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1ª edição — 1998
236p.
Inclui bibliografia.
CDD-780.420981
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a Felipe e Júlio
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Su már i o
Agradecimentos 11
Introdução 15
10 O viol‹o azul
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te. Italo Moriconi é uma pessoa a quem sempre recorro, como aluna e
como amiga. A convivência com Italo, com sua inteligência instigante e
seu notável senso de humor, é sempre um ganho. Otávio Velho, por ter
reconhecido meu trabalho, me abriu as portas de várias instituições,
desde a época em que fui sua aluna no Museu Nacional; creio que posso
dizer algo parecido a respeito de Hugo Lovisolo. José Reginaldo Gonçal-
ves, Lúcia Lippi Oliveira e Berenice Cavalcanti têm sido interlocutores cui-
dadosos e sérios; todos eles, cada um à sua maneira, tornaram-se meus
amigos.
Meus colegas do Departamento de Sociologia da PUC — parti-
cularmente Eduardo Raposo, Maria Sarah da Silva Telles, Sônia Giaco-
minni e Valter Sinder — sempre se mostraram prestativos, amigos e
compreensivos. O mesmo posso afirmar com relação aos professores
da Faculdade Candido Mendes-Ipanema, como Ruy Afonso Guimarães
de Almeida, Ana Teresa Schaepfer Spinola e Ilana Wolfovitch.
Eduardo Martins, de maneira afetuosa, me passou contatos im-
portantes para a realização da pesquisa. Maria Isabel Mendes de Almei-
da tem sido uma grande aquisição na minha vida, atuando como ami-
ga, colega de trabalho e interlocutora. Quão “dilacerante” para mim
seria viver sem os seus adjetivos!
Luiz Rodolfo da Paixão Vilhena fez intervenções importantes no
meu trabalho; graças a ele, por exemplo, repensei algumas questões,
tais como a da “flexibilidade” do músico popular. Maria Alice Rezende
de Carvalho, Carol Gubernikoff Guimarães e Júlio César Valadão Diniz
contribuíram com sugestões teóricas e bibliográficas. Sérgio Cabral me
passou informações importantes sobre o universo da música popular;
Isabel Lustosa atuou diversas vezes como mediadora entre mim e as pes-
soas que pensam este universo.
Pablo Nogueira sempre se mostrou interessado pela pesquisa
que eu desenvolvia, trazendo-me valiosas contribuições bibliográficas,
principalmente as referentes a Jaime Ovalle. Elizabeth Xavier acompa-
nhou todos os estágios da pesquisa e teve participação especial na ela-
boração do primeiro capítulo. Silvana Miceli de Araújo, além do inte-
resse que sempre demonstrou por meu trabalho, mostrou-se também
paciente todas as vezes que foi de certa forma envolvida no processo
de produção deste livro.
Estive o tempo todo, nesta aventura sociológica, em companhia
de Bárbara Musumeci Soares, minha grande amiga. Outras pessoas,
mesmo não participando diretamente desta “aventura”, estiveram afe-
tivamente presentes, como Agostinho Guerreiro, Alba Gisele Gouget,
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liza através da conjunção desses dois elementos que lhe são constitu-
tivos. A atenção a apenas um dos elementos não só empobrece a aná-
lise como desvirtua a compreensão desse gênero musical. Neste
sentido, concordo com Charles Perrone, que, embora reconheça as ori-
gens comuns da poesia da canção e da poesia destinada à leitura, afir-
ma que as duas formas são concebidas para propósitos diferentes. O
autor enfatiza o fato de que criam-se as letras de canção visando à
transmissão oral numa obra musical. Assim, se um texto é criado para
ser cantado, e não para ser recitado, ele deve ser estudado tal como foi
concebido. Perrone afirma: “Seja qual for o enfoque — artístico musi-
cal, antropológico ou literário — será necessário que se leve em conta
as características musicais de uma canção juntamente com os significa-
dos verbais ou funções culturais para que se possa verificar a ação com-
plementar que há entre a música e o texto” (1988:11).
Procurei portanto me manter atenta tanto ao significado quanto
aos signos inscritos nas canções que tomei para analisar. Esse tipo de
preocupação me levou a observar com cuidado não só as estruturas
musicais em si, mas também os arranjos orquestrais e os estilos de in-
terpretação da época. Fui percebendo, ao longo da pesquisa, que os ar-
ranjos tenderam a obedecer a um parâmetro que passou a se tornar he-
gemônico, a partir do início dos anos 30, com as inovações promovidas
por Pixinguinha e Radamés Gnattali na gravadora Victor. A tosca sim-
plicidade dos regionais, conjuntos de acompanhamento musical que se
valiam de poucos instrumentos e concebiam o arranjo apenas como
uma espécie de fundo, ou base, para orientar o intérprete, foi substitu-
ída pelas orquestrações exuberantes de sopros e cordas, em que os ins-
trumentos não eram mais utilizados para “dar o tom”, mas de maneira
contrapontística, possibilitando uma relação mais complexa entre o in-
térprete e os instrumentos.
Este livro se propõe analítico e reflexivo; não se trata de uma
pesquisa de construção histórica, que lidaria basicamente com fontes
primárias. Recorri portanto a uma literatura extensa, que toma como
objeto não só a música popular e erudita produzida no Brasil no perío-
do em foco, como também questões estéticas mais genéricas sobre o
modernismo brasileiro e o europeu. Constam das referências bibliográ-
ficas teses, artigos, ensaios, biografias e publicações jornalísticas, além
de periódicos de época, como Ariel — Revista de Cultura Musical e
Klaxon. Não me furtei, no entanto, à pesquisa de fontes primárias, que
realizei sobretudo no Museu da Imagem e do Som, ouvindo depoimen-
tos dos principais agentes das mudanças estéticas mencionadas, e no
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1
Um tr opi cal amor d o mu n d o
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[...] Para o autor, a “sinfonia da terra” era caracterizada pela natureza exu-
berante [...]. Em contato direto com essas florestas, o observador-pesqui-
sador poderia decodificar as mais diversas imagens sonoras — conso-
nantes e dissonantes —, atrelando-as a tonalidades altamente matizadas
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1
Jaime Ovalle (1894-1955), compositor e poeta, dedicou-se, como autodidata, ao
piano e ao bandolim, e depois ao violino e ao violão. Veio de Belém para o Rio de
Janeiro ainda jovem, passando a se relacionar com intelectuais e músicos. “Poeta,
conhecedor da música popular brasileira e violonista de choros e serestas, foi fre-
qüentador assíduo da casa de Villa-Lobos”. Suas obras mais conhecidas, Azulão e
Modinha, foram concebidas a partir de versos de Manuel Bandeira, seu grande ami-
go. Seus poemas escritos em inglês, reunidos sob o título The foolish bird, não
foram publicados. (Enciclopédia da música brasileira: erudita, folclórica, popular,
1977:576).
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2
Apud Arrigucci, 1990:69.
3 Ver Prado, 1989/90.
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Para nós brasileiros o violão tinha que ser o instrumento nacional, racial.
Se a modinha é a expressão lírica do nosso povo, o violão é o timbre ins-
trumental a que ela melhor se casa. No interior, e sobretudo nos sertões
do Nordeste, há três coisas cuja ressonância comove misteriosamente, co-
mo se fossem elas as vozes da própria paisagem: o grito da araponga, o
aboio dos vaqueiros e o descante dos violões.
Desgraçadamente entre nós o violão foi até aqui cultivado de uma ma-
neira desleixada. [...]
