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Diálogos

Restaurativos
Revista Especializada em Justiça Juvenil Restaurativa

Terre des hommes Lausanne no Brasil


Fortaleza, Ceará
Apresentação
Terre des hommes (Tdh), com 53 anos de existência, atua em 7 países com
projetos que favorecem à implementação de uma justiça mais educativa do que
repressiva, de acordo com a Convenção Internacional dos Direitos da Criança,
o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (Sinase).
Nesse sentido, acreditamos na contribuição da Justiça Juvenil Restaurativa
(JJR) que, em contextos de violência, favorece a participação ativa e voluntária
do agressor, da vítima e da comunidade. No trabalho de prevenção e proteção
aos atos infracionais cometidos por adolescentes, esse modelo se fundamenta no
princípio no qual qualquer sanção imputada ao adolescente, incluindo a privação
de liberdade, deve ser educativa. Além disso, deve oferecer um acompanhamento
psicossocial, permitindo, assim, evitar o quanto possível a reincidência. Na Justiça
Juvenil Restaurativa, os direitos das vítimas são levados em consideração, o
papel da família e da comunidade é considerado essencial e os adolescentes são
reconhecidos como atores de suas próprias reinserções.
Os diferentes modelos de justiça têm demonstrado ser inoperantes para
responder à demanda crescente da população em matéria de segurança, o que
gera a necessidade de que se desenvolvam novas medidas que favoreçam a
prevenção à violência cometida por adolescentes bem como sua reintegração
social quando em situação de conflito com a lei. Em face dessa realidade, a JJR
aparece como uma resposta social e individualizada com um forte componente
educativo, que permite aos adolescentes perceberem a consequência de seus
atos, assumirem suas responsabilidades e se formarem como cidadãos; aspectos
que favorecem ao mesmo tempo a diminuição da violência juvenil.
A Revista Diálogos Restaurativos é a segunda publicação de Tdh Brasil na
temática Justiça Juvenil Restaurativa. Nesta edição contamos com parceiros e
parceiras das experiências brasileiras em práticas restaurativas que reservaram
parte do seu precioso tempo para socializar seus saberes e lições. Buscando
promover o direito à participação de crianças e adolescentes temos, também, um
artigo da adolescente Ana Karoline da Silva Bernardo, que relata a experiência do
grupo, do qual faz parte, com as práticas restaurativas.
Enfim, é uma publicação que busca contribuir com a reflexão e o
aprofundamento da temática da Justiça Juvenil Restaurativa no Brasil.
Fortaleza, Ceará.
Anselmo de Lima

Representante de Tdh Brasil

3
Sobre os autores
Dialogos Restaurativos.- Vol. 1 (2013).- Fortaleza: Terre des
hommes Lausanne no Brasil, 2013- Egberto de Almeida Penido - Juiz de Direito da 1ª Vara Especial da Infância e
44p. v. : il. Juventude da Capital. Membro da Coordenadoria da Infância e Juventude do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo. Coordena o Centro de Estudos de Justiça Restaurativa
da Escola Paulista da Magistratura. Está envolvido na implementação de projetos de
1. Violência, Prevenção, Periódico. 2. Justiça Juvenil Justiça Restaurativa na área da Infância e Juventude desde 2004.
Restaurativa.
Afonso Armando Konzen - Procurador de Justiça Aposentado, professor de Direito
CDD 303.62 da Criança e do Adolescente na Faculdade de Direito da Escola Superior do Ministério
Público do Rio Grande do Sul, gerente do Projeto Justiça Juvenil Restaurativa na

Ficha técnica
Comunidade desde a sua elaboração até abril de 2011 e membro do Conselho Gestor do
Programa Justiça para o Século 21.

Ana Carla Coelho Bessa - Advogada, Mestre em Direito Constitucional.


Iniciativa e desenvolvimento do Projeto: Pesquisadora em Mediação de Conflitos e Justiça Restaurativa (UFC – GTEIA’S).
Terre des hommes Lausanne no Brasil Fabiana Nascimento de Oliveira - Assistente Social, Mestre e Doutoranda em
Anselmo de Lima - Representante de Terre des hommes no Brasil Serviço Social do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Faculdade de
Serviço Social da PUC/RS, Servidora do Poder Judiciário, Integrante da CPR JIJ Central de
Organizador: Renato Pedrosa - Diretor Executivo de Tdh Práticas Restaurativas do Juizado da Infância e da Juventude de Porto Alegre/RS.
Colaboração:Lastênia Soares - Gerente de Educação e Formação Isabel Sousa - Advogada e Assessora Técnica em Justiça Juvenil de Terre des
Carlos Neto - Assistente Técnico de Formação hommes Lausanne no Brasil.

Ilustrações e Projeto Gráfico: Dedê Paiva Valdirene Pinheiro Dias - Professora da Faculdade de Ensino Superior do Piauí –
FAESPI; Mestre em Ciências da Educação pela ULHT – Lisboa e Gerente do Complexo de
Revisora Ortográfica: Defesa da Cidadania, Piauí.
Maria Girlyane de Castro Oliveira, Rosanne Coeli Grippi Lacerda Maria Boonen Petronella - Doutora e Mestra em Educação pela USP, com tese
Tiragem: 4.000 exemplares sobre a Justiça Restaurativa. Educadora do Centro de Direitos Humanos e Educação
Popular – CDHEP. Idealizadora do Programa Perdão e Justiça com trabalhos em diversas
Agradecimentos: localidades, dentro e fora do Brasil.

Ana Karoline da Silva Bernardo - Estudante, adolescente coordenadora do


Afonso Armando Konzen - Procurador de Justiça Aposentado; Ana Carla Coelho Bessa Conselho Consultivo de Adolescentes e Jovens da ABMP do Ceará.
– Advogada e Pesquisadora em Mediação de Conflitos e Justiça Restaurativa (UFC –
GTEIA’S); Ana Karoline da Silva Bernardo - Estudante, adolescente coordenadora do Sinara Mota Neves de Almeida - Doutora em Educação Brasileira pela Universidade
Conselho Consultivo de Adolescentes e Jovens da ABMP do Ceará. Egberto de Almeida Federal de Ceará (UFC) e Mestre em Educação em Saúde pela Universidade de Fortaleza
Penido - Juiz de Direito da 1ª Vara Especial da Infância e Juventude de São Paulo; Fabiana (UNIFOR). Professora e Supervisora Escolar da Rede Municipal de Ensino de Fortaleza,
Nascimento de Oliveira - Assistente Social e Mestre em Serviço Social da Faculdade de Ceará.
Serviço Social da PUC/RS; Isabel Sousa – Advogada e AssessoraTécnica em Justiça Juvenil
de Tdh. Maria Boonen Petronella - Doutora e Mestra em Educação pela USP ; Mônica Mônica Mumme - Consultora em Justiça Restaurativa na área da Educação.
Mumme – Psicóloga e Consultora em Justiça Restaurativa na área da Educação; Sinara Psicóloga Coordenadora de Projetos do CECIP – Centro de Criação de Imagem Popular
Mota Neves de Almeida - Doutora em Educação Brasileira pela Universidade Federal de de São Paulo - SP.
Ceará (UFC) e Mestre em Educação em Saúde pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR);
Valdirene Pinheiro Dias - Professora da Faculdade de Ensino Superior do Piauí – FAESP e
Mestre em Ciências da Educação pela ULHT.


Terre des hommes Lausanne no Brasil. É permitida a reprodução total ou parcial dos textos desta publicação,
desde que citada a fonte.

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Sumário
O desafio da Justiça como um valor no Brasil ..... 08

Justiça Juvenil Restaurativa na Comunidade ..... 13

Justiça Restaurativa e Responsabilização para


Egressos do Sistema Socioeducativo ..... 17

No Judiciário e na Comunidade: Possibilidades reais de


implementação da Justiça Restaurativa em Porto Alegre/RS ..... 21

A contribuição das práticas restaurativas no exercício


democrático da participação: Criatividades e Justiça Social ..... 25

Adolescentes, atos infracionais e valores humanos:


da consciência do bem ao fluxo incessante
dos desejos que os aprisionam ..... 29

A importância do perdão na formação de educadores


que trabalham em medida socioeducativas ..... 35

Justiça juvenil vista com outros olhos ..... 39

A mediação de conflitos escolares e a


promoção da cultura de paz ..... 41

Justiça Restaurativa e Educação: transformando


relações a partir do conflito ..... 44

6 7
Dentro desse momento histórico, em A Justiça não é de responsabilidade
algumas das suas expressões mais visíveis, apenas do sistema Jurídico, mas também da

O desafio da Justiça
temos, ainda, no sistema de Justiça, um Saúde, da Educação, da Cultura, da Polícia
movimento de mudanças que propiciam a etc. (sem que isso signifique a omissão

como um valor no Brasil.


introdução de alternativas penais efetivas, do sistema de Justiça quanto à sua função
como, por exemplo, a revisão do Código constitucional; mas, ao contrário, que pelo
Penal e a criação dos “centros de conciliação e caminho interinstitucional e interdisciplinar,
Egberto Penido mediação” na esfera judicial (em que pese não se possa efetivar de modo qualificado esta
haver ainda previsão da criação de referidos função). Ela se faz no dia a dia, na ação viva
“centros” na esfera do Direito Penal ou dos de cada um, e é fruto de uma escolha - de
“Atos Infracionais”, sabendo-se que será uma todo e qualquer cidadão ao se deparar e
A criação vive – e se desenvolve; com todos os ângulos e as arestas do questão de tempo para que tal implantação responder às dinâmicas relacionais oriundas
vir-a-ser, com todos os contragolpes, todos os abalos e todos os ganhos. Aquilo nessas esferas se efetive). da teia de relações na qual está inserido e
que não realizarmos hoje, em termos de possibilidade de paz, será um fardo constrói sua identidade. O modo pelo qual
Constatamos então que estamos
insuportável para as gerações futuras. Aquilo que hoje já vivemos no espírito responderá àquilo que lhe afetou contribuirá
inseridos em um momento histórico propício
de não-violência abre para os que virão depois de nós um terreno de opções para a situação de desequilíbrio ou para a
para a instauração de novas dinâmicas
em que se apoiar. Cada ato pacífico, cada reconciliação, cada ação criadora situação de reequilíbrio do ethos social. É
fundantes de resolução e transformação
empreendida no espírito do amor gera novas possibilidades para o campo neste balanceamento que a Justiça como
de situações de conflito e violência, que
invisível do futuro. De certo modo, nós criamos – no sentido dos campos valor se efetiva. A restauração das relações
referenciarão as práticas restaurativas
morfogenéticos descritos por Rupert Sheldrake – superfícies de ressonância buscada nas práticas restaurativas se faz no
nacionais – sempre em permanente
para a ação futura; nós estendemos os fios que hão de ser tecidos. Quanto mais aprimoramento. movimento relacional (de acordo com cada
sentirmos, pensarmos e agirmos no espírito de não-violência, tanto maiores metodologia eleita para o caso específico)
serão os resultados. Além disso, os campos de ressonância da vida franca, A nossa capacidade de implementar, daqueles que estão envolvidos no conflito,
delicada e pacífica mostrar-se-ão – em termos de éons – os mais fortes, pois registrar, ajustar, aprimorar e se para que ao final não haja mais nada a ser
eles que possibilitam e conservam a vida, são eles que domam o caos e dão responsabilizar por dinâmicas restaurativas decidido – a restauração (ou o processo de
origem ás formas do belo e do bom. praticadas em sintonia com a potência desse conscientização) se faz no processo; ou seja,
momento histórico depende das escolhas que no movimento que joga luz: (a) nas causas
fazemos e faremos neste momento. Devemos que geraram a situação de conflito ou de
– Claus Eurich – “O Poder da Atitude Pacífica” então – sem perder nossa condição de juristas violência; (b) nas necessidades subjacentes
- ser como poetas, percebendo o tempo que que se buscavam atender mas que, ao serem
se avizinha (tendo olhos para perceber o frustradas, geraram o conflito ou a situação
novo) e traduzindo-o em arte – no caso, em de violência; (c) nas consequências das ações;
O Brasil vive um momento Como se não bastasse, na área da arte de encontro. Fazendo as escolhas certas,
(d) nas possibilidades de reparação e de não
social, político e cultural único, tendo a Infância e Juventude temos um diploma legal no momento certo e da forma certa. Nesta
ocorrer a recidiva.
chance histórica de desenvolver práticas que, apesar dos seus 23 anos de vigência, harmonia, teremos algo próximo daquilo que
restaurativas – inseridas ou não no seu continua avançado e com muitos princípios chamamos Justiça como valor; pois a Justiça, E este é o ponto chave deste escrito,
Sistema de Justiça (como alternativa à que vão ao encontro dos princípios da como dito poeticamente pela atriz Leona o qual ressalto: a importância de afirmar e
aplicação de penas) – de modo absolutamente Justiça Restaurativa (bastando pontuar, por Cavalli: “é a beleza em movimento”. reafirmar por meio das práticas restaurativas
único no mundo, em decorrência de sua exemplo, o reconhecimento da criança e do a Justiça como um valor, ao alcance e
A ciência do Direito não deve se
potência criativa, fruto da sua diversidade adolescente como sujeitos de direitos; bem de responsabilidade de cada cidadão e
furtar em dialogar abertamente com outras
racial, geográfica, social, religiosa e, como o sistema de proteção integral, calcado não apenas de técnicos do Direito (dos
áreas científicas, as quais estão há muito
sobremaneira, do predomínio de sua em corresponsabilidades compartilhadas integrantes formais do Sistema de Justiça).
demonstrando e apontando para “novas
população jovem (até 30 anos de idade). (do indivíduo, família, comunidade, Ao assim proceder, se possibilita – sem perda
realidades”. É imperioso que a ciência
Soma-se a este feixe de circunstâncias, o sociedade e Estado) por meio de lógicas não do Direito não tenha medo de perder da cientificidade jurídica – o surgimento
contexto institucional atual, consubstanciado punitivas (pedagógicas) e ações sistêmicas, sua cientificidade ao se apropriar dessas de dinâmicas criativas que efetivamente
no seu sistema democrático (conquistado interdisciplinares e em rede. percepções, ao repensar seu objeto de estudo contribuam para a efetivação do valor
arduamente) e na liberdade de expressão - e suas metodologias, porém sempre cuidando Justiça.
em permanente processo de aprimoramento para não se perder em caminhos tidos como
nos últimos 30 anos. metajurídicos.

