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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE ARTES E LETRAS


DEPARTAMENTO DE ARTES CÊNICAS
CURSO DE LICENCIATURA EM TEATRO
DISCIPLINA DE ENCENAÇÃO IV

Sidnei Mauro de Melo Junior

AS TEATRALIDADES PRESENTES NA COMUNIDADE QUEER PARA


A CONCEPÇÃO DO ESPETÁCULO FEELOOP

Santa Maria- RS
2019
Sidnei Mauro de Melo Junior

AS TEATRALIDADES PRESENTES NA COMUNIDADE QUEER PARA A


CONCEPÇÃO DO ESPETÁCULO FEELOOP

Projeto de Pesquisa apresentado na


disciplina de Encenação IV do Curso de
Licenciatura em Teatro da Universidade
Federal de Santa Maria.

Camila Borges dos Santos

Santa Maria- RS
2019
RESUMO

Esse documento é um projeto de pesquisa acadêmica que faz parte da


proposta da disciplina de Encenação IV do curso de Licenciatura em Teatro da
Universidade Federal de Santa Maria. Possui-se o intuito de elaborar uma pesquisa
Teórico-Prática acerca da teatralidade presente em manifestações artísticas da cultura
Queer. Além disso, busca-se compreender a relação ambígua -consumo/violência-
que a sociedade estabelece com a comunidade LGBTQ+. E a partir desses estudos
elencar elementos estéticos e discursivos para a concepção do espetáculo FEELOOP.
LUZ… SOM… VAMOS COMEÇAR O SHOW!1

A elaboração desse projeto faz parte da proposta da disciplina de Encenação


IV, em que o estudante se coloca em posição de Encenador, para pensar e organizar
a concepção de um espetáculo teatral. A então disciplina é oferecida pelo curso de
Licenciatura em Teatro na Universidade Federal de Santa Maria.
O docente deve ter como objetivo administrar os elementos cênicos de maneira
que a estética e plasticidade estejam em constante conexão com a proposta de
relação com o público. Pensando nisso, seria pertinente como fonte de pesquisa, a
utilização de assuntos próximos ao estudante, como por exemplo a comunidade
Queer2.
O movimento de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e
Travestis (LGBT+) começou a ganhar força no Brasil e no
mundo por volta dos anos 1970, em plena ditadura. As pessoas
ocupavam espaços públicos para discutir e se divertir.
(FERNANDES; BERTACINE, 2018, p.17)

A cultura Queer vem se popularizando de forma crescente na sociedade, se


mostrando uma potência em suas manifestações artísticas. Diante dessa realidade, é
notável a contribuição das Drag Queens 3 , para a abertura da sociedade para o
consumo de produções artísticas, historicamente, comuns a comunidade Queer.
Atualmente, é raro encontrar pessoas que não tenham contato algum com a
cultura Queer, seja por meio da música, da moda ou pelos jargões. Porém é possível
perceber que atos de preconceito contra comunidade LGBTQ+4 vem crescendo no
Brasil, rendendo em 2018, o infeliz título de país que mais mata LGBTQ+ no mundo.
Segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB), importante ONG5 que coleta dados
sobre LGBTQfobia 6 no Brasil desde 1980 e Trangender Europe, grupo que busca
combater a discriminação contra pessoas Transsexuais através de uma rede de ONGs,
8027 homicídios desse gênero foram registrados entre 1963 a 2018. É importante
salientar que -embora à primeira vista este número pareça pequeno- o Governo

1
Primeira fala do texto dramatúrgico da encenação FEELOOP
2
Desviantes; aqueles que contradizem com os padrões héteronormativos impostos pela sociedade.
3
Expressão artística popular entre a comunidade Queer, que transita de modo exagerado entre estéticas atribuídas
ao feminino e masculino.
4
Sigla que abrange à Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais, Travestis, Queer Gender e Intersexuais.
5
Organização não governamental.
6
Preconceito com pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais, Travestis, Queer Gender e Intersexuais.
Brasileiro não possui órgãos ou leis que auxiliem no registro desses tipos de crime em
escala nacional.
Tendo a contradição da realidade Queer no Brasil, a encenação buscará
colocar dois lados em conflito: a celebração ou festividade, associada a comunidade
Queer, junto a violência que os indivíduos desse grupo sofrem em nosso país. Para
enfatizar esteticamente esse paradoxo, a encenação trará uma vasta exploração da
iconografia que permeia a cultura Queer nacional e mundial, desde a década de 50.
A encenação buscará como ambientação a construção da atmosfera dos Drag
Balls7, que aconteciam em Nova Iorque a partir da década de 1980. Nas palavras de
Danilo Simões Liu, esses eventos:
[...]eram um lugar de aceitação, uma forma de que pessoas
marginalizadas pudessem sair de sua posição na sociedade e
ocupar os holofotes. Tal fantasia de estrelato aponta para o
desejo de ser olhado como igual pelos demais, não sendo
estigmatizada por sua sexualidade[...](LIU, 2016, p.21)

