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HERMENÊUTICA CONTEXTUAL

Rev. Carlos del Pino

I. INTRODUÇÃO

Estamos diante de um tema altamente relevante para a igreja brasileira em seu momento atual,
principalmente no que diz respeito ao seu despertamento missionário. Estamos vivendo um momento muito
especial na igreja evangélica brasileira: igrejas evangélicas de diferentes denominações estão crescendo
rapidamente em termos numéricos em diferentes partes do país; recentemente diversos grupos evangélicos
carismáticos e independentes têm surgido; há vários evangélicos envolvidos em diversos níveis da vida
política em muitas partes do Brasil; muitos grupos têm realizado trabalhos urbanos (meninos de rua,
pobreza, prostituição, drogas, homossexualidade, etc); existem hoje cerca de 450 seminários e institutos
bíblicos no país, entre outras realidades.
Nesse exato contexto observa-se, também, o nosso envolvimento e crescimento missionário.
Entretanto, observamos que todo o desenvolvimento experimentado na área de missões tem sido baseado em
modelos estratégicos que nos são trazidos de fora. Praticamente, tudo o que chamamos de movimento
missionário, visão missionária ou missão da igreja no Brasil hoje, tem sido limitada a uma reprodução de
metodologias missionárias norte americanas.
Isso mostra a necessidade de um trabalho hermenêutico profundo de nossa parte criando-se
fundamento bíblico à nossa tarefa missionária, chegando dessa forma a um crescimento missiológico e
missionário consistente e baseado em um estudo profundo e mais sério da Palavra de Deus.
Infelizmente, a missiologia tem sido vista como uma matéria que não se preocupa com o fazer
teológico e hermenêutico, apenas como uma matéria prática. E isto parece que foi assumido pelos
missiólogos e missionários como um pressuposto verdadeiro, pois tanto uma produção teológica e
hermenêutica que leve a igreja a crescer em seu conceito e compreensão bíblicos acerca da missão, como as
palestras e conferências missionárias atuais têm sido muito desprovidas de um investimento e preocupação
com o embasamento teológico sólido da igreja.
Entretanto, observamos que existem algumas importantes iniciativas para reverter-se esse quadro.
Estas iniciativas ainda são pequenas e dependem de um esforço maior e em conjunto de todos os envolvidos
com o trabalho missiológico e missionário. Exigem um investimento adequado no estudo teológico e
exegético por parte de toda a igreja, além do investimento suficiente na vida e preparo de pessoas que se
dedicam especificamente a essa tarefa hermenêutica.
Andrew Kirk em sua recente publicação, The Mission of Theology and Theology as Mission, tem
como objetivo mostrar que o conceito de missão como a dedicação ao exercício de um chamado prático, e o
conceito de teologia como primariamente como uma tarefa intelectual, está baseado em suposições
inadequadas.1
Ainda procurando mostrar a importância de um trabalho missiológico que seja solidamente teológico
e hermenêutico, e vice-versa, tornam-se relevantes as observações feitas por William Dyrness quando
escreve procurando esclarecer o método da teologia bíblica e sua extensão para a missão integral. Segundo
ele:

“Esta abordagem da teologia busca o estudo de temas bíblicos em seu contexto histórico e cultural tal
como são desenvolvidos nas Escrituras. Antes que uma abordagem teológica em termos da categoria
do pensamento sistemático, a teologia bíblica identifica várias realidades tal como elas se
desenvolveram no curso do tratamento de Deus com seu povo. Cada abordagem é particularmente
significativa para um estudo da missão, pois a teologia bíblica trata primariamente com a auto-
revelação de Deus no curso da história e em termos realidades culturais particulares, e abrangendo a
totalidade dos registros bíblicos (...) Uma abordagem bíblico-teológica evita o erro por centralizar o

1
J. A. Kirk, The Mission of Theology and Theology as Mission, pp.2-3.
interesse em missão sobre o próprio Deus e procurar ver a missão como um reflexo de seu próprio
caráter e uma extensão de sua obra criativa”.2