8 9
Transcorridos aproximadamente 06 Juventude do Estado de São Paulo inseriram
(seis) anos desde o início de ações “oficiais” a Justiça Restaurativa em seu planejamento
de Justiça Restaurativa no Brasil (como estratégico. Foram criados Núcleos/Centros
a elaboração no final de 2004 do projeto de Estudos de Justiça Restaurativa nas
“Implementando Práticas Restaurativas Escolas da Magistratura (como, por exemplo,
no Sistema de Justiça Brasileiro”1 , pelo no Rio Grande do Sul e em São Paulo). Foram
Ministério da Justiça, através da então recém criadas estruturas de mutiplicação dos
criada Secretaria da Reforma do Judiciário; e a projetos.5
realização do I Simpósio Brasileiro de Justiça
Constata-se em todas estas
Restaurativa, na cidade de Araçatuba/SP, em
experiências nacionais - calcadas em fluxos
abril de 2005, com a elaboração da primeira
e procedimentos específicos, construídos de
Carta de princípios restaurativos do Brasil)2,
acordo com as parcerias locais respectivas e
muito se tem realizado, desenvolvido e
com as peculiaridades do contexto em que
expandido em termos daquilo que chamamos
tais práticas se efetivam - o real envolvimento
de Justiça Restaurativa.
comunitário para além do sistema de Justiça,
Hoje se tem iniciativas ocorrendo em predominando a efetivação da Justiça como
megalópoles como São Paulo e Rio de Janeiro; valor; nestas experiências se constata que a
em cidades como Porto Alegre/RS; Belo capacidade, a habilidade e o poder de lidar
Horizonte/MG, Belém/PA; Teresina/PI; São com os conflitos e com as situações de
José do Ribamar/MA; Fortaleza/CE; Recife/PE; violência brota da comunidade, não ficando
e em cidades do Interior do Estado de São mais na mão dos representantes do Estado
Paulo como Campinas, São Caetano do Sul, a administração dos desequilíbrios sociais
São José dos Campos, Barueri, Araçatuba (uma “terceira pessoa” que de cima para
e Santos. Existem parcerias firmadas com baixo, tendo o monopólio legítimo do uso
a Rede de Ensino Estadual e Municipal; da força, ditaria de modo passivo o que
Unidades de Internação de Adolescentes; “está certo ou errado”). Predomina no de uma sociedade democrática que respeite inserida na perspectiva de uma Cultura
Guarda Civil Metropolitana; Diversas ONGs3 Brasil o resgate da capacidade das próprias os direitos humanos e pratique a cultura de de Paz. Deve-se permanentemente ter-se
e Fundações Privadas; Secretarias de pessoas afetadas numa situação de conflito paz. Essa nova concepção de justiça está em em vista que – como vemos nos exemplos
Estado; Conselho Municipal da Criança e do de resolverem e transformarem em parceria, construção no mundo e propõe que, muito como o de Gandhi, naquilo que denominou
Adolescente. Há círculos restaurativos sendo e de modo ativo e criativo tal conflito, mais que culpabilização, punição e retaliações ahinsa: um problema não é resolvido a não
realizados em espaços seguros e acolhedores reequilibrando a coesão social, buscando do passado, passemos a nos preocupar com ser que seja resolvido satisfatoriamente
no Fórum4, em Escolas Públicas Municipais e verificar a responsabilidade de cada um a restauração das relações pessoais, com a para todas as partes envolvidas no conflito.
Estaduais; e, ainda, na comunidade e/ou em naquilo que foi mal feito. reparação dos danos de todos aqueles que Neste sentido, “resolver um problema com
organizações com ações afetas ao Sistema de foram afetados, com o presente e com o violência é absurdo, pois ficaríamos com dois
Neste sentido, se apresenta atual o futuro.” problemas: o problema original e o problema
Justiça (ex. Conselho Tutelar; Organizações
disposto no preâmbulo da Carta de Araçatuba que a violência cria. A questão é, então: como
responsáveis pelo acompanhamento das A difusão das práticas restaurativas
já referida: “Acreditamos que o século XXI contrapor à violência a consciência, não
medidas socioeducativas em meio aberto). A na instituição da Justiça como valor se faz
pode ser o século da justiça e da paz no retroalimentando o ciclo de violência.
Justiça Restaurativa contribuiu para inspirar
planeta, que a violência, as guerras e toda
a figura do professor mediador no Estado de 1
Que deu início – com verbas advindas do PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento aos projetos de São
sorte de perturbações à vida humana e ao meio
São Paulo, bem como está expressamente Caetano do Sul (na área da Infância e Juventude, no processo de conhecimento de adolescentes em conflito com a Lei, em parceria
ambiente a que temos estado expostos são como a Diretoria de Ensino de São Bernardo); de Porto Alegre (na Vara da Infância e Juventude, envolvendo os processos de execução
prevista como forma de resolução de
fruto de valores e práticas culturais e, como tal, de medidas socioeducativas) e com adultos, em Brasilia, no Núcleo Bandeirante.
conflitos nas normas de convivência da Rede 2
Ver in www.tj.sp.gov/coordenadoriainfanciajuventude
podem ser transformadas. Acreditamos que
de Ensino Estadual. Além disso, atualmente, 3
Referidas ONGs como parceiras efetivas do Poder Público na construção e no desenvolvimento dos projetos de Justiça Restaurativa,
o poder de mudança está ao alcance de cada bem como na construção da tecnologia social de formação (como o Cecip – Centro de Criação de Imagem Popular; a Terre des hommes;
vem envolvendo, na esfera da Infância e
pessoa, de cada grupo, de cada instituição que e a Equipe Justiça em Círculo).
Juventude, os atos infracionais referidos a 4
Apenas no Fórum das Varas Especiais da Infância e Juventude da Capital de São Paulo (que lida com os adolescentes em conflito
se disponha a respeitar a vida e a dignidade
crimes de maior potencial ofensivo, como com a Lei – com os adolescentes que em tese praticaram um ato infracional) nos últimos quatro anos foram encaminhados 214 casos
humana.” E, ainda, mais adiante: “Reformular para a realização círculos restaurativos no ambiente forense. Tivemos a realização de 57% de círculos, com apenas 11% de acordos
também ao de menor potencial ofensivo.
nossa concepção de justiça é, portanto, uma não cumpridos.
Órgãos como a Coordenadoria da Infância e 5
Como os representantes do projeto “Justiça para o Século 21”, que ministram cursos de formação.
escolha ética imprescindível na construção

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Muitos desafios se apresentam na dos comitês de gestão interinstitucionais dos
expansão da Justiça Restaurativa no Brasil, projetos.

Justiça Juvenil Restaurativa


entre eles: (a) a elaboração de referências
Diante destes inúmeros desafios,
claras do que seja uma prática restaurativa
reitere-se aqui a importância da geração de

na Comunidade.
nos seus diversos modos; (b) a criação
referências nacionais à altura da potência
de marcos legais; (c) a sensibilização
que este momento histórico brasileiro
do sistema de Justiça, com a criação de

- sentido e desafios da
permite.
setores específicos de mediação e Justiça
Restaurativa na área Criminal e da Infância Experiência como a de Araçatuba, que

experiência Porto Alegre


e Juventude; (d) o desenvolvimento das vem desenvolvendo práticas restaurativas
práticas restaurativas, por meio da ciência junto com práticas de concentração/
jurídica, em sintonia com as descobertas meditação (denominadas de “centramento”);
científicas; (e) a formação em larga escala, ou como a de São Paulo, com a busca do Afonso Armando Konzen
mantendo o mínimo de qualidade nas práticas desenvolvimento do potencial criativo por
a serem implementadas (ex.: como criar meio da arte6; - devem ser acompanhadas de
dinâmicas de formação à distância; ou formar perto e incentivadas.
O Autor reflete sobre o sentido e as particularidades da experiência
efetivos multiplicadores quanto à formação);
É urgente que se levante as diversas de Porto Alegre, que permite o atendimento na sua própria comunidade pela
(f) a criação de indicadores de avaliação
histórias e estruturas societárias de nossas metodologia da Justiça Restaurativa do adolescente a quem se atribui a autoria
condizentes com o novo paradigma cultural
“primeiras nações”, como, por exemplo, de ato infracional. E sugere que a validação da experiência somente está sendo
com base nos quais são implementadas as
dos Kamayurá (grupo indígena do Alto possível pela gradativa compreensão de uma nova teoria de justiça.
práticas restaurativas (atento à observação
realizada pela Professora Kay Pranis, quando Xingu), que valorizam o desprendimento
em palestra ministrada na Fundação Getúlio e a generosidade. São inspirações para
Vargas, em setembro de 2011, quando aqueles que exercem lideranças ou estão em Palavras-chave:
assim se manifestou: “Não é possível posição de destaque: ser generoso e ter a
Justiça Restaurativa. Adolescente. Ato infracional. Comunidade.
avaliar as ações consubstanciadas em um habilidade de empatizar com o outro. É muito
novo paradigma, com base na visão do comum neste grupo indígena que os mais
paradigma antigo”); (g) o envolvimento das idosos atendam as necessidades dos mais
Academias no processo de reflexão do que novos. Exige-se renúncia, mas esta postura ofensivo, no lugar da Delegacia de Polícia,
seja a Justiça Restaurativa e suas formas propicia recompensas sociais. Tais dinâmicas o registro da ocorrência pode ser feito na
comunitárias estimulam a compreensão Introdução
de implementação; (h) o envolvimento da Central de Práticas especialmente estruturada
comunidade em larga escala; (i) o resgate da dos integrantes do grupo entre si e geram na comunidade. Ali, depois das anotações,
nossa simbologia nacional, particularmente limites às atitudes egocêntricas. Além disso, Em parceria com organizações o atendimento passa a ser orientado pelos
das histórias das nações nativas e das eles buscam que seus hábitos e valores não governamentais e não governamentais princípios, valores e forma de proceder da
demais nações que formam e formaram atuem como empecilho ao conhecimento, do Programa Justiça para o Século 21,7 o Justiça Restaurativa.
a nação brasileira; (j) a implementação da se lançando na fascinante aventura de Ministério Público do Estado do Rio Grande
compreender o outro, o diferente. Com Como está sendo possível vencer
Justiça Restaurativa em instituições diversas, do Sul desenvolve na periferia da cidade o itinerário legal e credenciar validamente
como o sistema policial; (k) a estruturação base em tais valores, eles sentam também de Porto Alegre o Projeto Justiça Juvenil
em círculos para a resolução de seus o atendimento na comunidade sem a
e qualificação da figura do professor Restaurativa na Comunidade, iniciativa intervenção das autoridades? O proceder
mediador; (l) a criação de marcos legais; conflitos. destinada a experimentar o atendimento adotado não violaria o procedimento de
(m) a utilização da arte e da meditação nas É por meio do resgate de tradições do adolescente autor de ato infracional apuração do ato infracional regulamentado
práticas restaurativas; (n) a aproximação das como essas e de tantas e infindáveis diretamente na comunidade. Ou seja, em no Estatuto da Criança e do Adolescente? Qual
práticas restaurativas com a religiosidade dinâmicas comunitárias, que se irá firmar a quatro bairros da periferia e em relação a o sentido e as particularidades da iniciativa?
brasileira (sem a perda da perspectiva de identidade nacional das práticas restaurativas determinadas infrações de pequeno potencial Conhecer e refletir sobre a experiência pode
que estamos inseridos em um Estado laico); brasileiras, tendo em sua centralidade a
(o) a forma de comunicação com a mídia e Justiça como um valor. 7
O Programa Justiça para o Século 21 é um conjunto de ações apoiado por organizações governamentais e não governamentais
entre as instituições; e (p) o aprimoramento lideradas pela Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul e que tem por escopo implantar práticas restaurativas no âmbito da
Justiça Juvenil de Porto Alegre, RS. Informações adicionais em www.justica21.com.br. Para maiores informações consultar a
6 publicação “Justiça Juvenil Restaurativa na Comunidade: uma experiência possível”. Disponível em http://portal.mj.gov.br/main.
Ver em www.cecip.org.br
asp?Team=%7B2C6FA354-9062-4927-9767-DE925A5EA180%7D