Houve também [...] uma certa prevenção contra o violão por carregar a fa-
ma de instrumento refece, alcoviteiro e cúmplice da gandaia em noitadas
de sedução. Era, tipicamente, o instrumento mauvais sujet. Ele foi, po-
rém, reabilitado pela visita que recebemos de dois artistas estrangeiros, os
quais vieram revelar aos nossos amadores todos os recursos e a verda-
deira escola dos grandes virtuoses de Espanha. Refiro-me a Agostinho
Barrios e Josefina Robledo. [...]
Villa-Lobos [...], que está agora em Paris, [...] tocou violão quando rapazola.
E compôs muita coisa que está guardada a sete chaves... E não sei se não
as atirou todas ao mar... Ele não gosta que se fale nisso. Preconceito muito
pouco moderno e muito pouco nacional [...] (Bandeira, 1924a:463-8).
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Costumava [...] confeccionar ela própria seus vestidos. [...] Naqueles tem-
pos em que a moda era a saia-balão e a mulher elegante não dispensava
o chapéu como acessório do maior respeito e status, Chiquinha ousava
dispensá-los. Substituía-o por um lenço de seda envolvido e confundido
com seus cachos (Diniz, 1984:115).
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Mas nota-se, por este artigo, que Mário de Andrade não está li-
dando com uma perspectiva classicamente evolucionista, que impli-
ca a idéia de uma trajetória linear e uniforme rumo ao progresso.
Com relação a este ponto, Eduardo Jardim de Moraes afirma que o
modernismo brasileiro, a partir de 1924, faz uma nova projeção de
nossas possibilidades de ingressar na ordem universal. Começa-se a
ter um novo entendimento desse processo, segundo o qual a entrada
do país na modernidade dependeria não só de um tempo próprio
como também de um desenvolvimento singular das nossas poten-
cialidades culturais. É a partir desse raciocínio que Mário de Andrade
analisa a constituição da arte musical brasileira, que seria alcançada
quando adquiríssemos o direito de vida universal. Mas antes de che-
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Dessa forma, nosso autor esboça um quadro no qual ainda é até possível
se falar em autoridade patriarcal, mas somente na medida em que fique
bem claro que esta categoria possuía aqui um sentido bastante diferente
do que é empregado em CGS [Casa-grande & senzala]. Afastando-se do
campo, da escravidão e da poligamia — mas não inteiramente da hybris
[...] —, essa autoridade passa a ser exercida sobre uma família basica-
mente monogâmica, de corte bem mais disciplinado e ocidental, muito
mais compatível, portanto, com o conjunto das modificações estudadas
até o momento (1994:120).
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[O Brasil] não produziu músico mais inspirado nem mais importante que
o campineiro. Mas a época de Carlos Gomes passou. Hoje sua música
pouco interessa e não corresponde às exigências musicais do dia nem à
sensibilidade moderna. Representá-lo ainda seria proclamar o bocejo
uma sensação estética. Carlos Gomes é inegavelmente o mais inspirado
10 Oswald de Andrade apud Mariz, 1983:29. De acordo com Annateresa Fabris, à di-
ferença “de seus companheiros, que usam a argumentação persuasiva, Oswald de
Andrade recorre abertamente à provocação, trivializando pela paródia os valores de
seus antagonistas”. “É nesse contexto que deve ser lida sua diatribe contra Carlos Go-
mes, na qual lança mão da difamação para exaltar, por contraste, a modernidade de
Villa-Lobos” (Fabris, 1994:150-1).
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Eu desejaria para a música uma liberdade que lhe é talvez mais inerente
que a qualquer outra arte, não se limitando a uma reprodução mais ou
menos exata da natureza, mas às misteriosas correspondências entre a
Natureza e a Imaginação (apud Griffiths, 1994:10).
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A cu ltu r a n a ci vi li zação
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Gustavo Capanema no final dos anos 30, e que trata da criação do en-
sino de canto orfeônico nas escolas de todos os níveis, ele propõe,
entre outros itens — como “zelar pela execução correta dos hinos ofi-
ciais [...] intensificar o gosto e a apreciação da música elevada [...] con-
correr para maior unificação do caráter da nossa raça [...] estabelecer a
coesão do sentido nacionalista e proporcionar bom critério da apre-
ciação do povo” —, a ajuda ao governo para a realização da “censura
artística nas estações de rádio”.16 Júlio Medaglia (1989/90:72) afirma
que Villa-Lobos defendia a alfabetização da “rebelde musicalidade” do
povo brasileiro, ou seja, a “música de repetição” cujo desenvolvimento
passou a ser propiciado pelo rádio e pelo disco.
Percebe-se aí o deslocamento de categorias associadas pelo pro-
cesso civilizador ao universo da baixa cultura. Se no projeto modernis-
ta o significado do termo se mantém — implicando a definição de “bai-
xo” relativamente ao que se considera “elevado” —, o qualificativo,
antes relacionado ao popular, passa a ser atribuído a uma nova cate-
goria: o massificado. Ou seja, o popular (ou populário, na acepção de
Mário de Andrade), identificado sobretudo com as manifestações fol-
clóricas das “três raças”, é agora valorizado, enquanto se rejeita o po-
pularesco. Como prevalece a idéia de uma modernidade em constru-
ção, seleciona-se um repertório condizente com o modelo a ser
implantado, o qual, se é mais democrático, não deixa também de ser
excludente. Por outro lado, ao rejeitarem o popularesco — buscando
um registro mais elevado para a composição popular —, os modernis-
tas musicais demonstram também seu comprometimento com a idéia
do sublime. Só seria válido, nesse sentido, dedicar-se a um tipo de mú-
sica que capte a alma popular, que leve à comoção, criando-se inter-
dições que se aplicam às obras banais, cujo intuito é despertar da sen-
sualidade fácil das massas em busca do prazer.
Esse procedimento excludente com relação ao popularesco é ob-
jeto do seguinte comentário de Contier:
16
“Anteprojeto de criação da Divisão de Educação Cívico-Musical ou Serviço Na-
cional do Controle da Aplicação do Canto Orfeônico ou Inspetoria-Geral de Educa-
ção Cívico-Musical.” Arquivo Gustavo Capanema, CPDOC/FGV (GC 37.02.19f). O do-
cumento traz um carimbo com data de 1940.
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Noto aqui [...] que o nosso querido amigo [Villa-Lobos] voltou [de Paris]
brabo com os modernos. Não é moderno! Acabaram-se as blagues! [...]
Um momento houve em que espíritos muito diversos se uniram no pro-
pósito necessário de negar, de arrasar, de destruir. Foi o período da bla-
gue dissolvente, da análise que desmontava com um riso mau os meca-
nismos mais especiosos. Hoje a época é de reconstrução. Espírito clás-
sico. Clássico no sentido precisamente de esforço formal e construtivo,
não de regrinhas defuntas (1924b:477).
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Cada país tem sua tradição. Rameau, Berlioz, Chabrier, Gounod, Bizet,
Debussy, Fauré, Satie, Auric, Poulenc e Sauguet são a música francesa. No
século XIX sua voz foi abafada pelas correntes cezar-franckistas e wag-
nerianas e pelo éparpillement sonoro de [Rimski-]Korsakov. Debussy sen-
tiu a necessidade de continuar Rameau. Hoje, graças à previdência de Erik
Satie, é para o lado de Gounod que os jovens se voltam (apud Milliet,
1924b:260).
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18
Ver Moraes, E., 1983.
19
Ver, por exemplo, a introdução de Telê Porto Ancona Lopes (“Uma difícil conju-
gação”) a Amar, verbo intransitivo, de Mário de Andrade, em que a autora, pesqui-
sando a biblioteca de Mário e analisando a estrutura do romance — ou “idílio” — ci-
tado, sugere o contato do escritor com os expressionistas alemães (Lopes, 1982).