Ainda segundo Dyrness “a teologia consiste primariamente de reflexão sobre a missão. Isso é uma
verdade no nível mais básico: a declaração teológica mais altamente desenvolvida, aquelas do apóstolo
Paulo, foram forjadas no contexto da primeira expansão da igreja”.3
Disso podemos concluir que a própria natureza da teologia está estritamente relacionada com a
missão: “missão não é meramente uma aplicação da teologia - algo que ensinamos aos nossos alunos depois
que eles aprenderam sua teologia (...) Missão é vital para a teologia, pois ela é o ponto onde fé e estratégia
chegam juntas, onde a nossa fé torna-se direcionada ao mundo em um sentido específico.”4
Orlando Costas, por sua vez, procura mostrar o ponto de partida para o relacionamento entre a tarefa
teológica e a evangelística:

“Teologia e evangelização são dois aspectos interrelacionados da vida e da missão da fé cristã. A


teologia estuda a fé; a evangelização é o processo pelo qual ela é comunicada. A teologia sonda a
profundidade da fé cristã; a evangelização habilita a igreja a expandir-se até os confins da terra e da
profundidade da vida humana. A teologia reflete criticamente sobre a prática de fé da igreja; a
evangelização guarda a fé de tornar-se a prática de um grupo social exclusivo.
Infelizmente, é muito freqüente que esses dois ministérios complementares sejam vistos como
adversários antes que como parceiros (...) Sem teologia a igreja corre o risco do colapso, inabilitada a
entender-se a si mesma ou sua mensagem e missão no mundo, não equipada tanto intelectual como
espiritualmente para tratar com os desafios de seu contexto social. Sem evangelização, a teologia é
reduzida a um exercício acadêmico, abstrato e exclusivamente intelectual, de pouco serviço para a fé
que é inerentemente aberta e orientada ao mundo (...) É necessário, portanto, entender-se a natureza e
a função da teologia no contexto da evangelização e para refletir-se sobre a evangelização em um
contexto teológico”5

Por sua vez, René Padilla, procurando mostrar essa necessidade de uma missão (evangelização) que
parta primariamente de uma reflexão teológica antes que de melhores estratégias, afirma:

“As perguntas mais importantes que hoje se podem fazer com respeito à vida e à missão da igreja não
estão relacionadas com a relevância, mas com o conteúdo do evangelho. Obviamente, há lugar para a
consideração das maneiras pelas quais o evangelho satisfaz as necessidades do homen no mundo
contemporâneo. Muito mais básica, no entanto, é uma consideração da própria natureza deste
evangelho, do qual se diz que satisfaz as necessidades do homem. O quê do evangelho determina o
como de seus efeitos na vida prática.
À luz do pragmatismo atual quase não se pode esperar que se reconheça facilmente a primazia das
perguntas teológicas acercas do evangelho. Com demasiada freqüência se tem por evidente que nós
cristãos já conhecemos a nossa mensagem e que a única coisa que nos falta agora é uma estratégia
melhor e métodos mais eficientes para comunicá-la. Em conformidade com isso, mede-se a
efetividade da evangelização em termos dos resultados, sem referência alguma (ou com bem pouca
referência) à fidelidade ao evangelho. Frente a esta aproximação é necessária uma nova ênfase no
evangelho como aquilo que determina a autenticidade da evangelização.”6