12 13
contribuir para estimular a sua replicação via de uma só mão, induz ao exercício passivo
e para colocá-la à serviço da qualificação da responsabilidade.
do atendimento ao adolescente a quem se
O diálogo com os princípios, valores e
atribui a prática de ato infracional.
forma de proceder da Justiça Restaurativa deixa
perceber que a diferença entre a intervenção
regulada e o atendimento pela metodologia
A disciplina jurídica da restaurativa situa-se na oferta de alternativas,
apuração do ato infracional não com o fim de devolver a solução do
conflito aos diretamente interessados, mas
em envolvê-los na busca daquele caminho
O proceder para o atendimento do que lhes possibilite pacificar a convivência. A
adolescente remete à aplicação do Estatuto troca de lentes sugerida por Zehr9 ensina, aqui,
da Criança e do Adolescente. Assim, seja por não só a ruptura com o conceito tradicional de
expressa previsão legal ou por incidência delito, mas convoca para outras dimensões,
subsidiária das garantias destinadas ao como, por exemplo, reparar o dano e
infrator adulto, o proceder para a apuração restaurar as relações. Instala-se, no encontro,
dialoga com a forma de proceder que se em síntese, como sendo da essencialidade
caracteriza essencialmente, segundo Paula,8 da mudança, a efetiva garantia ao exercício
pelo rigor formal, exigindo-se, dentre outros, da palavra aos sujeitos em conflito. Mais do
a satisfação de determinados requisitos para que o resultado, importa a mudança da forma
a constituição e desenvolvimento regular do de proceder como estratégia para auxiliar na
processo, tudo porque a tutela da liberdade é mudança da compreensão do fato e induzir ao
o principal escopo do sistema. compromisso com a resposta.
Em adição ao rigor da forma, o proceder
tradicional expressa um mundo de valores em
que prepondera, além da força, do poder, da As frestas de interpretação
ordem, do controle, da segurança e do respeito normativa autorizam
à lei, a proteção da parte mais frágil da relação, a experimentação
no caso, a pessoa processada. A realização
de juízo de valor sobre fato do passado não
contempla, nesse contexto, entre a pauta de muito há por avançar.11 Enquanto isso, o relações.Também por isso, a pauta do encontro
A Justiça Restaurativa, apesar das
assuntos, a reconciliação das partes. Ou seja, proceder diverso pode ser experimentado contempla, no topo da lista, as necessidades
recomendações da normativa internacional
o Estado, pelo proceder regulado, desapropria desde que não signifique renúncia ou da vítima.
para ser adotada por todos os estados-
das pessoas em conflito a possibilidade de flexibilização das garantias legais12 e
membros como meio de resolução não
contribuir com a busca da solução. Investe- respeite princípios como a bilateralidade e a
violenta de conflitos,10 está presente no âmbito
se na condição de titular exclusivo do poder voluntariedade. Os valores de fundamentação Os desafios para além do
brasileiro ainda de forma embrionária. Mesmo
de avaliar e de dizer a solução, pela via da não comungam, portanto, com quaisquer
considerada a expansão dos experimentos,
infrações às garantais, como de assistência ajuste da governança
responsabilização passiva do ofensor. Como
jurídica, da presença e participação dos pais
08
PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Direito da Criança e do Adolescente e Tutela Jurisdicional Diferenciada. São Paulo: Revista dos ou da possibilidade de mudar de opinião
Tribunais, 2002, p. 114-115. A sobrevivência de eventual crise de
mesmo depois da inicial adesão voluntária.
09
ZEHR, Howard. Trocando as Lentes: um novo foco sobre o crime e a Justiça. São Paulo: Palas Athena, 2008. interpretação sobre a possibilidade jurídica
Ademais, certa flexibilidade da forma só pode
10
Ver Resolução nº. 2002/12, de 24.07.2002, do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas. do proceder restaurativo não retira de pauta
servir ao propósito de buscar saídas menos
11
Autores como PINTO, Renato Sócrates (Justiça Restaurativa é Possível no Brasil? In: SLAKMON, Cartherine [et. al.] (org.). Justiça das importâncias as dificuldades de natureza
Restaurativa. Brasília, DF: MJ e PNUD, 2005, p. 29), VITTO, Renato Campos Pinto de (Reflexões sobre a Compatibilidade do Modelo severas do que aquelas determináveis pelo
operacional. Além da interpretação aberta do
Restaurativo com o Sistema de Justiça Brasileiro. In: Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal. Ano IX, nº. 49, abr/maio 2008. sistema judiciário. Dito de outra forma, para
São Paulo: Editora IOB, 2008, p.199/209) e SICA, Leonardo (Justiça Restaurativa e Mediação Penal. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2007, p. sistema de tutela da liberdade, a viabilização
acertar respostas mais aflitivas é o encontro
226) sustentam a necessidade de legislar sobre a matéria. No entanto, não dispensam a validade de aprofundar as experiências antes das práticas restaurativas depende da
da eventual consolidação normativa. restaurativo perfeitamente dispensável. O
compreensão, da colaboração e da disposição
12
Nessa linha é a recomendação do artigo 40, 3, “a”, da Convenção dos Direitos da Criança: “a adoção, sempre que conveniente e propósito está, pois, na busca por soluções
desejável, de medidas para tratar dessas crianças sem recorrer a procedimentos judiciais, contanto que sejam respeitados plenamente para o entendimento dos operadores jurídicos
menos severas e pela pacificação real das
os direitos humanos e as garantias legais”. tradicionais, notadamente quando o escopo

14 15
inclui a descentralização do atendimento. Conclusão
As resistências, nesse contexto, podem vir

Justiça Restaurativa e
pintadas pela dimensão filosófica, sociológica
ou até mesmo de defesa do espaço institucional A substituição do proceder tradicional

Responsabilização
com base no culto corporativista. pelo proceder da Justiça Restaurativa produz
deslocamentos de toda ordem. Por abrir
Com raras e meritórias exceções, o
caminhos, é natural o tempo da insegurança

para Egressos
sistema judiciário brasileiro ainda cultiva, com
e o necessário ao amadurecimento. Por
zelo e destreza, os ideais da centralização e da
isso, é prematuro expor e avaliar o rol dos
apropriação interventiva, seja o órgão agente

do Sistema Socioeducativo.
obstáculos. No entanto, é possível afirmar
do Poder Judiciário, do Ministério Público,
que a experimentação, além de desvelar a
da Defensoria Pública ou da Segurança
fragilidade das certezas estabelecidas, oferece
Pública. O respeito à experiência da pessoa
comum do povo, à força da comunidade
a possibilidade para visualizar na infração Ana Carla Coelho Bessa
à lei penal o mundo das oportunidades. Tal
e à prática da proximidade, assim como a
percepção só está sendo possível com a
aceitação do interdisciplinar e a ruptura com
descoberta e o desenvolvimento de novos
o modo da linguagem, além do temor com
sentidos no campo da humanização das
a perda dos espaços de poder, são, dentre
relações interpessoais.
tantos outros, fatores adversos à inovação, à
abertura de novas fronteiras e ao aceite da A validação da experiência de Porto Dentre os valores fundamentais da a superação dos erros do passado e para a
mudança. Alegre está inconclusa. Encontra-se como Justiça Restaurativa, encontra-se a aceitação emancipação do sujeito.
atividade em prospecção. Para a superação compartilhada, voluntária e ativa da
A experiência do Ministério Público, Antes do surgimento do Direito da
do estranhamento, da suspeita, da incerteza, responsabilidade pelo delito cometido e por
no particular, extrapola a rotina e invade o Criança e do Adolescente, esta população
do preconceito, como ocorre nas primeiras atenuar suas consequências. Tal aceitação é
tema das decisões estratégicas. E se há algum esteve por longo período submetida ao
visualizações do emergente, um olhar de reintegradora e transformativa para todos
destaque de mérito, é possível dizer que a paradigma retributivo do Direito Penal. No
respeito às necessidades e à condição de aqueles envolvidos no ato infracional.
viabilização da experiência só está sendo Brasil, após um período de indiferenciação
contribuir dos diretamente interessados
possível pela postura corajosa e pelo apoio Em sua obra “Trocando as Lentes”, com os adultos, a doutrina da situação irregular
auxilia na compreensão dos sentidos. Dentre
incondicional de magistrados e membros do Howard Zehr chama atenção para as questões partiu para o extremo oposto de conceder a
as descobertas, a possibilidade da superação
Ministério Público e da Defensoria Pública com referentes à responsabilização do ofensor esta população um tratamento de natureza
da mediocridade do encarceramento ou
atuação na Justiça Juvenil de Porto Alegre. perante aqueles que foram atingidos, direta assistencialista e curativa, o que reforçou a
do descrédito das medidas de meio aberto,
A mudança do fluxo operacional, acertada ou indiretamente pelo delito: “Quando um exclusão social dos mesmos.
prenhes de verticalidade e de relações de
em termo de cooperação interinstitucional,13 dano ocorre, o causador precisa responder
poder. A legitimação da experiência desafia, Hoje, a Constituição Federal de 1988
ainda em fase de ajustes e de confirmação, pelo que fez vendo as consequências naturais
assim, no centro da busca por justificativas, a propicia ao adolescente a quem se atribui
indica, por si, o espírito da interlocução. No de seus atos. Isto significa compreender
atenção às necessidades e à horizontalidade a prática de ato infracional uma legislação
entanto, o ajuste das conveniências, inclusive e reconhecer o dano e agir para corrigir a
dos relacionamentos. É o cerne do garantista que, se por um lado estabelece a
as de natureza gerencial, só passou a vingar situação”.
apreendido. Pessoas, além de carne e osso, excepcionalidade e a brevidade da medida
na medida da ressignificação do próprio
são constituídas de sentimentos. Escutá-los À primeira vista, as palavras de privativa de liberdade à população em apreço,
sentido da palavra justiça, aqui entendida na
a respeito deveria ser a questão primeira de um dos pioneiros da Justiça Restaurativa, por outro lado utiliza o sistema acusatório,
expressão levinasiana de justiça como direito à
toda e qualquer teoria de justiça. reconhecido mundialmente por sua pesquisa de tradição retributiva, nos procedimentos
palavra.14 E seria necessário dizer mais?
e trabalhos no tema, parecem contradizer o que antecedem a aplicação das medidas
paradigma restaurativo, o que com certeza socioeducativas.
não ocorre. Aqueles que atribuem o termo
As formalidades dos atos processuais
“responsabilização” um significado ligado ao
13 definidos pela legislação pertinente, ao
Trata-se de Termo de Cooperação firmado em abril de 2010 pelas autoridades de cúpula do Sistema de Justiça (Poder Judiciário, procedimento acusatório e punitivo, estão se
Ministério Público e Defensoria Pública) e do Governo do Estado, com a intervenção da Secretaria de Reforma do Judiciário do oferecer proteção do adolescente em razão
Ministério da Justiça, que considera o fluxo operacional, pactuado entre Magistrados e membros do Ministério Público no exercício referindo ao paradigma retributivo da justiça,
de sua condição de menoridade, impedem
de suas funções perante a Justiça Juvenil de Porto Alegre, como o documento hábil para o registro dos atendimentos diretamente ao passo que, dentro do contexto da Justiça
nas comunidades. qualquer aproximação, em juízo, com as
Restaurativa, assumir a responsabilidade
14
Sobre os fundamentos da Justiça Restaurativa na perspectiva da ética da alteridade, ver KONZEN, Afonso Armando. Justiça pessoas atingidas por seu ato. E mesmo
Restaurativa e Ato Infracional: desvelando sentidos no itinerário da Alteridade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. pelos próprios atos é condição decisiva para
quando existe algum tipo de relação

16 17
Após o período de internação, o Howard Zehr completa sua
adolescente sai do Centro Educacional com exposição do compartilhamento nas Práticas
a identidade pessoal e social de “infrator”, Restaurativas quando o anuncia como uma
estigma que poderá ser assumido por ele “terceira dimensão” na responsabilização
no seu retorno à vida social, pela prática de do ofensor: “Os ofensores devem responder
outros atos infracionais e, consequentemente, pelos seus atos, mas a sociedade também.
a novas internações e ao ingresso no mundo A sociedade deve responder às vítimas,
do crime na vida adulta. ajudando a identificar e atender suas
necessidades. Da mesma forma, a
Sob a ótica das ciências sociais,
comunidade deve atender às necessidades
não se pode deixar de considerar que o
dos ofensores, buscando não apenas
contexto de vida do adolescente que chega
restaurar, mas transformar. A
à internação é, na maior parte das vezes,
responsabilização é multidimensional e
deficiente, tanto no aspecto psicossocial,
transformadora”.
quanto econômico, familiar e educacional.
Porém, a posição que se defende neste A responsabilidade compartilhada
artigo é de que nenhum dos mencionados se concretiza na participação voluntária do
contextos são determinantes para a prática ofensor e da vítima no Encontro Restaurativo,
continuada de atos infracionais por parte de bem como nos Círculos Restaurativos
adolescentes, mas podem chegar a contribuir realizados entre o ofensor e outras partes
para que esta população, reconhecida como interessadas nas consequências do ato
pessoas em desenvolvimento, façam uma infracional, como a família e a escola.
resiliente passagem da heteronomia, para a
Esse momento é proposto como uma
autonomia.
oportunidade de expressar sentimentos,
Sem negar a importância do possíveis causas e consequências do
continuada entre ofensor e vítima (trabalho, ofensor e como ele se sente a respeito do ato sistema socioeducativo como resposta ao fato ocorrido, sobretudo como modo de
escola, vizinhança, etc.) ou a sua família, infracional cometido. cometimento do ato infracional, no caso se construir “Resultados Restaurativos”,
estes atores estão centrados na decisão dos egressos das medidas socioeducativas, fortalecendo a coesão da comunidade e
Frequentemente, a medida de
do judiciário, cujas consequências já estão a Justiça Restaurativa se apresenta como promovendo a paz social.15
internação é recebida pelo adolescente e/
previstas no direito positivo. proposta de apoio à reintegração dos mesmos
ou por sua família como uma mera punição, O compartilhamento de
na vida social, sendo a responsabilização um
Ofensor e vítima não tem oportunidade ou até mesmo como injustiça, impedindo responsabilidades entre aqueles que
valor decisivo à sua consecução.
de saber nada além do depoimento das partes, o encerramento de conflitos subjacentes foram envolvidos, direta ou indiretamente,
limitando-se a expressar os fatos referentes à infração cometida, os quais por vezes A responsabilização de que trata a nas consequências dos atos infracionais
ao enquadramento legal da ocorrência. No chegam a prolongar-se em retaliações Justiça Restaurativa neste artigo, consiste apresenta-se como forma de responder àquilo
entanto, o ato infracional pode ser o desfecho mútuas. Existem ainda os que a recebem com no envolvimento consciente e resposta que a vida lhes solicita hoje, como aspecto
de um conflito cujas raízes são bem anteriores, indiferença, de modo que chegam encarar ativa do adolescente egresso do sistema essencial de sua existência e de decidir o que
no caso de relações preexistentes, e terão como banalidade sucessivos retornos aos socioeducativo na restauração de suas precisa ser feito dali por diante.
consequências bem prolongadas no caso de Centros de Internação. relações com aqueles que, direta ou
relações continuadas entre os protagonistas Durante os Círculos e Encontros
indiretamente, foram atingidos pelo seu ato
Assim, apesar dos esforços Restaurativos, ofendido, ofensor e a
do fato. infracional, mas também com a comunidade,
empreendidos pelo Estado para que a medida comunidade podem expor seus sentimentos
com a sociedade em geral e consigo mesmo,
O procedimento jurídico previsto socioeducativa de internação resulte na e entendimento acerca do fato, bem como
permitindo a reconstrução da sua vida e da
na legislação pertinente e a medida ressocialização de adolescentes que cometem suas expectativas para o futuro. O ofendido
sua história em uma direção inteiramente
socioeducativa da internação, oferecida pelo ato infracional, a reiteração e a reincidência pode pretender explicações sobre a conduta
nova.
Estado como resposta ao ato infracional, ainda são a mais frequente resposta daqueles do adolescente, reparação econômica,
não têm o condão de eliminar as perguntas que passam por ela sem a ressignificação de
não realizadas nas audiências, mas que sua história, nem a construção de um projeto
costumam ocorrer no imaginário das vítimas de vida oposto àquele que lhe introduziu no 21
ONU. Conselho Econômico Social. Resolução nº 12/2002. 37ª Sessão Plenária. 24 de julho de 2002. Tradução Livre por Renato
Sócrates Gomes Pinto. Disponível em: http://www.justica21.org.br
e/ou sua família, que dizem respeito à vida do delito.

18 19
devolução da coisa, reparação moral, ou
até mesmo a promessa de não mais ser Referências
molestado.

No Judiciário e na Comunidade:
Dos diálogos, encontros e círculos
restaurativos espera-se que a vítima e os BESSA, Ana Carla Coelho. Justiça
Restaurativa para o Adolescente em

Possibilidades reais de
outros envolvidos possam reconhecer o
ofensor na sua realidade de pessoa humana Conflito com a Lei no Brasil. Dissertação
e este chegue a experimentar a vergonha de Mestrado. Programa de Pós Graduação

implementação da Justiça
reintegrativa, que consiste no encontro em Direito Constitucional, UNIFOR,
profundo do indivíduo com a sua identidade 2008. Disponível em: http://www.