Jorge Schwartz, em seu artigo “O expressionismo pela crítica de Mário de Andrade,
Mariátegui e Borges”, afirma que Mário de Andrade, além de conhecedor da língua
alemã, manteve contato com artistas influenciados pelo expressionismo, como Anita
Malfatti (que estudou na Alemanha) e Lasar Segall (nascido em Viena e com passa-
gem pela Alemanha). Segundo Schwartz (1990:85), o grotesco, utilizado pelo expres-
sionismo, teria sido “a resposta estética de Mário de Andrade às suas preocupações
sociais”. Luiz Fernando Dias Duarte (1995) argumenta que se a “ciência romântica”
foi sobretudo um fenômeno alemão, “sua influência para cá do Reno”, no entanto, foi
“permanente e fundamental”.
20 Ver Elias, 1990:24-5.
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vária”, nos destina a ser “um dos povos musicais do universo”. Tería-
mos, portanto, as mesmas características “naturais” de outros povos de
folclore musical abundante, o que nos possibilitaria, tal como a eles, a
formação de escolas musicais. O autor toma como modelo a experiência
estética dos compositores das airs de cour e dos cravistas franceses do
século XVIII, que criaram estilizações das pastourelles, das bergerettes e
das canções trovadorescas. O exemplo alemão, obviamente, também é
citado: “o desenvolvimento nacionalista da escola de Hamburgo e a uti-
lização dos cantos dos minnesanger e dos grandes mestres cantores e
principalmente o emprego estilizado do lied que lhe deu Weber, Schu-
bert, Schumann, Wagner e Brahms”. Florestan (1924:316-7) acrescenta
ao seu argumento o relato do procedimento estético dos compositores
da Ars Nova, que se apropriaram dos cantos toscanos, e de Monteverdi e
da escola napolitana, que buscavam sua fonte musical nos cantos e dan-
ças dos pescadores. Em suma, o autor propõe que, à maneira de outros
artistas europeus, busquemos no folclore os elementos de nossa vitali-
dade. Esses elementos, sem dúvida, configuram nossa originalidade, sin-
gularizando-nos perante os outros povos. Mas, tal como os artistas cita-
dos — franceses, alemães e italianos —, que lidam com um repertório
popular exuberante, temos que aprimorar esses elementos, domestican-
do-os num certo sentido.
Luciano Gallet assume entre nós esse tipo de atitude pedagógica.
Ao longo de sua trajetória, seu projeto nacionalista vem sempre acom-
panhado de preocupações com o aprimoramento musical dos brasilei-
ros.22 Em 1930, por exemplo, ele escreve as Bases para a organização
22
É importante para esta discussão destacar alguns momentos da trajetória de Lu-
ciano Gallet. Depois de estudar arquitetura, trabalhou algum tempo como desenhis-
ta, enquanto começava a tocar piano, mesmo sem ter formação musical, em uma pe-
quena orquestra de salão. Iniciou em 1914 seus estudos de piano com Henrique
Oswald, no Instituto Nacional de Música, e de harmonia com Agnelo França. Neste
mesmo ano, estudou interpretação com Glauco Velásquez. Em 1917 fez curso de har-
monia com Darius Milhaud, que o teria iniciado na música moderna. A partir de 1918,
começou a se interessar mais pela música e pelo folclore brasileiros, “que em grande
parte ignorava, apesar de seguir a corrente nacionalista” (Enciclopédia da música
brasileira, 1977:299-300). Rosane Bardanachvili afirma que a estreita relação de Gal-
let com Mário de Andrade, iniciada em 1926, foi apenas “um motor que impulsionou
Gallet a refletir sobre uma trajetória que ele mesmo vinha traçando desde o início da
década de 20”. Segundo Bardanachvili (1995:30), os contatos com Mário de Andrade
fizeram Gallet se sentir cada vez mais pertencente a um movimento nacionalista.
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Isso não é verdade e creio mesmo que Luciano Gallet é artista por demais
para se sujeitar a esse trabalho etnográfico. Fatalmente a “colher torta” do
criador mexe o virado. Luciano Gallet está mais é fazendo obra de muito
boa criação (apud Bardanachvili, 1995:84).
23
Luciano Gallet também foi alvo da atenção de Mário de Andrade nos anos 20, em-
bora nunca tenha alcançado, no cenário musical, a mesma visibilidade de Villa-Lo-
bos. José Miguel Wisnik descreve a situação singular de Gallet na música brasileira:
“Segregado tanto naquela parte inicial de sua obra que o modernismo nacionalista ro-
tulou de ‘francesismo', como no aproveitamento rigoroso e sintético do folclore em
sua obra posterior, Luciano Gallet foi condenado então ao naufrágio pela quase in-
viabilidade dos propósitos de sua música num meio açambarcado pelo nacionalismo
de efeito fácil e vistoso” (1983:54-5).
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Qual o pai que desejou tornar o filho um músico completo? Talvez ne-
nhum. Qual o pai que desejou ver o filho um pianista ou cantor célebre?
Talvez todos. Nós não andamos à procura da vida, e por isso a vida nos
surpreende e assalta a cada esquina. Nós andamos apenas suspirando pe-
la glória. A glória é uma palavra curta em nosso espírito, e significa ape-
nas aplauso e dinheiro. Nós nem queremos ser gloriosos, nós desejamos
ser apenas célebres [...] (1975:237-8).
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Eu não vos convido à ilusão! Nem vos convido muito menos à confor-
mista esperança, pois que fui o primeiro a vos substituir o vinho alegre
desta cerimônia pela água salgada da realidade. Eu não vos convido se-
quer à felicidade, pois que da experiência que dela tenho, a felicidade in-
dividual me parece mesquinha, desumana, muito inútil. Eu vos quero al-
terados por um tropical amor do mundo, porque eu vos trago o convite
da luta [...] (Andrade, 1975:256).
[...] Precisamos quanto antes desenvolver o canto coral entre nós. [...] a
fundação de sociedades corais brasileiras viria preencher a lacuna talvez
mais sensível da nossa cultura. E talvez também assim modificaríamos em
parte este excessivo individualismo latino da nossa gente e tornaríamos a
nação mais humana e mais harmoniosa e unânime nos seus movimentos
de progresso. [...] (Ariel, 1924:146.)
68 O vi olão azu l
ferroviárias, das imensas estradas, das portas colossais, dos mercados co-
bertos, das galerias luminosas, das auto-estradas, das demolições saudá-
veis (apud Bernardini, 1980:157).
70 O vi olão azu l
do século XVIII, cujas sinfonias e peças de câmara lançaram as bases das formas or-
questrais do período clássico na França (Encyclopædia Britannica, 1980).
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30 Sobre
As bodas, escreve Eric Salzman na contracapa da gravação de Pierre Boulez:
“A obra foi concebida em 1912 e composta entre 1914 e 1917, porém a presente ins-
trumentação só foi completada em 1923”.