Com tremenda proximidade com o conteúdo estético da encenação, o


estudante teve grande dificuldade em encontrar um texto dramatúrgico que
contemplasse todas as demandas imaginadas para o processo. Sendo assim lhe foi
conveniente, depois de muita insegurança, a construção de um texto dramatúrgico
original para o espetáculo.
Portanto, se espera construir um espetáculo que, através de expressões
artísticas provenientes da comunidade Queer, proporcione a discussão da relação
ambígua da sociedade com a cultura LGBTQ+.

7
Festas que surgem em meados da década de 1980, na cidade de Nova Iorque, em que a comunidade Queer
negra e latina se reunia para competir por diversas categorias.
OBJETIVO GERAL

Desenvolver um processo de encenação na montagem de um espetáculo


teatral a partir da pesquisa sobre elementos estéticos teatrais presente na cultura
Queer para destacar a relação paradoxal da sociedade com a comunidade Queer.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

-Destacar através da linguagem teatral o contraste entre as duas relações que a


sociedade estabelece com a comunidade Queer, a de consumo e a de violência.
-Provocar o estranhamento do público através do contraste plástico e dramático do
espetáculo.
-Criação de uma dramaturgia própria para o espetáculo.
-Construir uma encenação a partir do estudo da teatralidade presente em
manifestações culturais provenientes da comunidade Queer
A CATEGORIA É... METODOLOGIA

A construção da metodologia desse processo de encenação tem como


principais fontes estéticas a dança Vogue8, proveniente dos Drag Balls da Nova Iorque
da década de 90 e o grupo Dzi Croquettes9, que teve grande relevância no cenário
teatral do Brasil da década de 1970. Ambos servirão como referência corporal e de
criação de personagem para is atrozis10.
Tendo isso em vista, os ensaios serão durante as manhãs das sextas-feiras e
terão duração de 4h com todis is quatro atrozis: Bruno, João, Lívia e Willian. A
sequência de trabalho se dará pela pesquisa de referências corporais,
experimentações, seleção dos materiais produzidos pelis atrozis e afinação das cenas
dentro do processo criativo.
Nos primeiros encontros o foco se voltará para a pesquisa e estabelecimento
de características para a criação dis personagens e consequentemente da cena.
Como ponta pé inicial para a criação será desenvolvida algumas atividades de
preparação do corpo extra cotidiano dis atrozis, tendo como foco o grande, o
exagerado e o absurdo.
Serão utilizadas práticas de mobilização das articulações de modo a direcionar
a atenção para as conexões internas do movimento, visando à preparação de um
corpo livre para a criação dis atrozis. Os exercícios serão trazidos a partir da pesquisa
das práticas desenvolvidas pelo coreografo Klauss Vianna, precursor da Expressão
Corporal no Brasil a partir da década de 1960.
Após o estabelecimento da percepção de cada parte do corpo pelis atrozis,
será necessário trazer essa atenção para o exterior, tendo como objetivo a
expressividade exageradamente marcante dis personagens comuns aos Drag Balls.
Para atingir essas características será feito uso das práticas expansivas do corpo/voz
para um nível extracotidiano, trazidas a partir do treinamento enérgico do grupo Lume
Teatro. Segundo o criador dessa prática, Luís Otávio Burnier:
Trata-se de um treinamento físico intenso e ininterrupto, e
extremamente dinâmico, que visa trabalhar com energias
potenciais do ator. “Quando o ator atinge o estado de

8
Estilo de dança que surge nos Drag Balls de Nova Iorque, em que se execulta poses como se estivesse sendo
fotografado para capa da revista Vogue.
9
Grupo teatral que surge durante a Ditadura Militar do Brasil. Transitava e questionava os padrões de gênero
através do humor escrachado e pela ousadia estética.
10
Optou-se por substituir os termos “ator” e “atrizes” por “atrozis” como modo a enfatizar o questionamento dos
padrões de gênero, presentes também na língua portuguesa.
esgotamento, ele conseguiu, por assim dizer, ‘limpar’ seu corpo
de uma série de energias ‘parasitas’, e se vê no ponto de
encontrar um novo fluxo energético mais ‘fresco’ e mais
‘orgânico’ que o precedente” (BURNIER apud. FERRACINI,
2012, p.95)