Observando-se o apresentado acima, percebemos que falar em hermenêutica e missão é, então, falar
de uma tarefa que precisa ser vista e realizada hoje de forma prioritária na vida da igreja, buscando-se tanto
um maior e mais amplo conceito e prática de missão, como um maior e mais profundo equilíbrio na reflexão
e produção missio-teológica, visando uma vivência mais plena da nossa fé cristã em todo o mundo.
2
W. A. Dyrness, Let the Earth Rejoice - A Biblical Theology of Holistic Mission, p. 9.
3
W. A. Dyrness, Let the Earth Rejoice - A Biblical Theology of Holistic Mission, p. 11.
4
W. A. Dyrness, Let the Earth Rejoice - A Biblical Theology of Holistic Mission, p. 11.
5
O. E. Costas, Liberating News - A Theology of Contextual Evangelization, pp. 1-2.
6
C. R. Padilla, Missão integral - ensaios sobre o Reino e a Igreja, p.73.
II. HERMENÊUTICA CONTEXTUAL

Falar em hermenêutica na esfera da missiologia é tocar no tema da contextualização. Tem sido muito
comum falar-se de contextualização nos nossos dias. Entretanto, poucos têm oferecido uma definição ampla
e segura acerca do que realmente vem a ser a contextualização. O conceito mais popularmente difundido,
inclusive devido a uma má compreensão do tema por parte de muitos missionários, é que a contextualização
limita-se à prática missionária de adotar os costumes e hábitos do povo onde estão servindo.
Possivelmente devido a isso, missiólogos que se dedicam ao estudo da contextualização e que têm
dado uma significativa contribuição ao tema, como Hesselgrave e Rommen7, não se preocupam em elaborar
e oferecer uma definição de contextualização, simplesmente partem do pressuposto de que todos já sabem do
que se trata, dizendo apenas que é um tema essencial ao trabalho missionário.
Por crer que ainda é necessário, no atual contexto teológico e missiólogico, desenvolver o tema da
contextualização a partir de uma definição clara e objetiva, partimos do ponto que a contextualização do
evangelho é um processo hermenêutico por meio do qual Jesus Cristo mesmo - a Palavra de Deus que se
fez homem - toma forma em um contexto histórico definido (se fez carne) para transformar a vida
humana em todas as suas dimensões, através da comunidade cristã que, pelo poder do Espírito vive e
proclama as boas novas do Reino de Deus.
Nesse sentido devemos ressaltar que a contextualização é o coração da missão e que uma das
principais tarefas do missiólogo é servir como agentes desse processo hermenêutico que serve de ponte entre
a teoria missiológica e a prática missionária. Disso deriva-se que a contextualização é sempre um processo,
uma vez que ninguém reflete plenamente os propósitos de Deus para a vida do mundo. A contextualização é
sempre um processo hermenêutico.
Um documento que tem auxiliado tremendamente a compreensão e o trabalho desta “hermenêutica
contextual” e que ainda não foi superado tornando-se em um esboço e ponto de partida para a reflexão
teológica e para a contextualização é o bem conhecido Documento de Willowbank8, onde encontramos o
relatório final da reunião de consulta realizada nos dias 6 - 13 de janeiro de 1978 convocada pelo Grupo de
Teologia e Educação do Comitê de Lausanne.

1. Níveis da Contextualização

Como um auxílio para a nossa compreensão inicial e exercício da hermenêutica contextual é


importante ressaltar, resumidamente, os níveis do processo de contextualização:

1.1 - Nível Formal: é o nível mais externo e existencial possível, onde a preocupação básica está em
aspectos como a linguagem (falar o idioma do outro), vestuário (uso de roupas medievais na missa católica),
arquitetônico (muitos dos nossos templos não têm diferença dos europeus), etc. Praticamente todo o esforço
e ensino relacionado com a contextualização nos círculos missionários tem sido localizado neste nível
básico.

1.2 - Nível Teológico: trata-se do nível conceitual, onde passamos a ver a teologia como um esforço
humano para entender-se a Palavra de Deus dentro de um contexto específico. Este é um nível carente de
desenvolvimento entre nós, pois produzimos muito pouca reflexão teológica, dando um super-ênfase no que
tem se delineado progressivamente como uma “religiosidade evangélica popular” e não conseguimos ainda
superar o colonialismo teológico. Além disso, ainda vivemos passível de crise por partirmos do ponto de
vista que a nossa teologia é sinônimo de Palavra de Deus.