31 A respeito de Carl Orff, o musicólogo britânico Gerald Abraham observa: “O único
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74 O vi olão azu l
76 O vi olão azu l
2
O api to d a fáb r i ca
d e teci d os
Sou do sereno
Poeta muito soturno
Vou virar guarda-noturno
E você sabe por quê
Mas você não sabe
Que enquanto você faz pano
Faço junto do piano
Estes versos pra você
Noel Rosa, Três apitos
A estéti ca d a si mpli ci d ad e
Poderíamos identificar uma segunda prática ao longo dos anos 20
e 30 no modernismo brasileiro — a que denominaríamos estética da sim-
plicidade — que, ao contrário da experiência totalizante da arte monu-
mental, opera no registro da fragmentação. Trata-se de uma opção pelo
simples que não recusa, entretanto, o excesso ou qualquer tipo de trans-
bordamento; a seriedade, quando acolhida, vem sempre matizada com o
senso de humor. Enquanto a linguagem elevada e grave do registro mo-
numental conforma a música modernista, como a de Villa-Lobos nos
anos 30, ou a pintura social de Portinari, o espírito da simplicidade ma-
nifesta-se em obras literárias do movimento, em que se incluem tanto es-
tudos de cunho sociológico quanto textos ficcionais e poéticos. Observa-
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Por essa via, Oswald postula seu ideal de simplicidade, que re-
mete à junção do bárbaro (relacionado à tradição) com o técnico (ad-
vindo com a civilização). Em nenhum momento aparece no “Pau-bra-
sil” a perspectiva totalizante do romantismo alemão, com seus homens
cultivados e completos. O homem vislumbrado por Oswald, ao contrá-
rio, é o homem especializado e provido de ingenuidade:
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1972a.
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O r i tmo d i ssolu to
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Arte de amar
34 Bandeira, 1993:288. O livro Belo belo, do qual se extraiu este poema, foi publicado
em 1946.
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nhô, nos quais ainda se encontram vestígios não só do maxixe, mas tam-
bém do lundu. [...] Se na Cidade Nova as festas são animadas por músicos
treinados [...], no Estácio de Sá, salvo por um ou outro violão ou cava-
quinho em mãos desajeitadas, tudo é tamborim, surdo, cuíca e pandeiro.
Ou acompanhamento ainda mais rudimentar [...]. Quanto à parte poética,
o sambista do Estácio de Sá canta em suas letras, da maneira mais simples,
a vida dos morros e das casas de cômodos, das populações pobres, dos
malandros e de outros indivíduos à margem da sociedade (1990:118-9).
92 O v i ol ão a zu l
Ora, vejam só
A mulher que eu arranjei
Ela me faz carinhos
Até demais, chorando
Ela me pede meu benzinho
Deixa a malandragem
Se és capaz
A malandragem
Eu não posso deixar
Juro por Deus
E por Nossa Senhora
É mais certo
Ela me abandonar
Meu Deus do Céu
Em maldita hora.
94 O v i ol ão a zu l
de quanto o país através de suas ruas. Assim, o que antes era ocul-
tado pela República modernizadora — como o submundo, a margi-
nalidade, a boemia e as ruas —, passa a ser valorizado como “espaço
pleno de significado”. Configura-se portanto uma situação em que os
sambistas, tal como Bandeira, muitas vezes são sujeitos a “alumbra-
mentos”, enquanto Bandeira, tal como os sambistas, assume uma
perspectiva existencial em sua poesia, como se vê em Gesso, poema
de O ritmo dissoluto:37
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[...]
Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o coração batendo
Ela se riu
Foi o meu primeiro alumbramento
[...] (Bandeira, 1966:116.)
Freire Júnior, autor da letra de Ai, Seu Mé, passou momentos de aperto em
uma delegacia policial por ter brincado com o presidente Artur Bernar-
des; Washington Luís foi cantado em Paulista de Macaé e em O Barbado
foi-se ; Rui Barbosa, em Côco de respeito e Papagaio louro; Getúlio Vargas,
em Tenha calma, Gegê, do negro Getúlio Marinho [...] (1965:244).
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Estribilho
[...]
38
Ver História da música popular brasileira: Bide, Marçal & Paulo da Portela. São
Paulo, Abril Cultural, 1982.
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1 00 O vi olão azu l
[...] gente inquieta e aventureira que nos anos 20 circulava pela Cidade
Nova e Saúde; puxava samba no Morro da Favela e Gamboa; arranjava
biscate no Catumbi e Morro da Providência; agitava em São Carlos e pelo
Estácio. Perto da praça Onze, ele [Cartola] conheceu um ponto famoso de
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1 02 O vi olão azu l
1 04 O vi olão azu l
1 06 O vi olão azu l
[...] Esta [Marília] tem voz de timbre suave, pouco extensa, mas que apren-
derá a usar com adequação. A voz de Aracy é anasalada, mas consistente,
com certo acento triste que lhe dá cor muito própria. Não aprenderá na-
da: nasceu sabendo. Marília tem ouvido privilegiado (e graças a ele ainda
será melhor compositora do que cantora). O ouvido de Aracy é duro. Sua
memória musical, fraca. Tem dificuldade para aprender músicas de har-
monizações complicadas. Marília domina a técnica, Aracy é artista intui-
tiva [...] (Máximo & Didier, 1990:322).
qüentado por Cartola e Noel (Máximo & Didier, 1990). Vejamos a pri-
meira versão dos compositores:
Noel Rosa também cantou [...] os amores frustrados (Último desejo), como
não deixou de celebrar a graça suburbana (Feitiço da Vila) do bairro em
que nasceu. Mas, se era capaz de voltar-se para dentro de si mesmo à bus-
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1 08 O vi olão azu l
1 1 0 O vi olão azu l
O mundo me condena
E ninguém tem pena
Falando sempre mal do meu nome
Deixando de saber
Se eu vou morrer de sede
Ou se eu vou morrer de fome
Mas a filosofia
Hoje me auxilia
A viver indiferente, assim
Nessa prontidão sem fim
Vou fingindo que sou rico
Pra ninguém zombar de mim. [...]
1 1 2 O vi olão azu l
Não sou poeta. Sou um libertino. Não tenho qualquer método de traba-
lho. Tenho um sexo. [...] E se escrevo, será talvez por necessidade, por hi-
giene, como se come, como se respira, como se canta. [...]
40 Quanto a esta questão, ver Nunes (1979:29), que analisa, por exemplo, a influência
de Blaise Cendrars sobre Oswald de Andrade, através da síntese que promove entre o
primitivo (“a imprevisibilidade, o irracional”), e o moderno (“a previsão que ordena, a
razão que organiza, a ‘prática culta da vida’, cujo regime a civilização técnico-indus-
trial impunha”).
41 Blaise Cendrars publica este manifesto no periódico de vanguarda berlinense Der
A literatura faz parte da vida. Não é qualquer coisa “à parte”. Não escrevo
por ofício. Viver não é um ofício. [...] Fiz os meus mais belos poemas nas
grandes cidades, no meio de 5 milhões de homens — ou a 5 mil léguas
sob os mares, em companhia de Júlio Verne, para não esquecer os mais
belos jogos da minha infância. A vida inteira não é mais que um poema,
um movimento. [...]
Klaxon sabe que a vida existe. E, aconselhado por Pascal, visa o presente.
Klaxon não se preocupará de ser novo, mas de ser atual. Essa é a grande
lei da novidade.
1 1 4 O vi olão azu l
Este detalhe vem confirmar algo nitidamente observável nas letras dos
sambas não apenas de Cartola, mas de todos aqueles que versaram da
musa lírico-amorosa naqueles anos: a influência de um discurso literário,
branco, burguês, que se faz notar no rebuscamento das metáforas como
nas colorações idealizantes [...] que marcam sua visão de mundo.
1 1 6 O vi olão azu l
É fu tu r i smo, men i n a
45 Ver “A vida, esse triunfo difícil”, 1982:5; Enciclopédia da música brasileira, 1977; e
[...]
1 1 8 O vi olão azu l
Coro
É futurismo, menina
É futurismo, menina
Pois não é marcha
Nem aqui nem lá na China
1 20 O vi olão azu l
filme de João de Barro, Alberto Ribeiro e Wallace Downey) e em 1936 (em Alô, alô,
carnaval, de João de Barro e Alberto Ribeiro, produzido por Wallace Downey),
também ao lado de vários cantores, como Francisco Alves, Mário Reis, Carmen Mi-
randa e Almirante, que interpretaram suas composições (Valença, 1981).