O Burnier possuía grande influência do teatro Oriental a partir do trabalho de


Jerzy Grotowski em suas práticas. O interesse por essa vertente teatral está
extremamente relacionado ao treinamento dis atrozis, visto que este se desenvolve
através de disciplina e conexão corpo físico e corpo espiritual. Nesse tocante enfatizo
a utilização de seus exercícios para a preparação dis atrozis.
Além disso, o grupo Lume Teatro se fará útil também com seus exercícios de
mimeses corpóreas 11 que serão usados para a experimentação e criação dis
personagens, através das referências indicadas e pesquisadas pelis atrozis. Esse
momento de descoberta se valerá de dinâmicas de laboratório, como por exemplo a
elaboração de performances que serão apresentadas ao público dentro de eventos
festivos direcionados a comunidade Queer.
Na segunda parte do espetáculo, será necessário trabalhar outros elementos
estéticos, entre eles estão a repetição de partituras e coralidade. Para a concepção
do primeiro elemento estará como principal referência, os espetáculos da coreografa
e diretora teatral de Pina Bausch. Suas criações partiam principalmente da
ressignificação plástica de movimentos cotidianos, a partir da repetição e retirada de
contexto.
No seu processo de criação, a repetição aparece primeiramente
nas evocações presentes nas respostas apresentadas pelos
bailarinos, que de certa maneira reeditam experiências
passadas atualizando-as no presente. Logo em seguida, a
repetição é utilizada pela coreógrafa como recurso para moldar
esse material numa forma estética, transpondo os registros das
singularidades num produto artístico. (CAMPOS,2017, p.125)

Quanto a coralidade, muitas serão as inspirações usadas, desde a


movimentação coreografada presente nas tragédias gregas até o uso corriqueiro
desse artifício no teatro contemporâneo no que se refere a identificação e expressão

11
“Ela possibilita ao ator a busca de uma organicidade e de uma vida a partir de ações coletadas externamente,
pela imitação de ações físicas e vocais de pessoas encontradas no cotidiano. Além das pessoas, ela também permite
a imitação física de ações estanques como fotos e quadros, que podem ser, posteriormente, ligadas organicamente,
transformando-se em matrizes complexas. Cabe ao ator a função de “dar vida” a essa ação imitada, encontrando
um equivalente orgânico e pessoal para a ação física/vocal.” (FERRACINI, 2003, p.19)
de um grupo social. Porém, o principal expoente que será pesquisado para compor o
coro e a atmosfera do espetáculo é o encenador Max Reinhardt.
Situado no período modernista, Reinhardt tinha como principal proposta de
renovação - entre as muitas experimentadas por ele - o desenvolvimento de um Teatro
dos 5000 atores. Essa ideia de multidão no palco se justifica pelo interesse do
encenador em explorar o deslocamento constante da quarta parede, pois os atrozis
misturados ao público, o convoca para uma posição realmente ativa na cena,
proporcionando a energia necessária para a instauração da atmosfera ilusória do
espetáculo.
Para concluir, é importante reforçar o grande propositor que mobilizará toda a
construção do espetáculo, os Drag Balls. Essa potente matéria-prima traz em seu
interior a forma e o conteúdo pretendido pelo aspirante a Encenador Sidnei Junior. A
partir do estudo, pesquisa e criação da atmosfera dos Drag Balls, que FEELOOP12
nascerá! E como diz Mama Ru13: Good Luck… and Don’t Fuck It Up!14
Segue abaixo o cronograma de trabalho prático da concepção da encenação:

CRONOGRAMA DE ENSAIOS
DATAS PLANEJAMENTO DE ENSAIO

09/08-SEXTA-FEIRA Pesquisa de referências corporais/ Preparação do corpo


08:30-12:30 dis atrozis/ Experimentação dis pesquisas corporais/
Construção de personagens.
16/08-SEXTA-FEIRA Pesquisa de referências corporais/ Preparação do
08:30-12:30 corpo dis atrozis/ Experimentação dis pesquisas
corporais/ Construção de personagens/ Elaboração de
partituras.
23/08-SEXTA-FEIRA Preparação Corporal e Vocal dis atrozis/ Recuperação
08:30-12:30 dis partituras/ estudo dis partituras em diferentes
qualidades do movimento junto de texto.
30/08-SEXTA-FEIRA ESCRITA DO TEXTO E PESQUISA DO ENCENADOR
08:30-12:30
06/09-SEXTA-FEIRA Leitura do texto/ Construção da Personagem/ Criação
08:30-12:30 dis cenas II e VI
13/09-SEXTA-FEIRA Escolha de figurino/ Retomada dis cenas II e VI/ Criação
08:30-12:30 dis cenas I e II