Restaurativa em Porto Alegre/RS.18


ética.16 dominiopublico.gov.br/

O acordo restaurativo, resultante do BRAITHWAITE, John. Crime, shame


diálogo concede ao autor do ato infracional and reintegration. Cambridge: Cambridge
University Press, 1989. Fabiana Nascimento de Oliveira
o reconhecimento de que o processo e seus
resultados foram justos, e ainda ir além do BRANCHER, Leoberto Narciso.
que o judiciário lhes impôs, assumindo Justiça, responsabilidade e coesão social. O presente artigo está vinculado de forma direta com a trajetória
condutas posteriores que alcancem o mundo Slakmon, Catherine; Machado, Maíra acadêmica e profissional da autora, por dedicar-se ao estudo do tema da Justiça
da ética, pela consciência de si, do outro e de Rocha; Bottini, Pierpaolo Cruz (Orgs.). Restaurativa no Mestrado e no Doutorado e por integrar desde 2005 a equipe
sua inserção na sociedade.17 Novas direções na governança da justiça responsável pela implementação da proposta em Porto Alegre/RS, no âmbito
e da segurança. Brasília-DF: Ministério da do Poder Judiciário e posteriormente nas comunidades do mesmo município.
Em conclusão, as práticas de A autora relata a experiência vivenciada e aponta alguns caminhos para
Justiça Restaurativa, quando aplicadas Justiça, 2006. pp. 667-692.
facilitar o processo de implementação da Justiça Restaurativa em diferentes
com o adolescente egresso do sistema KONZEN, Afonso Armando. contextos.
socioeducativo, contribuem para a inversão Pertinência Socioeducativa: reflexões sobre
da responsabilização imposta pelo paradigma a natureza jurídica das medidas. Porto
punitivo do direito, substituindo-a por uma Alegre: Livraria do Advogado, 2005. Palavras-chave:
assunção voluntária de responsabilidades
que é voltada para o futuro, compartilhada MORRISON, Brenda. Justiça Justiça Restaurativa, Implementação, Poder Judiciário, Comunidades.
com todos os envolvidos no delito e nas Restaurativa nas escolas. In: SLAKMAN,
suas consequências, gerando a oportunidade C; DE VITTO, R; PINTO, R. Gomes (Org.)
de emancipação para o adolescente e a Justiça Restaurativa. Brasil: Ministério da
integração de todo o corpo social. Justiça, PNUD, 2005.
ONU. Conselho Econômico Social.
Resolução nº 12/2002. 37ª Sessão Plenária. A implementação da Justiça de Porto Alegre, considerados de maior
24 de julho de 2002. Tradução Livre por Restaurativa no Estado do Rio Grande do vulnerabilidade social e com índices mais
Renato Sócrates Gomes Pinto. Disponível Sul ocorreu inicialmente no Poder Judiciário. altos de violência - regiões da Lomba do
em: http://www.justica21.org.br Acesso Esta proposta foi instaurada através do Pinheiro, Bom Jesus, Cruzeiro e Restinga,
em:18/10/2011 Programa Justiça para o Século 21, no âmbito foram criadas as CPR´s COM – Centrais de
da socioeducação, envolvendo adolescentes Práticas Restaurativas das Comunidades,
SARAIVA, João Batista Costa.
autores de atos infracionais que ingressavam com o objetivo de oferecer formação a
Adolescente em Conflito com a Lei. Da
16
BRAITHWAITE, John. Crime, shame and reintegration. no Sistema de Justiça da Infância e da comunidade e atendimento a adolescentes
Indiferença à Proteção Integral. Porto
Cambridge: Cambridge University Press, 1989. Juventude, especificamente em Porto Alegre. autores de atos infracionais.
17
BRANCHER, Leoberto Narciso. Justiça, responsabilidade Alegre: Livraria do Advogado, 2009
No âmbito da Comunidade, a iniciativa partiu
e coesão social. Slakmon, Catherine; Machado, Maíra Rocha; Esse processo teve por base a
Bottini, Pierpaolo Cruz (Orgs.). Novas direções na governança ZEHR, Howard. Trocando as Lentes: do Ministério Público e foi implementada a
Justiça da Infância e da Juventude, sendo
da justiça e da segurança. Brasília-DF: Ministério da Justiça, um novo foco sobre o crime e a justiça. partir de 2010, em quatro bairros da cidade
2006. pp. 667-692. que esta se constituiu como o ponto de
Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo:
Palas Athena, 2008, p. 189 18
Trabalho apresentado no II Congresso Internacional de Mediação e Justiça Restaurativa, realizado em Lisboa/Portugal, em
Out/2011.

20 21
No Eixo Atendimento, o Programa COM estão situadas nos espaços da ACM –
Justiça para o Século 21, orienta que sejam Associação Cristã de Moços, Organização
realizados os Procedimentos Restaurativos,20 não governamental de Assistência Social
que são desenvolvidos pelas equipes das e de Atividades Educacionais. Nos dois
CPR´s – Centrais de Práticas Restaurativas. âmbitos, Judiciário e Comunidade, utiliza-se
Estas centrais se constituem por serviços a metodologia da CNV – Comunicação Não
interinstitucionais que desenvolvem Práticas Violenta para conduzir os procedimentos,
Restaurativas, no atendimento dos com foco em adolescentes autores de
adolescentes autores de atos infracionais, atos infracionais, vítimas, familiares e
com base na Justiça Restaurativa. A primeira comunidades residentes em POA; no que
CPR que foi instalada foi a CPR JIJ – Central se refere aos tipos infracionais, no âmbito
de Práticas Restaurativas do Juizado da do Judiciário atende-se a todos, exceto nos
Infância e da Juventude de POA, funcionou casos de violência sexual intrafamiliar, e
enquanto um projeto desde o ano de 2005 até no âmbito da comunidade, casos de menor
2010, quando através da Resolução 822/2010 potencial ofensivo.
do Conselho da Magistratura, de 29/01/2010,
Percebe-se que a experiência de
foi “institucionalizada” pelo Tribunal de
implantação da Justiça Restaurativa no âmbito
Justiça, passando a ser um serviço do Poder
do Poder Judiciário e nas Comunidades de
partida, para a divulgação e difusão à rede o tema. Movimento este, necessário, tanto Judiciário.
Porto Alegre/RS tem se constituído em uma
de atendimento ao adolescente em conflito no Judiciário, quanto na Comunidade. O Esta CPR JIJ tem competência para possibilidade real que vem se concretizando
com a lei, e também para a comunidade, planejamento desta implantação teve muitos atender situações que ingressam no Sistema ao longo dos últimos seis anos, tendo em
com vistas a irradiar benefícios no âmbito de pontos em comum, nos dois contextos, de Justiça da Infância e da Juventude, vista a necessidade de promover a resolução
outras políticas públicas, como Assistência, mas, em função das peculiaridades de cada através do Projeto Justiça Instantânea, de conflitos, violências e crimes de uma outra
Educação, Saúde e Segurança. Dessa forma, um, foram apresentando-se diferenças, as instância do Poder Judiciário situada forma e que produza mais sentido na vida
o movimento inicial, que partiu do Judiciário, quais foram percebidas pelo grupo, e junto ao CIACA – Centro de Atendimento das pessoas. Cabe afirmar que esse processo
posteriormente se instala nas Comunidades, valorizadas. Integrado da Criança e do Adolescente; pelo é longo e desafiador, e não ocorre de forma
tendo a base da experiência anterior. A Projeto Justiça Juvenil, fase do processo de rápida e linear, ao contrário, por ser pautado
No Eixo Formação, foi organizado
importação da experiência para este novo conhecimento, e pela 3ª Vara da Infância e por uma nova lógica em função dos princípios,
um conjunto de atividades objetivando que
locus, esperava levar adiante a qualidade da Juventude, fase da execução da medida pressupostos e valores da proposta da Justiça
a proposta da Justiça Restaurativa fosse
impressa e os resultados obtidos pelo socioeducativa, ambos situados no Foro Restaurativa, os promotores da ação devem
disseminada, multiplicada, e também para
Sistema de Justiça no protagonismo de Central de POA. Na comunidade, as CPR’s ter a persistência, que uma transformação
subsidiar a formação das equipes das Centrais
implementação dessas práticas. COM,21 estão situadas em locais viabilizados deste porte suscita.
de Práticas Restaurativas. Dentre estas
Essa tarefa exigiu cuidado e uma atividades, pode-se mencionar a realização pelas instituições executoras do Projeto
Sabe-se que, quando se fala em
articulação pautada em três eixos: Eixo de: - Curso Intensivo de Justiça Restaurativa, do Ministério Público, considerados como
Justiça Restaurativa, não existe uma receita,
de Gestão, Eixo de Formação e Eixo de em que se abordou a parte teórica do tema; espaços de conhecimento e vinculação
uma indicação relativa ao modo de proceder,
Atendimento. No que se refere ao primeiro - Curso de Formação de Coordenadores, em da comunidade. Na região da Lomba do
mas a vivência junto a estes processos
eixo, formaram-se grupos gestores em que foi trabalhada a parte prática da Justiça Pinheiro a CPR COM está situada junto ao
de implantação no Poder Judiciário e nas
cada uma das iniciativas, envolvendo Restaurativa; - Reuniões entre as equipes de CPCA – Centro de Promoção da Criança e do
Comunidades de Porto Alegre facultou dizer
Juízes; Promotores de Justiça; Defensores atendimento; - Supervisão com consultor Adolescente, entidade socioassistencial com
sobre alguns elementos chave que devem ser
Públicos; Técnicos do Poder Judiciário e do em Justiça Restaurativa; - Grupos internos ações socioeducativas; no Bairro Bom Jesus,
considerados. Primeiro, seria viável definir
Ministério Público; Parceiros Institucionais de auto-supervisão; - Participação das junto a Escola Municipal Nossa Senhora de
um Grupo Gestor para pensar em conjunto
oriundos das políticas de Educação, equipes no Núcleo de Estudos e no Fórum Fátima, na Vila Cruzeiro e na Restinga as CPR’s
Assistência, Segurança, Saúde; e parceiros de Pesquisadores em Justiça Restaurativa da 18
Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul.
Individuais que se agregaram ao grupo. O Escola da AJURIS19 ; - Participação sistemática 19
Procedimentos Restaurativos dividem-se em três etapas: Pré-círculo (momento inicial onde se escuta sobre o ato infracional
objetivo do grupo seria de dialogar sobre em diversos eventos, como Conferências, ocorrido, verifica se o ofensor assume a autoria do fato, conversa-se sobre a voluntariedade na participação, explica-se sobre a proposta
da Justiça Restaurativa e também esclarece sobre como será o Círculo Restaurativo); Círculo (encontro entre os envolvidos na situação
o processo de implementação, definir Congressos, Seminários, Palestras e Oficinas de conflito, violência ou crime, onde será promovido o diálogo sobre as consequências do fato na vida das pessoas, esclarecimento
fluxos e procedimentos, planejar as ações, que se propunham a dialogar sobre o do que ocorreu e o que se pode combinar para que cada um se co-responsabilize e fique melhor no futuro) e Pós-círculo (encontro
posterior ao círculo, onde se verificará como está cada participante e o cumprimento das ações combinadas no círculo)
aprofundar o conhecimento e estudo sobre tema. 21
Central de Práticas Restaurativas da Comunidade.

22 23
sobre o processo de implementação; entre outras pessoas da mesma comunidade
segundo, definir o foco da implementação, pessoal, institucional, sem a necessidade de
se terá formação, atendimento, ou ambos; encaminhá-los para Delegacias da Criança e

A contribuição das
terceiro, definir o locus da aplicação e o do Adolescente.
segmento populacional a ser atingido; quarto,
É correto afirmar que os conflitos
em caso de formação definir objetivo, tipo

práticas restaurativas no
existem, mas que se pode lidar com eles de
de atividade e conteúdo a ser ministrado; forma positiva e transformativa. Que existem
quinto, em caso de atendimento definir também, outras formas de resolução de

exercício democrático
formato do Procedimento Restaurativo, conflitos, e estas podem ser aprendidas por
metodologia a ser utilizada. Além disso, todos: crianças, adolescentes e adultos.

da participação:
ao implementar estas ações, deve-se ter a
consciência da necessidade da constante Para tanto, como desafio permanente,
avaliação, no intuito de andar “par e passo” compreende-se a importância de buscar e

Criatividades e Justiça Social.