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tine mostra um humor ingênuo, uma alegria mais mediada pelo lirismo
do que propriamente por uma sensibilidade irônica. Pequeno-burguês
autêntico, não dá mostras de estar mal com a vida. Luiz Tatit observa, a
propósito, as dicções opostas dos dois compositores, pois Noel, segun-
do ele, “programa seus segmentos em função das figuras”, enquanto La-
martine o faz “em função dos temas”. Por figura Tatit refere-se ao re-
curso pelo qual “o cancionista projeta-se na obra, vinculando o
conteúdo do texto ao momento de sua execução”, aproximando a can-
ção do discurso oral, exacerbando o “vínculo simbiótico entre o texto e
a melodia” (Tatit, 1996:21) — por exemplo, utilizando subidas e desci-
das na melodia em pontos estrategicamente importantes da letra, de
modo que esta seja ouvida como um discurso falado do cantor dirigido
ao ouvinte, no aqui e agora da execução. Esse recurso, característico da
obra de Noel, é menos comum em Lamartine, que trabalha com temas
— isto é, motivos previamente dados, tanto no sentido musical de uma
estrutura melódica repetida no decorrer da canção quanto no de um
motivo cultural, como a mulata, o torcedor de futebol etc. Assim, Noel
“encontra os seus motivos a partir da fala, do relato, da experiência”, en-
quanto Lamartine parte “dos motivos musicais já devidamente estrutu-
rados” (Tatit, 1996:63). Torna-se mais fácil entender, através dessa dife-
renciação entre os dois compositores, o fato de Lamartine, ao contrário
de Noel em suas criações líricas, ser menos confessional em suas com-
posições. Seus tipos são idealizados, como a morena de Linda morena
(1933) e a mulata de O teu cabelo não nega (1932), ou representam per-
sonagens em voga no momento, como em Seu Voronoff (1928, em par-
ceria com João Rossi) ou em Saias curtas (1927, em parceria com Lírio
Panicali), que tematiza as melindrosas. Seu Voronoff, por exemplo, a
partir da própria classificação do gênero como “marcha-enxerto”, sati-
riza as experiências, muito divulgadas à época pela imprensa, que Ser-
gei Voronoff — médico russo radicado em Paris — realizava com glân-
dulas de animais, enxertando-as em seres humanos para fins de
rejuvenescimento (Valença, 1993).
Uma sensibilidade parecida com a de Noel se vê em Assis Valen-
te, cuja faceta marcante, segundo Ary Vasconcelos (1982:1), é a do “ob-
servador crítico — às vezes mesmo sarcástico — de costumes e aconte-
cimentos”. Essa sensibilidade crítica confere muita densidade ao que faz,
mesmo quando retrata situações burlescas do cotidiano ou — o que é
muito comum em sua obra — quando atua na pauta da exaltação do
prazer. Assim, em Alegria, samba de 1937, feito em parceria com Durval
Maia, ele incorpora o Dioniso que se esforça “pra deixar de padecer”:
capitulo2 final.fm Page 122 Thursday, December 13, 2007 11:31 AM
1 22 O vi olão azu l
[...]
Alegria
Pra cantar a batucada
As morenas vão sambar
Quem samba tem alegria
Minha gente
Era triste, amargurada
Inventou a batucada
Pra deixar de padecer
Salve o prazer, salve o prazer
[...]
[...]
Eu pensei que todo mundo
Fosse filho de Papai Noel
Bem assim felicidade
Eu pensei que fosse uma
Brincadeira de papel
Já faz tempo que pedi
Mas o meu Papai Noel não vem
Com certeza já morreu
Ou então felicidade
É brinquedo que não tem
[...]
1 24 O vi olão azu l
48 Assis Valente morre em 1958 depois da terceira tentativa de suicídio (MPB Pesqui-
sa, 1982b:6).
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49
Segundo Tárik de Souza (1994), Mário Reis era “filho do sócio de uma loja de fer-
ragens e descendente da família que controlava a tecelagem Bangu”.
50 Cabral, 1979. Sérgio Cabral lembra que João Gilberto, quando surgiu no cenário
1 26 O vi olão azu l
1 28 O vi olão azu l
Voltei a cantar
Porque senti saudade
Do tempo em que eu
Andava na cidade
Começo a recordar
Cantando em tom maior
E acabo no tom menor
O poéti co e o pr osai co
1 30 O vi olão azu l
53
Guilhaume Apollinaire apud Perloff, 1993:108.
54
Segundo Benedito Nunes (1979:11), Oswald, com “a sua impaciência teórica, com
a sua particular avidez do novo e da novidade [...] foi, dos nossos modernistas, aque-
le que mais intimamente comungou do espírito inquieto das vanguardas européias”.
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amor
humor
(Andrade, O., 1966:141)
Uma visão que bata nos cilindros dos moinhos, nas turbinas elétricas, nas
usinas produtoras, nas questões cambiais, sem perder de vista o Museu
Nacional. Pau-Brasil (Andrade, 1972a:9).
1 32 O vi olão azu l
Debaixo da bananeira
Sem nenhum laranjais
(Andrade, 1972b:100-1.)
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56
Ver Arrigucci, 1990. O poema é de 1931, do livro Estrela da manhã, impresso em
1936 com tiragem de apenas 47 exemplares para subscritores (Bandeira, 1993).
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1 34 O vi olão azu l
gestivas para a análise deste ponto. Ele argumenta que a arte se colo-
ca “a meio caminho entre o conhecimento científico e o pensamento
mítico ou mágico”, já que o artista tem algo em comum ao mesmo
tempo com o cientista e com o bricoleur. O cientista (ou “engenhei-
ro”), na acepção de Lévi-Strauss, caracteriza-se pelo fato de recorrer a
um projeto que define, desde o início, as matérias-primas e os instru-
mentos a serem utilizados. O bricoleur, ao contrário, dispensa planos
preconcebidos; assim, o conjunto de meios que utiliza se define ape-
nas por sua instrumentalidade (Lévi-Strauss, 1989:32-3). Dito de outro
modo, o bricoleur tende a recolher materiais de maneira aleatória, par-
tindo apenas do princípio de que teriam alguma utilidade. Se tem con-
dições de realizar os mais diferentes tipos de trabalho, ele conta, no
entanto, com um universo instrumental fechado, recorrendo, segun-
do Lévi-Strauss (1989:33), a
1 36 O vi olão azu l
1 38 O vi olão azu l
1 40 O vi olão azu l
não deixa de ser romântico. Mas também esse intimismo tende a pre-
servá-la, na maioria das vezes, de tentações totalizantes. Os poetas
que, a exemplo de Manuel Bandeira, abraçam a simplicidade não se
colocam, em sua poética, como porta-vozes da nação, mas de redu-
tos ligados à sua experiência, como a Lapa e outros espaços boêmios
que, quando retratados, denotam familiaridade e não estranhamento.