12
Título dado pelo Encenador Sidnei Junior ao Espetáculo.
13
Apelido dado pelos fãs à Drag-Queen Ru Paul, apresentadora do reality show RuPaul’s Drag Race, em que
várias Drag-Queens competem para receber o título de Próxima Drag Super Star da América.
14
Em tradução livre do Encenador Sidnei Junior: Boa Sorte... E não estraguem tudo!
26/09-QUINTA-FEIRA Experimentação dis cenas II, III, VI, V e VI no espaço da
18:00-22:00 encenação/ Adaptações corpo/voz para o espaço.
27/09-SEXTA-FEIRA Passagem dis cenas II, III, IV, V e VI/ Criação da cena I/
08:30-12:30 Ensaio para as performances da HAUS OF FEELOOP.
28/09-SÁBADO LABORATÓRIO CRIATIVO: HAUS OF FEELOOP
19:00-00:00 Apresentação dis performances para o público/
Arrecadação de doações.
04/10-SEXTA-FEIRA OFICINA DE DANÇA VOGUE
08:30-12:30 Criação de coreografias de cena, em especial da Cena
I/ Elaboração de sequência de poses.
11/10-SEXTA-FEIRA Criação da cena II/ Criação de partituras e repetições.
08:30-12:30
14/10-SEGUNDA-FEIRA Orientação de atrozis- Lívia/ Passagem de todas as
13:30-15:30 falas/ Criação das marcações da Personagem.
18/10-SEXTA-FEIRA Término das coreografias/ Elaboração das partituras
08:30-12:30 com objetos/ Passagem da cena II/ Criação da cena III
e IV.
21/10-SEGUNDA-FEIRA Orientação de atrozis- JOÃO, BRUNO E WILLIAN/
13:00-16:00 Passagem de todas as falas/ Criação das marcações da
Personagem.
23/10-QUARTA-FEIRA Passagem das cenas II, III e IV/ Criação das cenas V e
08:30-12:30 VI.
24/10-QUINTA-FEIRA Criação da cena VII/ Passagem de todas as cenas.
08:30-12:30
25/10-SEXTA-FEIRA CONCEPÇÃO DO FIGURINO E MAQUIAGEM
08:30-12:30
28/10-SEGUNDA-FEIRA Orientação de atrozis- JOÃO, BRUNO E WILLIAN /
13:00-16:00 Passagem de todas as falas/ Criação das marcações da
Personagem.
31/10-QUINTA-FEIRA Orientação de atrozis- LÍVIA/ Passagem de todas as
10:00-12:30 falas/ Criação das marcações da Personagem.
01/11-SEXTA-FEIRA TERMINAR AS CENAS
08:30-12:30
04/11-SEGUNDA-FEIRA Orientação de atrozis- JOÃO, BRUNO E WILLIAN /
13:00-16:00 Passagem de todas as falas/ Criação das marcações da
Personagem.
07/11-QUINTA-FEIRA Orientação de atrozis- LÍVIA/ Passagem de todas as
10:00-12:30 falas/ Criação das marcações da Personagem.
08/11-SEXTA-FEIRA PASSAGEM GERAL PARA CONCEPÇÃO DE LUZ
08:30-12:30
09/11-SÁBADO GRAVAÇÃO DOS VÍDEOS DE TRANSIÇÃO E FOTOS
17:00-20:00 DE DIVULGAÇÃO
11/11-SEGUNDA-FEIRA Orientação de atrozis- JOÃO, BRUNO E WILLIAN /
13:00-16:00 Passagem de todas as falas/ Criação das marcações da
Personagem.
14/11-QUINTA-FEIRA Orientação de atrozis- LÍVIA/ Passagem de todas as
10:00-12:30 falas/ Criação das marcações da Personagem.
15/11-SEXTA-FEIRA PRIMEIRA PASSAGEM GERAL NO ESPAÇO
08:30-12:30
22/11-SEXTA-FEIRA ENSAIO GERAL/LIMPEZA DAS CENAS I, II, III E IV
08:30-12:30
29/11-SEXTA-FEIRA ENSAIO GERAL/LIMPEZA DAS CENAS V, VI E VII
08:30-12:30
30/11-SÁBADO ENSAIO GERAL NO ESPAÇO
18:00-22:00
01/12-DOMINGO APRESENTAÇÃO
14:00-22:30
QUEER IS THE NEW BLACK15

