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Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020

A revista da Arquidiocese de São Salvador da Bahia

Santa Dulce dos Pobres,


rogai por nós! (2 Sm 13)

Em edição especial, a REVISTA PRIMAZ destaca o amor


e a missão da primeira santa brasileira desta época.

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Foto: Daniela Andrade
CAPELA MISSAS
Domingo, às 7h e às 18h
SAGRADA Segunda-feira, às 7h
Terça-feira, às 7h

FAMÍLIA Quarta-feira, às 7h
Quinta-feira, às 7h e às 11h
Sexta-feira, às 7h e às 12h
Sábado, às 7h

CONFISSÃO E ADORAÇÃO AO
DIREÇÃO ESPIRITUAL SANTÍSSIMO SACRAMENTO
Sexta-feira após a Missa das 7h Quinta-feira, às 9h

*Para a direção espiritual é necessário


SECRETARIA
agendar através do telefone (71) 4009-6612
ou pelo Whatsapp (71) 99179-0648 Segunda a sexta-feira
das 8h às 12h e das 13h às 17h

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Sumário

10
Entrevista
Confira entrevista
realizada com
Irmã Dulce, em 1987:
“É questão de fé;
5
Palavra do Pastor
se a gente não tem fé,
não consegue nada;
Santa Dulce dos Pobres: é com fé, confiando,
dom do Espírito Santo que se consegue tudo”.

16
Canonização
Em Roma ou em
14
Artigo
Salvador, canonização
do Anjo Bom da Bahia
Santidade com foco foi celebrada com
na vida eterna alegria e festa

24 28
Legado de amor
Missão
Saiba mais sobre o Com as portas
caráter missionário da abertas, Obras Sociais
Santa que dedicou Irmã Dulce (OSID)
a vida no cuidado atendem, anualmente,
aos mais pobres milhares de pessoas

30 32
Graças
Filhos de Irmã Dulce
Meninos e meninas, Por e-mail, carta ou
hoje adultos, pessoalmente, devotos
encontraram no relatam graças
Anjo Bom da Bahia o alcançadas por
carinho e o intercessão da Santa
amor maternal Dulce dos Pobres

Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020 3


Editorial

Sara Gomes
Jornalista

anta Dulce dos Pobres! Final- de Saúde). Além do Hospital Santo Antô-

S
mente já podemos, oficialmen- nio, a OSID oferece, ainda, atendimento
te, chamar o nosso Anjo Bom para idosos, creche para crianças e uma in-
de Santa, embora, para muitos finidade de ações que perpetuam a missão
Expediente de nós, ela já o fosse. Com sim- da Santa Dulce.
plicidade de vida e de coração, Irmã Dul- Embora não tenha se casado, Irmã Dul-
A Revista PRIMAZ é uma publicação da ce viveu, na prática, o que Jesus pede para ce constituiu uma família que vai para além
Arquidiocese de São Salvador da Bahia, produ- cada um de nós: sua vida era a fé transfor- do laço sanguíneo. E ela teve filhos, muitos
zida pela Pastoral da Comunicação (Pascom). mada em obras. Diante deste presente que filhos, que hoje são homens e mulheres que
a Igreja e, de modo particular, a nossa Ar- foram resgatados de diversas situações de
Arcebispo quidiocese recebeu, nada mais justo do que vulnerabilidade social e tiveram a graça de
Dom Murilo Sebastião Ramos Krieger, scj. esta edição da Revista Primaz ser inteira- poder chamar a Santa Dulce dos Pobres de
mente sobre ela que tanto bem fez e conti- “mãe”. Para falar deste vínculo materno, a
Bispos Auxiliares
nua fazendo – por meio do seu legado – aos nossa equipe preparou uma matéria sobre
Dom Marco Eugênio Galrão Leite de Almeida
mais pobres. os “filhos de Irmã Dulce”.
Dom Estevam dos Santos Silva Filho
Irmã Dulce não media esforços para Entre os dias 13 e 20 de outubro de
Dom Hélio Pereira dos Santos ajudar aqueles que lhe pediam. Sempre 2019, a nossa Igreja Particular vivenciou
Assistente eclesiástico da Pascom com coragem e determinação, ela andou um momento de muita graça. A canoniza-
Padre Valter Ruy Cordeiro Gonzaga nos lugares mais esquecidos da cidade do ção da Santa Dulce dos Pobres foi celebra-
Salvador, como as palafitas, localizadas no da em Roma e em Salvador, com júbilo.
Jornalista Responsável bairro de Alagados. Onde havia um pobre, Ter vivenciado e, agora, poder contar como
Sara Gomes (DRT/BA 3757) lá estava ela, e esta afirmação é unânime foi este momento, cercado de emoção e de
entre aqueles que a conheceram e que pu- gratidão, é uma alegria indescritível. De
Estagiários da Pascom
deram vivenciar momentos únicos ao lado fato, nós somos agraciados por poder teste-
Élder Silva
da primeira santa brasileira da nossa época. munhar a bondade de Deus na vida de uma
Emilly Lima
E, por falar em santa, você já pensou mulher como a nossa Santa. Os detalhes
Redação em como é um encontro entre santos? Se deste momento especial você pode conferir
Sara Gomes nunca pensou, imagine que muitos deles se nas páginas 16, 17, 18, 19 e 20.
Emilly Lima encontraram! Nesta edição, nós prepara- Para que Irmã Dulce pudesse ser ele-
mos uma matéria sobre a relação da Santa vada à honra dos altares, foi necessário
Edição Dulce dos Pobres e a sociedade de Salva- um milagre, mas, todos os dias, milhares
Sara Gomes dor, mas também falamos de três momen- de pessoas recorrem à sua intercessão e
tos importantes: os dois encontros entre a recebem incontáveis graças. Como gotas,
Revisão
Santa Dulce dos Pobres e São João Paulo estas, que são chamadas de pequenos fa-
Marize Pitta
II; e também com a Santa Tereza de Cal- vores, fazem transbordar um oceano inteiro
Diagramação cutá. Para esta matéria, entrevistamos uma de amor e de gratidão. A cada ano, são in-
Agência Hesed das Irmãs que pertence à mesma Congrega- contáveis os testemunhos que chegam, seja
ção de Irmã Dulce e que esteve presente em por e-mail, carta ou pessoalmente, às Obras
Impressão cada um destes encontros. Sociais Irmã Dulce. Além de conhecer al-
Gráfica XColorum Imagens Inteligentes Uma das páginas mais emocionantes guns deles, você também vai saber como é
Periodicidade desta edição é, sem dúvida, uma entrevista possível enviar o seu nas páginas 32 e 33.
Trimestral que foi concedida pela própria Irmã Dulce Nesta edição nós fomos presenteados
ao Mensageiro de Santo Antônio, em 1987. com dois artigos. Um deles foi escrito pelo
Tiragem Tenho certeza que, se Irmã Dulce ainda esti- padre Jonathan de Jesus e aborda a santida-
6.500 exemplares vesse viva, a nossa equipe já a teria entrevis- de com foco na vida eterna; o outro, escrito
tado e seria uma verdadeira honra mostrar, pelo médico Sandro Barral (perito na inves-
Endereço
de perto, a dedicação da “mãe dos pobres”. tigação do milagre de José Maurício Morei-
Av. Leovigildo Filgueiras, 270, Garcia
Também nesta revista, nós vamos fa- ra, o miraculado) é sobre o milagre a partir
Cep: 40.100-050 Salvador - BA lar sobre o legado deixado por ela, Santa do olhar da ciência. Vale a pena conferir!
Fale com a Redação Dulce dos Pobres: as Obras Sociais Irmã Com muito carinho, e pensando nos
revistaprimaz@arquidiocesesalvador.org.br Dulce (OSID). A entidade filantrópica, é devotos, nós colocamos à sua disposição a
Tel.: (71) 4009-6604 formada por um dos maiores complexos Oração à Santa Dulce dos Pobres, para que
de saúde do Brasil. Por ano, são realiza- você possa rezar, pedindo a intercessão desta
dos cerca de 3,5 milhões de procedimentos mulher que tanto amou a Jesus e aos irmãos.
ambulatoriais, 100% SUS (Sistema Único Boa leitura!

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Palavra do Pastor

Dom Murilo S.R. Krieger, scj

Santa Dulce dos Pobres:


Arcebispo de São Salvador da
Bahia – Primaz do Brasil

dom do Espírito Santo


m seus discursos de despedida, Jesus nos os seus filhos, que estavam ali, a seu lado, seminus
E apresentou o papel do Espírito Santo em
nossa vida. Destaco uma de suas afirma-
e desnutridos. Nesse mesmo momento, alguém do
Hospital Santo Antônio lhe comunicava que não
ções a esse respeito: “O Defensor, o Espírito Santo, havia mais leite para os doentes, nem dinheiro. A
que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará resposta de Irmã Dulce foi igual tanto para a mulher
tudo e vos recordará tudo o que eu vos tenho dito” pobre como para a funcionária do Hospital: “Fique
(Jo 14,26). O Espírito Santo é apresentado por Je- tranquila! Encontraremos uma solução!!” E, dando
sus de três maneiras: primeiramente, como aquele alguns passos, viu duas caixas de leite que acaba-
que vive na intimidade da Santíssima Trindade. Daí ra de receber em doação. Voltou-se, então, para a
a afirmação: “o Pai enviará...”. Mas Ele é, também, funcionária e lhe mandou guardar o leite suficiente
apresentado como aquele que vive na pessoa que para aquele dia e dar o resto para àquela mãe que
tem fé, que vive na graça santificante, em que Ele ali estava. “Mas irmã”, disse a funcionária, “é mui-
é luz, consolador e mestre, é defensor e advoga- to para ela!”. Irmã Dulce lhe respondeu: “É ainda
do. São Paulo dirá que somos “templos do Espírito pouco! E quanto ao dinheiro de que necessitamos,
Santo” (1Cor 6,19). Em terceiro lugar, Ele é apre- conseguiremos!”. Segundo Padre Popó, “As obras
sentado como aquele que está na vida da Igreja e assistenciais conduzidas por Irmã Dulce estão sim-
nela age. Daí entendermos a observação dos após- bolizadas nesse acontecimento!”
tolos, quando enviaram mensageiros à Antioquia e Na manhã do domingo (13.10.19), em que Dulce
às regiões da Síria e da Cilícia: “Porque decidimos, Lopes Pontes foi oficialmente colocada na lista dos
o Espírito Santo e nós...” (At 15,28). Isso nos inte- santos da Igreja, o Papa Francisco declarou: “Para
ressa de perto, porque, nos últimos meses, fomos a honra da Santíssima Trindade, para a exaltação
tomados de alegria por uma notícia que nos dizia da fé católica e o incremento da vida cristã, com a
respeito: a canonização da Irmã Dulce – agora, autoridade de nosso Senhor Jesus Cristo, dos San-
“Santa Dulce dos Pobres”. tos Apóstolos Pedro e Paulo, e a nossa, depois de
A História da Igreja é rica de santos e santas, e havermos longamente refletido, implorado várias
não me refiro apenas aos que foram canonizados. vezes o auxílio divino e ouvido o parecer de mui-
Todos eles têm em comum que foram pessoas que tos Irmãos nossos no Episcopado, declaramos e de-
se deixaram conduzir pelo Espírito Santo. Agindo finimos como Santa a Bem-aventurada Dulce dos
nas pessoas, Ele lhes ensina e recorda tudo o que Pobres, e a inscrevemos no Catálogo dos Santos,
Jesus ensinou. Santo, pois, é quem se põe à escuta estabelecendo que, em toda a Igreja, ela seja devo-
do Espírito Santo. tamente honrada entre os Santos”.
O Espírito Santo leva a pessoa a acreditar na pa- A partir daquele dia, Irmã Dulce não ficou me-
lavra de Jesus, que afirma se identificar com o mais lhor, nem ficou mais santa. Continuou sendo, aos
pequenino e o mais pobre de nossos irmãos. Santa olhos de Deus, como sempre foi: uma filha queri-
Dulce dos Pobres foi uma dessas pessoas: via Jesus da; uma filha que O amou sobre todas as coisas e
nos pequenos e necessitados e confiava na Provi- procurou amar o próximo como a si mesma. Mas,
dência Divina. Num artigo que escreveu, um ano com a canonização, a Igreja nos lembra que a san-
após o falecimento dela, Padre Hipólito Chemello tidade é a meta de todos, que essa meta é possível
(“Padre Popó”), que inúmeras vezes a visitou e tão de ser alcançada e está ao alcance de todos aqueles
bem a conheceu, recordou: “Um dia, uma senhora, que se deixam conduzir pelo Espírito Santo, como
chorando, pedia à Irmã Dulce algum alimento para ela o fez.

