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de autoria de textos
Jorilson Rodrigues
Perito criminal federal, graduado em ciência da computação e bacharel em direito. Universidade de Brasília (UnB).
Email: jorilson@apcf.org.br
André Caricatti
Perito criminal federal, mestre em ciência da computação. Universidade de Brasília (UnB).
Email: andrecaricatti@apcf.org.br
Os discursos são parte da “imensa fábrica social, pressupostos e de suas implicações, inclusive nos
na qual não apenas as palavras estão entrelaçadas, campos da ética e da política (MARCONDES,
mas os atos e as vidas humanas” (MEY, 1993, 2008).
p.194).
Haberland e Mey definem pragmática como a
A pragmática surge quando as ciências da ciência do uso da linguagem nos contextos sociais,
linguagem passam a tentar resolver problemas firmando uma relação utilitária entre linguagem e
práticos, desdobrando os fenômenos linguísticos seu contexto de comunicação em que é empregada
de acordo com diferentes visões e compreensões. (OLIVEIRA, 2008).
Caracterizada pelo estudo da linguagem como Eis o conceito proposto por Crystal (1985, p. 240):
elemento de uso de pessoas em seus espaços, o
termo serviu primeiro para Charles Morris, em A pragmática é o estudo da linguagem do ponto
1938, tratar da “relação dos signos com seus de vista de seus usuários, particularmente das
intérpretes”. Rudolf Carnap, contemporâneo e escolhas que eles fazem, das restrições que eles
colega de Morris em Chicago, preferiu definir encontram ao usar a linguagem em interações
pragmática como o estudo da linguagem em relação sociais, e dos efeitos que o uso da linguagem,
aos seus falantes. Ambas as definições inserem o por parte desses usuários, têm sobre os outros
tema dentro da linguística que seria complementada participantes no ato da comunicação.
pelo estudo das relações entres signos linguísticos,
O filósofo H. P. Grice (1975) destacou que a
a sintaxe, bem como desses signos com os objetos
cooperação é um elemento central para a
a que se referem, a semântica.
pragmática, sugerindo como Princípio de
Há os que defendam outra perspectiva, na qual a Cooperação aquilo que as pessoas lançam mão para
investigação da linguagem deve partir interagir, pretendendo que a conversação atinja
principalmente da consideração do seu uso seus objetivos. Logo, existiriam princípios gerais
concreto nos contextos sociais. Citam-se autores que condicionariam o reconhecimento por parte
como Austin e sua teoria de atos de fala, a filosofia do ouvinte, que empregaria sua maneira particular
da linguagem ordinária de Gilbert Ryle ou os jogos de raciocinar e extrair o significado daquilo que o
de linguagem de Wittgenstein. Assim, a pragmática locutor diz. O Princípio de Cooperação
seria mais que meramente uma partição dentro dos contemplaria quatro pontos principais que
estudos linguísticos, que então realizar-se-iam conduziriam a conduta dos falantes nas interações:
tendo como pressuposto a prática social concreta,
a) máxima de qualidade: fale apenas sobre o que
com significados construídos nas interações entre
você possa fornecer evidência adequada;
pessoas, contextualizadas por elementos
socioculturais, segundo as finalidades e efeitos b) máxima de relação: seja relevante;
esperados pelos interlocutores.
c) máxima de modo: evite ambiguidades, seja breve
Na filosofia alemã, por sua vez, J.Habermas e ordenado;
(Pragmática universal e Teoria da ação comunicativa) e
K.O. Apel (Pragmática transcendental), inspirados no d) máxima de quantidade: informe apenas o
pragmatismo e na filosofia pragmática da necessário para a conversação, evitando excessos.
linguagem, desenvolveram concepções de
pragmática voltadas para a análise das condições
de possibilidade da comunicação, de seus
Para tanto, necessário se faz discutir a relação da/ “indivíduo híbrido” como aquele que pertence a
s identidade/s com a linguagem, que é dois ou mais mundos ao mesmo tempo. Nesse
fundamental, pois “ao significar, nos significamos” sentido é que se pode dizer que é um sujeito em
(ORLANDI, apud SIGNORINI,1998, p. 205). fluxo ou em processo, mutante ou proteiforme
como sugere Rajagopalan (apud SIGNORINI,1998,
A LINGUAGEM NA CONSTITUIÇÃO DAS p. 41-42). Logo, o sujeito assume identidades
IDENTIDADES diferentes transformadas continuamente.