Atualmente a cultura Queer vem se popularizando no Brasil e no mundo. Muito


desse fenômeno se dá pelo sucesso das Drag Queens, que cada dia mais vem
ganhando espaço na mídia. Exemplo disso pode-se citar, o reality show RuPaul´s Drag
Race e cantoras Drag Queens, como Pabllo Vittar e Gloria Groove que vem trilhando
e assegurando um caminho sucesso.
O reality show apresentado pela lendária Drag Queen RuPaul, certamente é o
principal responsável pela disseminação da cultura Drag na atualidade. RuPaul´s Drag
Race teve sua estreia em 2009 e está em sua 11ª temporada na américa contando
com a exportação do formato para a Tailândia e recentemente estreou no Reino Unido.
Prova disso é que o programa vem ganhado destaque nas premiações mais
importantes da televisão como o Emmy de melhor Reality Show.
O Brasil também foi atingido pela expansão midiática da cultura Drag, tendo
como principal característica a diversidade de estéticas provenientes das culturas e
realidades brasileiras. A cantora Pabllo Vittar, com suas músicas que misturam os
ritmos nordestinos com o toque eletrônico é um ótimo exemplo de uma das facetas
das Drag Queens brasileiras. Assim como Rita Von Runty, Drag Queen que fala sobre
política para 193 mil inscritos em seu canal Tempero Drag na plataforma do YouTube.
Embora atualmente a popularidade da cultura Drag esteja em evidência, essas
manifestações artísticas estão presentes centenas de anos em nossa sociedade
ocidental. Suas primeiras práticas foram datadas no teatro da antiguidade grega, em
que os somente os homens podiam atuar. Além disso, como as personagens
femininas não ganhavam grande destaque na maioria das dramaturgias, elas eram
facilmente interpretadas por atores (AMANAJÁS apud LIU, 2017, p.5).
Somente no século XVI, Willian Shakespeare cria o termo “Drag” para nomear
essa prática, em que homens trajados com figurinos femininos interpretam
artisticamente mulheres. Nesse período, era muito comum a escolha de atores mais
jovens e inexperientes para fazerem as personagens femininas. O autor Danilo
Simões Liu afirma que “as personagens shakespearianas, constantemente,
transitavam entre o masculino e o feminino de forma sutil e contundente.” (LIU, 2017,
p.5) e ainda analisa uma das de Shakespeare para ilustrar:

15
Expressão em inglês utilizada no ambiente fashionista e significa que algo está em evidencia na atualidade, por
exemplo, em tradução livre pelo Encenador Sidnei Junior, “Queer está em alta”.
Tais apontamentos são perceptíveis no trecho onde Cleópatra
(personagem da peça Antônio e Cleópatra, escrita em 1606)
veste a armadura de Antônio, seu amado, e brande a sua
espada. Em uma época onde as mulheres eram consideradas
inferiores e passíveis de submissão, tendo seu lugar na
sociedade medido apenas pelo casamento e a capacidade de
gerar herdeiros, uma personagem vestindo trajes masculinos
militares, foi considerado algo ultrajante e, para o leitor de hoje,
inovador. (LIU, 2017, p.6)

Quando em 1653, as mulheres começam a ganhar espaço no palco, as Drag


Queens têm seu declínio no teatro. Com essa realidade a expressão artística migra
para lugares mais reservados, como bares conhecidos como Molly Houses16. Nesses
bares as Drags se encontravam para performar sua feminilidade satirizando os
estereótipos. É importante ressaltar que a partir desse momento começa a associação
das Drag Queens com a homossexualidade.
As Drags só retornam aos teatros com popularidade no fim do século XIX e
começo do século XX quando se valorizou a comicidade dessas figuras. Uma das
personagens tipos mais famosos que as Drags Queens representavam era a Dama
Pantomímica. Nas palavras de Igor Amanajás citado por Danilo Simões Liu:
A dama pantomímica invadiu a história, tornando-se a coquelu-
che dos palcos e a atração cômica mais carismática do início do
século XX. As personagens possuíam um discurso que se rela-
cionava diretamente com a classe média e trabalhadora da
época e se lamentavam em seus monólogos causando o pathos
na plateia e a imediata identificação. Tais personagens eram se-
nhoras por volta dos seus quarenta e tantos anos que lançavam
problemáticas pertinentes às mulheres daquela sociedade; a
mulher feia que nunca arranjaria casamento e ficaria condenada
a permanecer sob a custódia da família, a enfermeira, a viúva,
a fofoqueira, a rotina da simples vendedora de flores das ruas e
o dia-a-dia da dona de casa cujas tiradas cômicas eram dirigidas
não somente às reais donas de casa, mas também aos seus
maridos, uma vez que o grotesco exagerado das damas panto-
mímicas causavam o instantâneo estabelecimento da conven-
ção teatral seja, o cômico era ainda mais risível porque era re-
presentado pela dúbia figura da caricatura da imagem feminina
personificada pelo homem. (AMANAJÁS apud LIU, 2017, p.8)

