Você está na página 1de 4

Perguntas para o pastor Igor Shimura

1. Como aconteceu a sua conversão?


Fui alcançado pelo Evangelho no final dos meus 16 anos, quando fui evangelizado na escola por um
colega de classe recém convertido. Ele freqüentava uma igreja em Curitiba e começou a
compartilhar a mensagem de salvação aos colegas de sala de aula. Ao mesmo tempo em que fui
evangelizado na escola, minha mãe começou a freqüentar outra igreja e também orava por minha
vida e me evangelizava.

2. Um breve histórico da comunidade de ciganos em que o irmão trabalha com a evangelização.


A Missão Amigos dos Ciganos atua em diversas comunidades ciganas, tanto os nômades quanto os
seminômades e sedentários. É um trabalho com foco nacional e se expande sempre que uma igreja se
interessa em evangelizar os ciganos em seu Estado, cidade ou bairro. Os ciganos chegaram ao Brasil
em 1574, quando o primeiro cigano, chamado João Torres, foi degredado de Portugal em decisão da
Corte que atendia a Igreja-Estado. A história mostra que a deportação de ciganos portugueses
continuou pelo menos até o final do século XVIII. Se estabeleceram no país sofrendo as mesmas
perseguições que enfrentavam na Europa, porém a unidade enquanto povo foi um elemento
fundamental para sua preservação cultural. Os ciganos não possuem uma “religião oficial”, mas se
contextualizaram aos credos mais comuns no Brasil e por isso apresentam uma característica
sincretista, misturando catolicismo e animismo. Mesmo assim no Brasil há igrejas evangélicas
ciganas, ciganos muçulmanos, espíritas, etc.

Há dois principais grupos ciganos no Brasil: Calom e Rom. Os calons são de origem ibérica,
oriundos de Portugal e Espanha. Os Rom ou romanis vieram do Leste Europeu. Esses grupos são
bilíngües, sempre falando o idioma local (aqui no caso português) e a língua cigana, sendo que cada
grupo tem dialetos diferentes.

Não há dados numéricos sobre a população cigana no Brasil, mas alguns arriscam afirmar
estimativas em torno de 1 milhão de ciganos, sendo que pelo menos metade sejam nômades.
Acredita-se que 95% dos ciganos são analfabetos e sofrem diversas restrições de acesso aos
equipamentos sociais e sistemas de educação e saúde. No Brasil são encontrados ciganos
estrangeiros e nacionais (nascidos aqui).

3. Como surgiu a idéia do ministério com os ciganos?

Na Bíblia! Simplesmente decidimos obedecer à ordem do Senhor Jesus: “Ide por todo o mundo e
pregai a toda criatura” (Marcos 16.15). Quando Cristo diz “toda criatura” está se referindo a todas as
pessoas, indiferente de cor, etnia, nacionalidade, cultura, religião, status social, etc. Os ciganos estão
incluídos nos alvos missionários de Jesus Cristo... Infelizmente os conhecidos seguidores de Jesus
não incluíram os ciganos nos alvos e esforços da missão da igreja. Diante dessa situação, evangelizar
ciganos tem sido coerente com o desafio missionário de Cristo de forma prática ao mesmo tempo
que é incoerente com a prática atual da igreja evangélica brasileira: que tem sido eletiva e
exclusivista, fazendo acepção de pessoas e não sabendo lidar com os diferentes. Temos esperança de
que isso pode mudar. Amém!