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Foto: Arquivo OSID
Uma Santa em nosso meio
Por Sara Gomes

“Fica sempre um pouco de perfume


nas mãos que oferecem rosas”
entir as dificuldades na pele, mas, também,

S poder encorajar o povo a não desistir da


caminhada e a lutar por condições dignas
de vida, tudo isso somado ao amor. Foi assim que,
por muitos anos, inúmeras pessoas viram Irmã Dulce
passar pelas ruas de Salvador, de modo especial pelo
bairro de Alagados. As palafitas, que sustentavam as
Assim como
casas simples, muitas vezes foram pisadas por ela,
que seguia em busca de encontrar pessoas necessita- a caridade
das, crianças abandonadas, idosos doentes.
Talvez, naquela época, ninguém pensasse: estamos e o amor
convivendo com uma santa – embora a fama de santi-
dade, ainda em vida, se espalhasse por toda a cidade.
“Eu conheci Irmã Dulce em 1975. Quando cheguei,
andam juntos,
ela estava no galinheiro atendendo pacientes. Na mes-
ma hora que eu a vi, eu senti uma emoção muito gran- na terra de
de, senti que ela era uma pessoa diferente”, recorda
a Irmã Olívia Lucinda da Silva, da Congregação das
Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe
todos os
de Deus – a mesma de que Irmã Dulce fez parte.
Ao contrário do que é costume achar, os santos santos
viveram, caminharam, dormiram como pessoas co-
muns, mas eles possuíam um diferencial que os levou eles se
ao céu: um grande amor por Jesus Cristo. É por este
amor que homens e mulheres, pessoas de fé, coloca-
ram os corações ao lado dos corações dos irmãos e de-
encontram
ram passos que, ao olhar humano, seriam impossíveis,
mas que, com a graça de Deus, tornaram-se imensas
oportunidades para viver o Evangelho.

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Foto: Arquivo OSID
Ao ficar internada no Hospital Santo Antônio, Maria Xavier contou com os cuidados de Irmã Dulce

Irmã Dulce, como relatam as pessoas que a conhe- Relatos como o de Maria Xavier são comuns. Bas-
ceram, era pequena e frágil, mas era sustentada pelo ta chegar ao Santuário Santa Dulce dos Pobres ou ao
desejo de fazer o bem. “Em 1986 eu adoeci, fiquei in- Hospital Santo Antônio, a qualquer horário ou dia da
ternada e o médico me transferiu para o Hospital San- semana, para encontrar fiéis e pacientes que sentiram
to Antônio. Quando cheguei, tive tanto apoio. Todos as mãos e o carinho de Irmã Dulce. “Eu conheci Irmã
os dias Irmã Dulce vinha, passava as mãos em mim, Dulce quando ainda era muito novinha. Ela sempre
me cobria e me demonstrava tanto amor que eu me foi uma pessoa muito iluminada e eu a defino com
emociono até hoje quando lembro. Se eu estou viva, uma palavra: amor ao próximo. Ela veio ao mundo
agradeço a Deus e a ela”, afirma Maria Xavier da Cos- para fazer bondade; ela só fez o bem”, diz a devota
ta, do município baiano de Sátiro Dias. Rita de Cássia Costa de Oliveira.

Foto: Arquivo OSID

Em 1981, Irmã Dulce recebeu um Terço das mãos do Papa João Paulo II e ouviu: “Continue, Irmã Dulce, continue”.

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Foto: Arquivo OSID
Irmã Dulce e Madre Teresa de Calcutá também se encontraram em Salvador

O segundo encontro com o Papa, em 20 de outu-


Santos em nosso meio
bro de 1991, foi ainda mais emocionante. Não estava
Não é novidade que Salvador é a Terra de Todos previsto que o pontífice estaria em Salvador duran-
os Santos. Neste solo, que está sob a proteção do te a sua viagem ao Brasil, mas, ao saber que Irmã
Senhor Bom Jesus do Bonfim, de Nossa Senhora da Dulce estava doente, ele mudou o roteiro. “Quando
Conceição da Praia e de São Francisco Xavier, pisa- ele veio aqui, no hospital, visitar Irmã Dulce, que já
ram diversos santos: homens e mulheres de fé cano- estava acamada, nós sentimos na fisionomia dela a
nizados pela Igreja. felicidade”, afirma Irmã Olívia.
Um destes santos esteve na capital baiana por Quem também esteve em Salvador e caminhou
duas vezes: em 1980 e em 1991. Já sabe quem é ele? ao lado da Santa Dulce dos Pobres, em 1979, foi a
Não?! Foi São João Paulo II que, à época, era o então Santa Teresa de Calcutá. Na ocasião, Madre Teresa
Papa João Paulo II. Na primeira visita, o pontífice de Calcutá visitava a capital baiana a pedido do en-
presidiu uma Missa, no dia 7 de julho, no Centro
tão Arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, Dom
Administrativo da Bahia (CAB). Milhares de pes-
Avelar Brandão Vilela, que a chamou para fundar
soas amontoaram-se para acompanhar a Celebração
Eucarística e entre elas estava Irmã Dulce.
uma casa da Congregação Missionárias da Caridade,
“A primeira vez que ele veio, Irmã Dulce o foi cujo carisma é o serviço aos mais pobres dos pobres,
receber no aeroporto. Depois, fomos para a Missa no no bairro de Alagados. “Para Madre Teresa, Irmã
Centro Administrativo da Bahia. Eu estava com ela. Dulce mostrou as obras sociais e ainda perguntou se
Quando ela subiu no altar para comungar, o povo ela não queria ajudar a assumir essa obra. Mas Ma-
bateu muitas palmas. Ela me disse: ‘eu estou feliz da dre Teresa disse que não, pois já fazia um trabalho
vida’. Ela estava muito emocionada em poder ver o semelhante a esse e por isso não tinha condições”,
Papa”, recorda a Irmã Olívia Lucinda. diz a Irmã Olívia.
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Foto: Arquivo OSID
Entrevista
Por Mensageiro de Santo Antônio

SANTA DULCE DOS POBRES


Exemplo de amor e dedicação aos mais necessitados
e Irmã Dulce estivesse viva hoje, com cer- Mensageiro de Santo Antônio (MSA) – Qual é o

S teza, a equipe da Revista Primaz já a teria


entrevistado. Seria uma grande honra con-
versar com esta mulher de fé, que confiava na Provi-
seu nome completo?
Irmã Dulce – Meu nome completo é Irmã Dulce
Lopes Pontes.
dência Divina, e, sem dúvidas, ela teria muita, mas
muita coisa para contar. MSA – Qual é a data do seu nascimento?
Foi assim em 1987, quando o Anjo Bom da Bahia Irmã Dulce – Sou baiana, nascida nesta terra, no
concedeu entrevista ao frei Diogo L. Fuitem, então dia 26 de maio de 1914.
diretor do Mensageiro de Santo Antônio. O bate-pa-
po foi publicado no mês de novembro daquele mes- MSA – A que congregação religiosa a senhora
mo ano e, agora, com imenso privilégio e alegria, pertence?
nós vamos reproduzi-la no impresso oficial da Ar- Irmã Dulce – Faço parte da Congregação das Mis-
quidiocese de São Salvador da Bahia. Confira! sionárias da Imaculada Conceição.

MSA – Como foi o início desta obra, aqui,


em Salvador?
Irmã Dulce – Entrei no convento aos dezoito anos
É questão de fé; se a gente de idade; fiz o noviciado e o postulantado durante um
ano e meio.
não tem fé, não consegue Fiz profissão religiosa e, aí, em 1935, aos 21 anos,
nada; é com fé, confiando, fazia um trabalho de visitar os doentes. Vendo a si-
tuação de muitas pessoas que não tinham recursos,
que se consegue tudo. começamos a recolhê-las em uma casa velha e aban-
donada porque aquelas pessoas não tinham onde ficar.
É confiando em Deus que Essa casa velha pertencia à prefeitura, que pediu
se encontra a solução e Ele que saíssemos de lá. Respondi que podíamos sair de
lá só quando nos fosse arranjada outra instalação, por-
se manifesta como Pai. que aqueles velhinhos e doentes não podiam ficar na
rua. Aos poucos, fomos arrumando um lugar para eles
perto de nosso convento, aqui mesmo.
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MSA – A obra cresceu rapidamente?

Foto: irmadulce.org.br
Irmã Dulce – No começo, éramos três pessoas e
fazíamos visitas às famílias pobres: nós, um estudante
de medicina e a irmã do vigário de nossa paróquia.
Quando as pessoas podiam ser atendidas em suas ca-
sas, continuavam a receber nossa visita. Mas havia ca-
sos de pessoas que não tinham mesmo nenhum recur-
so: nem casa, nem remédio, nem alimentação. Então,
essas pessoas abandonadas eram recolhidas para uma
casa velha.

MSA – Quantas pessoas eram encaminhadas para


este primeiro e improvisado abrigo?
Irmã Dulce – Sempre encontrávamos gente nas
ruas, por isso, o número foi aumentando até chegar
a setenta pessoas. Isso estava acontecendo pelos anos
de 1938 e 1940.