1.3 - Nível Vivêncial: é o nível mais profundo do processo contextual, pois atinge aquilo que
realmente somos como seres humanos que fazem parte de um determinado contexto cultural, referindo-se

7
D. J. Hesselgrave, E. Rommen, Contextualization - Meanings, Methods and Models, Grand Rapids, Baker Book
House, 1989.
8
O evangelho e a cultura, Série Lausanne, Vol. 3, São Paulo e Belo Horizonte, ABU Editora e Visão Mundial, 1983.
inclusive à nossa nacionalidade e brasilidade, da qual nos vemos alienados em nome de atuais conceitos
evangélicos e teológicos. Este nível tem a ver com a transformação do ser, que somente se torna efetiva
quando há uma renovação de mente e isso, inevitavelmente, está relacionado com a reflexão teológica,
missiológica e hermenêutica.

2. Abordagens Hermenêuticas

Devemos estabelecer como ponto de partida para que o nosso trabalho hermenêutico seja relevante
para a missiologia o fato de Deus haver falado em Cristo e termos essa revelação de Deus escriturada.
Entretanto, a Bíblia foi escrita em um contexto histórico, social e gramatical com significativas diferenças do
nosso hoje. Devemos agregar a isso o reconhecimento de que a situação particular do intérprete (sua
cultura, individualismo ocidental, violência urbana, pluralismo pós-moderno, contexto histórico, social, etc)
inevitavelmente afeta a sua compreensão do texto bíblico.
Assim, devemos levantar uma pergunta básica para a hermenêutica: “como podemos entender a
Palavra de Deus hoje e aplicá-la devidamente ao nosso próprio contexto?” Vejamos algumas abordagens
hermenêuticas principais que nos ajudam a entender como a teologia tem procurado responder a esta
pergunta:

2.1 - Hermenêutica Intuitiva: esta abordagem hermenêutica caracteriza-se basicamente por tomar
posse das palavras da Bíblia para sua própria experiência pessoal, não interessando a situação original em
que essas palavras foram ditas. Trata-se de uma apropriação pessoal da mensagem bíblica, bastando para isso
entender-se o idioma em que as está lendo.
A esta abordagem não lhe interessa as perguntas hermenêuticas clássicas e a “sitz en leben” (situação
de vida) simplesmente não conta, pois ao leitor (intérprete) praticamente só lhe interessa o que o texto
bíblico diz à sua realidade momentânea. O leitor (intérprete), para esta sua “experiência hermenêutica” parte
do pressuposto de ter acesso livre e direto à mensagem da Bíblia. René Padilla esclarece melhor este
conceito quando mostra que,

“O cristão comum e corrente normalmente dá por sentado que sua leitura da Bíblia pode
prescindir completamente da hermenêutica. Ele se aproxima da Bíblia como se esta tivesse sido
escrita por um só autor humano e em circunstâncias históricas iguais às sua próprias. Ele acredita ter
acesso direto à mensagem revelada nas Sagradas Escrituras e inclusive suspeita de todo esforço que
se faça para entender esta mensagem à luz de seu contexto histórico original.”9

2.1.1 - Em tese, as principais bases para esta abordagem intuitiva da Bíblia poderiam ser resumidas
nos seguintes pontos:

2.1.1.1 - As Escrituras não foram dadas aos acadêmicos e, sim, destinadas ao povo comum;

2.1.1.2 - A Palavra de Deus nos foi dada em palavras humanas e pode ser perfeitamente
compreendida pela atuação exclusiva e direta do Espírito Santo;

2.1.1.3 - O propósito da Bíblia não é apenas uma questão de apreensão intelectual, mas de submissão
consciente à Palavra de Deus gerando uma verdadeira transformação da pessoa.