Esse tipo de atitude em muito se assemelha à dos artistas franceses do
final do século, como Baudelaire e Toulouse-Lautrec, que de certa
forma tomam contato com questões “modernas” através do bas-
fond.58
A simplicidade, em sua acepção musical francesa, também se
pauta pela concisão; no Brasil ela se harmoniza, no plano literário, com
o excesso. Mas tal como na França, aqui também se valoriza o popular
sem grandes transfigurações. Os manifestos de Oswald de Andrade são
bastante representativos dessa tendência. Ao invés de adotar a perspec-
tiva essencialista e grave assumida pelo projeto musical nacionalista,
Oswald insurge-se, no “Manifesto antropófago” (1928), contra todas as
catequizações e todos os sistemas:
3
A ci d ad e fr agmen tad a
1 44 O vi olão azu l
A marcha também ficou famosa pela disputa de direitos autorais que ge-
rou. Tratava-se, inicialmente, de música dos irmãos Valença, de Pernam-
buco, que a enviaram à Victor com o título Mulata. A linguagem dos ver-
sos era muito regional; em vista disso, a gravadora pediu a Lamartine que
adaptasse a composição ao gosto carioca. E ele mudou radicalmente o
original: alterou o ritmo, modificou a letra e acrescentou uma introdução
que ficou famosa. A marchinha, finalmente, foi gravada como “motivo do
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59 MPB Pesquisa, 1982a:5. O teu cabelo não nega gerou outra questão controvertida
com relação à autoria: se a célebre introdução incorporada à música é do próprio La-
martine ou de Pixinguinha. Alguns, como Sérgio Cabral (s.d.), a atribuem a Pixingui-
nha; outros, como Suetônio Soares Valença (1981), acham mais provável que o autor
seja o próprio Lamartine.
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1 46 O vi olão azu l
1 48 O vi olão azu l
1 50 O vi olão azu l
Cai, cai, balão (1933), Acorda, São João (1934), Mais um balão e
Olhando o céu todo enfeitado (ambas de 1935).
Seria possível interpretar a preservação dos gêneros de feitio mais
rural como um desvio da tendência reinante na música popular de te-
matizar o urbano, atribuindo então ao compositor que ainda reluta em
abandonar a província uma certa insensibilidade para captar os signos
modernizantes do imaginário carioca. Mas uma segunda reflexão me
leva a sugerir que a própria existência de um mercado no Rio de Janeiro
para esse gênero musical demonstra que as fantasias de modernização
não excluiriam outros registros, como se poderia supor. Aliás, a pressu-
posição de que a partir de um certo momento da história do Rio de Ja-
neiro um tipo de linguagem urbana necessariamente se tornaria hege-
mônico me parece uma atitude reificadora dessas próprias projeções de
uma modernidade emergente. Mesmo porque o processo de urbaniza-
ção do mundo ocidental, principalmente após as revoluções econômi-
cas do século XVIII, não tendeu a promover uma homogeneidade no
plano cultural; pelo contrário, criou condições para o aparecimento de
diferenças acentuadas nos costumes e mentalidades. Gilberto Velho
(1995:229) argumenta que se a grande cidade não inaugura a heteroge-
neidade, ela se apresenta, associada ao capitalismo e à Revolução Indus-
trial, como “locus paradigmático da diferenciação de domínios e papéis
sociais”. Velho aprofunda essa discussão lembrando que, se por um lado
não há como negar que o processo universal de expansão do capitalis-
mo tende a estabelecer certos direcionamentos, particularmente o refe-
renciado à racionalização da vida, por outro, este mesmo processo per-
mite que os indivíduos ganhem flexibilidade para o deslocamento entre
domínios e papéis. Esse tipo de “mobilidade de identidade”, que o autor
denomina metamorfose, teria o poder de relativizar “racionalidades es-
pecíficas em trajetórias e contextos localizados” (Velho, 1995:229-30).
Não se nota, por exemplo, um empenho, por parte dos músicos
populares, em criar uma estética padronizada, que remetesse à idéia de
um estilo carioca. A tendência predominante na música popular é, ao
contrário, para fragmentar, suburbanizar, atribuindo-se — como é o
caso de vários compositores populares — identidades bem definidas a
certas localidades, como a Pavuna, o bairro de Vila Isabel, o morro do
Estácio e assim por diante. Feitiço da Vila, samba que Noel compõe
com Vadico em 1934, é representativo do espírito bairrista que move os
compositores no período. Esse samba dá início a uma polêmica musi-
cal entre Noel e Wilson Batista, no momento em que Wilson, através do
samba Conversa fiada, cita ironicamente Feitiço da Vila:
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É conversa fiada
Dizerem que o samba
Na Vila tem feitiço.
Eu fui ver para crer
E não vi nada disso.
A Vila é tranqüila
Porém eu vos digo: cuidado!
Antes de irem dormir,
Dêem duas voltas no cadeado.
1 52 O vi olão azu l
De um samba-canção
Cidade de flores sem abrolhos
Que encantando nossos olhos
Prende o nosso coração
Cidade notável
Inimitável
Maior e mais bela que outra qualquer
Cidade sensível,
Irresistível,
Cidade do amor, cidade mulher!
Canto
Pelos espaços afora
Vou semeando cantigas
Dando alegria a quem chora
Bum bum bum bum bum bum
Bum bum bum bum
Canto
Pois sei que a minha canção
Vai dissipar a tristeza
Que mora no teu coração
Canto
Para viver mais contente
Pois a ventura dos outros
É a alegria da gente
Bum bum bum bum bum bum
Bum bum bum bum
Canto
E sou feliz só assim
Agora peço que cantes
Um pouquinho para mim
1 54 O vi olão azu l
Tudo acabado
E o baile encerrado
Atordoado fiquei
Eu dancei com você
Divina dama
Com o coração queimado
em chama
[...]
capitulo3 final.fm Page 155 Thursday, December 13, 2007 2:03 PM
[...]
Prossegue embora em flóreas sendas sempre ovante
De glórias cheia no teu sólio triunfante
Que antes que a morte vibre em ti
Funéreo golpe seu... (Talento e formosura).62
61
Matos, 1982:46. É curioso o fato de as canções mais despojadas de Cartola,
como Tive, sim (1968), ou Acontece (1978) — apesar da recaída piegas percebida
no verso “Acontece que meu coração ficou frio/ E o nosso ninho de amor está va-
zio” —, serem composições mais recentes, criadas no final da vida do compositor.
62 Catulo da Paixão Cearense e Cândido das Neves apud Tatit, 1996:32.
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1 56 O vi olão azu l
Papagaio louro
Do bico dourado
Tu que falavas tanto
Qual a razão que vives calado
A malandragem
Eu não posso deixar
Juro por Deus
E por Nossa Senhora
É mais certo
Ela me abandonar
Meu Deus do Céu
Que maldita hora.
[...]
Capineiro marvado
Não capina capina aí
O capinzal é de meu bem
Onde canta o juriti
1 58 O vi olão azu l
E por ser uma paródia, seu modo de se apresentar inclui aspectos de exa-
gero e deformação tão evidentes que o próprio trajar elegante é um dos
elementos pelos quais a polícia o identifica como malandro [...].
1 60 O vi olão azu l
À mer en cór i a lu z d a lu a
Configura-se, portanto, na música popular do período analisado
— anos 20 e 30 — um tipo de democracia musical que tende a refletir
uma percepção de cidade, ou de país, de certa forma semelhante à de al-
guns escritores modernistas. Tudo indica que os compositores popula-
res se mostram mais sensíveis — ou mais receptivos — que os eruditos
para captar os signos modernizantes da cidade. Mas, em vez de adotar
um procedimento excludente, criando fórmulas padronizadas de com-
posição de acordo com determinado registro citadino, esses músicos,
cada um à sua maneira, acionam um leque variado de opções, abrindo
espaço tanto para as novidades quanto para os repertórios associados ao
passado. Assim, torna-se mais fácil entender a coexistência, numa deter-
minada composição, de procedimentos formais em tese incompatíveis
entre si. Como vimos, é comum, nas músicas de Cartola, as letras de teor
melodramático não se adequarem ao espírito inovador da melodia, ou
do ritmo; ou então, como nas marchinhas carnavalescas de Lamartine,
motivos rurais, contidos na letra, invadirem um tipo de forma musical as-
sociada à cidade. Em estudo sobre a diversidade cultural no Rio de Ja-
neiro dos anos 20, André Gardel (1996:45) afirma:
[...]
