil, o seu maior campo de USP, mas jamais a Constituição deu
experiência e de cultura nos trópi- à USP autonomia para excluir insis-
cos, mas poderá recolher à velha tentemente! Segundo a Pesquisa
Europa – cidadela de raça branca Nacional por Amostra de Domicí-
-, antes que passe a outras mãos, o lios (PNAD) 2014, realizada pelo
facho de civilização ocidental a que IBGE, numericamente a cidade de
os brasileiros emprestarão uma luz São Paulo é a mais negra do Bra-
nova e intensa - a da atmosfera de sil, com quase 3 milhões. Salvador
sua própria civilização”. é a terceira, com quase 1,8 milhão

34 Universidade de São Paulo


de negros(as)! Dar as costas para o Uma Universidade responsabilidade e competência. A
povo negro em São Paulo é o mais Unesp adotou cotas para negros e
cruel exemplo de racismo institu- cujo fundador se está atingindo a meta.
cional governamental de que temos orgulha de ter fora Até aqui, todos os planos de cor-
conhecimento! Negro é tão capaz dos seus bancos reção das injustiças contra negros
quanto o branco! e pobres lançados pela USP, usan-
A UnB revelou que o desempe-
universitários do métodos sem nenhum estudo
nho acadêmico médio dos cotistas discentes negros científico comprovado (pontuação),
negros, formados em 2009, foi de e indígenas confirmaram-se como instrumentos
3,1 (considerando que a nota má- realmente só pode ineficazes que vêm gerando muita
xima é de 5 pontos), enquanto o frustração nos jovens negros e pe-
desempenho dos não cotistas foi sofrer de uma riféricos. Em quase nada mudou a
de 2,9 no mesmo período! A meta visão excludente, realidade de exclusão da USP. Iremos
de atingir a inclusão de 50% de ne- eurocêntrica enviar carta para todos os institutos
gros, indígenas e brancos pobres da internacionais que classificam as
rede pública, exigida pelo governa-
e doentia não universidades para que acrescentem
dor Geraldo Alckmin (que deveria questionada no como critério de pontuação um índi-
ser cumprida até 2016, mas o Con- seu tempo ce de inclusão das populações mais
selho Universitário a transferiu para prejudicadas do país onde está situ-
2018), é o mínimo que esperamos ada cada universidade.
da USP! A Universidade de São Paulo
O grande professor da mais im- passado e que precisa ser corrigida precisa seguir o exemplo de Har-
portante universidade do Mundo, hoje com inclusão. É responsabili- vard e incluir no seu Projeto Políti-
Harvard-EUA, dr. Michael Sandel, dade dos que hoje estão no poder co-Pedagógico o compromisso da
em seu livro Justice, evidencia que do Conselho Universitário. Assim inclusão, da diversidade étnica e de
o bem comum está acima do bem agindo, o Conselho está colocando classe social. Assim, esta universida-
pessoal. Compensar injustiças his- em prática os princípios da justi- de estará em sintonia com o sécu-
tóricas e erros do passado é a mis- ça distributiva. Conclamamos os lo 21, século da busca sincera pela
são número um das universidades membros do Conselho Universitá- igualdade de direitos. O Supremo
eticamente responsáveis. rio da USP que evitem esse tipo de Tribunal Federal, por meio da ADPF
Ele atesta com autoridade que violência institucional ao realiza- 186, mostra à USP que é este o ca-
a escravidão foi uma injustiça do rem essa tarefa, com consciência, minho mais justo e constitucional.

Jornal da USP Especial | Junho / 2016 35


Jornal da USP
ESPECIAL Junho /2016
Publicação da Superintendência de Comunicação Social
Universidade de São Paulo
www.jornal.usp.br

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