2.1.2 - Partindo destes pressupostos da hermenêutica intuitiva, observamos que ela pode facilmente
incorrer em alguns erros graves, tais como:

2.1.2.1 - Más interpretações bíblicas de diversos tipos, gerando distorções na mensagem da Bíblia
(ex: alegorização);

9
R. Padilla, Missão integral - ensaios sobre o Reino e a Igreja, p. 94.
2.1.2.2 - Constante utilização de textos fora do seu contexto, gerando conclusões de todas as ordens;

2.1.2.3 - Manutenção de um processo interpretativo onde exclui-se por completo os princípios da


hermenêutica.

2.2 - Hermenêutica científica: esta abordagem do trabalho hermenêutico leva em devida consideração
o contexto histórico original e as questões gramaticais envolvidas no texto. Reconhece que muito da Bíblia
tem a ver diretamente com acontecimentos históricos e fatores sociais, culturais, religiosos e políticos dos
dias e da região em que o texto foi escrito, pressupondo desta forma que os ensinos bíblicos não são
abstratos nem a-históricos.
Esta abordagem leva muito a sério as perguntas clássicas da hermenêutica, tais como “em que
situação isso aconteceu?”, “a quem foi escrito?”, “quem escreveu?”, “onde era tal cidade e como viviam
ali?”, “o que esta palavra significava em seu contexto original?”
A hermenêutica científica procura entender o melhor possível o contexto histórico e lingüístico
original (por isso, também é conhecida por “método histórico-gramatical). Procura realizar um trabalho
exegético consistente e, a partir daí, definir o que o texto significa hoje.
Da forma como tem sido conduzida, a hermenêutica científica tem mantido o intérprete basicamente
preso no mundo do passado, do qual ele entende muito bem. Infelizmente, como pode ser facilmente
observado na maioria dos comentários bíblicos e outros trabalhos hermenêuticos, o intérprete não se
preocupa em aplicar devidamente a mensagem bíblica para situações concretas do mundo atual, deixando
esta parte do processo hermenêutico principalmente para os pregadores e missionários (que na maioria
seguem a hermenêutica intuitiva).
Esta metodologia hermenêutica, mesmo tendo dado uma inestimável colaboração na compreensão do
texto bíblico como tal, tem ultimamente caído no descrédito. As palavras de Padilla nos ajudam e perceber
esse fato:

“O problema hermenêutico, no entanto, não é meramente o problema de uma tarefa exegética em que
se supõe que tudo é questão de analisar o texto à luz de seu contexto histórico para que o intérprete
entenda a Palavra de Deus. Equivocam-se aqueles que pensam que o processo interpretativo é um
processo puramente científico, cujo êxito está garantido pelo bom uso das ferramentas exegéticas que
tornam possível extrair a mensagem bíblica de sua situação original e trazê-la à atualidade sem
maiores complicações.”10

2.3 - Hermenêutica contextual: esta abordagem reconhece a importância do método histórico-


gramatical não descartando-o, antes, levando-o muito a sério em seu trabalho interpretativo. Em outras
palavras, o ponto de partida para a hermenêutica contextual é justamente todo o processo inicial e básico de
se conhecer e entender o melhor possível toda a situação original do texto, seja a nível histórico, social,
religioso, geográfico, seja a nível gramatical e lingüístico.
Entretanto, a hermenêutica contextual não se detém neste processo inicial. Segue adiante no trabalho
interpretativo, procurando estabelecer um diálogo entre o passado (contexto histórico-gramatical estudado) e
o presente (situações concretas da vida e do mundo modernos que carecem de uma resposta bíblica efetiva).
Neste ponto, o intérprete contextual procura fazer perguntas como “o que esta mensagem significa em seu
contexto original e como pode ser efetivamente aplicada em nosso contexto atual?”, “como ultrapassar o
abismo e as diferenças entre os dois contextos?”
Respostas a perguntas como estas somente podem ser encontradas quando o intérprete faz uma
correta leitura tanto da situação original em que o texto está envolvido, como da situação concreta em que
ele, seu povo ou o povo no qual serve estão envolvidos hoje. Assim sendo, o trabalho hermenêutico-
contextual procura partir do pressuposto que a revelação feita por Deus (a Bíblia) em um contexto definido
no passado precisa, necessariamente, encarnar-se nos dias e nas diversas culturas e situações de hoje. É nesse
sentido que dizemos que a teologia bíblica (hermenêutica) é o resultado da fusão dos horizontes, articulando
a mensagem da Bíblia para os nossos diversos contextos atuais.