com o que está se propondo, sem esquecer viabilizar processos de Justiça enquanto
dos pressupostos, princípios e valores da valor através da vivência dos princípios,
Justiça Restaurativa. regras e métodos da não violência. Dessa
forma, a Justiça Restaurativa tem se Isabel Sousa
Considerando as experiências constituído em um caminho possível
práticas desenvolvidas nas centrais, pode-se para a construção de uma Cultura de
mencionar que nas situações em que foram paz, pois incorpora tais valores que O presente artigo visa provocar possibilidades de exercício democrático da
realizados Procedimentos Restaurativos, os participação em situações de conflito, envolvendo especialmente adolescentes
são essenciais, como a participação, o
conflitos permaneciam arraigados entre os e jovens, como forma de reinventar realidades mais justas e promover uma
diálogo, a igualdade e a inclusão, e em
participantes, sem solução, causando um cultura de paz.
um terreno fértil para restaurar relações,
mal-estar, que tomava proporções cada vez
através da responsabilização participativa e
mais sérias e os envolvidos não sabiam como
coletiva.
gerenciar essa questão nas suas vidas. O Palavras-chave:
que se torna real frente a participação nos
Procedimentos Restaurativos é que, esses Práticas Restaurativas, Justiça Social, Paz.
processos, além de facilitar a resolução dos
conflitos emergentes, produziam um caráter
pedagógico no sentido de mostrar aos
participantes que a escolha da forma de agir
sempre será deles, mas que existem outras
Referências
possibilidades para resolverem seus conflitos
A reflexão sobre os avanços variável e relaciona-se com os contextos de
de uma forma menos violenta. GROSSI, Patrícia Krieger, normativos no tema da promoção, defesa vida familiar, econômico, afetivo em que
Que pode ser possível minimizar, ou
AGUINSKY, Beatriz Gershenson, SANTOS,
Andréia Mendes. A Construção da Cultura e controle social dos direitos de crianças tais sujeitos estão significando suas vidas. A
quem sabe acabar com sentimentos que de Paz através de Práticas Restaurativas e adolescentes nos remete a contínua habitabilidade enquanto direito que se refere
cotidianamente nos deixam mais fragilizados, nas Escolas de Porto Alegre: Desafios criticidade quanto a sua efetivação e os ao desenvolvimento e garantia da saúde
como a sensação de medo e insegurança, e a e Perspectivas. Disponível em: www. limites institucionais no contexto dessa física e mental das pessoas, em especial
atender as necessidades produzidas por estes pitangui.uepg.br/nep/biblioteca/Paz. sociedade, e dessa cidade, que (re)produz deste grupo etário, compreende a construção
sentimentos, a partir do momento em que se restaurativa.pdf Acesso em Set/11.
violências, alimenta uma demanda por cotidiana, pelos poderes competentes e a
consegue estabelecer um diálogo com o outro PENIDO, Egberto de Almeida. Justiça uma ordem social injusta e que preza sociedade civil de espaços seguros, como
e compreendendo-o enquanto ser humano e Educação: parceria para a cidadania em pela privação da liberdade. Neste mesmo escola, equipamentos públicos de lazer,
que produz erros, mas que também pode heliópolis/SP: a imprescindibilidade entre
Justiça Restaurativa e Educação. Disponível cenário, existem vozes e ações de resistência esporte e cultura, bem como o estímulo
acertar. experienciadas por coletivos, organizações a experiências de mobilização social de
em: www.ibjr.justicarestaurativa.nom.br
Que pode ser possível, através da Acesso em Set/11. de direitos humanos, familiares, adolescentes adolescentes e jovens, para que possamos
Justiça Restaurativa, enfrentar, resolver, e jovens organizados ou não. recriar alternativas a realidades injustas e
DEBONI, Vera L. Relatório da CPR
e até mesmo estancar conflitos, que por JIJ 2011. Documento interno do Juizado da desiguais.
As práticas de sociabilidades juvenis
muitas vezes ampliam-se e disseminam-se Infância e da Juventude de POA/RS.
no modo como se vivencia a cidade é

24 25
No contexto cearense em que cerca e desresponsabilização do Estado e da de Direitos com este público reverbera na consumo26 que nos atenta a toda momento,
de 1010 adolescentes, a maioria do sexo sociedade no dever de contribuir na garantia defesa, especialmente pelos atores juiz e gera expectativas, sonhos frustrados, e uma
masculino, encontram-se cumprindo medidas de direitos sociais deste público, assim como promotor de justiça, da aplicação das medidas descrença nos poderes públicos constituídos,
socioeducativas privativas de liberdade, para reforçar o imaginário de que os agentes socioeducativas privativas de liberdade diante como a polícias e a escola.
segundo dados de setembro de 2011, da de segurança pública devem “endurecer” suas do ato infracional cometido pelo adolescente,
posturas para promover a segurança para Nessa mesma realidade, temos
Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento que não dialogam com as necessidades e
todos e todas. organizações de jovens, pautando e exercitando
Social, o discurso midiático reforça um falso demandas sociais dos sujeitos envolvidos em
outras práticas de sociabilidades, em que o
sentimento de irresponsabilização destes situações de conflito e/ou violência.
Creio ser importante percebermos que anseio pela paz, pelo “estar bem”, diante das
sujeitos.22 Nesta “conta” ainda não se encontra
todos e todas almejamos morar em locais Aos estudiosos, e àqueles que expectativas de um futuro feliz e realizável, se
os adolescente que cumprem a medida de
seguros, em que possamos, com criatividades, convivem diariamente com adolescentes faz presente e paupável em diversos espaços
semiliberdade, também prevista no Estatuto
ousadias, perseguir sonhos e objetivos em e jovens que cometeram ato infracional, é de nossa cidade, promovendo iniciativas que
da Criança e Adolescente, cerca de 682
nossas vidas. Ocorre que precisamos, todos triste e real constatar trajetórias de vão de encontro à indiferença que o sistema
adolescentes e jovens.23
e todas, conforme Bauman25 nos provoca, situações de conflito envolvendo sua sociocultural “pegue e pague” nos impele a
Vivenciamos um cenário em que enxergar a liquidez que desenvolvemos em vida, e a resposta do Estado e da ter inicialmente.27
adolescentes e jovens, pobres, são alvos nossas relações pessoais e sociais, em que sociedade como um todo configura o
cotidianamente da violência institucional, as categorias do consumo, do descartável, despreparo que temos para lidar positivamente
As práticas restaurativas na resolução
doméstica, comunitária, resultado também de se tornam imperativos em nossas buscas por com as necessidades de adolescentes e de conflitos são uma tentativa de se buscar,
conflitos entre “gangues”, promovendo índices felicidade, justiça, paz. jovens. a partir das potencialidades, capacidades
de letalidade que desenham um cenário de individuais e coletivas o exercício autônomo
Apresento como necessário pensar Importa destacar que as ausências, e positivo na resolução de conflitos, de
barbárie que as “Fortalezas” do nosso dia a dia
pistas explicativas acerca das motivações de tempo, carinho, afeto, amor, amizade, forma que as necessidades individuais e
vivem.24 Todos os dias, morrem adolescentes
e argumentos expressos no discurso da conjugado com os anseios desenfreados pelo
e jovens em nossa cidade, no confronto com
segurança, da defesa social, e da “proteção”
as economias das drogas, com a violência 22
Para saber mais sobre como a mídia hegemônica aborda os temas relacionados aos direitos de adolescentes e jovens acessar o
de adolescentes ameaçados de morte ou sítio eletrônico da Rede Andi.
institucional, em conformidade com “as leis
em situação de drogadicção utilizados, 23
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a possibilidade de responsabilidade ao adolescente que cometer algum ato
e os costumes” assumidas por um grupo de
especialmente, por atores do Sistema de infracional; no caso de crianças o procedimento cabe ao Sistema Protetivo, envolvendo Estado e sociedade.
pessoas. 24
Sobre violências, juventudes em Fortaleza ler: Cartografia da Criminalidade, organizado pela Fundação Universidade Estadual
Justiça. Não existem dados oficiais do Ceará.
Poderíamos aqui falar de como sistematizados no Ceará que relacionem o 25
Ler de Zygmunt Bauman, “Modernidade Líquida e “Vida Líquida”.
esta realidade, tal qual o modelo atual uso abusivo de drogas e a prática de atos 26
Sobre isso ver documentário “Criança, a alma do negócio”, disponível no youtube.
de responsabilização, contribui para, de infracionais, no entanto a aproximação 27
Poderia aqui citar as diversas experiências de organização das juventudes, como a Força Hip Hop, Central Única das Favelas,
empírica de atores do Sistema de Garantia Mh20, Movimento Monitoramente Jovem da Política Pública, Caravana da Periferia, Rede Orçamento e Participação Ativa, pastorais
um lado, perpetuar um descompromisso das juventudes etc.

26 27
sociais possam ser expressas, visibilizadas, As práticas restaurativas
atendidas. Desta forma, estaremos compreendem uma imensidão de

Adolescentes, atos infracionais


promovendo corresponsabilidades efetivas metodologias, em constante construção,
diante de situações de conflitos. que visam possibilitar a conexão entre as

e valores humanos:
pessoas, por meio dos sentimentos, das
Para isso temos que reafirmar
necessidades básicas, dos significados
que os conflitos fazem parte da condição
culturais construídos, promovendo espaços

da consciência do bem
humana nas tessituras sociais que
de pactuação coletivas e de exercício de
costuramos. Estes conflitos podem ser
valores, como a solidariedade e a alteridade,

ao fluxo incessante
potencializados no contexto socioeconômico
em especial.
desigual, conservador, segregador que
majoritariamente vivemos, mas também O paradigma ocidental do colonizador

dos desejos que os aprisionam.


podem possibilitar outras posturas por europeu, na qual os modelos de punição
parte de adolescentes, familiares, mídias, como forma de se “fazer justiça” vêm
sociedades organizadas e comunidade. demonstrando seu fracasso diante de
situações de violência, em especial entre
Valdirene Pinheiro Dias
No sistema de responsabilização
o público jovem negro. Todos nós somos
tradicional, os conflitos escolares, podem
vítimas e autores da violência, não
resultar em medidas punitivas, que vão
necessariamente precisamos de
desde advertência a suspensão, bem como O presente trabalho se constitui em uma pesquisa empírica sobre a
enquadramentos legais para que possam nos
as situações de violência, listadas no Código correlação entre a autoria de atos infracionais praticados por adolescentes e os
“vigiar e punir”, como Foucault nos alertou.
Penal, podem repercutir em processos valores humanos. O interesse por essa temática surgiu de uma reflexão vivida
É preciso nos darmos conta de como as
judiciais, que em nada podem contribuir para por uma educadora, que, por ter trabalhado no atendimento a adolescentes
relações de poder podem ser prejudiciais no
identificar e dialogar com as causas de muitos em cumprimento de medidas socioeducativas no Piauí, mantém viva a ânsia e
convívio societário, em que os pactos sociais,
conflitos e situações de violência. Neste o desejo de compreender verdades até então inapreensíveis à sua percepção,
por uma sociedade fraterna e solidária não se
sentido, os processos judiciais, seletivos, não entre elas, delinear contornos sobre a percepção de adolescentes em contextos
fazem presentes no cotidiano. As expressões
alcançam a totalidade dos atos infracionais, sociais e históricos distintos, e assim poder capturar a constituição desses atores
do corpo e da alma negadas, e que não
somente aqueles registrados- parafraseando a partir deles mesmos. A pesquisa foi realizada a partir de uma amostra composta
encontram nos grandes supermercados suas
o jurista Nilo Batista- pelo sistema de justiça por 48 adolescentes na faixa-etária entre 16 a 18 anos incompletos, sendo que
terapias, aprofundam conflitos, gerando
e órgãos da segurança pública. 24 adolescentes encontram-se privados de liberdade por determinação judicial
violências, que de forma sistêmica atinge a
Com o enfoque restaurativo, podemos todos, em diferentes graus. em consequência de atos infracionais praticados. Outros 24 são alunos de uma
trabalhar uma cultura de paz que dialogue escola privada, inseridos no 3º ano de ensino médio na cidade de Teresina.
As juventudes, historicamente A metodologia constituiu-se de uma análise descritiva e exploratória, com
com a garantia dos direitos fundamentais de
ousadas, rebeldes, questionadoras, precisam abordagem qualitativa.
todos e todas, bem como a identificação dos
potencializar energias para contribuir com
sujeitos como capazes de transformar a sua
todos na tarefa histórica de perceber a
realidade vivida, sofrida, numa perspectiva
(des)ordem, subvertendo tudo aquilo que Palavras-chave:
paulo freireana. Nesta perspectiva, as práticas
nega existências dignas, e destroem
restaurativas, visam, trabalhar com Adolescentes. Atos Infracionais. Valores Humanos.
possibilidades de paz.
criatividades, os conflitos presentes nas
relações humanas, utilizando metodologias Atualmente, em que se vê passeatas,
que remontam aos convívios de tribos movimentos, organizações que gritam pela O comportamento violento aqueles referentes aos jovens causam maior
indígenas, em que as palavras de todos paz, faz-se necessário compreender que apresentado pelos adolescentes nas repercussão.
passam a ter valor, e a realidade de (re) esta luta cotidiana é travada por milhares de últimas décadas no Brasil vem ocasionando
O envolvimento de adolescentes
produção de riquezas e sentidos é percebida adolescentes e jovens, em que cada vez mais questionamentos nas mais diferentes áreas
em atos infracionais é apontado por
como fomentador de elementos conflituosos gritam por espaços de escuta, participação, do conhecimento e causando indignação
especialistas como doença psiquiátrica que
também. diálogo, reinvenção de realidades injustas; na sociedade. Percebe-se que a conduta
requer tratamento específico, e visto por
cabe a todos nós reinventarmos as gramáticas delituosa dos adultos, se comparada aos atos
uma grande parcela da população como
das relações humanas. infracionais28 praticados por adolescentes,
motivo de exclusão do meio social. O novo
tem maior relevância estatística, porém,
ordenamento legal – Estatuto da Criança e do