Ah! Abre a cortina do passado
Tira a mãe preta do cerrado
Bota o rei-congo no congado
Brasil, pra mim
Deixa cantar de novo
O trovador
À merencória luz da lua
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1 62 O vi olão azu l
1 64 O vi olão azu l
peito estufado por ser bem brasileiro, deste Brasil ‘do mulato inzonei-
ro'”. Claudia Matos chama a atenção para o fato de que Aquarela do
Brasil acaba se tornando um modelo para o samba-exaltação. E desen-
volve: “Em termos musicais, o samba-exaltação caracterizava-se pela
imponência dos arranjos orquestrais, enquanto o samba, até então, nor-
malmente se fazia acompanhar de um simples regional” (1982:52).
Esse aspecto cívico da obra de Ari levanta outra questão: a cor-
respondência entre vida e obra em Ari e Noel. A música de Noel reflete
sua trajetória circular — nada heróica — pelos diversos bares de Vila
Isabel, da Lapa, dos morros e do subúrbio do Rio de Janeiro, à procura
do prosaico que marca o cotidiano. Já a estilização promovida no
samba por Ari, tornando-o “sinfonicoso”, a par de letras com teor cívi-
co, corresponde a uma vida devotada às questões públicas, como as
atividades políticas junto à Câmara Municipal do Rio de Janeiro, para a
qual elegeu-se vereador pela União Democrática Nacional.
Apesar de mineiro de Ubá, Ari é figura marcante no cenário mu-
sical do Rio de Janeiro a partir dos anos 20. Sua trajetória profissional,
bastante eclética, é sem dúvida marcada por sua personalidade inquie-
ta, contraditória, ou, como descreve Mariúza, sua filha, “ao mesmo
tempo carismática, marcante e controvertida” (Cabral, s.d.:97). Começa
sua carreira, por exemplo, nos anos 20, como pianista de jazz, ao
mesmo tempo em que estuda direito. Chega a assumir por pouco tempo
(15 dias) o cargo de juiz municipal e retorna à vida artística, caracteriza-
da por grande diversidade: pianista, regente de orquestra, compositor
(inclusive de músicas para peças teatrais) e escritor de espetáculos de tea-
tro de revista. Ingressa definitivamente no rádio a partir de 1932, tornan-
do-se uma figura inovadora nesse veículo, lançando programa de calou-
ros, escrevendo crônicas e quadros humorísticos para Horas do Outro
Mundo, programa em que divide o microfone com Renato Murce, e mais
tarde assumindo a função de locutor esportivo. Em 1935, inicia suas ati-
vidades de jornalista, escrevendo uma seção diária no Correio da Noite
sob o título “Falando a todo mundo”, ocupando-se principalmente em
comentar o rádio e a música popular. A diversidade da atuação de Ari
Barroso por volta de 1936 é relatada por Sérgio Cabral:
66 Sérgio Cabral (s.d.:165, 197) também informa que, nos anos 40, Ari Barroso cria a fi-
1 66 O vi olão azu l
[...]
Este estribilho
Original
Ouvi lá no Municipal
[...]
capitulo3 final.fm Page 167 Thursday, December 13, 2007 2:03 PM
Fez rádio e, como poucos e raros, dando uma enorme vivacidade ao mi-
crofone. Seus programas de calouros marcaram época. Sua participação
no esporte, apaixonada, instigante, sacudia os torcedores, irradiando e
comentando o futebol, com ardor, com mordacidade. E quando a te-
levisão começou a ocupar a sua faixa própria, lá estava ele: música, es-
porte, política, humorismo. Entre os nossos compositores — não resta
dúvida — pode não ter sido o maior sob um ângulo de visão estrita-
mente inventivo, mas foi, de todos, aquele que teve maior presença,
maior personalidade como profissional em situação.
1 68 O vi olão azu l
Salve a morena! —
A cor morena do Brasil fagueiro
Salve o pandeiro!
Que desce o morro pra fazer a marcação...
São são são são...
Quinhentas mil morenas!
Louras, cor de laranja, cem mil...
Salve! Salve! Meu carnaval Brasil!
Salve a lourinha!
Dos olhos verdes — cor das nossas matas...
Salve a mulata!
Cor do café — a nossa grande produção...
São são são são...
Quinhentas mil morenas!
Louras, cor de laranja, cem mil...
Salve! Salve!
Meu carnaval Brasil!
1 70 O vi olão azu l
1 72 O vi olão azu l
68 A denominação advém de Menipo de Gadare, filósofo do século III que deu forma
1 74 O vi olão azu l
1 76 O vi olão azu l
Era uma idéia de Orestes Barbosa, endossada pelo cantor Mário Reis, que
se valeu de seus conhecimentos com integrantes do governo Getúlio Var-
gas para levar dois ministros para assistirem, pessoalmente, à exibição da
orquestra. Mas a idéia não foi adiante. Pixinguinha era [...] o nome mais
indicado para conduzir aquela orquestra, pois, além dos conhecimentos
teóricos de música, tinha uma extraordinária vivência como instrumen-
tista de choro, gênero que pretendeu enriquecer de várias maneiras, in-
clusive com arranjos audaciosos. Chegou a ser acusado de andar “influen-
ciado pelo ritmo e pela melodia de jazz ”, segundo escreveu Cruz Cor-
deiro, na revista Phono-Arte, em novembro de 1929, ao comentar a sua
gravação de Carinhoso. Mas a influência do jazz apontada pelo crítico
não passava de efeitos de instrumentos de sopro que Pixinguinha estava
experimentando e que seriam muito usados nos arranjos que faria na Vic-
tor, quando passou a fazer as orquestrações da gravadora.
73
Ver Enciclopédia da música brasileira, 1977.
74 Ver Enciclopédia da música brasileira, 1977:313.
75 Ver Enciclopédia da música brasileira, 1977:313.
76 A despeito de sua grande incursão pela música popular, Radamés nunca deixou de
compor no registro erudito, atividade para a qual se formou ao longo de muitos anos.
Assim, atuou nas duas áreas ao mesmo tempo: “como compositor de música clássica
e concertista e como instrumentista e arranjador de música popular” (Enciclopédia da
música brasileira, 1977).
capitulo3 final.fm Page 178 Thursday, December 13, 2007 2:03 PM
1 78 O vi olão azu l
Hoje, queremos mostrar toda a arte que pode haver num arranjo de sam-
ba. O samba, esse ritmo que tem sido injustamente combatido por alguns
críticos esnobes que só vêem valor na música estrangeira, é, como gênero
musical, tão bom ou melhor do que o fox americano, o tango argentino,
a canção napolitana ou a valsa vienense. A questão [...] é que essas mú-
sicas dão a impressão de serem melhores, porque são tratadas musical-
mente de maneira mais elevada do que a nossa canção popular. Tudo se
resume, no entanto, numa questão de roupagem, de apresentação. [...]
capitulo3 final.fm Page 179 Thursday, December 13, 2007 2:03 PM
1 80 O vi olão azu l
79
Ascenso Ferreira (1895-1965), poeta pernambucano, “integrou-se ao movimento
modernista (1922), grupo da Revista do Norte, que lançou Catimbó, em 1927” (La-
rousse Cultural. São Paulo, Universo, 1988. p. 317).
capitulo3 final.fm Page 182 Friday, December 14, 2007 4:55 PM
1 82 O vi olão azu l
Uma das mais importantes lojas de Nova York, o Sacks Fifth Avenue, de-
dicou todas as suas vitrines aos lançamentos da moda baseada na baiana
Carmen. Os manequins das vitrines tinham o seu rosto e os seus gestos.
[...] As sapatarias exibiam os mesmos tipos de sapatos que ela usava, de
sola e saltos bem altos, que havia criado para compensar a sua estatura.