A linguagem ocupa uma posição central na A identidade deve ser pensada em termos de
constituição da/s identidade/s do indivíduo, uma evento e estrutura. A estrutura é o reconhecimento
vez que esta/s se constrói(oem) na língua e por ou o consenso sobre determinada posição de
meio dela, não existindo de maneira fixa e anterior sujeito, o que Gramsci considerou hegemonia
a ela. Por estar sempre em evolução em uma rede (hegemonia, termo cunhado por Gramsci, é
de relações que se cruzam e nos definem ou nos concebida como a organização do consentimento,
posicionam na realidade, conceituar identidade é pela qual se constroem formas subordinadas de
considerado tarefa difícil. Como afirma Orlandi consciência, sem recurso à violência (física) ou à
(apud SIGNORINI,1998, p. 204), identidade é um coerção) e Bourdieu, doxa (doxa é o conjunto de
movimento na história que não resulta de crenças que constituem o senso comum, por serem
aprendizagem, mas se refere a posições que se concebidas como dadas e naturais e, por isso, não
constituem em redes de filiações históricas fazendo são questionadas). Já o evento, quando relacionado
com que o sujeito, ao significar, também se à identidade, pode trazer o germe da inovação e
signifique. da contestação da hegemonia vigente, o que
Bhabha estabelece como efeito de contingência ou
Hall (2001, p. 222) indica que
performatividade.
ao invés de pensarmos em identidade como um
Diante dessas acepções sobre identidade, verifica-
fato já concluído, devemos pensar como uma
se que evento e estrutura estão presentes nas
produção que nunca está completa, que está
sociedades contemporâneas de forma que os
sempre em processo, sempre constituída dentro
eventos contestatórios são sufocados e destituídos
e não fora da representação,
de valor por aqueles que representam discursos
portanto, constantemente reposicionada. Devemos hegemônicos. Tal negociação entre estrutura e
considerar nossas identidades como construídas em evento não é algo simples; pelo contrário, a
nossas práticas discursivas com o outro, pois as complexidade e as pressões sociais implicadas
pessoas têm suas identidades construídas de acordo permitem pouca percepção de mudança na
com o modo pelo qual se vinculam a um discurso. estrutura social.
A identidade é, pois, uma construção social, fruto
Chouliaraki e Fairclough (1999) defendem que a
da interação. E as identidades sociais de classe,
modernidade tardia mina identidades individuais
gênero, raça, idade, profissão etc. são
e coletivas; portanto, lutas para a construção de
simultaneamente exercidas pelas mesmas pessoas.
identidades no discurso são um traço saliente da
Como observa Hall (2001), os “sujeitos são vida social nessa fase da modernidade. Harvey
produtos de várias histórias e culturas (2000) contribui para a sustentação dessa defesa,
interconectadas, pertencem a uma e ao mesmo ao identificar, segundo Chouliaraki e Fairclough
tempo a várias casas”, e reforça tal afirmação (1999, p. 78), dois tipos de reação às mudanças
usando a expressão “indivíduo híbrido”, também ocorridas na modernidade tardia: uma exploração
presente em Bhabha (1998). Esse autor define das múltiplas possibilidades geradas, por exemplo,
no cruzamento de fronteiras e no hibridismo de Fazer sentido depende não só do que está explíci-
práticas; e uma reação mais defensiva que tenta to em um texto, mas também do que está implícito
restabelecer identidades individuais e coletivas e – o que é assumido na interlocução. De acordo com
que envolve tematização da nação, da religião, da a Fairclough (2003), o que está ‘dito’ em um texto
comunidade e da família em formas de novos sempre pressupõe o que “não está dito” e parte da
movimentos sociais. análise dos textos é tentar identificar o que está
pressuposto. Quando diferentes discursos entram
Questões de luta pela identidade são parcialmente em conflito, o que está sendo realmente contesta-
questões de discurso. Uma das funções da ciência do é o poder desses sistemas semânticos pré-cons-
crítica é tentar desvelar aspectos negativos da truídos, um poder performativo para sustentar ou
“nova ordem mundial” hegemônica e mostrar que reafirmar o mundo em sua imagem. É importante
podem ser mudados pela agência humana, dado ressaltar ainda que diferentes discursos podem usar
que não são naturais, mas são, pelo menos em parte, as mesmas palavras, mas são as relações semânti-
o resultado de estratégias particulares engendradas cas e as marcas de identidades estabelecidas que
por meio de decisões políticas de acordo com dirão quais são essas diferenças de sentido.
interesses determinados.