28 29
Adolescente - preconiza que esses sujeitos As Regras Mínimas das Nações período crucial de desenvolvimento
encontram-se em contínuo processo de Unidas Para a Proteção de Jovens Privados do ser humano. É na adolescência
As concepções de delito
formação: “são pessoas em condição peculiar de Liberdade definem jovens como pessoas que a pessoa é levada a defrontar-se
se dividem em duas vertentes:
de desenvolvimento” (BRASIL, 2004, p. 35); com idade inferior a dezoito anos. No Brasil, com questões fundamentais.
as concepções ontológicas ou
sendo assim, têm primazia de proteção e de acordo com o ECA, as pessoas com
construtivistas que entendem essa
socorro em qualquer circunstância. inerente ao ser, ou seja, como parte
idade entre doze e dezoito anos de idade
constitutiva da natureza humana e são consideradas adolescentes. Com base Nessa fase, os jovens buscam a sua
Em face de um delito cometido por
as concepções socioconstrutivistas, nessas definições, no presente texto, ambos autonomia.
esses atores, os meios de comunicação
que entendem o delito como um os termos estão utilizados para designar a
atuam no sentido de fazer fluir uma onda “Nesse processo eles se
processo socialmente construído, mesma categoria.
de comoção, indignação e clamor na procuram, se experimentam se
sociedade, além de causar a sensação de que surge e desaparece no curso, De acordo com Colle (1996, p. 39), a confundem, e, às vezes se perdem,
impunidade, quando exibem de maneira conduta como algo da evolução adolescência não pode ser definida como podendo cair no camburão
recorrente o rigor das penas aplicadas aos histórica dos pares. um período único e inerente ao indivíduo, social”
infratores nos países anglo-saxões. Porém, mas como um processo determinado pelas VOLPI & SARAIVA, 1998, p. 49.
a situação de vulnerabilidade que permeia a Nesse contexto, realizar um estudo mudanças no ciclo de vida familiar. Ampliando
vida desses jovens torna-se visível quando acerca dessa problemática não é tarefa fácil, ainda mais o conceito numa perspectiva
as estatísticas apontam que “pessoas com uma vez que há uma enorme lacuna na psicossocial, Selosse (1997, p.46) define Somando-se às contribuições de
até 15(quinze) anos de idade representam bibliografia brasileira quanto a abordagem esse período como de transações afetivas Levisky (2000); Costa (2001), Freire (1997),
30%(trinta por cento) da população brasileira dessa temática. O que se pretende, portanto, relacionais, sociais, sociocognitivas, sexuais, Colle (1996), Selosse (2007), Volpi & Saraiva
e 45%(quarenta e cinco por cento) desses com esse trabalho, é uma aproximação com identitárias e normativas que não ocorrem (1998), é fundamental a concepção de jovem
jovens vivem em localidades com altos o leitor, através de uma reflexão vivida por sem conflito. Na perspectiva de Levisky, presente no pensamento de Abramo (1994,
índices de violência” (FERREIRA, 2003, p. uma educadora, que, por ter trabalhando no (2000, p. 102), a adolescência é a passagem p.1-28):
18). Dentro desse universo juvenil, “cerca atendimento a adolescentes em cumprimento da infância para a vida adulta, perpassada
A noção mais usual de
de 6 000 (seis mil) adolescentes encontram- de medidas socioeducativas no Piauí, mantém por mudanças biológicas e psicológicas. O
juventude refere-se a uma faixa de
se excluídos do convívio social, familiar viva a ânsia e o desejo de compreender momento da adolescência para Paulo Freire
idade um período de vida, em que
e comunitário e inseridos em programas verdades até então inapreensíveis à sua (1997, p. 12) é aquele em que a criança toma
se completa o desenvolvimento
oficiais” (BRASIL, 2005, p.12) que executam percepção; de delinear contornos sobre a conhecimento do seu passado: físico do indivíduo e uma série de
as Medidas Socioeducativas29 previstas percepção de adolescentes em contextos
mudanças psicológicas e sociais
no Estatuto da Criança e do Adolescente – sociais e históricos distintos e assim poder
Quanto mais a criança ocorrem quando este abandona a
ECA,30 em consequência de ato infracional capturar a constituição desses atores a
avalia o que ela vem sendo, o que infância para acessar a sua entrada
praticado. partir deles mesmos, não ficando presa
ela foi como criança, tanto mais no mundo adulto [...] As ações dos
exclusivamente aos atos de violência
O Piauí não foge à regra nacional, problemática possivelmente será jovens são quase sempre vistas
por uns cometidos, ou pela condição de
uma vez que se constatou um crescimento sua adolescência. Quanto menos ele como inconsequentes e desvairadas,
inclusão garantida a outros; ou seja, dar
elevado do número de adolescentes gostou de ser o que foi, tanto mais imediatistas, desvinculadas de uma
espaço para a produção de subjetividades
envolvidos com práticas delituosas de ele tende a problematizar-se dimensão de projeto e finalidade.
e assim poder perceber como a inserção
natureza grave, ocasionadas na maioria das Atualmente, é muito marcante a
desses jovens em espaços de privação de
vezes pela “ausência das políticas públicas” imagem dos jovens que assustam
liberdade ou socialmente incluídos, influi
(FERREIRA, 2003, p. 29), preconizadas no Esse pensamento de Freire é e ameaçam a integridade social;
na construção, hierarquização e prática dos
ressonante para Costa (2001) quando ele com medo e perplexidade pela
mesmo documento legal supracitado; logo, valores necessários nas relações sociais, bem
afirma que a adolescência é um período da sociedade. Nessas interpretações
será oportuno durante as discussões refletir como, se os praticam. Nessa perspectiva, se
vida humana marcado por um status entre a e abordagens parecem existir uma
tomando o pensamento de Costa (2001, faz necessário apresentar os termos: jovens,
infância e a idade adulta: certa dificuldade em considerar os
p.59): adolescentes e valores humanos de forma
jovens como capazes de formular
conceitualmente organizada. O adolescente vive o “não- questões significativas, de propor
28
É toda conduta praticada por adolescente descrita no código penal brasileiro como crime ou contravenção penal. mais”, em relação à criança que foi, e ações relevantes, de efetuar uma
29
O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA é a normativa brasileira vigente que preconiza os direitos e deveres deste segmento o “ainda não”, em como: (i) plasmar relação dialógica com outros atores,
populacional, o qual está em vigor desde o dia 13 de Julho de 1990, normatizado através da Lei 8.069.
30
sua identidade pessoal e social e (ii) de contribuir para a solução dos
São as medidas aplicáveis ao adolescente que, depois do devido processo foi considerado responsável pelo cometimento de um
ato infracional. Essas medidas estão dispostas no Art. 112, Incisos I a IV do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8069 de 13 de forjar seu projeto de vida com relação problemas sociais.
Julho de 1990 (BRASIL, 2005, p. 32). ao adulto que será. Esse é, pois, um

30 31
Quando a autora se apropria do termo Os Princípios do Paradigma das Metodologia Resultados e discussões
jovem, demonstra compreendê-lo como um Nações Unidas Para o Desenvolvimento
ser em desenvolvimento que possui inúmeras Humano – PNUD pontuam a importância
produções de sentidos, movimentações de uma educação para a prática de valores A pesquisa foi realizada a partir de uma A categorização dos valores humanos
e composições híbridas e ressalta o como requisito indispensável na formação do amostra composta por 48 adolescentes do sexo hierarquizados pelos jovens apresentou-se da
estigma ao qual os jovens encontram-se caráter do indivíduo: “[...] o que cada pessoa masculino, solteiros, na faixa-etária entre 16 a forma a seguir: no grupo dos adolescentes
absorvidos. se torna ao longo da vida depende de duas 18 anos incompletos, residentes em Teresina, privados de liberdade, 33,33% apontaram
coisas: das oportunidades que teve e das porém que habitam territórios diferentes. as relações afetivas como o valor mais
Quanto aos valores, Rokeach (1973, Do total, 24 (vinte quatro) praticaram atos importante nas suas vidas, 25% valorizam
escolhas que fez. [...] Além de oportunidades
p. 18), afirma que funcionam como “[...] infracionais e foram sentenciados pela justiça a família; 16,66% valorizam a saúde e 12,5%
as pessoas precisam ser preparadas para
ferramenta essencial das condutas delitivas da infância e da juventude a cumprirem consideraram a honestidade. Os 16,66%
fazerem escolhas.” (PNUD, 1996, 32)
dos jovens como um todo [...] é através dos Medida Socioeducativa de Internação em restantes tiveram opiniões diversificadas.
valores que os jovens são capazes de fazer Diante das perspectivas apresentadas, uma instituição estadual do Piauí e o outros Quanto aos valores de menor importância na
escolhas e explicam também suas atitudes é possível reconhecer a necessidade que 24 são jovens de classe média, socialmente ordem hierárquica, a política obteve o quarto
perante a sociedade”. os jovens têm de oportunidades que lhes incluídos e que estão inseridos no 3º ano do lugar com 25%; a justiça 20,83%; a transgressão
permitam sua viabilização como pessoas; de ensino médio em uma escola da rede privada 12,5%. O primeiro valor menos importante
Para Sartre (1986, p.65), os valores
se relacionarem com pessoas significativas de ensino. foi o apreciar-se com 4,16%. No grupo dos
devem ser praticados e vivenciados no dia
e assim serem capazes de percorrerem o adolescentes socialmente incluídos, a família
a dia. “Não se ensina, apenas, aquilo que Inicialmente realizou-se contato prévio
caminho do normal desenvolvimento pessoal obteve 37,5% de pontuação, ocupando o
se sabe ou que se quer ensinar. Ensina-se com a direção dos dois centros de educação,
e social. primeiro lugar na escala hierárquica, a
aquilo que se é.” Logo, os valores são tudo o onde foi proposto o estabelecimento de
diversão ocupou o segundo lugar com 20,8%.
que pesa na hora que o ser humano tem que parcerias com as professoras de Filosofia
A responsabilidade, 16,66% foi elencada como
tomar uma decisão. no sentido de que as mesmas fizessem uma
o 3º valor mais importante e a amizade com
preleção a respeito da temática valores
8,33% ocupou o 4º lugar. Quanto aos valores de
humanos, cuja finalidade foi despertar os
menor importância. 16,71% tiveram opiniões
adolescentes acerca do conceito de valores,
diversas; 4,16% solidariedade; 4,16% optaram
bem como, o significado dos valores elencados
pelo amor e 4,16% pelas relações afetivo-
para posterior hierarquização. Na semana
sexuais. Quanto aos valores humanos de
seguinte, em momentos distintos, retornou-
menor importância a hierarquização obteve a
se aos centros educacionais onde foi possível
seguinte apresentação: liderança 29%; política
realizar-se duas dinâmicas com os grupos. A
20,83%; transgressão 16,66%; expressividade
primeira consistiu na execução e posterior
12,5%. Os 21,01% tiveram opiniões distintas
reflexão sobre duas músicas: ”Comida” e
sendo que 8,33% dos adolescentes colocaram
“Seres Humanos” de Marisa Monte e Roberto
a fé e o patriotismo como o valor de igual
Carlos, respectivamente, as quais abordam
importância, ou seja, com a mesma pontuação.
essa temática. Em seguida, os adolescentes
A transgressão foi apresentada como sendo
foram convidados a participar da dinâmica
o quarto valor menos importante, com
escada dos valores humanos37, com o intuito
4,16%.
de fazê-los ordenar hierarquicamente os
valores apresentados. Em face dos resultados obtidos,
percebe-se que em ambos os grupos,

os quatros valores considerados mais
importantes referem-se aos valores positivos;

37
Dinâmica criada e aplicada pela pesquisadora. Consiste em um desenho de duas grandes e frondosas árvores com contém
muitos frutos. Cada fruto recebe o nome de um valor humano. Os participantes, no momento da dinâmica passam a serem aves
filhotes, em pleno desenvolvimento, que naquele momento decidiram fazer descobertas, sendo que no percurso da viagem avistaram
as referidas árvores e diante das circunstâncias, da visível atração da árvore “ ?” e da segurança apresentada pela árvore “!” sentiram-
se obrigados a escolher, sendo necessário para demonstrar sua decisão, pousar em uma das duas árvores, sendo que antes do pouso
eles foram alertados que a árvore ‘!”é a árvore dos valores e a árvore “?”, a dos contra-valores. O comando foi que cada jovem colhesse
oito frutos e os organizarem nos degraus de uma escada na ordem de importância para eles. Sendo que nos quatro degraus superiores
fossem colocados os frutos mais importantes para o seu desenvolvimento social e pessoal e nos quatro últimos degraus os quatro de
menor importância.

32 33
fato que merece aprofundamento de estudo
e pesquisa, uma vez que se questiona Referências
A importância do perdão
cotidianamente se o envolvimento de
adolescentes em práticas de atos infracionais
ABRAMO, Helena W. Cenas juvenis:

na formação de educadores
está correlacionado com a ausência de
valores humanos. Sendo assim, a instituição punks e darks no espetáculo urbano. São
Paulo: Página Aberta, 1994
educativa, enquanto um dos grandes espaços

que trabalham em medidas


de promoção sociofamiliar e comunitária BRASIL. Estatuto da Criança e do
desses jovens devem atuar de forma a ir além Adolescente. Brasília. 2004.

socioeducativas.
da preocupação com a aprendizagem, com a
______ PNDU. Relatório Sobre o
aquisição de conhecimentos.
Desenvolvimento no Brasil. PNDO IDEA,
Percebe-se que se faz necessário trazer Brasília, 1996.
Maria Boonen Petronella
incessantemente, ao centro do processo COLLE, F. X. Taxomanies, Sistemes
educacional aqui visualizado, a figura do et Familles: ou les drogues recontrent les
adolescente, desse indivíduo, cuja imagem, émotions. Paris: Erès, 1996.
em sua singularidade, traz um certo tipo de Baseado nos conceitos da Escola de Perdão e Reconciliação, oriunda
totalidade existencial que só pode se construir, COHEN- Solal .Annie, SARTRE, Ivan
da Colômbia, este texto introduz a importância da temática do perdão na
em discurso possível, a partir de uma visão de Paul. 1905-1980 Sartre, São Paulo, L&PM,
1986.
formação dos educadores da medida socioeducativa com enfoque em Justiça
mundo e de homem diferenciada, produzida Restaurativa.
na dinâmica sócio-histórica, do “aqui e COSTA, Antonio Carlos Gomes.
agora” e ainda do depois, junto aos parceiros Aventura Pedagógica: caminho e descaminhos
conjunturais, portanto, dotados e localizados da ação educativa. Belo Horizonte: O Lutador, Palavras-chave:
histórica, cultural e socialmente. 2001.
Perdão, reconhecimento, justiça restaurativa, punição.
FERREIRA, Maria Dalva Macedo.
Juventude, Violência e Políticas Públicas: entre
Considerações finais o direito e a (in) justiça institucionalizada.
Programa de Pós-Graduação de Serviço Neste texto me detenho sobre o atenção e convívio, no qual adolescentes
Social. Tese de Doutorado em Serviço Social. processo formativo que o Centro de Direitos e jovens envolvidos em atos infracionais
Sem a mínima intenção de esgotar PUC. São Paulo, 2003. Humanos e Educação Popular (CDHEP), e seus familiares são acompanhados por
a gama de possibilidades que encaminham na cidade de São Paulo, está percorrendo educadores no seu próprio contexto
FREIRE, Paulo. Pedagogia da
adolescentes à prática de atos infracionais, para formar educadores e agentes que geográfico. Os jovens são encaminhados
Autonomia: saberes necessários à prática
vale sinalizar que ambos os grupos educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1999. acompanham a medida socioeducativa pela Vara da Infância e Juventude e do
pesquisados são formados por pessoas em de jovens em conflito com a lei, a partir de Departamento de Execução da Infância e
pleno desenvolvimento pessoal e social, ____________. Não Se Pode Ser Sem
procedimentos da Justiça Restaurativa. Juventude.
que conhecem e discernem sobre os valores Rebeldia. Revista Pais e Teens. Publicação
positivos e que os hierarquizam de forma trimestral do Instituto Paulista de Adolescência O CDHEP está situado numa região Os últimos anos, formando
similar, apesar de um grupo estar privado de - Ano 2, 1997. de periferia urbana com alta vulnerabilidade educadores destes centros, foram de muita
liberdade. LEVISKY, David Léo. Adolescência social, atendimento insatisfatório na área aprendizagem até chegar à concepção de
e Violência: conseqüências da realidade educacional e de saúde, baixa escolarização formação que hoje combina, de forma
Assim se torna necessário que os adultos
Brasileira. São Paulo. Casa do Psicólogo, e renda, oportunidade precárias de habitação complementar, dois caminhos. Um é aquele
sobremaneira priorizem a articulação entre
2000. e lazer, altas taxas de homicídio.38 que a maioria dos espaços que trabalham com
as necessidades dos adolescentes e as reais
práticas restaurativas utilizam: Introdução
ofertas educativas, uma vez que esses jovens SELOSSE, J. Adolescence, Violences A execução das medidas
et Déviances. São Paulo: Casa do Psicólogo, à Justiça Restaurativa, história, concepção,
buscam vias que lhes permitam encontrar-se socioeducativas, após sua municipalização,
1997. comunicação não violenta ou assertiva
consigo mesmos e com o outro, para assim é assumida pelos Centros de Medidas
serem capazes de não oscilarem entre a e treinamento em práticas de círculos
VOLPI, Mario e SARAIVA, João Batista Socioeducativas. São espaços para
consciência do bem, e do fluxo incessante dos restaurativos.39
Costa. Os Adolescentes e a Lei: o direito dos o atendimento, cuidado, referência,
desejos que os aprisionam. adolescentes, a prática de atos infracionais 38
http://www.criancaeadolescente 2007.com.br/modulo/consultas.php
e sua responsabilização. Brasília: Ilanud, 39
Uma das nossas bases é a metodologia de círculos restaurativas de Ted Wachtel do International Institute for Restorative
1998. Practices e os círculos de paz segundo a concepção de Kay Pranis.