É necessário salientar que nesse período histórico há uma efervescência do


movimento feminista que faz com que as Drag Queens mudem seu foco criativo.
Agora essas artistas não buscavam mais a representação de uma feminilidade jocosa
e grotesca, mas sim o esplendor das grandes divas do cinema e da música daquele

16
Bares em que " em que drag queens se encontravam vestidas de tipos sociais da época para se
comportarem como mulheres.” (AMANAJÁS, 2015, p.13)
período histórico. A partir daí, as Drag Queens encontram no Teatro Musical a
espetacular e glamourosa personificação das grandes mulheres, que tanto às
inspiravam.
A década de 1960 é marcada pela renovação dos modos tradicionais de se
produzir e consumir arte. Esse movimento é chamado de contracultura e foi formado
por diversas expressões artísticas que não se viam representadas nos modelos
tradicionais da arte. Além disso, há uma certa aceitação da sociedade, ainda que
pequena, para com a comunidade gay o que abriu espaço para que esse grupo
sentisse minimamente confortável para construir seus próprios modos de se relacionar
com o mundo, seja pela linguagem, moda ou gestos (AMANAJÁS, 2015, p.16).
A cultura gay foi se expandindo junto com o número de bares e clubes voltados
a esse público, que acolhe muito bem as Drag Queens. As artistas, nessa realidade
multicultural que a cada dia crescia mais, possuíam um terreno fértil para explorar e
se relacionar com seu público, brincando no híbrido do masculino e feminino, o chique
e o de mau gosto etc. Nesse momento pode-se notar o estabelecimento de alguns
movimentos que abraçam e se fundem a cultura Queer e que serão usados como
principal referencial estético da encenação FEELOOP, são eles is Club Kids, o Camp
e os Drag Balls.

1. O GLAMOUR ESTÁ AQUI... A CATEGORIA É REALIDADE CLUB KID!

Is Club Kids ou Clubbers surgem na década de 1980, em clubes da cidade de


Nova Iorque e Londres. Esse grupo era formado por jovens Queers que possuíam
médio ou alto poder aquisitivo e por esse motivo frequentavam as melhores festas em
que era permitido o uso indiscriminado de drogas e bebidas alcoólicas. Se expõe esse
fato para entender melhor a estética dis Clubbers.
Com uma estética exageradamente exótica e peculiar, is Club Kids -como a
tradução livre do próprio termo kid propõe- brincavam de ser qualquer coisa que só
seria possível no imaginário entorpecido de uma pessoa. Sendo assim eles se vestiam
com roupas e adereços que podiam remeter à alienígenas como também anjos e
artistas de vanguarda. Sobre esse visual, que beira o incomum e até ao andrógeno,
pode-se direcionar o olhar para o processo de criação da encenação FEELOOP.
Os club kids demonstravam um estilo muito característico,
que dava continuidade a “era disco” dos anos 1970. Com o seu
surgimento nos grandes centros urbanos, em especial em Nova
Iorque e em Londres, o movimento elevou a música eletrônica
para além das cenas underground dos inferninhos, dando base
sólida para o conceito de cultura noturna que conhecemos hoje,
com a criação de grandes casas noturnas, como o supracitado
Limelight, e gerando o costume de sair de casa para frequentar
festas. Tal grupo destacava-se por procurar criar uma estética
alternativa, na qual os critérios de beleza e expressão eram
reinventados e postos à prova a todo tempo. (LIU, 2017, p.25)

O figurino da encenação será pensado a partir das referências agêneras dis


Club Kids. Essa estética se dá pela mistura de padrões estéticos provenientes do
feminino e masculino. Pretende-se, assim como is Club Kids, brincar e questionar
esses moldes impostos pela nossa sociedade héteronormativa. Desse modo
buscando provocar o público através da dúvida dos elementos do figurino, como por
exemplo o maiô junto de ombreiras de tule em um corpo biologicamente masculino,
do mesmo modo que acontecia com is Dzi Croquettes.