MSA – As necessidades de atendimento foram


crescendo mais?
Irmã Dulce – As necessidades, de fato, eram mui-
tas, porque eu saía de noite e encontrava mendigos e de não passar. Minha tia me sugeriu pedir a ajuda de
crianças na rua, que, além dos doentes, recebiam aten- Santo Antônio. Fui a uma capelinha que havia perto
dimento. Eram recolhidos em albergue, onde podiam de casa e prometi, caso conseguisse me sair bem na
dormir e, de manhã, tomar banho, tomar café; eram prova, oferecer-lhe um maço de velas. Santo Antônio
ajudados, também, a comprar passagem quando de- ajudou-me e a, partir daquela vez, me apeguei a ele;
viam viajar. No caso das crianças, conseguimos, por por isso, quando comecei esta obra, dei a ela o nome
meio do governo estadual, no município de Simões do santo. Sou devota de Santo Antônio. Sei que ele
Filho [BA], um terreno onde, aos poucos, foi sendo consegue o que pedimos junto a Deus.
organizada uma casa para eles ficarem internados. Lá
estamos atendendo mais de trezentas crianças. Aqui MSA – Sei bem que sua saúde não anda muito bem
no hospital, estamos com mais de novecentos doen- e que a senhora dorme muito pouco à noite. Como
tes, todos muito pobres. está dando conta de tanto trabalho?
Irmã Dulce – Há vinte anos, sofro de falta de ar
MSA – Como a senhora consegue sustentar por causa de uma doença nos pulmões. Mas é, sobre-
este hospital com número tão elevado de pacientes tudo, de dois anos para cá, que minha saúde não anda
e um orfanato? boa. Durmo de duas a três horas por noite. Tenho
Irmã Dulce – Temos a ajuda de estagiários da crise de falta de ar, por isso uma Irmã fica comigo
Escola de Medicina. Atendemos ainda, diariamente, durante a noite. Tenho de, constantemente, tomar
em nosso ambulatório, mais de trezentas pessoas. A oxigênio. Deus me dá força, de manhã, para traba-
despesa é de 100 milhões [de cruzados] por dia. Mas lhar normalmente. Apesar de passar a noite, às vezes
quem sustenta tudo isso é Deus. em claro, às 5h30 estou em pé e consigo continuar
vivendo e trabalhando.
MSA – A Providência Divina é responsável por
esta obra? MSA – Qual foi, nesse trabalho todo, a maior ale-
Irmã Dulce – É questão de fé; se a gente não tem gria que a senhora experimentou?
fé, não consegue nada; é com fé, confiando, que se Irmã Dulce – Aquilo que faço é um trabalho di-
consegue tudo. É confiando em Deus que se encontra fícil e complexo. Há muitos problemas e preciso ter
a solução e Ele se manifesta como Pai. muita fé e dedicação. Confiando em Deus, tudo se
resolve. A alegria que a gente sente é também muito
MSA – Como surgiu a ideia de eleger Santo Antô- grande, especialmente, quando um doente consegue
nio como padroeiro deste hospital? se recuperar ou quando uma criança, que estava na
Irmã Dulce – Quando tinha seis anos, eu fui fazer calçada, é recolhida, cresce e se torna alguém útil a
a prova para entrar na escola primária e tinha medo Deus e à comunidade.
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Foto: Arquivo OSID
MSA – Vivemos em um mundo onde as pessoas braço esquerdo, meu braço direito fica livre para po-
parecem fechar-se cada vez mais no egoísmo e se tor- der escrever... Isso é fruto da oração, sem ela, nada
nam violentas e sem compreensão. Será que podemos poderia ter realizado.
pensar na vitória do amor?
Irmã Dulce – Tudo o que de mal acontece no mun- MSA – Se fosse possível voltar atrás, a senhora fa-
do é porque falta amor. Se houvesse mais fé e menos ria tudo o que fez? Faltou alguma coisa? O que diria
egoísmo, o mundo seria outro. As pessoas, em geral, sobre sua vida?
vivem mais para si e se esquecem do próximo. Se Irmã Dulce – Se minha saúde permitisse, recome-
todo mundo tivesse amor, o mundo seria bem diferen- çaria tudo e faria o mesmo que fiz durante meus 73
te. Confiando em Deus e vencendo o egoísmo, tenho anos de vida.
certeza de que podemos ter paz. Deus sempre vence.
MSA – Um recado final especialmente para os lei-
MSA – Em sua vida, havia duas preocupações fun- tores de O Mensageiro de Santo Antônio...
damentais: servir a Deus e servir ao irmão carente. Irmã Dulce – Não existe maior felicidade do que
Há, agora, também uma situação de limitação por procurar fazer o bem, servir a Deus na pessoa próxima
causa da doença. Qual é o segredo de sua vitalidade, carente. Isso custa, e exige sacrifício, mas a pessoa
a força que a ajuda a viver tão intensamente? experimenta a paz interior de estar se doando, fazendo
Irmã Dulce – Vou frequentemente à Igreja pedir aquilo que Deus mandou em favor do irmão necessi-
força a Deus; costumo visitar o Santíssimo Sacramen- tado. É preciso, neste trabalho de doação, esquecer-se
to em nossa capelinha do hospital. O segredo é a ora- de si mesmo. A gente não vive nossa vida, mas a da-
ção. Se a gente não faz da vida uma oração contínua, queles que nos cercam e nos procuram. Vivemos não
é difícil aguentar as dificuldades. Costumo não apenas para nós, mas para lutar e diminuir o sofrimento dos
rezar com palavras, mas dirigir o pensamento a Deus; outros. É por meio disso que sentimos a presença de
por exemplo, neste momento, estou conversando, mas Deus. É difícil, mas, ao mesmo tempo, gratificante.
meu coração está n’Ele, rezando. Nisso encontro for- Tudo aquilo que é feito para Deus se torna fácil.
ça para cumprir minha missão. Quanto às limitações,
por causa da doença, tento fazer o que é possível, com MSA – Agora nos resta desejar que sua saúde me-
paciência e sem desanimar. Muitas vezes, o médico lhore, Irmã Dulce! Obrigado por essas palavras!
me proíbe de trabalhar. Procuro esquecer isso e faço Irmã Dulce – Eu não faço nada; quem faz é Deus.
aquilo que posso; se, por exemplo, tomo o soro no Sou um simples instrumento...
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“ Eu não faço nada,
quem faz é Deu s.
S o u u m s im ples
i nstru mento...”
Irmã Dulce

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Padre Jonathan de Jesus
Capelão da Igreja N. Sra. do Rosário dos Pretos,
Artigo administrador paroquial da Paróquia
São Francisco de Assis (Saramandaia)
e Delegado Episcopal da COIDE

Sursum Corda!

m um antigo escrito cristão, uma carta en- perança, e o modo como vive já é um prenúncio para

E dereçada a um certo Diogneto, encontramos


a seguinte referência sobre o ser e estar do
cristão neste mundo: “Vivem na sua pátria, mas como
aquilo que lhe aguarda. Por isso, o teólogo alemão
Jürgen Moltmann não se furtou de dizer: “A ética do
Reino de Deus é uma ética do seguimento, e a ética
se fossem forasteiros; participam de tudo como cris- do seguimento de Jesus é uma ética da antecipação do
tãos, e suportam tudo como estrangeiros. Toda pátria seu futuro”. E é aí que entram os santos e santas que
estrangeira é sua pátria, e cada pátria é para eles es- Deus suscita em sua Igreja, como dom testemunhal
trangeira”. Ao seguir o relato, encontramos a moti- para toda a humanidade, seja para cristãos, como para
vação da qual aquele cristão escreve estas palavras: não cristãos.
“moram na terra, mas têm a sua cidadania no céu”.
E o que é o santo? Aquele que nos faz contemplar,
Esta última referência plasma, por assim dizer, a já aqui na terra, a concretização do que viveremos na
realidade identitária do cristão, que também levou eternidade. O santo nos faz tocar o eterno, nos faz,
Paulo a escrever à comunidade dos filipenses: “Mas em suas palavras e ações, contemplar a docilidade da
a nossa cidade está nos céus, de onde também espe- face de Deus no cotidiano humano, o santo nos re-
ramos ansiosamente como Salvador o Senhor Jesus corda que o Reino de Deus está entre nós, é um Deus
Cristo, que transfigurará nosso corpo humilhado, con- que caminha conosco, que armou sua tenda em nosso
formando-o ao seu corpo glorioso” (3,20-21). meio, que é Emmanuel. Em breves palavras, o santo
é aquele que vive nesta terra o lema de vida Sursum
A cada domingo e nos dias solenes, os cristãos Corda, ou seja, corações ao Alto.
professam os signos da fé que dizem: “Creio na co-
munhão dos santos, na ressurreição da carne, na vida Voltando à Carta a Diogneto, podemos perceber
eterna”. A vida do cristão é tencionada por essa es- como esse desejo de eternidade santifica as vidas cris-

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tãs e faz com que a Encarnação do Verbo aconteça Este caminho tão simples, que pode ser vi-
cotidianamente na humanidade, principalmente nas vido por todas as crianças, pelos sacerdotes,
vidas dispostas: pelas jovens, pelos homens, pelas pessoas ca-
sadas. É possível oferecer a todos este cami-
Deste modo, ninguém pode imitar a Deus, nho para a santidade… Basta que o desejem,
pois tudo isto está longe de sua grandeza. To- porque não são mais eles que vivem, é Deus
davia, quem toma para si o peso do próximo, que vive neles. Sinto uma imensa alegria por
e naquilo que é superior procura beneficiar o ter recebido de Maria o segredo da santidade,
inferior; aquele que dá aos necessitados o que de uma santidade popular, de uma santidade
recebeu de Deus, é como Deus para os que re- universal para todo o povo de Deus.
ceberam de sua mão, é imitador de Deus. Então,
ainda estando na terra, contemplarás porque
Com isso, adentramos mais ainda no mistério da
Deus reina nos céus. Aí começarás a falar dos
santidade, que nos impulsiona à vida eterna. Uma
mistérios de Deus...
santidade de povo, uma santidade universal, que não
Por isso, é que o povo brasileiro, no dia 13 de se restringe a estado de vida específico ou restrito,
outubro de 2019, nos lábios do Cardeal Prefeito da mas se alarga. É o Papa Francisco que também ajuda
Congregação para causa dos santos, Giovanni Angelo a compreender essa realidade:
Becciu, dirigiu-se ao Santo Padre e pediu: “Beatíssi-
mo Pai, a Santa Mãe Igreja pede que Vossa Santida- Gosto de ver a santidade no povo pacien-
de inscreva a Beata Dulce no Catálogo dos Santos e te de Deus: nos pais que criam os seus filhos
como tal seja venerada por todos os fiéis cristãos”. E, com tanto amor, nos homens e mulheres que
por sua vez, o Papa Francisco, sucessor do Apósto- trabalham a fim de trazer o pão para casa, nos
lo Pedro, em resposta, proferiu uma fórmula que diz doentes, nas consagradas idosas que continu-
palavras como: “Para honra de Deus, para exaltação am a sorrir. Nesta constância de continuar a ca-
da fé, para incremento da vida cristã”. O que seriam minhar dia após dia, vejo a santidade da Igreja
essas palavras se não a moldura da vida do cristão? militante. Esta é muitas vezes a santidade ‘ao
pé da porta’, daqueles que vivem perto de nós
Quantas pessoas puderam contemplar a face de e são um reflexo da presença de Deus, ou – por
Cristo no testemunho da freira baiana. Suas mãos outras palavras – da ‘classe média da santida-
eram canais de graça, sua passagem nas ruas sote- de’ (GE 7).
ropolitanas era um sacramento de uma presença que
transcendia a sua própria. Deus passou em nossa ci- Além da Santa Dulce dos Pobres, na nossa Arqui-
dade por meio de Irmã Dulce, como carinhosamente diocese, também tivemos vários testemunhos de pes-
o povo a chamava. E, para expressar isso, referindo-se soas que levaram a sério esse desejo de eternidade: a
ao seu hábito religioso, icônico para o Brasil, e agora
Beata Lindalva - que derramou seu sangue em nossa
para o mundo, chamam-na de Anjo azul dos Alagados.
terra, a Irmã Clarissa, Madre Vitória da Encarnação,
É a própria Santa Dulce dos Pobres que diz: “Corpo e
o Pe. Pedro Mathon - com seu testemunho nas comu-
mente são o reflexo da nossa alma, a forma como nos
nidades do Subúrbio e com a Juventude da Arquidio-
apresentamos ao mundo é um cartão de visitas para
o nosso encontro com Deus”. E tudo o que fazia, o cese, o Pe. Luís Lintner - que foi martirizado em ca-
modo como vivia era uma preparação, um advento, jazeiras V por sua luta contra a pobreza, a violência
para o seu encontro com Deus, onde ansiava ouvir: e as drogas, bem como Ir. Maria Vanozzi, em Águas
“Aí vem o Esposo: ide ao seu encontro” (cf. Mt 25,6). Claras - que ajudou tantas crianças e famílias a terem
outras perspectivas de vida e a se encontrarem com
A santidade é um caminho para todos, o Concílio Jesus. Se formos contar os que estão aos pés das nos-
Vaticano II salienta: “Cristo... na revelação do misté- sas portas, encontraremos muitos e muitas. De fato,
rio do Pai e do Seu amor, revela ao homem ao próprio a santidade é uma realidade espetacular e possível,
homem e lhe faz descobri a sua altíssima vocação” faz com que a eternidade nos toque, e é desta forma
(GS 22). Qual seria essa vocação? A santidade. A fun- que nos cabe concluir com a Carta que iniciamos:
dadora do Movimento dos Focolares, a Serva de Deus, “Não te maravilhes de que um homem possa se tor-
Chiara Lubich, que também se encontra em processo nar imitador de Deus. Se Deus quiser, o homem po-
de canonização, fala sobre a santidade, dizendo: derá”. Vamos à luta: Sursum Corda!

Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020 15


Foto: Jorge Gauthier
Principal
Por Sara Gomes

SANTA DULCE DOS POBRES, ROGAI POR NÓS!


Em Roma ou em Salvador, canonização do Anjo Bom
da Bahia foi celebrada com alegria e festa

lhos marejados, coração emocionado e mui- como a primeira Santa desta época. Logo no início da

O to feliz. Nem o cansaço da semana, enfren-


tado com dificuldade, foi capaz de afastar
Maria José Lima, 64 anos, que saiu da Região Metro-
Celebração Eucarística, houve a invocação ao Espí-
rito Santo e a apresentação dos cinco beatos a serem
canonizados pelo prefeito da Congregação das Cau-
politana de Salvador para se juntar aos inúmeros de- sas dos Santos, cardeal Angelo Becciu. Em seguida,
votos que aguardavam o momento exato da canoni- foi entoada a Ladainha de Todos os Santos.
zação de Irmã Dulce – transmitido por um telão – no Após a Ladainha, o Papa recitou a Fórmula da Ca-
Santuário da Imaculada Conceição da Mãe de Deus nonização, em latim. “Em honra da Santíssima Trin-
(que, logo em seguida, mudaria de nome). Maria José dade, pela exaltação da fé católica e para incremento
chegou ao templo ainda no dia 12 de outubro, com da vida cristã, com autoridade de nosso Senhor Jesus
o objetivo de participar da vigília, realizada durante Cristo, os santos apóstolos Pedro e Paulo, depois de
toda a noite, por jovens da Arquidiocese de Salvador. haver refletido longamente, ter invocado a ajuda di-
Nas mãos de Maria José, uma pequena medalha vina e escutado o parecer de muitos irmãos do epis-
com o rosto de Irmã Dulce, segurada com firmeza, já copado, declaramos e definimos santos os beatos:
tinha se tornado companheira de muitos momentos John Henry Newman, Giuseppina Vannini, Mariam
difíceis ao longo da caminhada. “Eu ganhei essa me- Thresia Chiramel, Dulce Lopes Pontes e Marguerite
dalhinha há um bom tempo e a deixo sempre dentro Bauys”, declarou o Papa. Assim que leu os nomes
da minha bolsa. Quando olho para ela, penso ‘Irmã dos cinco novos santos, o Sumo Pontífice disse: “Ins-
Dulce continua viva e presente, intercedendo por crivamo-los no Livro dos Santos, estabelecendo que
mim’. Eu conheci Irmã Dulce, pude pegar em suas eles sejam venerados, assim, por toda a Igreja. Em
mãos e ela me ajudou no momento em que eu mais nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”.
precisava. Por isso, eu não poderia deixar de estar No Vaticano, os fiéis comemoraram com gritos
aqui hoje”, disse emocionada. e palmas de alegria. Em Salvador, não foi diferen-
Aquela noite cheia de expectativas foi longa, mas, te! Gritos, palmas, lágrimas, abraços emocionados
logo o relógio marcou 5h. Era o horário, no Brasil, e muitos fogos de artifício fizeram parte da come-
que começaria a retransmissão da Missa da Canoni- moração pela elevação de Irmã Dulce, como Santa,
zação, presidida pelo Papa Francisco, no Vaticano. O à honra dos altares. “Hoje canonizamos santos que
sol ainda nem havia despontado e os olhares dos de- são os nossos intercessores. Jesus, fica conosco e nós
votos estavam voltados para o telão: todos aguarda- começaremos a brilhar de forma a ser uma luz para
vam o momento exato da proclamação de Irmã Dulce os outros”, disse o Papa Francisco durante a homilia.

16 Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020


No bairro do Saboeiro, onde foi criada a primei-
Foto: Divulgação

ra paróquia do mundo dedicada à Santa Dulce dos


Pobres, o Decreto foi lido às 7h30 pelo vigário fo-
râneo, padre Carlos Augusto, em Missa presidida
pelo bispo auxiliar Dom Estevam dos Santos Sil-
va Filho. Os fiéis, que lá estavam desde às 4h30,
também comemoraram a criação. “Nós queremos
homenagear esta santa baiana, amiga de todos os
baianos. A leitura do Decreto significa que, a partir
de agora, a Arquidiocese de São Salvador da Bahia
já tem uma paróquia dedicada à Santa Dulce dos
Pobres”, afirmou Dom Estevam.
Após a leitura do Decreto, uma relíquia da Santa
Dulce dos Pobres foi entronizada. “As relíquias de
primeiro grau são fragmentos de uma parte do corpo,
neste caso dos ossos da Santa Dulce dos Pobres. As
Igrejas, desde o início, já tinham essa tradição. É uma
Em formato de coração, relicário entregue ao Papa com
um pedaço do osso da Santa Dulce dos Pobres pode forma de dizer: ‘nós estamos muito próximos deste
ser visitado na Capela das Relíquias, no Vaticano santo ou desta santa’, e, aqui em Salvador, onde tanta
gente foi muito próxima de Irmã Dulce, é muito bo-
A relíquia da Santa Dulce dos Pobres – pequeno nito e simbólico ter essa relíquia aqui, nesta primeira
fragmento do osso da costela – estava em um altar, paróquia do mundo dedicada à Santa Dulce dos Po-
ao lado das relíquias dos outros canonizados, em bres”, explicou Dom Estevam.
frente à Basílica de São Pedro. O relicário, entregue Para conduzir as atividades paroquiais, o pároco
ao Papa por José Maurício Moreira, o miraculado, da Paróquia Ceia do Senhor e Santo André Apóstolo,
é um coração de ametista, que ficará guardado na Lafaiete Santana de Sá, tomou posse, temporariamen-
Capela das Relíquias, no Vaticano. “Não sei nem o te, como administrador paroquial. Em breve, o padre
que dizer. Estou tão feliz e tão emocionada que não Márcio Augusto Silva de Souza será nomeado como o
consigo nem me expressar. Estou tremendo até ago- primeiro pároco da Paróquia Santa Dulce dos Pobres.
ra diante do tamanho desta graça que nós estamos
recebendo da parte de Deus”, afirmou o devoto José Semana da Gratidão
Martins, que também acompanhou a canonização
em Salvador. Na manhã do dia 14 de outubro – dia seguinte à
canonização - ainda com os corações jubilosos, mi-
Primeiros templos do mundo dedicados lhares de fiéis participaram, em Roma, da primei-
à Santa Dulce dos Pobres

Assim que Irmã Dulce foi elevada à santidade, Foto: Sara Gomes

o bispo auxiliar da Arquidiocese de Salvador, Dom


Marco Eugênio Galrão Leite de Almeida, leu o De-
creto que confere ao Santuário da Imaculada Concei-
ção da Mãe de Deus o título de Santuário Arquidio-
cesano Santa Dulce dos Pobres. “Com a mudança no
nome do santuário, a gente vai viver, agora, o que a
gente viveu a vida toda. Este santuário foi colocado
em nome de Nossa Senhora da Imaculada Conceição,
por uma questão de o santuário não poder ter o nome
de uma beata.  Só uma santa, que é universalmen-
te conhecida, poderia trazer o nome. Hoje é um dia
muito feliz e este Decreto é proclamado, e aquele que
sempre foi chamado pelo povo de Santuário de Irmã
Dulce passa a ser Santuário Santa Dulce dos Pobres”, No bairro do Saboeiro foi criada a primeira paróquia do mundo
disse Dom Marco. dedicada à Santa Dulce dos Pobres. A Missa de criação foipresidida
pelo bispo auxiliar Dom Estevam dos Santos Silva Filho.

Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020 17


ra Missa em Ação de Graças pela canonização da Dulce dos Pobres, que tinha um coração com as di-
Santa Dulce dos Pobres. Presidida pelo Arcebispo mensões da miséria humana; o Anjo Bom da Bahia,
de Salvador e Primaz do Brasil, Dom Murilo Krie- que tinha um corpo frágil, uma voz fraca e um olhar
ger, a Celebração Eucarística aconteceu na Igreja bondoso que deixava todos à vontade, agora é san-
San’Andrea della Vale e foi concelebrada pelo bis- ta: Santa Dulce dos Pobres!”, disse o Arcebispo.
po da Diocese de Irecê (BA), Dom Tommaso Cas- Também com alegria, os devotos que estavam
cianelli, pelo bispo emérito da Diocese de Janaúba em Salvador continuaram celebrando. O dia da ca-
(MG), Dom Ricardo Guertino Brusati, pelo bispo nonização da Santa Dulce dos Pobres foi o primeiro
da Diocese de Nova Iguaçu (RJ), Dom Gilson An- de uma semana festiva em agradecimento a Deus,
drade da Silva, pelo bispo auxiliar da Arquidioce- chamada de Semana da Gratidão. Missas, confis-
se de Niterói (RJ), Dom Luiz Ritchie, pelo Vigário sões, formações, orações e adoração ao Santíssimo
Episcopal para os Institutos de Vida Consagrada, Sacramento fizeram parte da programação, que reu-
Sociedades de Vida Apostólica, Movimentos Ecle- niu milhares de fiéis no Santuário até o dia 19 e
siais e Novas Comunidades, e Delegado Arquiepis- culminou em uma grandiosa festa na Arena Fonte
copal para a Causa dos Santos do Rio de Janeiro, Nova, em 20 de outubro.
Dom Roberto Lopes, e por padres de várias partes
de mundo. Arena da fé
Durante a homilia, Dom Murilo falou sobre a 52.600 pessoas: este foi o maior público da Are-
graça recebida com a canonização. “Não temos, na Fonte Nova desde que ela foi reinaugurada, em
ainda, ideia do presente que recebemos ontem da 2013. Naquele dia histórico para a Arquidiocese de
Igreja e que é a causa da celebração desta manhã. Salvador – 20 de outubro - para onde quer que se
Precisaremos de muito tempo para tomar consciên- olhasse era possível ver fiéis emocionados e que de-
cia do privilégio de estar aqui e poder proclamar: monstravam, das mais variadas formas, o amor pela
Senhor, Tu és maravilhoso em Teus santos! Ao di- Santa Dulce dos Pobres, que sempre será chamada
zer isso, pensamos em uma pessoa que sentimos de o “Anjo Bom da Bahia”. Embora a informação
muito próxima de nós, que é nossa irmã e amiga; fosse de que os portões seriam abertos ao meio dia,
alguém que parece, há muito tempo, fazer parte de antes das 8h inúmeras pessoas já formavam filas,
nossa família. A Irmã Dulce que percorria as ruas tanto na Ladeira da Fonte, quanto próximo ao Di-
de Salvador à procura de pessoas abandonadas; a que do Tororó.

Foto: Fábio Silva

620 padres e 32 arcebispos e bispos de diversas cidades do Brasil concelebraram com Dom Murilo

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“Esta celebração é uma grande ação de graças.

Foto: Emilly Lima


Eu penso que nós, aqui, nem somos suficientes para
agradecer devidamente a Deus por este Brasil todo
estar se unindo a nós através das televisões, do rádio,
da internet. Nós temos que dizer ao Senhor como so-
mos gratos por essa vida. E esta encenação que aca-
bamos de ver, eu estava pensando, não foi um teatro,
foi vida, porque foi apresentada por pessoas que hoje
são beneficiadas pelas Obras Sociais Irmã Dulce. Isso
é o que me toca mais de perto: saber que a obra que
ela deixou é uma obra viva, onde cada criança é uma
pedrinha nesse mosaico de amor que forma o rosto de
Jesus Cristo”, afirmou Dom Murilo.
Um dos momentos mais emocionantes aconte-
ceu durante as procissões A primeira, acompanhada
do Hino da Santa, foi com a relíquia de Irmã Dul-
ce, conduzida por José Maurício, o miraculado, por
toda a Arena. Também foram levadas em procissão
as imagens de Santo Antônio – santo de devoção de
Irmã Dulce -, a de Nossa Senhora da Conceição da
Praia – padroeira da Bahia – e a do Senhor Bom Je-
sus do Bonfim.
Para o miraculado, faltam palavras para descrever
a alegria em poder celebrar este momento. “O sen-
timento é de que é uma grande honra ter sido ins-
Arena Fonte Nova ficou lotada durante a primeira celebração,
trumento e, também, sentimento de gratidão. É uma
no Brasil, em honra a Santa Dulce dos Pobres honra divina, uma honra que eu quero levar ao céu
e entregar à Santa Dulce. Eu sou muito grato a ela
Entre os mais de 500 mil fiéis, estava Omazali-
na Pereira Gomes, que saiu da cidade de Juazeiro,

Foto: Antônio José


na Bahia, para participar das homenagens à Santa
Dulce dos Pobres. “Meu sentimento é de gratidão a
Deus por ter nos colocado uma pessoa tão santa, tão
humilde, tão cheia de fé. Então, isso nos moveu, nos
trouxe aqui, porque acreditamos que Irmã Dulce dos
Pobres é a nossa intercessora junto a Deus Pai. Ela é
um ícone da fé para nós, baianos”, afirmou.
Assim que os portões foram abertos, rapidamen-
te a Arena ficou lotada. As boas-vindas foram da-
das por meio de um vídeo que contou um pouco a
história da Santa Dulce dos Pobres. Em seguida,
o padre Lázaro Muniz, pároco da Paróquia Santa
Cruz, e o frei Vandeí, do Santuário Santa Dulce
dos Pobres, conduziram a animação e chamaram ao
palco as bandas católicas Missão Paráclito, Divina
Face, Ministério Ignis, Recomeçar e a cantora Pa-
trícia Ribeiro.
Pontualmente às 14h45, teve início o espetáculo
Império de Amor, sobre a vida e a obra da Santa
Dulce dos Pobres. Encenada por mais de 600 crian-
ças e colaboradores das Obras Sociais Irmã Dulce
(OSID), a apresentação contou, ainda, com partici- Espetáculo Império de Amor foi encenado por mais de
pações do padre Antônio Maria e dos artistas Saulo, 600 crianças do Centro Educacional Santo Antônio (CESA),
Tuca Fernandes, Margareth Menezes e Waldonys. além de colaboradores da OSID e artistas.

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pelo que ela fez comigo. Voltar a enxergar depois de

Foto: Fábio Silva


14 anos é algo que eu não sei nem mensurar, nem di-
zer a alegria que eu sinto em palavras. É uma emoção
fora do comum, eu nunca vivi uma emoção tão grande
como estou vivendo agora. O coração palpita dentro
do peito, as pernas tremem”, disse José Maurício.
Entre as autoridades, estava o prefeito de Salva-
dor, Antônio Carlos Magalhães Neto. “É um motivo
de grande emoção. Eu acho que, hoje, os corações de
todos os baianos estão repletos de uma alegria históri-
ca e, melhor ainda, é a gente ver aqui, em nossa terra,
onde a Santa Dulce nasceu, essa comunhão de pessoas
de diversas religiões, mas que reconhecem a impor-
tância de Irmã Dulce para a nossa terra e para a nossa
fé”, afirmou o prefeito.
Também participou da celebração o governador da
Bahia, Rui Costa. “É uma sensação de muito orgu-
lho, como baiano, de ter esta santa extraordinária. Ela
Um dos momentos mais emocionantes foi a entronização da
deu uma lição e um ensinamento ao longo da sua vida imagem da Santa Dulce dos Pobres, que percorreu a Arena Fonte
e, após a vida, de como dar amor, carinho, cuidado Nova, e foi iluminada pelas lanternas dos celulares dos fiéis
e atenção às outras pessoas, principalmente se dedi-
cando a quem mais precisa. Então, que ela continue a ser feito, para que as desigualdades entre os filhos
iluminando a alma e o coração de cada um de nós, e as filhas de Deus sejam superadas; para que o amor
trazendo fé e esperança”, disse. aproxime os diferentes, e os necessitados tenham par-
O ponto alto dos festejos teve início às 17h, com a te na distribuição das riquezas que Deus deixou para
celebração da Santa Missa, presidida pelo Arcebispo todos os seus filhos e filhas. A senhora fez a sua parte.
de Salvador e Primaz do Brasil, Dom Murilo Krieger, Cabe-nos, agora, imitá-la e fazer a nossa parte; cabe-
e concelebrada por 32 Arcebispos e bispos, e por 620 -nos multiplicar-nos, não permitindo que nos atinja o
padres das mais diversas regiões do Brasil. “Hoje é vírus do individualismo ou o da indiferença. O mundo
um dia de festa, Santa Dulce dos Pobres. Mas apren- precisa de muitas ‘Irmãs Dulce’”, disse Dom Murilo
demos com a senhora a ser realistas. Assim, sabemos durante a homilia.
que, se sairmos agora pelas ruas de nossa cidade, de Após a Celebração Eucarística, mais um momento
nosso Estado ou de nosso país, veremos que há mui- emocionante: a imagem da Santa Dulce dos Pobres foi
tas pessoas que a deixariam inquieta. Sim, há muito conduzida pela Arena Fonte Nova. Neste momento, as
luzes da Arena foram apagadas e os fiéis foram con-
vidados a acender as lanternas dos celulares. “Irmã
Foto: Catiane Leandro

Dulce representa, para mim, um anjo de Deus e vai


ser para sempre, no meu coração, porque uma pessoa
que ajuda os pobres de coração tem o seu lugar lá em
cima; e ela vivia para os pobres, para fazer a carida-
de”, disse a fiel Joana Oliveira Santos.
De acordo com a sobrinha da Santa Dulce dos Po-
bres e superintendente da OSID, Maria Rita Lopes
Pontes, o momento é de muita alegria, mas, também,
de responsabilidade. “A canonização chegou antes do
que imaginávamos. Foi preciso fazer algumas melho-
rias para acolher o grande número de devotos e visi-
tantes que querem conhecer o Complexo Santuário,
incluindo o Memorial. Mesmo sem grandes recursos,
uma vez que a prioridade sempre será a sobrevivência
de suas Obras Sociais, estamos trabalhando para aco-
lher bem todos que nos procuram. Para que tudo isto
Devoto do Anjo Bom da Bahia, padre Antônio Maria aconteça, precisamos do apoio das três esferas do go-
também participou da celebração verno, principalmente estadual e municipal”, afirmou.
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Curiosidades

Conheça 10 curiosidades sobre o Anjo Bom da Bahia


ada um de nós tem algo que é curioso, não é mesmo? Pode ser o time do coração, um alimento prefe-

C rido, uma cor, uma brincadeira... enfim, são muitas as curiosidades que fazem parte do nosso dia a dia.
Com a Santa Dulce dos Pobres não era diferente! Para que você possa saber um pouco mais sobre a
vida cotidiana do Anjo Bom da Bahia, nós fizemos uma lista com coisas que muita gente ainda não sabe:

Torcedora Pasta Preta


Desde menina, Maria Rita Lopes Pontes – Irmã Irmã Dulce andava sempre com uma pasta preta, va-
Dulce – era torcedora do Esporte Clube Ypiranga e, zia, quando ia visitar os donos de lojas e os escritórios
aos domingos, costumava ir com o pai e os irmãos de Salvador para pedir doações. Quando recebia algum
para assistir às partidas no Campo da Graça que, na valor, ela guardava entre um espaço e outro, pensando
época, era o principal estádio da Bahia. em sensibilizar o empresário da próxima porta onde
iria bater, pois, afinal, a pasta estava vazia. Ao ser avis-
Brincadeiras tada, era sempre apontada como ‘lá vem a chata’.