Uma forma de verificar isso é observar, por
MATERIALIDADE LINGUÍSTICA exemplo, nas colocações, os padrões de co-
De acordo com Bakhtin (1992), a materialidade ocorrência das palavras nos textos, palavras que
linguística traz em seu cerne a ideologia e, em precedem ou seguem as palavras-chaves e verificar
decorrência desse pressuposto, a linguagem não as modificações desses padrões ao longo do tempo,
pode ser apartada das formas concretas de interação ou ainda, por exemplo, como a escolha das palavras
social, ou seja, a comunicação não pode ser pode nos falar muito sobre as posições que os
separada de sua base material, que envolve sujeitos sujeitos produtores do textos assumem em sua
reais em contextos reais que se relacionam no autoria.
interior de uma cultura e de um panorama
sociopolítico e econômico. Os discursos não apenas Com relação ao último aspecto, chamamos a
refletem ou representam entidades e relações sociais atenção para o âmbito do vocabulário no qual estão
(foco na reprodução social), mas também implicados processos de lexicalização e de
contribuem para sua construção (foco na significação do mundo, levando-se em conta o
transformação social). momento histórico e os grupos sociais envolvidos.
A relexicalização dos domínios das experiências pode
Pode-se então observar que enquanto o foco sobre ter significado político e ideológico, uma vez que
o sujeito e o sentido não perpassam pelo caminho os sentidos das palavras podem estar inseridos em
da historicidade e da ideologia, esse conceitos lutas pelo poder. A metáfora é outro aspecto do
ficam centrados na ideia da existência absoluta e vocabulário que possui implicações ideológicas
originária de um ‘EU’ e de um sentido a priori. nos processos das seleções estratégicas. Escolher
A partir do momento que passam a integrar um nomear uma manifestação pública, em uma
novo paradigma que contempla a interação com o reportagem de jornal, por exemplo, de “os
outro (TU), sob uma ótica dialógica no bojo de um baderneiros” ou “ os lutadores de direito” trava
cenário mais amplo, o escopo teórico se abre uma relação bastante distinta e nos mostra a
deslocando o conceito do sujeito e do sentido, que posição política que o produtor do texto está
perdem sua centralidade, estabilidade e seu caráter assumindo.
homogêneo e passam a se caracterizarem pela
heterogeneidade, pelas redes de crenças e valores, Conceber o discurso como parte da prática social
pelas diferentes vozes sociais. implica entender o discurso como um MODO DE
AÇÃO sobre a constituição do mundo, como um reconhecimento das intenções do falante” (KOCH,
MODO DE REPRESENTAÇÃO desse mundo e 1999, p.75).
ainda como MODO DE IDENTIFICAÇÃO dos
sujeitos que interagem no mundo. Não se trata de uma relação fechada entre o self e
o mundo. Trata-se, sobretudo, de identidades
Neste artigo interessa focalizar as relações texturizadas, tanto em nível pessoal (personalidade)
presentes entre o modo de AÇÃO e o de quanto social. O modo como você se compromete
IDENTIFICAÇÃO. Para tal, apresentamos duas com o que você fala (ação) diz muito sobre quem
categorias linguísticas que consideramos relevantes você é (identidade).
para este estudo: modalidade e avaliação.
As escolhas de modalidade nos textos podem ser
A modalidade e a avaliação, segundo Fairclough vistas como partes do processo da autoidentidade
(2003), dizem respeito a como os autores se texturizada e são significativas não só em termos
comprometem com eles mesmos em relação ao que de identificação, mas também em termos de ação
é ‘verdade’ e ao que é necessário (modalidade) e, (relações sociais da ação) e de representação –
ainda, em relação ao que é desejável ou não, bom todos dialeticamente relacionados.
ou r uim (avaliação). Para o autor, esse
comprometimento é uma parte importante de como É importante ressaltar que há limites sociais nas
os produtores identificam a si mesmos em suas escolhas de modalidade que vão além de relações
identidades texturizadas. sociais de um texto particular. A quem é “dado”
socialmente o poder de dizer o que e de que
MODALIDADE maneira? E aqui entramos no âmbito das predições.
Diferentes autores apresentam suas definições para TIPOS DE TROCAS, FUNÇÕES DE FALA
a categoria da modalidade (quadro 1). E TIPOS DE MODALIDADE
QUADRO 1
Definições de modalidade
• questões: autor realça o compromisso de mais ou menos implícitos ou explícitos. Diz respeito
“verdade” dos outros: não modalizada positiva, ao comprometimento dos sujeitos com seus
modalidade, não modalizada negativa. próprios valores.