4. Quais as estratégias que o irmão usa para evangelizar a comunidade cigana?


Não existe uma “estratégia padrão” para a evangelização de ciganos. Primeiro porque ciganos não
são padronizados. Apesar das muitas semelhanças, cada grupo cigano é diferente do outro: cada um
tem uma subcultura, um dialeto da sua língua, um costume local, um estilo de vestimenta, etc.
Segundo: cada grupo tem um histórico e um nível de contato com o evangelho. Alguns grupos são
altamente místicos e se identificam com “igrejas evangélicas mágicas” (que são aquelas onde a
ênfase não é na mensagem de salvação e sim nas “manifestações sobrenaturais”), outros são bastante
animistas, acreditando em espíritos, outros são extremamente sincretistas, misturando as mais
variadas crenças, etc. Terceiro: alguns ciganos sabem ler, outros não. O fator educação é
determinante para a construção de uma estratégia para um grupo específico. Valorizamos a oralidade
dos ciganos e contamos histórias bíblicas que eles mesmos contam para outros membros da
comunidade, para seus filhos e netos. Isso faz com que memorizem textos bíblicos parafraseados e
histórias bíblicas. Outro fator é o conceito de “evangelização” que temos colocado em prática.
Evangelizar não envolve somente a comunicação verbal da mensagem das boas novas, mas
também a comunicação não-verbal, ou seja, o testemunho (evidência) de um Cristo que está
interessao em todas as domensões da vida dos ciganos. O Evangelho abençoa a vida do cigano como
um todo! Não é só a salvação da “alma”, mas dá comida para matar a fome, água para saciar a
sede, documento que traz cidadania, alfabetização que integra à sociedade e permite ler a
Bíblia, valorização cultural que os identifica como ciganos valorizados por Deus... o evangelho todo
(não pela metade), para o homem todo (não só para a alma) para todos os homens (inclusive para os
ciganos) e em todos os lugares (acampamentos ciganos também!). Somos um ministério que olha
para o cigano como um ser biopsicossocial-espiritual e para o Evangelho como o único recurso de
Deus para resgatar todo esse ser humano cigano.

5. O irmão usa algum material especial como ferramenta?

Materiais na língua cigana: Filme Jesus, evangelhos e folhetos.


Materiais em português: Filme Socorro (AMME Evangelizar), “Desafiando Gigantes”, “A Virada”,
bíblias NTLH, etc.

6. Seria fácil para alguém de fora da cultura cigana conseguir fazer um trabalho de
evangelização entre os ciganos?
Os ciganos são bastante receptivos. Falta à igreja mais interesse e preparo para ir até os ciganos.
Muitos crentes até visitam acampamentos, mas o fazem com receio e medo de maneira que pregam
mensagens bem agressivas: “deixem a leitura de mão ou vocês irão para o inferno”. O resultado
desse tipo de abordagem é que os ciganos se sentem mal e olham para os crentes como pessoas
insensíveis. Outros cristãos falam um vocabulário estranho aos ciganos, usando termos do
“evangeliqueis”, tais como: “um vaso falou comigo nesta manhã”, “a morte vicária do Cordeiro de
Deus” ou “a expiação no Gólgota ressoou em todo o cosmos”. São termos que impedem a
comunicação clara da mensagem do evangelho aos ciganos; o ideal é falar de forma popular. Além
disso a abordagem eficiente e eficaz nas comunidades ciganas deve ser feita a partir da cosmovisão
dos ciganos, ou seja, deve-se considerar suas culturas, vestimentas, crenças, vocabulário, costumes,
etc.
Por esses e tantos outros motivos o preparo é fundamental!

7. Quantos grupos de ciganos no Brasil ainda estão sem um trabalho de evangelização?


A maioria dos ciganos no Brasil está sem um trabalho missionário evangélico. Infelizmente já
existem seitas avançando com o proselitismo entre os ciganos e assim mentiras, invenções humanas,
tradições religiosas e deturpações dos conteúdos bíblicos estão sendo irradiados nas comunidades
ciganas de algumas regiões no Brasil. Há um grande clamor de Deus para que os preconceitos sejam
deixados de lado e os ciganos sejam incluídos nos alvos missionários dos evangélicos. Conheço no
máximo 4 missionários dedicando tempo integral à evangelização de ciganos no País. Se
considerarmos uma estimativa de 1 milhão de ciganos, então temos apenas 1 missionário para cada
250 mil ciganos. Que Deus nos desperte do sono da indiferença e nos ajude a “ir” aos ciganos.

