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RESENHA
O advogado da verdade desinteressada
Em coletânea de ensaios, biólogo da Universidade de Oxford
analisa temas da atualidade sob o ponto de vista científico

R ICARD O Z ORZET TO O capelão do Diabo relata a troca de correspondências


com o biólogo evolucionista nor-

R
ichard Dawkins não é, Richard Dawkins te-americano Stephen Jay Gould,
de fato,advogado.Nem da Universidade Harvard.
Cia. das Letras
mesmo parece ter apre- Apesar da rivalidade entre os
464 páginas / R$ 53,00
ço pela profissão,como dá a dois evolucionistas,motivada por
entender em uma coletânea de interpretações diferentes da Teo-
ensaios escritos por ele nos úl- ria da Evolução,Dawkins escre-
timos 25 anos e recém-publi- veu a Gould em 2001 propondo
cada no Brasil sob o título de que assinassem em conjunto uma
O capelão do Diabo.Mas ele carta destinada ao editor da New
próprio se denomina advoga- York Review ofBooks na qual ex-
do da verdade desinteressada quando define seu papel de plicariam por que se recusavam a participar de debates
professor de Compreensão Pública da Ciência,a c áte- com os defensores do criacionismo,a doutrina segundo
dra que assumiu em 1995 na Universidade de Oxford, a qual o mundo e seus seres vivos foram criados do nada
Inglaterra,como resultado da carreira de divulgador de por um Deus.Nessa carta – que não chegou a ser concluí-
ciência erigida em paralelo à de biólogo evolucionista. da nem publicada,em conseq üência da morte de Gould
E a defesa da verdade científica e racional é o que Daw- em 2002 –,eles justificavam:a presen ça de cientistas sé-
kins faz com estilo mordaz,quase agressivo,em seus co- rios nesses debates seria explorada como uma forma de
mentários sobre temas da atualidade. É assim quando reconhecimento à importância das idéias criacionistas.
trata da polêmica sobre os organismos geneticamente A filosofia que acompanha o biólogo de Oxford na
modificados ou quando justifica a ineficiência e a cruel- busca da verdade científica torna-se evidente no último
dade da seleção natural no capítulo que dá nome ao li- ensaio do livro, “Boas e más razões para acreditar”, car-
vro,uma express ão que tomou emprestada do próprio ta que o biólogo endereça a sua filha,Juliet,na data de
naturalista inglês Charles Darwin,autor da Teoria da seu décimo aniversário,em 1995.Em uma exposi ção de
Evolução das Espécies. rara clareza,ele apresenta o m étodo científico e o prin-
Em uma carta escrita em 1856 a um amigo próximo, cipal aspecto que o distingue do que considera obscuran-
o botânico Joseph Hooker,Darwin afirma: “Um livro e tismo religioso:a observa ção de evidências que qual-
tanto escreveria um capelão do Diabo sobre os trabalhos quer pessoa tem a liberdade de examinar e reexaminar
desastrados,esbanjadores,ineficientes e terrivelmente sempre que o desejar.
cruéis da natureza!” Para Dawkins, é compreensível que Na mensagem de tom paternal e delicado,Dawkins
seja mesmo assim quando se leva em consideração o gi- indaga a sua Juliet: “Você já se perguntou alguma vez
gantesco processo de tentativa e erro da seleção natural como é que sabemos as coisas que sabemos? Como é
que levou à existência dos seres vivos atuais.Mas,cr ê, há que sabemos,por exemplo,que as estrelas,que parecem
uma compensação.A felicidade da seguran ça do mun- minúsculos furinhos de alfinete no céu, são na verdade
do proposto pelas diferentes religiões é substituída pela enormes bolas de fogo como o Sol e se encontram mui-
felicidade de saber que a existência é “temporária e,por to,muito distantes? ” E afirma: “A resposta a essas per-
essa razão,ainda mais preciosa ”. guntas se dá ‘pelas evidências’”. Após breve detalhamen-
Na vasta gama de assuntos que aborda no livro – das to sobre o que são evidências e como os pesquisadores
terapias alternativas à influência obscurantista das reli- chegam a elas,Dawkins adverte a filha: “Mas agora que
giões ou o especiecismo,atribui ção de status diferentes já lhe falei das evidências,que s ão uma boa razão para
às diferentes espécies animais do planeta –,Dawkins che- acreditarmos em alguma coisa,quero alert á-la contra três
ga a ser ainda mais ácido em textos, às vezes,tortuosos. razões indevidas para acreditar no que quer que seja.
Mas esse tom não prevalece nos 32 ensaios do livro.Os Elas são chamadas de ‘tradição’, ‘autoridade’ e ‘revela-
artigos da seção “Toda a África e seus prodígios estão ção’”.Esses tr ês elementos encontrados em toda e qual-
dentro de nós”,em que comenta livros sobre comunida- quer religião contribuem para a doutrinação do pensa-
des no continente africano e relembra sua própria infân- mento que se inicia na infância e,segundo o bi ólogo de
cia no Quênia, são mais delicados e contemplativos.Seu Oxford, é “responsável,no final das contas,por boa par-
estilo provocativo é aplacado também no texto em que te dos males que há no mundo”.

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SETEMBRO DE 2005 PESQUISA FAPESP 115

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