QUADRO 2
Marcadores de modalização
Verbos modais, advérbios modais, adjetivos particípios, orações de processos mentais (eu acho).
Adjetivos modais (possível).
Verbos do tipo ‘parecer’.
Advérbios do tipo: de fato, obviamente, evidentemente, sempre, usualmente...
Entonação e outros aspectos orais.
mais subjacentes no sentido mais profundo do O capítulo 2 tratou da pragmática, definindo que
texto. Na verdade, os valores supostos dependem no contexto deste artigo interessa observar a
do sistema de valores implícitos existentes entre relação dos signos com seus intérpretes. Justamente
autor e intérprete. São, enfim, marcadamente de o conceito que mais se aproxima dos aspectos
ordem social e ideológica. relativos à prática social concreta, com significados
construídos nas interações entre pessoas,
CONSIDERAÇÕES FINAIS contextualizadas por elementos socioculturais,
segundo as finalidades e efeitos esperados pelos
O estudo apontou duas maneiras de abordar o
interlocutores, ou seja, traz a carga subjetiva tão
fenômeno comunicativo entre as pessoas: uma que
importante para estudar a identidade do autor.
privilegia os aspectos internos da língua e que leva
em consideração sua estrutura; e a outra que A questão da identidade, por estar no centro da
procura abstrair-se desses parâmetros, para teoria social e da prática política, surgiu com base
considerá-la como um fenômeno social, fruto de da discussão, logo, as identidades se formam e são
uma relação dialética entre a linguagem e a atravessadas pelas posições de sujeitos que são
sociedade com seus valores, suas crenças e lutas, construídas historicamente nos discursos. Afinal,
as quais são constitutivas das identidades de é necessário interagir com outros membros da
sujeitos sociais. sociedade, de maneira diferente, porém, o autor
guardará em seu texto as características
O artigo privilegiou as referências à pragmática
constitutivas de suas posições a respeito do tema
como ação, de modo a enfocar o sujeito e
que escreveu. Com isso tem-se uma conclussão
compreender os modos treinados, aprendidos,
relevante: as mesmas pessoas, dependendo do lugar
adquiridos nos sucessivos e múltiplos processos de
que ocupam nas práticas discursivas, posicionam-
socialização. O poder de transformação e de crítica
se de forma múltipla, através de identidades
interessou sobremaneira, na medida em que é
diferentes e contraditórias. Fica claro que os autores
responsável pelo rompimento de padrões
assumem uma gama de identidades possíveis.
responsivos previsíveis. Com isso, um momento
importante se torna plausível, ou seja, o sujeito real Por fim, verificou-se que há duas categorias
surge, quando então é possível estudá-lo. linguísticas relevantes para este estudo: modalidade
Os conceitos de contexto, atos de fala, força e avaliação, as quais podem servir para identificar
ilocucionária foram apresentados e discutidos, autoria, pois a primeira diz respeito a como os
propiciando a reflexão sobre o conceito de autores se comprometem com eles mesmos em
identidade na modernidade tardia destacando o relação ao próprio padrão de ‘verdade’; a segunda
conceito de identidade híbrida. A partir desse se relaciona com a noção do que é desejável ou
contexto, destacou-se que o sujeito é identificado não, bom ou ruim (avaliação).
por marcas linguístico-discursivas e pragmáticas
previsíveis, também é o sujeito-em-movimento e
agente de rupturas com suas marcas discursivas
de resistência.
FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse. Londres: Routledge, 2003. OLIVEIRA, Jair Antonio. Comunicação e educação: uma perspectiva
pragmática. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/
GIDDENS, A. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, oliveira-jair-comunicacao-educacao.pdf>. Acesso em: 07 nov. 2008.
2002.
SIGNORINI, I. Lingua(gem) e identidade. Campinas, SP: Mercado
GRICE, H. P. Logic and conversation. In: COLE; MORGAN, J. das Letras, 1998.
(Ed.). Syntax and semantics 3: speech acts. New York: Academic
Press, 1975. Disponível em: <http://www.sfu.ca/~jeffpell/ SILVA, T. T. da (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos
Cogs300/GriceLogicConvers75.pdf >. Acesso em: 17 out. 2008. estudos culturais. Rio de Janeiro: Vozes, 2000.