10
R. Padilla, Missão integral - ensaios sobre o Reino e a igreja, pp.95-96.
Sendo assim, podemos dizer que a hermenêutica contextual aproveita e investe devidamente nas
“ciências bíblicas” (método histórico-gramatical), mas também procura investigar o melhor possível a
realidade atual utilizando para isso as ciências que possam melhor lhe auxiliar (sociologia, antropologia,
política, economia, etc). Entretanto, esta abordagem não deixa de contar efetivamente com a iluminação do
Espírito Santo em seu processo hermenêutico, pois reconhece que o Espírito Santo atua em nossa vida
através da Palavra de Deus e que o estudo bíblico tem como principal objetivo produzir em nós e no mundo
todo obediência a Jesus Cristo.
Em conclusão, podemos dizer que na realização de um trabalho hermenêutico contextual, precisamos
reconhecer a existência de três fatores estão sempre presentes no processo11:

2.3.1 - A atitude assumida pelo intérprete diante de Deus é decisiva para a compreensão da Palavra:
ao mesmo tempo que o intérprete necessita e depende de uma ampla compreensão dos eventos históricos e
gramaticais envolvidos no texto bíblico, ele também precisa e depende de uma consciência clara de sua
própria pessoa (pecador) e da pessoa e obra de Deus (graça) a fim de manter um relacionamento de
comunhão pessoal com o Senhor da Palavra.

2.3.2 - É muito difícil que o intérprete se subtraia à influência de sua própria tradição eclesiástica
em sua compreensão da Palavra: a história da interpretação bíblica não tem como ser desprezada no
processo hermenêutico, pois as diversas formas como a igreja tem entendido as Escrituras ao longo da
história inevitavelmente interfere em nosso atual trabalho interpretativo. No entanto, é necessário muita
cautela neste ponto uma vez que com freqüência a tradição se torna em fator de controle exegético, mesmo
entre os que aceitam a “sola scriptura”.

2.3.3 - A interpretação da Palavra está sempre condicionada pela cultura do intérprete: a razão
disso é que ninguém vive em um vazio, mas dentro de uma determinada situação histórico-cultural composta
por padrões de pensamentos e conduta, métodos de aprendizagem, relações emocionais, valores, metas, etc.
Nosso trabalho hermenêutico inevitavelmente se dá dentro de nossa estrutura cultural. Como diz Padilla, “ou
a mensagem de Deus chega em termo de sua própria cultura, ou não lhe chegará. O conhecimento de Deus
somente é possível enquanto a Palavra, por dizê-lo assim, se encarna na situação do intérprete”.12 A verdade
é que a interpretação não começa quando nos sentados diante da Bíblia, pois nós a ouvimos como pessoas
que somos e o significado que ela tem para nós está determinado não somente pelas palavras, mas também
pela força do contexto no qual a recebemos.

III. CONCLUSÃO

Diante desta exposição, cremos ser da mais alta importância o investimento em um sério e constante
trabalho hermenêutico por parte de toda a igreja e com especial ênfase em todos aqueles que se dedicam ao
trabalho e à reflexão missiológica em especial. Somente com um investimento dessa natureza poderemos
solidificar e enraizar o trabalho missionário da igreja.

15
Quanto à uma abordagem mais ampla destes fatores, ver: R. Padilla, Missão integral - ensaios sobre o Reino e a
Igreja, pp.96-100.
12
R. Padilla, Missão integral - ensaios sobre o Reino e a Igreja, p.97.

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