34 35
valiosa para a transformação. Expressar ações são irreversíveis, não podemos desfazer
a dor nos torna mais humanos e ajuda a o que fizemos. Somente através do perdão
humanizar outros. A expressão da dor interior é possível desfazer os atos do passado que
é um desafio coletivo de integração dos pesam sobre cada nova geração. O perdão,
acontecimentos da vida, pois os sofrimentos desfazer-se do passado, é a possibilidade
humanos são muito parecidos e podem ser de sermos libertados das consequências de
fonte de reafirmação do humano em nós. Este nossos atos. Se não, seriamos para sempre
processo, ajuda na atribuição de significados, vítimas destes. Perdoar no presente nos
ajuda a ver o que antes não era possível ver e liberta da dominação do passado.
contribui para a transformação e integração.
O perdão permite aos educadores
Ajuda a apropriar-se das experiências e assim
sair da pressão da punição que é, de certa
se tornar mais sábios. Esta sabedoria é o
forma, uma resposta vingativa, reação a
melhor que os educadores têm para colocar a
um ato do passado que no presente impõe
serviço dos outros, especialmente dos jovens
intencionalmente um sofrimento a alguém.
com quem trabalham.
Punir é submeter alguém a sua própria
Ao mesmo tempo, a experiência da vontade. O conteúdo da punição é sempre
expressão da dor é um caminho para aliviar indesejado para o punido. Portanto, a punição
a pressão em nós o que, possivelmente, nos é uma forma violenta que tem o propósito de
torna mesmo suscetíveis para responder tornar alguém menos violento. A imposição
à violência sofrida, com outra violência. da punição faz do punido, naquele momento,
Aprender a ter o domínio das emoções permite um sujeitado a uma vontade alheia. Por causa
interromper o automatismo da agressividade desta imposição, desta submissão, é difícil
e da violência que a sociedade, de certa forma, aceitar a punição como um meio capaz de
naturalmente nos ensinou e espera de nós. reforçar a responsabilidade do sujeito e sua
Ter o domínio sobre suas próprias emoções, cidadania.
lidar com elas de forma tranquila, pressupõe
Uma pesquisa com os educadores
um trabalho intenso.
evidencia que a desconstrução da resposta
Esta tranquilidade possibilita avaliar punitiva é percebida como um exercício
nossas respostas para sermos sujeitos que demanda reflexão, desaceleração do
de direitos e sujeitos capazes, que se automatismo e diálogo para colocar-se em
responsabilizam pelos seus atos. O cerne da sintonia com o outro. Distanciar-se da punição
ideia de sujeito capaz é ser agente de suas pede uma análise complexa dos fatores
ações, pressuposto do conceito ético-jurídico associados ao contexto da família, muitas
de imputação, de responsabilização, essencial vezes vítima do sistema social. Os educadores
à atribuição de direitos e deveres. começam a suspeitar que possa haver algo de
mais humano, mais adequado à necessidade
Anterior a esta formação mais muitas vezes ofensores - somos agredidos e Ser verdadeiramente agente permite
daquele momento. Esta formação os torna
técnica, trabalhamos com os conteúdos da agredimos também. buscar novas respostas a determinadas
mais capazes de interpretar a aplicação de
Escola de Perdão e Reconciliação,40 criado situações, suportando a pressão social da
É necessário elaborar esta condição certas medidas socioeducativas como sendo
por Leonel Narvaez, da Colômbia. Optamos retribuição de culpa e optar por outro caminho.
em nós mesmos. Iniciamos com a memória punitivas, por submeterem o adolescente a
por esta via pois percebemos que a Justiça De repente, a necessidade de perdoar o
de uma agressão, a emoção que esta causou situações constrangedoras. A nova visão faz
Restaurativa pede muitas mudanças, outro e se perdoar pode ser trabalhada, por
e eventualmente nos causa. O exercício de uma leitura crítica das respostas comuns
conceituais e comportamentais, que precisam meio da consciência de ser vítima e também
atribuir nomes à dor e ao sofrimento é uma e amplia as possibilidades metodológicas,
ser trabalhadas a partir da subjetividade. agressor.
forma de reconhecê-los e expressá-los. A criando alternativas à punição.
Partimos do entendimento que a condição
palavra expressar parece ser uma chave O perdão, nesta visão, é menos um
humana nos faz ser, muitas vezes, vítimas e Trabalhar com a justiça que restaura
imperativo religioso do que uma necessidade
pede a própria transformação, pede o
humana. Hannah Arendt afirma que nossas
40
acolhimento das próprias emoções de
www.fundacionparalreconciliacion.org

36 37
raiva e da vontade de vingança, para acolher sua dor e, ao mesmo tempo, expressar
serem interrompidas e assim impedir a o próprio sentimento de insatisfação.
reprodução do círculo da violência. Este
Outra é quando o educador pode
processo de maturação e de re-conexão
favorecer o surgimento do perdão em
com a humanidade, em nós e ao redor de

Justiça juvenil
relações familiares onde há acusações mútuas
nós, permite o aprendizado e a aplicação
por acontecimentos, desentendimentos e
de técnicas e práticas restaurativas. Se os

vista com outros olhos.


problemas. A técnica do círculo restaurativo
educadores fazem a experiência de libertar-
pode possibilitar aos envolvidos perceberem
se das imposições vingativas do passado, se
a complexidade da situação, permitindo uma
são capazes de não transferir suas emoções,
revisão da simples atribuição de culpa ao Ana Karoline da Silva Bernardo
eles podem iniciar a construção de vínculos
outro. Podem permitir situar cada membro
com adolescentes e jovens e seus familiares e
da família e reforçar o seu papel e sua
podem fazer deste caminho uma nova prática
responsabilidade, sem necessariamente fazer
pedagógica.
transferências.
Esse processo formativo reforça ainda
Por fim, existe a experiência dos
a participação da família e da comunidade
familiares reconhecerem no educador
na integração do jovem. A questão do
alguém capaz de perdoar o jovem e
reconhecimento é ponto de partida e pré-
estabelecer ou reforçar o vínculo com Justiça juvenil é um meio de assim eles não se sentem obrigados
requisito para qualquer desenvolvimento
o mesmo, principalmente após alguma restauração, tanto material quanto a participar do círculo restaurativo. É
bem sucedido, não só psicológico. Somente
reincidência. Esta possibilidade reforça a emocional, para todas as pessoas envolvidas fundamental que eles se sintam à vontade
quem foi reconhecido é capaz de reconhecer.
confiança entre os familiares, que podem em atos de violência; promove a cultura de para falar o que o levou a cometer o ato
A habilidade emocional de reconhecer o outro
reorientar sua perspectiva para o futuro paz e mediação de conflito. Sendo assim, infracional e se responsabilizarem pelo erro
ajuda os educadores a colocar-se no lugar
e deixar de insistir no passado e, assim, não se pretende ser uma forma de punição, cometido.
do outro, estimula o exercício reflexivo e a
favorecer também neles o exercício do e sim de conscientizar o adolescente de que
capacidade de suspender julgamentos.
perdão. O ambiente seguro e a cumplicidade há regras para se viver em sociedade e que
Na prática, reconhecer, e se reconhecer permitem a expressão da verdadeira história Experiências do
cada ação tem sua reação. A punição não
no outro, sujeito de direito, pode acontecer do conflito, o que possibilita atuar juntos para contribui para a cultura de paz no cotidiano, conselho consultivo
ao escutar o relato do outro, ao ouvir suas a restauração. e essa cultura do medo, do discurso da
razões de pensar e de agir de determinada punição é transmitida em vários espaços,
Elaborar a dor, dar nome, expressar, O conselho de adolescentes e jovens
maneira. Ouvir as necessidades do outro é um como na família e na comunidade.
perdoar para se libertar do passado e ser é integrado à diretoria da Associação
passo fundamental para o reconhecimento
mais capaz de acolher a condição humana de Nesse cenário, temos o processo Brasileira de Magistrados, Promotores de
e, de certa forma, legitima aquilo que existe
si próprio e a dos outros, dos jovens e de seus circular como ferramenta de um processo Justiça e Defensores Públicos da Infância e
e o que o outro é e faz, sem ter que julgar.
familiares, é uma contribuição importante restaurativo, ele serve para reparar os da Juventude (ABMP). Esse grupo é muito
O reconhecimento é a expressão prática da
para o exercício da empatia. Certamente danos. O jovem conhece a vítima e a escuta, importante e faz valer o direito à participação
empatia - perceber e sentir como se estivesse
mais empatia pode garantir respostas menos e por sua vez explica o motivo do seu ato e cidadania, sendo mais uma ferramenta
no lugar do outro. Os educadores reconhecem
punitivas, menos vingativas e assim aumentar e conhece as suas consequências, se as para incrementar o protagonismo juvenil.
e se afetam com o direito violado neste outro
a qualidade e ampliar as possibilidades das pessoas estiverem de acordo e quiserem É muito importante a oportunidade que a
que está à sua frente; eles sentem com.
práticas restaurativas. Transformar-se para ABMP está dando para jovens e adolescentes
contribuir para uma restauração de vínculos
A importância e a contribuição da transformar e ser reconhecido para poder exercerem a cidadania. Conselho consultivo
entre os envolvidos e a sociedade. O
capacidade de perdão na prática pedagógica reconhecer, são capacidades subjetivas dos é um local onde adolescentes e jovens podem
objetivo é promover a cultura de paz, educar
do educador pode se manifestar de diversas educadores que precisam ser potencializados
e desafogar o sistema judiciário, mas para se expressar e dizer o que pensam.
formas. Pode ajudar na elaboração do ao longo dos processos formativos.
isso tudo acontecer todos têm que estar
sentimento de traição, de raiva, “como O grupo é composto por jovens
de acordo, ou seja, aceitarem participar
podiam fazer isso comigo?”. O olhar sobre o e adolescentes de até 24 anos e de
voluntariamente.
contexto permite certo distanciamento, o que diversas organizações governamentais
possibilita o surgimento de uma intervenção O princípio da voluntariedade é muito e não, do país. A ideia é reunir
não punitiva, pretendendo ajudar o jovem a importante para os jovens e adolescentes, jovens e adolescentes de realidades

38 39
diferentes, do Ceará. O processo acontece Fiquei muito animada com a proposta
com reuniões mensais entre os jovens de escrever as minhas experiências
participantes, com debates de temas voltados no conselho consultivo e com o tema
aos direitos da criança e do adolescente. O justiça juvenil restaurativa que tem uma

A mediação de
grupo do conselho consultivo do estado do maneira diferente de resolver conflitos:
Ceará tem em média 10 integrantes. apostam no diálogo e na negociação para

conflitos escolares e
O conselho consultivo é uma ponte prevenir e solucionar conflitos, que é
entre os jovens/adolescentes e o sistema uma forma menos agressiva de resolver

a promoção da cultura de paz.


de justiça da infância e da juventude, e conflitos.
garante o direito a participação. Tudo isto Para termos um país mais justo,
para garantir os direitos fundamentais de vamos à luta, mas não sozinhos. Vamos
crianças e adolescentes. O conselho pode
Sinara Mota Neves de Almeida
com o futuro ao nosso lado, auxiliando
propor temas para discussões em encontros, adolescentes e jovens a exercerem a O espaço escolar é considerado um ambiente propício para a socialização
seminários e congressos relacionados aos cidadania. do conhecimento, entretanto, a escola ainda se encontra despreparada para
direitos de criança e adolescentes. lidar com a violência que assola o seu cotidiano. Sugere-se, desse modo, uma
estratégia de intervenção baseada numa técnica não-adversarial - a mediação
- com vistas a possibilitar a cultura do diálogo. Convém esclarecer que a
mediação não busca inocentes e culpados, ganhadores e perdedores, tem como
pretensão trabalhar com os disputantes o enfrentamento da tensão: interação
cooperativa para descobrir alternativas criativas na solução de impasses, de
forma que não ocorra injustiça. Torna-se imperativo, por conseguinte, gerir
os conflitos eficientemente, haja vista oportunizar ações promotoras de paz.

Palavras-chave:
Escola; violência; mediação.