2. MILITOU SEM PROMETER... A CATEGORIA É DZI CROQUETTES

I Dzi Croquettes foi um importante grupo teatral brasileiro que teve sua formação
original durante a ditadura militar. Esse período se caracterizou pelo corte de direitos,
em especial no tocante a liberdade de expressão. Pode-se imaginar que um
espetáculo formado por 13 integrantes, que vestiam trajes -socialmente ditos como-
femininos no palco, não passaria despercebido pela censura brasileira daquela época.
O grupo explorava a transgressão dos papéis de gênero estabelecidos por
aquela sociedade conservadora e acima de tudo repressora. Nas palavras de Rafael
de Freitas Amambahy Santos, o espetáculo:
Misturando-se e revezando-se entre momentos de dança e
canto, entrecortados por falas inteligentes e divertidas; com
corpos viris, cabelos compridos, 15elos e barbas unidos a trajes
femininos e maquiagem carregada – tudo banhado por muita
descontração e irreverência –, movimentou e reinventou o
cenário artístico brasileiro da época: o grupo chamava-se Dzi
Croquettes.(SANTOS, s.d., p.2)

Embora fosse censurado e posteriormente proibido no Brasil, i Dzi Croquettes


17
ficou muito popular no território nacional e -pasmem - internacional. Essa
disseminação se deu graças a amizade de Lenni (Leonardo Laponzina) -coreógrafo

17
Expressão que indica surpresa.
conhecido como a Mãe dos Dzi- com a atriz Hollywoodiana Liza Minnelli, que
conseguiu turnês na Europa e temporada na Broadway, se o grupo não tivesse se
separado logo após a primeira agenda de apresentações internacionais.
I Dzi Croquettes, possuía uma linguagem própria para se comunicar com o
público. Prova disso é a difícil definição acerca do que o era de fato os Dzi Croquettes,
uns dizem que eram performances soltas para festas, outros entendem com
performances teatrais. Essa indefinição se define para o encenador como sendo um
ponto potente para FEELOOP, pois lhe é interessante que o público adentre o
espetáculo como se realmente estivesse celebrando em um Drag Ball. Para
posteriormente se chocar quando exposto a outra realidade dessa comunidade no
Brasil e no mundo.

3. XXXTRAVAGANZA... A CATEGORIA É DRAG BALL

Uma das expressões culturais mais populares na atualidade graças a série de


TV americana POSE, servirá como uma das principais referências para a criação do
espaço, atmosfera e formato do texto dramatúrgico. Primeiramente é preciso que se
saiba que essa potente manifestação, não surge nessa década.
Os Drag Balls têm seus primeiros passos na década de 1980, e foi resultado
da reunião de negros e latinos LGBTQ+. Esse grupo começa a construir eventos em
que visava, principalmente, o sentimento de pertencimento a esses jovens que, muitas
vezes, eram expulsos de casa. As relações se tornam tão próxima entre os membros
que começam a se formar famílias chamadas de “House”. No filme Paris Is
Burning(1990) é possível conhecer, por exemplo a House of Pandavis, House of
Xtravaganza e House of LaBeija.
[...]mesmo que sem intenção, (os Drag Balls) questionavam a
noção tradicional de estrutura familiar, fazendo da performance
artística o elemento de ligação entre todos os membros das
houses. (LIU, 2017, p.20)

Como dito por Danilo Simões Liu, is membris da família performavam


artisticamente para ganhar as diversas categorias dos Drag Balls. Nesses momentos
is participante trajavam e agiam a altura das categorias como se vivessem a realidade
das categorias. Algumas categorias eram Executive Realness, Butch Queen Realness,
Sex Siren e talvez a mais conhecida graças a música da Rainha do Pop Madonna, a
categoria Vogue.