Quando criança, Maria Rita gostava de brincar com Para os Pobres


a boneca Celica e, também, de guerra de mamona.
Ao pedir doações a um comerciante, recebeu uma
Vida de Caridade cuspida na mão. Sem medo e certa de que estava fa-
zendo duas ações – pedindo para ajudar os pobres e
Antes mesmo de ingressar na vida religiosa, Ma- sensibilizando o duro coração daquele homem – ela
ria Rita, aos 13 anos, já acolhia mendigos e doentes guardou o cuspe, estendeu a outra mão e disse: “esse
na casa onde morava (Rua da Independência, nº 61, é meu, agora me dá uma ajuda para os meus pobres”.
Barbalho). O local passou a ser conhecido como “A
Portaria de São Francisco”. Contato Direto
Escondida “Telefone vermelho”. Era assim que Irmã Dulce
chamava o número do então presidente do Brasil, José
Sem comunicar à família, aos 15 anos, a menina Sarney. Ela havia se tornado tão próxima, que era uma
Maria Rita pediu admissão no Convento Nossa Se- das poucas pessoas, fora do governo, a ter o telefone
nhora do Desterro. Porém, foi descoberta pelo pai, dele. Ao chamar de “telefone vermelho”, ela fazia re-
Augusto Lopes, que disse que só permitiria após ela ferência à linha direta entre a União das Repúblicas
se formar como professora. Socialistas Soviéticas (URSS) e os Estados Unidos
durante a Guerra Fria.
Irmã Dulce
Bloqueio
Ao se tornar religiosa da Congregação da Imacu-
lada Conceição da Mãe de Deus, Maria Rita adotou o Irmã Dulce e mais de 300 crianças fecharam a rua
nome de Dulce, em homenagem à mãe, falecida quan- para impedir a passagem do ex-presidente Eurico
do a menina tinha apenas 7 anos. Gaspar e da comitiva presidencial quando se dirigiam
à Basílica Santuário Senhor Bom Jesus do Bonfim.
Professora Isso aconteceu em 1947 e o que a religiosa queria era
chamar a atenção para os pobres e conseguir verbas
Em 1935, Irmã Dulce passou a lecionar Geografia para as obras.
e História no Colégio Santa Bernadete, pertencente
à Congregação da Imaculada Conceição da Mãe de
Deus, no Largo da Madragoa.
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Foto: Arquivo OSID
Missão de uma Santa
Por Sara Gomes

VIDA MISSIONÁRIA
Sempre disponível, Irmã Dulce testemunhou,
com a própria vida, o Evangelho de Jesus Cristo

s pés de Irmã Dulce eram incansáveis. Em

O qualquer dia, horário ou local que fosse ne-


cessária a presença do Anjo Bom, lá estava
ela, firme e decidida a resolver o problema que se
apresentasse. Quem olhava para ela – e isso é unâni- Além de ser um
me entre os que a conheceram – não podia imaginar
que uma pessoa pequena e, aparentemente, frágil, serviço de amor ao
seria capaz de fazer o que ela fez. próximo, as atitudes de
Além de ser um serviço de amor ao próximo, as
atitudes de Irmã Dulce, no dia a dia, eram missioná- Irmã Dulce, no dia a dia,
rias: ela pregava o Evangelho de Jesus Cristo com a
própria vida. Desprendida de coisas, status, reconhe- eram missionárias:
cimentos, ela só queria fazer o bem. “Ela trabalha-
va dia e noite. Ficava até tarde da noite fazendo os
ela pregava o Evangelho
trabalhos escritos e acordava muito cedo para visitar de Jesus Cristo com a
os pacientes e, depois, ir para a rua pedir esmola.
Naquele tempo, ela precisava sair para pedir, hoje própria vida.
em dia, o povo já traz aqui. Ela chegava meio dia
da rua, muito cansada, e ainda ia atender todas as Desprendida de coisas,
pessoas que estavam na fila na porta do convento;
depois, ia de novo para a rua, voltava às 17h, para
status,
a Missa diária no Convento Santo Antônio, depois, reconhecimentos,
atendia aquele povo todo que estava na porta e não
tinha horário para terminar”, recorda a Irmã Olívia ela só queria
Lucinda de Oliveira.
Este caráter missionário de Irmã Dulce transfor- fazer o bem.
mou inúmeras vidas; não apenas fisicamente, já que
muita gente a procurava por uma questão de saúde,
mas, também, com mudanças concretas que partiam
24 Ano 02 | Nº 8 | Dez/2019 a Fev/2020
do coração. Só em ver aquela freira passar pelas ruas

Foto: Arquivo OSID


da cidade, todos já sabiam que, com ela, estava pas-
sando o próprio Jesus. “Eu me lembro de ver Irmã
Dulce andando ali pelo Aquidabã. Ela saía para pe-
dir, sem vergonha, e sempre achava quem colaboras-
se com a sua obra”, afirma a devota Maria Apolinária
da Silva.
Talvez você esteja se perguntando: como um ges-
to de pedir, como “esmoler” – assim ela era chamada
por muitos –, pode ser uma ação missionária? Basta
olhar qual foi a motivação que levou Irmã Dulce a
ter esta atitude de saída: ela não pedia para ela; ela
pedia “para os meus pobres”, como costumava dizer.
De acordo com o assistente eclesiástico da Comis-
são Missionária Diocesana (COMIDI), padre Diego
Jesus dos Santos, o trabalho missionário que Santa
Dulce realizou deve ser visto como o cumprimento
heroico do mandato de Jesus aos seus discípulos:
“Ide e anunciai o Evangelho a todos”. “De fato, ela
soube comunicar muito bem o Evangelho, mesmo
sem usar tantas palavras, pois a mensagem de Jesus
estava encarnada na sua vida, na sua forma de agir e
de estar com o próximo, sobretudo os mais necessi-
tados. Santa Dulce compreendeu muito bem o sen-
tido da fé que se revela nas obras, que não fica ape-
nas no discurso, mas que encontra eco na existência,
muitas vezes sofrida, do outro. Trata-se, portanto, de
uma verdadeira inspiração missionária para todos os
cristãos, principalmente, para nós, baianos, que ain-
da compartilhamos de uma realidade pastoral muito
próxima à experimentada por ela”, afirma o padre.

Missão e cheiro de santidade

A vida missionária de Irmã Dulce teve início na


infância, com a influência direta da família. Aos 13
anos, a menina passou a atender mendigos e doentes
na casa onde morava (Rua da Independência, n. 61,
Nazaré), que ficou conhecida como “A Portaria de
São Francisco”, pela quantidade de pessoas pobres
que se aglomeravam à sua porta. Foi também neste
período que, após visitar, com uma tia, alguns locais
pobres de Salvador, ela manifestou o desejo de in-
gressar na vida religiosa. “Entre tantas característi-
cas de Irmã Dulce, posso destacar a esperança e a fé,
suas companheiras de todas as horas. Com elas, ven-
ceu as adversidades do dia a dia, soube manter a ale-
gria mesmo nos momentos difíceis, pode consolar e
ajudar a quem lhe pedia socorro e soube transformar
a vida num ato perene de amor a Deus”, diz a sobri-
nha da religiosa e superintendente das Obras Sociais
O Anjo Bom da Bahia era incansável em fazer o bem
Irmã Dulce (OSID), Maria Rita Lopes Pontes.
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Foto: Arquivo OSID
Desde pequena, Santa Dulce dos Pobres (primeira à esquerda) já demonstrava amor aos mais pobres

No serviço missionário que exercia, o cheiro de problemas familiares que queriam conversar com
santidade de Irmã Dulce exalava pela capital baia- Irmã Dulce. Ela ia até as 22 horas, conversando e
na. “Irmã Dulce era uma pessoa incomparável. Não aconselhando. Todo mundo procurava ela, as pesso-
estou dizendo isso porque, agora, ela é santa, mas as sentiam que ela tinha condição de orientar, de aju-
porque eu tive o prazer de chegar perto dela, de con- dar nos problemas daquelas famílias. Ela, realmente,
versar com ela. Já em vida ela era uma Santa”, afir- escutava todo mundo. Enquanto ela não atendesse,
ma a devota Maria das Graças da Silva. ela nunca dava um não”, diz a Irmã Olívia.
Ao mesmo tempo em que acolhia crianças, do- Para o padre Diego, Irmã Dulce já fazia o que o
entes e idosos, Irmã Dulce batia nas portas de em- Papa Francisco chama de ‘Igreja em saída’. “Quando
presários, comerciantes e políticos para pedir ajuda. o Papa Francisco quis chamar a atenção para a iden-
Entre os inúmeros pedidos, algumas negações. Uma tidade missionária que devemos assumir enquanto
delas, muito conhecida, foi a de um comerciante que cristãos, foi muito claro: temos de ser Igreja em sa-
cuspiu na mão de Irmã Dulce. Ela colocou a mão ída. Ou seja, é preciso ir ao encontro do outro e não
em um dos bolsos e disse: “esse é meu”, estendeu se deixar vencer pelo egoísmo, fechando-nos em nós
a outra mão e continuou: “agora me dá o dos meus mesmos. Portanto, valores tão bem vividos por Santa
pobres”. “A vida dela era assim: dia e noite, uma Dulce como o amor, a compaixão e o respeito, são
pessoa dedicada de corpo e alma. Ela não vivia para imprescindíveis no desenvolvimento de um serviço
ela; ela vivia só para o serviço a Deus e aos pobres. missionário. Esta era a espiritualidade de Jesus: ir ao
Eu, que era mais jovem, não aguentava aquele ritmo encontro, fazer-se próximo. E esta era a espiritualida-
que ela tinha”, conta a Irmã Olívia. de de Santa Dulce: nunca impor pela agressividade
Mas a missão de Irmã Dulce ia para além de aju- das palavras, mas sempre propor, pela força do teste-
dar os pobres. Muitas pessoas a procuravam para munho, um caminho diferente, pelo qual nos reconhe-
aconselhamentos. “Chegavam pessoas da rua com ceríamos melhor como irmãos”, diz o padre Diego.