Violência nas escolas:


a mídia veicula imagens violentas,
algumas considerações incentivando reações ainda mais
agressivas.
No Brasil, assiste-se a uma naturalização Por conseguinte, é inevitável que essa
da violência, o que implica um processo de realidade se reflita na escola. No entanto,
desvalorização da vida. Segundo publicação essa instituição isolada de seu contexto social
feita pela Equipe de Apoio à Comissão Especial torna-se inoperante no estudo e resolução da
de Acompanhamento do Programa Estadual problemática, entendendo-se a violência como
de Direitos Humanos do Estado de São Paulo um fenômeno social. Portanto, a parceria
(1998, p. 8), com instituições e órgãos oficiais – posto de
saúde, conselho tutelar e outras instituições
O respeito à vida humana da comunidade – torna-se imprescindível para
encontra-se fragilizado pela a busca de alternativas e soluções ao combate
banalização da violência em nossa à violência, bem como à efetivação de redes
sociedade: mortes e outras violações à de atendimento.
dignidade do ser humano aumentam
em número e tornam-se cotidianas, A escola deve cumprir o seu papel
passando a ser consideradas na sociedade, não só de transmissora de
comuns. Paralelamente, os meios conhecimentos, mas realizando um trabalho
de comunicação colaboram para em conjunto com outros setores da sociedade,
o agravamento desse quadro. É o possibilitando tempos e espaços para que
que, por exemplo, acontece quando a comunidade fale, reflita e pense soluções,

40 41
e, sobretudo, aprendendo a ouvir seus Na escola, a mediação estabeleceu-se, sua viabilização, na entidade educativa, foi
alunos e considerar suas realidades sociais e em princípio, nos Estados Unidos, na década de necessário que os atores conhecessem os
culturas. 1970, durante uma grave crise escolar marcada princípios que sustentam a resolução de
pela violência. A partir daí, vários programas problemas, no caso, a mediação. Referências
Nesse cenário, faz-se necessário
de mediação foram desenvolvidos por todo o
considerar que os jovens e adolescentes são Nesse sentido, organizou-se um Curso
país, na tentativa de regular os conflitos nas
sujeitos em formação e, como medidas a de Extensão de 40h/a em convênio com a ALMEIDA, S. M. N. de. Avaliação das
instituições escolares: professores e alunos
serem adotadas, cabe à escola a organização Universidade Federal do Ceará (UFC) e parceria concepções de violência no espaço escolar
passaram a ser treinados nas técnicas de
de um projeto educativo que atenda às suas com o Ministério Público do Estado do Ceará, e a mediação de conflitos. 2009. 189f. Tese
mediação (MOORE, 1998; SCHABBEL, 2002;
aspirações e necessidades. no período de novembro e dezembro de (Doutorado em Educação) – Universidade
SIX, 2001).
2007, em sábados alternados. Participaram 50 Federal do Ceará, Fortaleza, 2009.
No âmbito escolar, o conflito se configura
A percepção positiva do conflito, como pessoas: 19 alunos, 15 professores, 1 diretor, 6
numa perspectiva negativa, apresentando- ALMEIDA, T. e BRAGA NETO, A.
oportunidade de aprendizagem e crescimento, pais/responsáveis, 8 mediadores comunitários
se, algumas vezes, como uma perturbação da Uma lei de mediação para o Brasil, 2002.
prevê uma gestão democrática, aberta a ligados à 13ª Promotoria de Justiça e 1
ordem. A maioria das instituições – e a escola Disponível: www.mediare.com.br/index/
discussões e questionamentos. Para viabilizar Promotora de Justiça. A primeira sala de
não é uma exceção – caracteriza-se por conviver htm. Acessado em 08 de agosto, 2006.
a implantação desses programas, com alguma Mediação Escolar organizada por adolescentes
com diversos tipos de conflitos, de distintas
probabilidade de sucesso e de internalização foi inaugurada em maio de 2008. ALMEIDA, T. Mediação na virada do
índoles e de diferentes intensidades.
dos princípios de cidadania implícitos nos milênio. Instituto Mediare, Rio de Janeiro,
Pode-se inferir que a prática da mediação
Deve-se, contudo, desenvolver uma conceitos que os fundamentam, faz-se 1998. Disponível em: <www.mediare.com.
envolve mudanças na conjuntura escolar. Essas
visão alternativa fundamentada na educação necessário haver consonância com a filosofia br>. Acesso em: 20 out. 2006.
transformações podem ser inovadoras, a partir
para a paz, entendendo o conflito como um que orienta o funcionamento da escola.
do momento em que se buscam modificar BRASIL. Diário oficial da União
tipo de situação, em que as pessoas ou grupos
Os conflitos na escola são os mais as estruturas de resolução de conflitos. Por (17/09/2003). Novo projeto sobre mediação
sociais buscam ou percebem metas opostas,
variados e abrangentes. Ocorrem entre alunos, conseguinte, espera-se que a mediação de conflitos é apresentado a juristas e
afirmam valores antagônicos ou têm interesses
entre alunos e professores, entre alunos e escolar, ao invés de eliminar a autoridade advogados, 2003.
divergentes. O conflito torna-se, portanto, um
pais, entre membros do corpo docente e entre dos métodos empregados pela escola na
fenômeno de incompatibilidade de choques JARES, X. R. Educar para a verdade e
professores e a administração. Entre os alunos, resolução de conflitos, possa contribuir para a
de interesses entre pessoas e grupos (JARES, para a esperança: em tempos de globalização,
vão desde os apelidos ofensivos às brincadeiras reflexão de como esses métodos são utilizados
2005). guerra preventiva e terrorismo. Porto Alegre:
insignificantes até as mais violentas, passando para acrescentar instrumentos que tornem
pela competição exacerbada nos jogos e nas democrática a tomada de decisões. Artmed, 2005.
aulas. MOORE, C. O processo de mediação:
A mediação de conflitos estratégias práticas para resolução de
No Brasil, a mediação teve início
A mediação constitui-se uma das somente na década de 1990, funcionando Conclusão conflitos. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
em instituições privadas, na categoria de 1998.
técnicas não-adversariais de resolução de
capacitação de mediadores e “agilização” de A mediação, mais do que um método
conflitos, em que um terceiro, imparcial, atua SÃO PAULO. Direitos Humanos:
processos: facilitando o trabalho do judiciário de resolução de conflitos, é uma prática
como facilitador da comunicação entre as educando para a democracia. Programa
(ALMEIDA e BRAGA NETO, 2002; BRASIL, social capaz de refazer laços afetivos,
partes em conflito, com o objetivo de encontrar Estadual de Direitos Humanos. Governo do
2003; SALES, 2003). familiares e sociais. Assim posta, promove o
uma solução amigável e satisfatória para todos estado de São Paulo, 1998.
“empoderamento” dos sujeitos envolvidos
os envolvidos no processo (ALMEIDA, 1998;
em situações conflituosas, bem como o SALES, L. M. M (Org.). Estudos sobre
ALMEIDA e BRAGA NETO, 2002).
reconhecimento mútuo e a conscientização mediação e arbitragem. Fortaleza: ABC,
Nesta perspectiva, o processo de
A Mediação escolar ampliada do conflito. 2003.
mediação cria uma oportunidade para que no Ceará
A educação sobre o conflito retrata SCHABBEL, C. Mediação escolar de
as pessoas expressem suas emoções e
A pesquisa sobre Avaliação da violência uma necessidade basilar para a cultura de paz, pares: semeando a paz entre os jovens. São
esclareçam seus sentimentos. Depois de
no espaço escolar e mediação de conflitos possibilitando uma escolarização agradável Paulo: Willis Harman House, 2002.
resolvida a confusão emocional, ou conflito
realizada por Almeida (2009), foi desenvolvida e eficaz ao desenvolvimento de relações
de ordem subjetiva, as partes podem dedicar- SIX, Jean-François. Dinâmica
numa escola pública municipal de Fortaleza onde interpessoais e comunitárias harmoniosas,
se às questões objetivas ou quantificáveis e da Mediação. Belo Horizonte: Del Rey,
um dos objetivos era implementar um modelo baseadas na tolerância e no compromisso
negociar, ficando mais simples e fácil encontrar 2001.
de mediação interpares, cujos destinatários com a justiça social.
as soluções que atendam a todos.
finais fossem os alunos. Desse modo, para

42 43
Um passo fundamental na a decidir, a refletir sobre suas escolhas, é
desconstrução de uma cultura violenta é conteúdo de sala de aula e é algo que se ensina

Justiça Restaurativa
colocar na prática uma forma de ensinar e na prática. Se é função da escola respeitar as
aprender pautada na escuta, no diálogo, na diferenças, é por meio da escuta e da livre

e Educação:
participação e na responsabilização, visando expressão, que se forma uma pessoa que
trabalhar temas próximos da realidade e da sabe dizer o que pensa e que consegue ouvir
demanda de cada grupo. pessoas que pensam de outra forma. Educar,

transformando relações
acima de tudo, é um ato político.
Há dois pontos fundamentais que

a partir do conflito.
contribuem para esta mudança. Um deles é Para se alcançar uma transformação
transitar de parâmetros baseados na punição no ambiente escolar, é preciso estimular
e recompensa para resolver situações de parcerias. Por exemplo, o diálogo entre Justiça
Mônica Mumme conflito e violência para uma lógica de Restaurativa e Educação para a Paz é um ótimo
responsabilização e reconhecimento. É abordar caminho para se investigar o que significa

as questões de indisciplina e comportamentos efetivamente respeito às diferenças e inclusão
inadequados sem lançar mão de mecanismos de todos. Neste encontro, há elementos e
Palavras-chave: de controle e exclusão, muitas vezes, realizados ações efetivas que podem criar as condições
Conflito, Aprendizado, Mudança, Novas perspectivas, Poder com, de maneira imperceptível. O outro ponto trata propícias para a transformação do ambiente
do convite às equipes gestoras das unidades escolar. É premente criar espaços efetivos
Transformações individuais e sociais; escolares a resolver as questões relacionais de participação de todos os envolvidos neste
sem judicializar situações que são do âmbito ambiente, garantindo voz e vez para que se
da escola. Neste sentido, a parceria Justiça e promova a educação como prática de liberdade
Educação se concretiza no apoio mútuo que e responsabilidade.
Após um longo caminho na busca A Justiça Restaurativa, por ter é necessário quando se trata de garantia de
É urgente sair do nível da abstração dos
por compreender, com mais verdade, o princípios reveladores de como criar direitos às crianças e adolescentes.
conceitos e exercitar novas formas, investigar
que conflitos provocam, é possível afirmar parâmetros diferentes para ressignificar Se é função da escola formar pessoas outras possibilidades. E isto só é possível
que a essência desta questão pode se relações nos distintos níveis de interação, responsáveis e conscientes de seus atos se transitarmos de uma lógica autoritária e
traduzir em três palavras: oportunidade de em processo ou rompidas, foi eleita como e atitudes, aprender a se responsabilizar, hierárquica para uma que considere o poder
transformação. referência para contribuir com a reflexão sobre
a escola como espaço em que, também, se
O conflito convida pessoas a fazerem
aprende a conviver e se estabelecer vínculos. A
um mergulho nas questões mais íntimas,
proposta é mudar os paradigmas orientadores
ou seja, em suas humanidades, encoraja a
da forma de se experimentar as relações. Esta
investigar reais sentimentos e a compreender
visão cria, gradativamente, um ambiente mais
o que efetivamente é necessário para que as
seguro, que evita a exclusão dos diferentes e
relações possam seguir com mais sentido
respeita os processos individuais e coletivos
e significado tanto em uma perspectiva
implícitos no contexto escolar.
individual como social.
Resolver conflitos e situações de
Há seis anos, o Centro de Criação de
violência tem uma dimensão mais ampla
Imagem Popular – CECIP desenvolve um
do que o aprendizado de um repertório de
trabalho na área de resolução de conflito e
práticas. É fundamental apoiar as pessoas,
violência, com especial atenção à convivência
gestores, professores, alunos, familiares a
nas instituições e com o foco mais específico
pensarem sobre a maneira como lidam com
no ambiente da escola. O que se busca
a punição e recompensa, realizarem ações
compreender é de que forma procedimentos
educativas que acolham esta outra forma de
de resolução de conflito podem criar uma
resolver conflitos, bem como desenvolverem
outra dinâmica nas relações, bem como se
uma educação pautada nos sentimentos e
pode experimentar no dia a dia a construção
necessidades.
de um senso de justiça que norteia o estar
junto, a convivência.

44 45
com o outro no processo de construção das e reconhecimento de sentimentos e
relações. Não há uma resposta pronta. A necessidades.
resposta é inédita a cada conflito e ou violência
Para tanto convidamos a todos a seguir
e ela surge do encontro entre as pessoas. Elas
um plano, considerando a competência,
sabem como resolver seus conflitos, portanto,
autonomia e pertencimento dos participantes.
impedir a violência.
Este plano é:
Então, o que se procura? Uma educação
1º nível: Inclusão dos conteúdos
voltada para as pessoas, suas necessidades
Conflitos e Violência como proposta
e que contribua para o aprendizado de
pedagógica.
habilidades e competência de uma convivência
pacífica.Uma educação que convide cada um 2º nível: Criar na escola um núcleo de
a acessar seus recursos internos na produção estudo e práticas sobre resolução de conflitos
da paz e da harmonia nas relações. e violência, que legitime a importância do
estabelecimento da Cultura da Paz e fortaleça
Uma proposta é a Educação para
e consolide as ações e atividades sobre este
a Paz, que aceita os conflitos como parte
assunto.
integrante das pessoas e suas relações.
Propõe uma revisita a todos os paradigmas 3º nível: Eleger os princípios da Justiça
que engessam as relações. Coloca a todos Restaurativa e Educação para a Paz como
como responsáveis. Educa pessoas para, de conteúdos transversais e que possam ser
forma consciente, escolherem produzir um incluído nas disciplinas da escola.
ambiente de acolhimento, seguro para que
todos compartilhem verdadeiramente seus 4º nível: Elaborar um programa
sentimentos e necessidades, aprendendo, multidisciplinar que visa incorporar à prática
no fazer, a resolver conflitos e impedindo a educativa teoria e atividades sobre um dos
violência. Aprender a ser e a conviver deve ser pilares da Educação para a o Século XXI –
um dos objetivos da Educação. aprender a conviver.

Aprender é um processo vivo, que As respostas que a Educação dá ao


estimula as pessoas a refletirem e as possibilita conflito e às violências devem ser pedagógicas.
desorganizar pensamentos e sentimentos, Portanto, é na sala de aula, na prática educativa,
muitas vezes, enraizados na prática do dia a no trabalho em Rede e, principalmente, na
dia, para que, a partir do exercício de fazer mudança institucional diante do conflito e
diferente, possam eleger outras formas de da violência. É entendendo que, a partir de
agir e pensar sobre os conteúdos trabalhados. mudanças nas relações, se podem conseguir
É um processo circular, onde cada um entra na resultados efetivos no aprendizado e que
“roda” com algo que lhe é muito preciso como aprender pode se tornar um ato de prazer e
suas crenças, valores, saberes, informações, descoberta constante.
teorias, e ao compartilhar cria a oportunidade Estamos falando de pessoas,
de produzir novos conhecimentos e gestar sentimentos e necessidades não atendidas.
novos aprendizados. Estamos falando de vida, de sofrimento e
Na construção do programa Justiça dores. No momento que a violência aumenta
Restaurativa e Educação, temos como no ambiente escolar é hora de se buscar, com
propósito implementar no projeto político maior intensidade, restaurar ou implementar
pedagógico das escolas elementos que um ambiente de acolhimento e generosidade.
corroboram com a transformação efetiva do Só assim é possível (re)estabelecer autoridade
ambiente de convivência e suas relações. e limite. Estes são atos de humanidade,
Acreditamos ser possível uma escola pautados na Justiça Restaurativa e na
pautada nos princípios de responsabilidade Educação para a Paz.

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