4. CARISMA, ORIGINALIDADE, NERVOS E TALENTO... A CATEGORIA É


ESCREVER É FUNDAMENTAL

Agora é possível falar mais um pouco sobre o texto dramatúrgico da encenação


FEELOOP. Em especial o formato dos Drag Balls se fará presente principalmente na
primeira parte de FEELOOP, em que is personagens competirão em três categorias
principais, sendo respectivamente elas: O Último Vogue, Realidade Tóxica e
FEELYPSYNC. Quando é chegada a hora de coroar a ganhadora, o público descobre
que o prêmio para aquelas é a morte, colocando em evidência a relação de consumo
e violência dessa sociedade com a comunidade Queer.
A partir da morte dis personagens começa a segunda parte do espetáculo, em
que se tomará um teor mais incisivo sobre a violência contra a população LGBTQ+.
Como abertura desse bloco, is personagens distribuirão drinks de mesmo líquido que
o sangue que saiu delas anteriormente. Será usada além disso, a repetição de
partituras que remetam a violência que a comunidade Queer sofre. E para terminar
será usada sequências de poses enquanto dis atrozis interpretam o texto “Apocalipse
Queer” di escritori Tatiana Nascimento.
É importante ressaltar ainda a trilha sonora que estará presente por toda a
encenação. Foram escolhidas para compor a atmosfera e o discurso da cena, as
músicas da DJ e cantori GA31, por possuírem letras e batidas divertidas e ao mesmo
tempo diretas sobre a realidade Queer no Brasil. Como por exemplo o trecho da
música SUPERMODERN4 que será usada na categoria FEELIPSYNC e diz: Seja tudo
aquilo que quiser/ Seja homem ou mulher/ Seja forte/ Seja firme/ Para o que der e vier
(GA31, 2017).

5. VOGUE

Como dito Vogue surgiu dentro dos Drag Balls como uma das categorias
principais, em que is competidoris simulavam uma batalha de poses, passos de dança
e sequências coreografadas (BERTE, 2014, p.70). O principal objetivo dessa
performance era se mostrar como se estivesse posando para a capa da revista
VOGUE e é daí que surge seu nome. Sendo assim, vale tudo para se mostrar para os
olhares atentos dos jurados.
[...]a dança mistura pantomima, trejeitos de manuseio de estojos
de maquiagem, passos de break, movimentos de ginástica,
hieróglifos do Egito antigo, desfile de moda e imagens de poses
de revistas, articulando linhas corporais sinuosas ou retilíneas e
posições rebuscadas. (PARIS IS BURNING apud BERTE, 2014,
p.70)

A encenação FEELOOP usará do Vogue como matéria prima para construção


das poses como modo a recortar momentos que merecem ser destacados ou até
mesmo repetidos. Esse artifício se fará presente durante todo processo e
consequentemente no texto dramatúrgico, que possui momentos de uso da dança
Vogue, como por exemplo a primeira categoria e as constantes formações de imagens
da cena.
CRONOGRAMA DO PROJETO

ATIVIDADES PRAZOS
ago set out nov dez

Busca por referências para a X


escrita do texto dramatúrgico.
Escrita do texto dramatúrgico X
Busca de referências para o X
treinamento e preparação dis
atrozis
Início dos Ensaios X
Leitura dramática do texto X
dramatúrgico com os atrozis
Pesquisa e construção dis X X
personagens
Esboço das cenas X
Elaboração das cenas X X
Laboratório para is atrozis X X
Oficina de Vogue X X
Definição das cenas X X
Entrega do Projeto X
Construção dos figurinos e X
maquiagem
Conclusão de todas as cenas X
Definição do espaço X
Limpeza X
Pesquisa de iluminação X
Passagem geral com todos os X
elementos da cena
Ensaio fotográfico de divulgação X
Ensaio aberto e laboratório na X
parada LGBTQ+
Ensaios gerais X
Apresentação e compartilhamento X
da encenação
Entrega do relatório final X
e conclusão da disciplina
BEM VINDIS AO PALCO PRINCIPAL DA HAUS OF FEELOOP
REFERÊCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMANAJÁS, Igor. Drag queen: um percursos histórico pela arte dos atores
transformistas. Revista Belas Artes. Ano 7, n. 19. set-dez 2015.

BERTE, Odailso. VOGUE: dança a partir de relações corpo-imagem. Dança: Revista


do Programa de Pós-Graduação em Dança, v. 3, n. 2, 2014. Disponível
em: >https://portalseer.ufba.br/index.php/revistadanca/article/view/13338/9776>.
Acesso em: 05 set. 2019.

CAMPOS, Márcia Regina Bozon de. Recordar, repetir, criar: a dança-teatro de Pina
Bausch. Ide, v. 40, n. 64, p. 117-128, 2017. Disponível em: <
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FERNANDES, Giovana Romania. Mascaradas: grande reportagem multimídia


sobre a moda drag queen e a discussão sobre identidade e gênero. 2018.
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FERRACINI, Renato. Mímesis corpórea: poesia do cotidiano. 2014. Disponível em:


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__________O treinamento energético e técnico do ator. ILINX-Revista do LUME, v.


1, n. 1, 2012. Disponível em:
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LIU, Danilo Simões. O percurso histórico da cultura drag: uma análise da cena
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SILVA, Rodrigo Souza et al. Drag queens, montagens e reinvenções: Tecendo


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https://repositorio.ufjf.br/jspui/bitstream/ufjf/132/1/rodrigosouzasilva.pdf. Acesso em:
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