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Fotos: Arquivo OSID
Obras Sociais Irmã Dulce
Por Emilly Lima

LEGADO DE AMOR
Por onde passou, Santa Dulce dos Pobres plantou
sementes de caridade que todos os dias dão frutos

uem vê de perto, ou até mesmo de longe,

Q nem acredita que, em meados da década de


50, as Obras Sociais Irmã Dulce (OSID),
que hoje são consideradas um dos maiores complexos
de saúde com atendimento integralmente gratuito do Em 1947, Irmã Dulce,
Brasil, eram apenas um galinheiro. Muito caridosa,
em 1947, Irmã Dulce – agora Santa Dulce dos Pobres
agora Santa Dulce dos
- não tinha para onde ir com os 70 doentes que cuida- Pobres, não tinha para
va, então, pediu autorização à superiora para abrigar
os enfermos em um galinheiro existente ao lado do onde ir com os 70 doentes
Convento Santo Antônio. E foi assim que nasceu o
maior hospital da Bahia. que cuidava, então,
Em 26 de maio de 1959, 12 anos após ocupar o
pediu autorização à
galinheiro, Irmã Dulce, oficialmente, fundou a Asso-
ciação Obras Sociais Irmã Dulce, para dar um me- superiora para abrigar
lhor tratamento e cuidado aos pacientes. Atualmen-
te, a sede da OSID encontra-se instalada na Avenida os enfermos em um
Dendezeiros do Bonfim, no bairro do Bonfim (Ci-
dade Baixa), em Salvador, e possui 40 mil metros galinheiro existente
quadrados de área construída, e um total de 954 lei- ao lado do Convento
tos hospitalares a serviço de pacientes oncológicos,
idosos, pessoas com deficiência, com deformidades Santo Antônio.
craniofaciais, crianças e adolescentes em situação de
risco social e outros usuários do Sistema Único de E foi assim que
Saúde (SUS).
Mas, acredite, o legado que Irmã Dulce deixou nasceu o maior
não se restringe apenas ao Hospital Santo Antônio: hospital da Bahia.
a entidade possui 21 núcleos de atendimento, sendo
que 19 atuam na área da saúde, dentre eles, o Cen-
tro Geriátrico, Hospital da Criança, Unidade de Alta

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Complexidade em Oncologia, Centro de Acolhimento tônio (CESA), localizado em Simões Filho, Região
à Pessoa com Deficiência, Centro Especializado em Metropolitana de Salvador, que atende 780 crianças e
Reabilitação e o Centro de Acolhimento e Tratamento adolescentes em situação de vulnerabilidade social. O
de Alcoolistas, entre outros. CESA, em 1964, era um orfanato que abrigava meni-
São contabilizados anualmente 2,2 milhões de pro- nos e meninas que não tinham família e, hoje, é uma
cedimentos ambulatoriais, sendo que, diariamente, escola integral, que engloba o Ensino Fundamental
são atendidas 2 mil pessoas e realizadas, por ano, 12 (do primeiro ao nono ano), e ainda oferece o acesso de
mil cirurgias, além dos 18 mil internamentos. Todos inclusão digital, arte-educação, atividades esportivas,
os cuidados técnicos e humanos da OSID são feitos assistência odontológica e uma série de serviços que
por três mil funcionários, incluindo 300 médicos e são oferecidos para as crianças matriculadas.
cerca de 300 pessoas que trabalham voluntariamente O legado de amor do Anjo Bom da Bahia foi tão
para manter vivo o legado social que Santa Dulce dos extenso que, além dos 21 núcleos que pertencem à en-
Pobres deixou. tidade, a OSID ainda atua na gestão de unidades fora
O 20º núcleo é o Memorial Irmã Dulce (MID), de Salvador, sendo responsável pela administração
onde o público pode visitar e conhecer mais sobre a dos hospitais do Oeste (Barreiras), Eurídice Sant’an-
história de vida do Anjo Bom da Bahia. No memo- na (Santa Rita de Cássia) e o Regional Dr. Mário Dou-
rial podem ser encontrados objetos da Santa Dulce rado Sobrinho (Irecê).
dos Pobres, tais como seu hábito, fotografias e do- Neste ano, as Obras Sociais Irmã Dulce completa-
cumentos que são preservados até hoje para man- ram 60 anos desde a sua fundação, e o principal sím-
ter viva a lembrança da primeira santa desta época. bolo e missão da entidade herdados de Irmã Dulce é
Quem visita o MID pode ver de perto a sanfona que, “Amar e Servir”. Para manter viva essa grande obra,
por tanto tempo, foi utilizada para evangelizar, e a que conta com cerca de 340 especialidades médicas,
cadeira na qual ela dormiu por mais de trinta anos exames laboratoriais e de bioimagem, internação, ci-
para cumprir uma promessa. rurgias e reabilitação, a OSID conta com recursos do
E o 21º e último núcleo, mas de forma alguma SUS, convênios com organismos estatais, doações e
menos importante, é o Centro Educacional Santo An- venda de produtos.

Foto: Arquivo OSID

Milhares de atendimentos são realizados por ano no maior hospital da Bahia, fundado pela Santa Dulce dos Pobres, que teve início em um galinheiro

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Foto: Arquivo OSID
Filhos de Irmã Dulce
Por Emilly Lima

Filhos de uma Santa


Homens e mulheres lembram com carinho
de quem os amou como filhos
á quem diga que mãe é aquela que abre todas as sextas-feiras e aos sábados. E uma curiosi-

H os braços e acolhe a todos, sem distinção


e com amor incondicional. Para muitos, a
mulher não precisa gerar no ventre para ser mãe; ela
dade: mamãe Dulce amava contar histórias para seus
filhos, sugeria brincadeiras para animar os garotos,
que ficavam muito felizes por sua presença, e levava
pode conceber os filhos no coração e, com a graça de guloseimas para adoçar as tardes.
Deus, derramar tanto amor e carinho que passa a não Mas, você deve estar se perguntando: como deve
fazer diferença entre quem gerou ou quem criou. Se, ser ter uma mãe santa? Será que ela reclamava? Não
ao longo destes anos, é fácil ver a doação de vida da tenha dúvidas! O amor materno de Irmã Dulce a fez
Santa Dulce dos Pobres materializada na concretude querer, apenas, o bem dos pequenos que estavam sob
das ações que continuam até os dias atuais, também a sua responsabilidade. “Todo domingo, Irmã Dulce
não é difícil saber que, para muitos, ela foi uma ver- escolhia 20 meninos para levar à praia da Boa Viagem
dadeira mãe.
O amor pelas crianças, especialmente as que eram
abandonadas pelos pais, só crescia a cada dia. Mais do
Foto: Sara Gomes
que abrir as portas do convento, Irmã Dulce escanca-
rava as portas do coração para acolher os filhos que
Deus lhe mandava. “Para falar da minha mãe [Irmã
Dulce], na verdade, não sei onde buscar palavras, por-
que ela, para mim, é tudo que eu tenho hoje e agra-
deço a Deus por tê-la na minha vida”, afirma Cícero
de Jesus, hoje com 43 anos, que é um dos inúmeros
filhos que foram criados pela Santa Dulce dos Pobres
no antigo Orfanato Santo Antônio, atual Centro Edu-
cacional Santo Antônio (CESA).
Cícero conheceu Irmã Dulce quando ainda era uma
criança. Tinha apenas três anos de idade quando foi
acolhido pelo Anjo Bom da Bahia e foi levado para
morar no orfanato, em Simões Filho. Entre as muitas “Ela me pegou, me colocou no colo – eu estava chorando, e ela me
lembranças, guardadas na memória e no coração de disse: ‘Filho, quando quiser alguma coisa, não pegue escondido,
venha e me peça, porque eu sou a sua mãe’”,
Cícero, estão as visitas que recebia da mãe dos pobres conta Cícero, emocionado.

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para fazer os devidos agradecimentos e rezar. “Ela

Foto: Emilly Lima


me ensinou que todos os dias tínhamos que orar, que
não deixássemos de orar. Ela pedia para que eu per-
manecesse na minha fé acontecesse o que aconteces-
se”, relembra.

Aconchego
O colo da mãe é sempre o lugar do refúgio do fi-
lho, não é mesmo? E era para este lugar que Misael
de Jesus seguia todas as vezes que encontrava Irmã
“Eu sinto uma gratidão imensa ao lembrar que cheguei aqui Dulce. Hoje, com 52 anos, o auxiliar técnico da Cen-
com uma sacolinha na mão, sem ter roupas e sapatos, tral de Material e Esterilização (CME) da OSID foi
e hoje ver tudo que tenho é por causa dela”,
diz Ana Lúcia, filha da Santa Dulce dos Pobres. entregue pela mãe biológica para ser criado por Irmã
Dulce quando tinha seis anos e permaneceu no orfa-
e, certo dia, eu fui um dos escolhidos. Naquele dia, eu nato até os 18. Neste período, a mãe Dulce o ajudou a
estava com muita fome e, quando o nosso grupo retor- preparar-se para o mercado de trabalho. “Irmã Dulce
nou da praia, passamos no hospital para almoçar”, re- se preocupava muito com a nossa saída do orfanato
memora Cícero. Impaciente, o menino viu a cozinha e queria que já saíssemos com alguma profissão, nos
aberta e colocou, escondido, um pedaço de carne na deu estudos e nos incentivava a aprender alguma coi-
camisa, mas, felizmente, foi descoberto por uma Irmã sa”, diz Misael, recordando que realizou diversos cur-
e levado para Irmã Dulce “Ela me pegou, me colocou sos para ser considerado “pronto” pela sua mãe.
no colo – eu estava chorando, e ela me disse: ‘Filho, O olhar no presente, mas também no futuro dos
quando quiser alguma coisa, não pegue escondido, filhos, fez com que a Santa Dulce dos Pobres contri-
venha e me peça, porque eu sou a sua mãe’”, conta buísse, de forma direta, na transformação social e hu-
Cícero, emocionado. mana de cada um deles. “Ela era uma típica caça-ta-
Assim como ele, Ana Lúcia Rocha de Oliveira, lentos. Ela procurava enxergar nos seus filhos em que
hoje com 60 anos, também foi acolhida, aos 8 anos, eles eram bons e o que eles gostavam de fazer para se
e pôde colocar a cabeça no colo da mãe dos pobres. qualificarem e estarem prontos para, quando abrisse
Na época, enquanto os meninos moravam no orfana- uma vaga de emprego, ela indicar”, diz Misael.
to, em Simões Filho, as meninas eram encaminhadas Mas, e quem disse que a preocupação da mãe
para o convento, em Salvador. Entre os muitos afagos termina quando os filhos crescem? “Entre as maio-
da mãe, Ana foi crescendo e, aos 16 anos, recebeu o res graças recebidas por mim está em ter Irmã Dulce
sacramento do Matrimônio. “Fui ajudada por todos, como madrinha e organizadora do meu casamento.
principalmente por minha mãe, Irmã Dulce, que pe- Ela conseguiu a doação do bolo e o vestido de noiva
diu ao motorista dela, conhecido como senhor Cabe- da minha esposa. Quando lembro de momentos como
ça, que nos cedesse a casa que ele tinha e que estava esse, nos quais ela esteve ao meu lado, isso me fez e
sem utilizar. A casa era bem pequenininha, eu casei, me faz superar qualquer obstáculo nessa vida, porque
me mudei para lá e tenho a casa até hoje, porque foi sei que ela me dá forças”, pontuou.
minha mãe quem me deu”, diz.
Além da casa, o Anjo Bom da Bahia ajudou Ana
Foto: Emilly Lima

Lúcia, dando-lhe oportunidade de trabalhar nas Obras


Sociais Irmã Dulce. Ana ganhou um curso de Aten-
dente de Enfermagem e, ao terminar, seguiu para o
setor de enfermagem da OSID, onde já completa 34
anos de serviço ao próximo. “Hoje tenho minha casa,
meu marido, meus filhos e agradeço a Deus e a Irmã
Dulce, pois foram eles que me deram”, conta com bri-
lho nos olhos.
Para manter viva a lembrança e também sentir
Irmã Dulce por perto, todos os dias Ana Lúcia vai
até o Santuário Santa Dulce dos Pobres, no Largo de
“Ela era humilde para ela, todo mundo era igual e esse é o
Roma, antes de iniciar mais uma jornada de trabalho legado dela, porque não diferenciou ninguém”, afirma Misael

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Foto: Arquivo OSID
Graças
Por Sara Gomes

Grande Intercessora
Antes e depois da canonização, relatos de graças alcançadas
chegam todos os dias às Obras Sociais Irmã Dulce

uero agradecer, do fundo do meu coração, pessoalmente, além de e-mails e recados deixados

Q por uma graça especial e por muitas outras.