8. Quantos já possuem um trabalho evangélico estabelecido?


Poucos... Alguns ministérios Batistas, Assembleianos e Presbiterianos já estão a todo vapor trabalhando na
evangelização de ciganos no Brasil. O nosso ministério é pioneiro e se chama “Missão Amigos dos
Ciganos”; existe desde 2002 e é ligado à Junta de Missões Nacionais da Convenção Batista Brasileira.

9. Quais as dificuldades que precisam ser trabalhadas entre os grupos que já possuem trabalho
evangélico?

Sincretismo religioso – mistura de crenças. Uma das piores experiências que um missionário pode
ter quando comunica sua fé é ouvir do evangelizado: “Jesus é bom e é mais um 'deus' na minha lista
de deuses e santos. Obrigado por me falar dele, assim como rezo para os santos também vou orar a
Ele!”. No sincretismo Jesus não é “O caminho, A verdade e A vida” (João 14.6), mas uma mera
opção religiosa... apenas “mais um componente do panteão religioso” do indivíduo. Esse tipo de
afirmação desvaloriza e reduz o sacrifício de Cristo a um mero e insignificante ato histórico
impotente para salvar com a exclusividade que o Cristo representa: Ele é o único caminho a Deus
(ler 1 Timóteo 2.5), não existem outros mediadores... contrário ao que as tradições e fábulas
humanas afirmam.

Discriminação evangélica. Certa vez vi uma cena infeliz: ao ser abordada por uma cigana que pedia
para “ler a sorte” numas das ruas em Curitiba, uma mulher com cabelo e saia comprida, com uma
bíblia debaixo do braço disse à cigana: “para trás de mim Satanás!” Essa é uma cena comum nas
principais cidades do país. Muitos crentes, desprovidos de informações, olham para os ciganos como
inimigos e não como vidas amadas pelo Criador de todas as pessoas. A desinformação, o medo, a
falta de preparo e muitas vezes o puro racismo geram conseqüências desastrosas (até mesmo eternas)
para a vida de milhares de ciganos. Se deixarmos de lado as barreiras e preconceitos e amarmos os
ciganos o trabalho dos missionários será mais fácil!

10. Há algum curso preparatório para evangelistas de comunidades ciganas? Qual ou Quais?
Nós ministramos cursos de capacitação missionária para pequenas equipes (mínimo 5 pessoas) em
diversas igrejas do País. Fazemos isso quando somos convidados para ministrar tal curso, que é
gratuito. Temos orado a Deus para igrejas evangélicas bíblicas, sérias em seguir a Palavra de Deus
sejam despertadas pelo Espírito Santo para evangelizar os ciganos. Nossa agenda para este tipo de
treinamento é definida pela Junta de Missões Nacionais e é direcionada a todo o povo de Deus.

11. Há idéias ou costumes ciganos que dificultam a aceitação do evangelho? Quais?


Em geral os ciganos são bastante “religiosos”, acreditam em Deus e em mediadores. Quando se fala
de Deus para os ciganos, eles gostam bastante e "entregam a vida para Jesus". Muitos evangélicos
tem a ilusão de que eles se tornarão evangélicos ao levantar a mão em resposta a um apelo. Há
necessidade de um trabalho longo e bem estruturado.
Na língua cigana não há uma palavra que identifique o Filho de Deus, por isso muitos ciganos não
compreendem a Trindade e ainda a mesclam com todos os santos que eles conhecem. Nossas
observações e pesquisas mostram que em muitos grupos a teologia cigana configura um “deus
multifacetado”, ou seja, um deus que se apresenta de várias formas, mas é um só. Ora ele é
representado por um santo católico, ora ele é representado por um espírito, ora por Jesus! Isso
lembra muito o Hinduísmo que tem a mesma dinâmica, apresentando o “deus Brahma” em diversos
formatos (cerca de 330 milhões de “formas”) de “pequenos deuses e semi-deuses”. Muitos ciganos
clamam à um santo como se estivessem clamando a Deus, como que se Ele tivesse aquela faceta
naquela momento e mais tarde tivesse outra representação, na “casca” de outro santo, espírito, etc.
Para que a comunicação do evangelho seja eficiente e eficaz é fundamental um processo de pesquisa,
oração, elaboração de estratégias, teologia de abordagem e contextualização.

