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Alma carioca

Por: Helena dos Praseres

Rio de Janeiro- Pouco mais de 16 horas de uma tarde de sábado, indo ao Pagode da tia
Doca, andando dentro do Mercadão em meio a uma grande multidão. Entre as ruas empoeiradas e
fachadas descascadas, observava as artes em grafite que demonstram a potência criativa que há
nesse lugar. Nos quintais de Madureira, esbarro no baile charme, na escola de samba, na feira das
Yabás, no menino soltando pipa, no vendedor ambulante e nas memórias afetivas da cultura preta
que essa morada proporciona.

Durante minha caminhada encontro com Dona Hilda Furacão, que me faz a seguinte
indagação: "Vai no Mercadão da Fé nego?". O seu sotaque baiano foi dando o compasso da prosa,
com o seu andar rebolado, encurvada como uma preta velha. Falava sobre os banhos de ervas e
oferendas para atrair abundância, "Isso porque os tempos não estão fáceis, mas ninguém em plena
sensatez confia no fácil". Dona Hilda com toda sua sabedoria me guia pelos paralelepípedos
enquanto fala sobre os problemas da travessia.

Embaixo de um sol de verão, a capital dos subúrbios se forma em minha direção, através dos
trilhos dos trens que acomodam os artistas de rua, e que ao longo de seu percurso traça em suas
linhas de ferro o sentido à boemia. Olhando pela fresta das janelas dos becos e vielas, noto também
a desigualdade e o abandono sofrido pelos cidadãos. Desconfiados por natureza e malandros o
suficiente para sobreviver a violência de um Rio que finge a inexistência da desigualdade.

Dividindo o ritmo dos andares com o som dos tambores de um atabaque, encontro Ojú Obá e
seus artigos religiosos. Miro a imagem de Seu Zé Pelintra, e peço proteção ao malandro, para esse
povo suburbano onde mora a alma carioca.

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