Há 8 anos eu pedi para ela interceder junto
a Jesus por nossa família, que estava passando por
no Memorial dedicado a guardar a preciosa história
de vida e missão da primeira santa da nossa época.
Os relatos somam-se a exames, laudos, fotogra-
uma situação muito difícil, financeira e moral. Meu fias e outros registros que comprovam que as graças
marido e meus dois filhos estavam desempregados, aconteceram. “Escrevo para publicar que já alcancei
não tínhamos nem onde morar, nossa família teve quatro graças pela intercessão da Irmã Dulce: uma
que se separar e morar cada um pelas casas dos ou- foi para minha filha, que estava sem casa para morar.
tros. Foi terrível, mas agora está tudo bem, graças à Outra, foi para meu sobrinho continuar com os es-
intercessão de Irmã Dulce...”. tudos no seminário, porque estava difícil. Outra, foi
O trecho que abre esta matéria foi retirado de para o meu genro, que estava desempregado há mui-
uma das milhares e milhares de cartas que chegam to tempo e voltou a trabalhar. Outra, sobre a minha
às Obras Sociais Irmã Dulce (OSID) ao longo do saúde, não estou completamente curada, mas estou
ano. Escrito em 15 de setembro de 2004, portanto, melhor, graças a Deus”, escreveu outra devota, de
sete anos antes da beatificação e 15 anos antes da Palmeira dos Índios, Alagoas.
canonização, o texto foi enviado por uma devota de A certeza de que a Santa Dulce dos Pobres con-
Manaus. A graça recebida e testemunhada mostra a tinua presente faz parte da vida de muitas pessoas.
fé de quem recorre à intercessão do Anjo Bom da Quem entra no Santuário ou circula pelas instalações
Bahia. “Eu confio que, com a ajuda de Irmã Dulce, da OSID se depara, em muitos locais, com um quadro
nós haveremos de vencer todos esses obstáculos e que possui a foto da santa e a inscrição: “Tenha fé.
seguirmos em frente, dando glória ao Senhor Jesus Continuo presente”. “Quando eu vejo esse quadro,
por colocar no mundo, no caminho dos necessitados, me dá a sensação de que ela está olhando para mim
pessoas santas como Irmã Dulce. Ela já é santa”, es- e que eu posso, realmente, suplicar por uma graça”,
creveu esta fiel. diz José Raimundo dos Santos. Morador de Irecê, na
Oficialmente, este caso não é considerado mila- Bahia, ele chegou a Salvador para ajudar a acompa-
gre, mas está entre inúmeros relatos de graças rece- nhar a mãe internada no Hospital Santo Antônio.
bidas pela intercessão da Santa Dulce dos Pobres. Entre tantos relatos está o de uma jovem cha-
Nos armários que guardam histórias de graças há mada Andréa, de Maceió. Vítima de depressão, ela
casos de diversas cidades e países. São cartas e bi- pediu à Irmã Dulce que a curasse, pois já não sabia
lhetes que chegam pelos Correios ou são entregues mais o que fazer: tudo era motivo de medo e de de-
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Foto: Arquivo OSID
Muitas são as graças recebidas pela intercessão da Santa Dulce dos Pobres

sânimo. “Como sou devota de Irmã Dulce, resolvi estou aqui para agradecer, somente para gradecer
rezar e pedir a ela, todas as noites, que me desse a pela cura”, relata a fiel Maria dos Anjos Batista.
cura deste mal. Rezava todos os dias, com fé e fer- Assim como ela, quem ouve falar na Santa Dulce
vor, e alcancei a graça de me curar por intercessão dos Pobres já sabe que passa a contar com uma gran-
Irmã Dulce”, escreveu. de intercessora no céu. “Eu sei que ela está presente,
Seja nas cartas ou em testemunhos orais, pelas eu sinto a presença dela todas as vezes que venho à
ruas de Salvador, não é difícil encontrar pessoas que OSID ou que eu rezo e suplico pela intercessão da
receberam graças, como as relatadas acima, pela in- nossa santa. Já recebi várias graças e uma delas, a
tercessão da Santa Dulce dos Pobres. Muitas acon- mais recente, foi a compra da minha casa. E quero
teceram antes mesmo de ela ser proclamada Santa. deixar um recado para quem é devoto: Santa Dulce
“Hoje eu estou aqui, nesse Santuário, para agradecer. dos Pobres foi escolhida por Deus para ser uma pon-
Há dois anos eu tive um câncer de mama, pedi à Irmã te entre nós e Ele, então, confie, peça, suplique por-
Dulce que falasse com Jesus para me curar, pois eu que ela vai levar os nossos pedidos e, se estiverem de
não queria morrer e deixar meus filhos que ainda são acordo com a vontade de Deus, Ele vai nos atender”,
pequenos. Pedi, rezei, fiz todo o tratamento e hoje afirmou o fiel Gilmar da Cruz.

Recebeu alguma graça pela intercessão


da Santa Dulce dos Pobres?
Não esqueça de relatar à OSID através de:
Carta: enviar para o endereço:
Avenida Dendezeiros do Bonfim, 161 - Bonfim
Salvador/Bahia CEP: 40.415-006
aos cuidados do Memorial Irmã Dulce
E-mail: memoria.cultura@irmadulce.org.br
ou memorial@irmadulce.org.br
Site da OSID: irmadulce.org.br, na aba “Santa Dulce”
área “Santa Dulce” / área: “Depoimento”

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Artigo Dr. Sandro Barral,
médico

O milagre a partir do olhar da ciência

Foto: Arquivo OSID


ciência e os milagres parecem ser diame- te, o fato desta perpetuar-se com um crescimento

A tralmente opostos. Da ciência espera-se


que explique, de forma convincente, todos
os fatos. Dos milagres espera-se o inexplicável, o
contínuo e sustentável mesmo após 25 anos da sua
morte? A sua obra ocupa uma posição de destaque
na assistência à saúde dos mais carentes no nosso
extraordinário e, por que não dizer, a mágica. Estado e, por que não dizer, no nosso país.
Mas, qual é, afinal, o papel dos médicos e da ci- Fui agraciado, ainda bastante jovem na idade e
ência nesses casos? Essas situações podem parecer novo na profissão, com a missão de ser perito médi-
estranhas para muitos. Na nossa sociedade, cabe ao co no processo que levou à beatificação da Irmã e,
médico dominar conhecimento científico sobre o agora, oito anos após a sua canonização.
binômio saúde X doença. Feitas as devidas apresentações, lembro de for-
Conceda-me um breve momento para explicar ma singela o caso da beatificação, passo imprescin-
como aqui cheguei. Certamente, na vida de al- dível para um dia ser canonizada. Nele, uma jovem
guém, essa não é uma situação corriqueira, ainda mãe, já sem esperanças de ser salva de um quadro
mais quando ocorre duas vezes. Ao longo dos quase de hemorragia intensa e distúrbios da coagulação,
22 anos que frequento as Obras Sociais Irmã Dulce após um parto e múltiplas cirurgias, quando nada
(OSID) já me deparei com muitos milagres. Mila- mais havia a ser feito e nada além da morte era es-
gres estes que podem não ter, teoricamente, o mes- perado, consegue sobreviver, sem nenhuma expli-
mo significado ou relevância do vivido por Mau- cação, após pedido de um pároco devoto da nossa
rício, o miraculado que deixou de ser cego após a Dulce. 
intercessão da nossa Santa Dulce dos Pobres, le- Anos se passaram e relatos de situações extra-
vando à sua canonização, mas nem por isso menos ordinárias foram chegando às Obras. No entanto, o
importantes. Já não seria um milagre uma pessoa olhar científico conseguia chegar a uma explicação
tão frágil como a Irmã ter construído uma obra de plausível para cada caso. Até o dia em que chegou
tamanha magnitude? E não menos impressionan- o caso de um jovem cego que, num momento de so-
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frimento, pede a nossa Santa o alívio e é agraciado Levados a cabo todos os questionamentos e estu-
não apenas com isso, mas com algo muito maior: a dos, segue-se em frente, acenando aos responsáveis
recuperação da visão. pela causa junto à Igreja, para o convencimento
Exerci pela segunda vez o papel de perito mé- sobre a impossibilidade de justificativas científicas
dico. Na descrição do caso, Maurício, cego desde para o ocorrido. Nesse momento é relacionando o
os vinte e poucos anos, pede a intercessão da nossa inexplicável, do ponto de vista da ciência, o pedido
Dulce para lhe aliviar as dores de uma conjuntivite de intercessão exclusivo ao candidato a Santo e se
intensa e, de forma inexplicável, volta a enxergar esse fato se deu de forma imediata e permanente.
após 11 anos de cegueira. No caso da nossa Santa, um tribunal foi aberto
Preciso ressaltar que a opinião do perito médi- na cidade de Recife, com a presença deste perito,
co responsável pela causa é de menor importân- um promotor da causa, representantes da Igreja.
cia, por ser ligado a mesma, existindo pareceres Foram colhidos depoimentos de pessoas ligadas
de pelo menos outros 10 médicos que avaliaram ao paciente, dos médicos que o atenderam ou
e constataram ausência de explicações científicas atendem e duas avaliações completas de médicos
para o fato. Hoje, o miraculado leva uma vida nor- que não conheciam para atestar a situação atual da
mal e independente. saúde do paciente.
Nessas avaliações de casos, como o descrito nas Encerrados os trabalhos, encaminha-se todo o
duas situações, deve o perito ser isento, despir-se material para o Vaticano, onde, após novas instân-
de suas crenças religiosas e observar, única e exclu- cias médicas e eclesiásticas, com revisão completa
sivamente, se aquele fato, tido como extraordinário e novos questionamentos, é realizado o reconheci-
pelos agraciados, seria algo inexplicável à luz de mento ou não da pertinência do processo. Reconhe-
todo o conhecimento. cida esta pertinência, é levada ao nosso Papa Fran-
Intermináveis horas de estudo sobre prontuários cisco que reconhece, na nossa Irmã, sua santidade.
médicos, avaliação de exames complementares, co- Nesse momento, não mais como perito médico, e
leta de dados junto aos médicos que assistiram o sim, como fiel e devoto da nossa Santa, o que posso
paciente, tanto antes como após o fato em questão, dizer é: quantas pessoas têm a felicidade de fazer
revisão da literatura médica, buscando respostas parte de algo assim na vida? Essa é uma peque-
ou situações já descritas que pudessem ter alguma na contribuição pessoal para uma a obra tão gran-
semelhança. Deve-se sempre estar atento aos míni- de quanto a nossa Santa, gigante em seus valores,
mos detalhes. Falhas não podem acontecer! A ci- exemplos e legados. 
ência deve ser desafiada na busca pelas respostas. Jamais poderia concluir sem falar o que sempre
Não há espaço, nessas situações, para dúvidas ou digo aos meus alunos no hospital e aos que me per-
questionamentos. Está em jogo mais que a reputa- guntam sobre a ciência e suas explicações ou não
ção dos peritos, mas de alguém que é foco de res- para os casos de milagres: “Quer ver o milagre de
peito, admiração e devoção de muitos. Irmã Dulce? Basta visitar as suas Obras”.

Fotos:Arquivo OSID

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