E as joalherias passaram a criar pulseiras e colares de fantasia à la ba-
langandans. Caymmi nunca poderia ter imaginado que a letra do O que
é que a baiana tem viria a ser exposta nas vitrines da 5ª Avenida.
81 Sontag, 1983:108.
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1 84 O vi olão azu l
1 86 O vi olão azu l
riquezas naturais
Que Arte não seja porém limpar versos de exageros coloridos. Exagero:
símbolo sempre novo da vida como do sonho. Por ele vida e sonho se ir-
manam. E, consciente, não é defeito, mas meio legítimo de expressão. [...]
(Andrade, M. de, 1966:18).
4
À gu i sa d e con clu são:
tími d o e espalh afatoso
O en gen h ei r o e o br i coleu r
Em análise da música do período modernista, José Miguel Wisnik
desenvolve um aspecto que merece ser aprofundado. O autor distingue,
na tradição européia do modernismo, dois procedimentos estéticos dife-
rentes: um rigor construtivo, como o de Webern,82 que recorre ao mito do
engenheiro — na análise de Jacques Derrida sobre O pensamento selva-
gem, de Lévi-Strauss, “um sujeito que fosse a origem absoluta do seu pró-
prio discurso e o construísse ‘com todas as peças’” —; e o recurso à brico-
lagem, tão caro a Stravinski, Villa-Lobos e a outros compositores da época.
1 90 O vi olão azu l
83
Mello e Souza, 1979:10-2. O princípio da variação, segundo a autora, consiste em
“repetir uma melodia dada, mudando a cada repetição um ou mais aspectos consti-
tutivos dela, de forma que, apresentando uma fisionomia nova, ela permaneça sem-
pre reconhecível na sua personalidade”.
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1 94 O vi olão azu l
85
Ver Paz, 1984; Calinescu, 1987.
86 Ver Nietzsche, 1985.
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Não foi por coincidência que o manifesto de 1909 de Marinetti foi pu-
blicado primeiro na Itália, na revista esquerdista de Ottavio Dinale, La
Demolizione. Por outro lado, deve-se notar que o jovem Boccioni, cuja
carreira foi abortada pela guerra, era um marxista convicto; que os ar-
tistas Carlo Carrà e Luigi Russolo eram anarquistas e Balla, um socialista
humanitário [...] (Perloff, 1993:81).
1 96 O vi olão azu l
87 Perloff, 1993:116.
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1 98 O vi olão azu l
[...] a muiraquitã é uma pedra de cor verde, que Ci, a Mãe do Mato, tira do
colar e antes de subir para o céu dá ao amante, como lembrança dos dias
de plenitude erótica que passaram juntos no Uraricoera; Macunaíma per-
E você sabe muito bem que não sou indivíduo de gabinete. [...] sou um
sujeito que vive na extensão gostosa da palavra. Nada de gabinete. Ho-
mem na rua. [...] Tenho um poder de festas, de convites, amizades, pas-
seios que satisfaço religiosamente. Não dou pra celebridade e eternização
do meu nome a mínima importância. [...] Se escrevo é primeiro porque
amo os homens (1967:115).
[...]
Escrever arte moderna não significa jamais para mim representar a vida
atual no que tem de exterior: automóveis, cinema, asfalto (apud Costa Li-
ma, 1995:52).
Um bailado é uma música sobre a qual caiu um sopro de vida. [...] No pal-
co, as Bodas de Stravinski impressionam tal [como] um trecho religioso.
Força, calma, serenidade, que só se encontram numa grande fé ou num
profundo ceticismo: resulta ser uma fé às avessas. Já Parade, de Satie, en-
tra em cena com sorriso e com beijos à francesa. As danças do malaba-
rista, do palhaço etc. [...] são duma síntese e sutileza tão civilizadas que o
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gênio ainda selvagem da nossa raça não a apreende. O nosso povo, como
o povo russo e em geral todos os povos recém-nascidos, necessita ainda
de um sentimento trágico da vida. A alegria fina e pousada, a tristeza me-
dida, o pudor bem-humorado parecem-lhe sentimentos pouco honrados
de gente decadente.
O n oi r e o solar
21 0 O vi olão azu l
21 2 O vi olão azu l
No gesso branco,
os antigos dias,
os futuros mortos.
Nas mãos caiadas,
as impressões digitais
particulares, os gestos
familiares. Os movimentos
plantados em alicerces,
os olhos bulindo
de vida presa.
Meus primos todos
em mármore branco:
o funcionário, o atleta,
o desenhista, o cardíaco,
os bacharéis anuais,
nos olhando nos olhos
cumprimentando nossas
duras estátuas.
Entre nossas pedras
(uma ave que voa,
um raio de sol)
um amor mineral,
a simpatia, a amizade
de pedra a pedra
entre nossos mármores recíprocos.
(Mello Neto, 1994:70-1.)
94
Campos, Campos & Pignatari, 1975:48.
95
Campos, Campos & Pignatari, 1975:52.
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21 4 O vi olão azu l
96
Campos, Campos & Pignatari, 1975:97-100.
97
Campos, Campos & Pignatari, 1975:99, 109.
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98
Campos, Campos & Pignatari, 1975:150.
99
Campos, Campos & Pignatari, 1975:65.
100 Campos, Campos & Pignatari, 1975.
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21 6 O vi olão azu l
Logo, o bom uísque derrama a ardida cachaça. Assim como a vida “ra-
cionalizada” dos apartamentos impõe-se ao barraco e ao “rancho-fun-
do”, o bas-fond da Cinelândia, com suas melodias grandiloqüentes so-
bre amores descabelados, é trocado pela boate cara, pela voz educada
e pelo brando e contido amor [...] (1989/90:65).
21 8 O vi olão azu l
sido de certa forma “domesticado” por João Gilberto para operar num
registro mais conciso e racional. Basta acompanhar a trajetória de Tom
para ver que esse argumento tem razão de ser, pois logo após o perío-
do inicial da bossa nova o compositor parece romper seus grilhões com
um projeto fechado, voltando a compor no estilo sinfônico e retoman-
do sua vocação para o excesso.
A narrativa de Ruy Castro sobre a produção do LP Canção do
amor demais (1958), considerado um marco da bossa nova, é bastante
reveladora das sensibilidades diferentes de João Gilberto e Tom Jobim.
Na prática, o disco resultou de uma superprodução, pois demandou
muito trabalho para sua concepção e realização, assim como contou com
uma equipe de artistas já consagrados, como João Gilberto, Tom Jobim,
Vinícius de Moraes, Elizete Cardoso, além de instrumentistas importan-
tes, que se encarregaram do acompanhamento. As diferenças entre os
músicos se fizeram sentir desde o início. Foi a partir dessa gravação, por
exemplo, que João Gilberto apresentou em algumas faixas a sua nova
batida ao violão, produzindo um tipo de ritmo que, diferentemente do
samba convencional, permitia ao músico maior liberdade para experi-
mentações harmônicas. No entanto, enquanto João Gilberto buscava
novas linguagens, os demais integrantes do grupo se orientavam por um
estilo mais convencional (pelo menos na visão de João Gilberto). De
acordo com Ruy Castro, João Gilberto não gostava “da gravidade com
que a Divina [Elizete] tratava as músicas, como se fossem peças de algum
repertório sacro — talvez porque as letras fossem de um poeta impor-
tante, Vinícius de Moraes”. João insistia para que Elizete cantasse de ma-
neira mais descontraída (no que não foi ouvido). De modo semelhante,
João Gilberto não apreciava a letra de Vinícius para Serenata do adeus,
que considerava de mau gosto (Castro, 1991:177):
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