Mas é importante frisar que a evangelização não deve ser sinônimo de “etnocídio”, ou seja, a
destruição cultural dos ciganos. O evangelho nunca teve a proposta de destruir culturas, mas de
salvar o ser humano dos pecados. E para salvar os seres humanos dos pecados não é necessário que
culturas humanas sejam “ocidentalizadas”, “americanizadas” ou “europizadas”. Lesar uma cultura
com um evangelho na roupagem européia ou amercana por exemplo, seria o mesmo que difundir um
tipo de imperialismo missionário, que não desassocia mensagem do evangelho da cultura do
comunicador. O melhor exemplo de alguém que ensinou que Cristo é único e exclusivo caminho
para a salvação sem modificar a cultura do público alvo é do apóstolo Paulo, em sua carta aos
Coríntios (1 Co 9.22b): “Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar
alguns”.

12. É possível ao cigano que aceita Jesus e tem a Bíblia como regra de fé conviver bem na
comunidade cigana sem gerar problemas?
O apóstolo Paulo disse que “todos os que querem viver em Cristo piamente sofrerão perseguições”...
Essa regra é para todos, sejam brasileiros, chineses, paraguaios, ciganos, etc. No universo
multicultural dos ciganos as festas têm um lugar especial e em alguns grupos o uso de bebidas
alcoólicas é oferecido aos participantes. A via de regra, rejeitar algo que o cigano lhe oferece pode
soar discriminação, por isso em muitos acampamentos (não todos), quando um cigano cristão rejeita
a bebida oferecida acaba sendo deixado de lado pelo grupo. Falo isso porque já presenciei situações
como essa.
Outra dificuldade é com os ofícios mágicos, como por exemplo a quiromancia e a cartomancia, que
sugere que a cigana pode ter acesso à informações sobre o futuro pessoal do “cliente”, que paga pela
tal “informação”. Esses serviços caracterizam uma manipulação da “divindade”, do “sobrenatural” e
em troca o "mago" é remunerado... Isso é extremamente contraditório com os valores do
Cristianismo Bíblico. O cigano cristão sabe que somente Deus conhece o futuro e por isso rejeita tais
práticas, exceto que ela sirva como estratégia para evangelizar (mas existem sérios riscos de
sincretismo nesse caso).
Há milhares de igrejas evangélicas ciganas em todo o mundo, como também ícones de
representatividades ciganas que são evangélicas. O deputado cigano espanhol Juan de Dios Ramirez
Heredia por exemplo é evangélico e famoso pela luta contra o racismo na Espanha. Ele pertence a
Iglesia Pentecostal Filadelfia, que é maior igreja evangélica da Espanha, com cerca de 200 mil
membros. O líder dos ciganos romenos, Florin Cioaba, também é pastor evangélico e conhecido
pelas lutas pela inclusão social de seu povo na Romênia. No Brasil há igrejas de ciganos roms em
São Paulo, Minas Gerais e Goiás. Creio que a maior dificuldade de convivência de ciganos
evangélicos e não evangélicos se dá no ambiente dos acampamentos, devido ao sincretismo
religioso, que é predominante.

13. Como a Igreja Evangélica Brasileira pode conhecer mais o trabalho realizado nessas
comunidades e como pode participar mais?
Para não expor missionários e ciganos, esse tipo de evangelização tem optado por um perfil sigiloso.
Por isso sites de acesso irrestrito não estão na lista das formas de informação que dispomos. Creio
que o contato mais pessoal conosco é um dos caminhos para que a visão seja difundida com as
informações e dicas necessárias sobre esse tipo de ministério. Igrejas podem solicitar a visita de um
dos missionários da rede solidária (diversos ministérios, de denominações diferentes) em sua igreja.

Esta entrevista mesmo é uma forma de conhecimento sobre o trabalho e desafio missionários aos
ciganos.

Você também pode gostar